Sobre A Cólera De Aquiles

JEAN-PIERRE VERNANT

 

Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida,
(mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueuse
tantas almas valentes de heróis lançou no Hades,
ficando seus corpos como presa para cães e aves
de rapina enquanto se cumpria a vontade de Zeus),
desde o momento em que primeiro se desentenderam
o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.[1] 

 

Logo no primeiro canto da Ilíada, Aquiles, em sua cólera, se afirma como o homem da solidão, do heroísmo individual. Para preservar a ideia elevada de que ele tem do ideal heroico, postulado como absoluto de honra, ele se separa de seu grupo. Ao fazê-lo, retira-se da guerra que era sua razão de ser. Situação sem saída da qual sairá por motivos estritamente pessoais, para saciar sua sede de vingança contra aquele que, ao vencer Pátroclo, fez morrer um outro de si mesmo. Ao contrário de Heitor, Aquiles se afasta dos outros gregos associados a ele no combate para preservar até o fim sua identidade de herói singular, quase estranho à condição humana pela elevação de sua coragem e pela superioridade de sua força, para não falar em seu nascimento semidivino. Quando volta para a batalha, não aparece como um campeão do lado aqueu; é uma potência de destruição sem rédeas que guerreia como respira, naturalmente e sem esforço. Só sabe matar, matar sempre, até sua própria morte, não só prevista e aceita, como também assumida como a face secreta, o reverso de seu personagem heroico – essa visão lúcida do mundo da morte ao qual o herói se dedica ao escolher a glória e priva o jogo guerreiro de seu prestígio falacioso. A consciência desabusada de não passar de uma criatura perecível como as outras, até na façanha, torna fútil e derrisória a oposição entre vencido e vencedor, reunidos por destinos semelhantes. Ao contrário de Heitor, Aquiles não é um herói trágico em si: não sucumbe sob o peso de seus próprios erros, de suas ações. Porta-voz do ideal heroico, é mais uma voz que o relato empresta para dar a ouvir sua mensagem trágica, para sugerir, no fim da narração, como uma constatação final, a incompreensibilidade, a vaidade da existência humana mesmo quando, iluminada pelos fogos de artifício da glória, brilha com um esplendor que parece igualar aos deuses.

Entretanto, por ser expressa em uma obra que, devido a sua organização formal, constitui um mundo fechado e harmonioso, um cosmos, essa insignificância da vida humana, ao se ofertar à inteligência estética, é, ao mesmo tempo, deslocada e superada. Deslocada: doravante olhamos para ela de outro ponto de vista, como se estivéssemos ao mesmo tempo dentro e fora da vida, próximos e engajados como um homem, distantes e afastados como um deus. Superada: a insignificância do vivido sofre, na experiência imaginária da arte, uma transmutação, torna-se significação trágica. A desordem, a confusão, o disforme que toda cultura se esforça em rejeitar para fora dela na natureza, sem nunca conseguir plenamente, fornece aos homens a matéria para uma criação original em que tudo é ordem, forma, beleza, porque tudo está organizado no plano da ficção.

O relato da Ilíada, em sua progressão, ilustra o duplo movimento de desorganização e de reorganização, o ir e vir entre a ordem aparente da vida e a desordem que nela se dissimula e entre a desordem assim revelada e uma ordem nova, de um tipo muito diferente. No decorrer da intriga, assistimos a uma espécie de decomposição do mundo heroico. Seguindo a inclinação natural da violência, a guerra, primeiro nobre e cavalheiresca, com seu ideal elevado, suas regras, seus interditos, abre-se para o desencadeamento progressivo da selvageria. Quando a bestialidade a invadiu por inteiro, os heróis dos dois campos se transformam em animais selvagens, em aves de rapina predadoras que, em sua fúria guerreira, não tratam mais o inimigo como um parceiro em um confronto leal, como um homem diferente, mas como uma coisa, uma presa cuja carne crua se quer devorar. A carnificina que a guerra dissimula aflora, de certa forma, nas falas e nas condutas dos heróis que não se contentam em triunfar no combate, mas que maltratam o vencido, mutilam-no, despedaçam-no, dispersam seu corpo, privam-no de sepultura, entregam-no aos cães e às aves por não poder devorá-lo eles mesmos, como se, na guerra, a questão fosse menos vencer, ou até mesmo matar, e sim destruir no inimigo até o último rastro de seu aspecto humano, acabar com seu ser social e pessoal lançando-o para sempre para fora da cultura a que pertence, em um não-ser de caos.

 

[1] Homero, “Canto I”. In: Ilíada. Trad. Frederico Lourenço. Lisboa: Livros Cotovia, 4ª. ed., 2010.



Primeau, Joyce, Wolfson E As Falas Impostas

GISELLE GONÇALVES MATTOS MOREIRA

 

IMAGENS: ÁREA DE SERVIÇO
CURA – CIRCUITO URBANO DE ARTE
BELO HORIZONTE

 

Lacan, em O seminário, livro 23: o sinthoma, afirma que o doente vai mais longe que o homem saudável no que concerne ao testemunho da incidência do parasitismo da fala e se indaga: “Como é que todos nós não sentimos que as falas das quais dependemos são, de algum modo, impostas?” (LACAN, 1975-76, p. 92). Essa questão surge em seu seminário logo após uma apresentação de paciente conduzida pelo próprio Lacan no hospital Sainte-Anne, cujo paciente em questão ficou conhecido por Gerard Primeau. Ao fim da entrevista, Lacan diz aos ouvintes que eles acabavam de testemunhar uma “psicose lacaniana” e chama a atenção para a experiência que o próprio paciente nomeou “falas impostas”. Entretanto, o agravante – que deixa Lacan pessimista em relação ao caso – é o destino dado a essa imposição da fala: Primeau, em um segundo tempo, formula frases reflexivas a partir das falas impostas, mas essas reflexões escapavam de seu controle e podiam ser registradas por outras pessoas. Primeau não podia ajustar sua própria mente, e seus mais íntimos pensamentos estavam a descoberto; ele se diz um “telepata emissor”, e essa construção o leva ao pior.

 

O automatismo mental

 

Gaëtan Gatian de Clérambault, psiquiatra francês designado por Lacan como seu único mestre em psiquiatria, em seu conhecido artigo “Automatismo mental e cisão do Eu” (1920), desenvolve a noção de ‘automatismo mental’, a partir do relato de três casos de sua clínica. Na sua concepção, esse fenômeno teria uma primazia em relação à formação do delírio, ou seja, a construção delirante seria uma reação (interpretativa ou imaginativa) do paciente ao movimento automático das palavras. Portanto, para Clérambault, seria fundamental fazer uma distinção entre “o fato primordial, isto é, o automatismo mental” e “a construção intelectual secundária, a única a merecer o nome de delírio de perseguição” (CLÉRAMBAULT, 1920, p. 166). Nesse sentido, diferentes elaborações ou concatenações podem surgir como tentativas de explicação desse mesmo “material imposto pelo inconsciente” (idem, p. 167), a depender da constituição de cada sujeito.

 

Nota-se que essa concepção da primazia do automatismo mental trabalhada por Clérambault parece cara a Lacan em sua forma de conceber as repercussões das falas impostas presentes no caso de Gerard Primeau, como em suas elaborações sobre a dimensão da linguagem advindas dessa apresentação de paciente e desenvolvidas em O seminário, livro 23: o sinthoma: “A questão é antes saber por que um homem dito normal não percebe que a fala é um parasita, que a fala é uma excrescência, que a fala é uma forma de câncer pela qual o ser humano é atingido.” (LACAN, 1975-76, p. 92). Lacan insiste em ