Editorial Almanaque nº20
KÁTIA MARIÁS
Voilà! Chegamos à vigésima edição do Almanaque! Aqui, você, leitor, poderá realizar um travelling pelo tema do nosso XXII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, “A queda do falocentrismo: consequências para a prática analítica”, que ocorrerá no Rio de Janeiro, de 23 a 25 de novembro. Selecionamos textos importantes e acreditamos que muito auxiliarão e provocarão seu mergulho nas incidências clínicas do declínio dos semblantes, que não oferecem mais a garantia e um arranjo com o gozo regrado pelo falo.
Em Trilhamentos, Jésus Santiago e Camilo Ramirez abordam exuberantemente que o sintagma contemporâneo “declínio da virilidade” não é privilégio da civilização atual. Jésus Santiago, em “Adeus ao pai morto ou clínica da pai-versão”, afirma que o significante-mestre da modernidade, o culto ao ‘Um-inteiramente-só’, contrapõe-se ao ideal feminista de ‘igualdade entre os sexos’ e adverte que o psicanalista surdo à reivindicação feminista da igualdade entre os sexos permanece nas sombras, escutando o inconsciente pela orelha do amor ao pai. Ramirez, em “Vacilações salutares: travelling pela virilidade no século XX”, apresenta retratos de homens no cinema que revelam o quanto a virilidade depende de uma construção fantasmática, na qual o que se destaca não é a elevação fálica, mas certa separação do objeto que vem tamponar a castração. Demonstra, ainda, que cada grande transformação na história mundial produziu um sentimento de desperdício viril ao mesmo tempo que certo triunfo da feminização.
Mônica Campos nos presenteia com a resenha “O saber absoluto e o declínio do viril”, em que J.-A. Miller, a propósito de “Buenos dias, sabiduría”, parte de um problema tratado por Kojève ao saber o que este chama de “verdadeiro mundo novo”. Kojève extrai, das novelas de Françoise Sagan, as consequências do saber absoluto na relação sexual. A época do saber absoluto é, portanto, correlata do declínio do viril, ou, como ele diz, “encontramo-nos em um mundo sem homens”. A tese defendida por Miller é que o declínio e o desaparecimento do viril não são possíveis de serem pensados sem o declínio do pai.
Você encontrará também uma bibliografia sobre o tema da queda do falocentrismo.
Com o rigor e a generosidade que lhe são peculiares, Antônio Teixeira responde, em Entrevista, à duas perguntas cruciais sobre a querela Lacan e Derrida presentes no conto “A carta roubada”, de Edgar Allan Poe, desvelando a verdade precária da ordem fálica e o apagamento de toda referência ao ideal.
Na rubrica Incursões, temos seis textos: três deles de colegas de Minas e outros três produzidos por colegas de outros continentes. Rose-Paule Vinciguerra, em “O avesso da ficção masculina”, afirma que, em relação ao desejo, não é possível concluir tão rapidamente que os homens representam o sexo forte. Na verdade, com uma mulher, um homem não sabe o que fazer. Em “Paradoxal virilidade”, Fabian Fajnwaks constata que, para representar o macho, nossa civilização do empuxo-ao-gozo perdeu tudo no que diz respeito a qualquer semblante, particularmente ao semblante fálico. O verdadeiro ganho de uma análise e a subversão que ela introduz em relação ao triunfo do vazio contemporâneo no que diz respeito aos semblantes é que ela permite situar o real em jogo na fantasia do falasser, autorizando-o a se desidentificar das posições que o impede de aceder a uma posição desejante. Ainda em Incursões, temos alguns textos que dialogam entre si. Philippe Lacadée, em “A violência no jovem: sintoma ou não?”, retoma a intervenção de Jacques-Alain Miller na Jornada do Instituto da Criança para diferenciar a violência do ódio: o amor, como o ódio, são modos de expressão afetiva de Eros. O ódio está do lado de Eros e, portanto, trata-se de um laço social. A violência, por sua vez, está do lado de Thanatos, do lado da morte. Adverte que levar em consideração apenas o comportamento violento pode confirmar e produzir ainda mais violência. Cristiane de Freitas Cunha, seguindo a mesma via que Lacadée no que tange à violência entre os jovens, interroga, em “A radicalização da recusa frente à inexistência da relação sexual”, o radicalismo de algumas das formas contemporâneas da recusa como modalidade de defesa do sujeito diante da inexistência da relação sexual. Ana Maria Lopes parte da polêmica série 13 Reasons Wwhy para diferenciar ‘passagem ao ato’ de acting out para abordar o suicídio na adolescência como paradigma na clínica do ato. Nessa série, a personagem endereça fitas cassetes gravadas por ela mesma, descrevendo os motivos que a levaram ao suicídio. Cada um dos lados dessas fitas revela tentativas de soluções precárias, que se inscrevem na perspectiva especular e dão consistência à erotomania mortífera que se concluirá no ato suicida. Aline Aguiar Mendes aborda, em “O valor de uma aposta: Tecendo a Rede nas instituições de saúde”, a função da conversação para a construção do caso clínico com equipes de saúde mental no campo da infância e da adolescência. A aposta com as equipes é que se tornem aprendizes, introduzindo a dimensão da causalidade, evitando, assim, práticas de controle e segregatórias.
Na rubrica Encontros, os textos de Bernadete de Carvalho e Admardo Gomes Jr., frutos de um seminário clínico no Núcleo de Psicanálise e Direito, discutem subjetividade e trabalho, a partir de fragmentos de casos de psicose. Bernadete, em “O mundo do trabalho e subjetividade nas psicoses: identificações, estabilizações e desencadeamentos”, chama a atenção para o fato de que, depois de tanto afirmar a importância do trabalho como forma de inscrição dos sujeitos no Outro e como um campo de soluções para as inclinações do gozo, ele também é um contexto fecundo para as interpretações delirantes na paranoia. Admardo, em “Conter e contar a vida secreta das palavras”, comenta o filme A vida secreta das palavras, em que vemos as elações estabelecidas pelos sujeitos com o trabalho e as consequências para suas vidas.
Em De uma nova geração, temos “Entre a cruz e a espada: culpa e gozo em um caso de neurose obsessiva”, de Rodrigo Almeida. O autor retoma o tema do masoquismo e as mudanças que Freud introduz ao longo da sua obra, evidenciando sua dimensão econômica e a presença da pulsão de morte na pulsão de vida. Rodrigo Almeida aponta a função que a análise desempenhou em um caso em que o gozo mortífero tomava a cena da vida do sujeito e como foi possível conter algo da ordem da sua atuação.
Vale uma parada sobre os textos que, cuidadosamente, escolhemos para nos orientar durante este semestre e, assim, nos prepararmos para o grande Encontro de novembro, no Rio.
Com a palavra, nossa Diretora de Publicação, Ludmilla Féres Faria:
Este Boletim, de número 20, é o ultimo da diretoria composta por Ana Lydia Santiago, como diretora-geral, e Maria José Gontijo Salum, diretora-secretária. Agradecemos às duas, bem como às colegas Lilany Pacheco, diretora de Seção Clínica, e Graciela Bessa, diretora de ensino, pela oportunidade, confiança e trabalho profícuo durante o biênio 2016-2018. Aproveitamos para renovar, em nome da diretoria-geral e de publicação, nossos agradecimentos à equipe de publicação, que se dedicou, durante este biênio, à construção dos espaços Almanaque, Minas com Lacan e Agenda, além das páginas nas redes sociais. Foi um prazer trabalhar com vocês e gostaria de registrar aqui o nome de cada um: Bruna Albuquerque, Cristina Vidigal, Ernesto Alzalone, Jorge Mourão. Letícia Soares, Lisley Braun, Kátia Mariás, Márcia de Souza Mezêncio, Márcia Bandeira, Maria das Graças Sena, Michelle Sena, Mônica Campos , Renato Sariedinne e Virginia Carvalho.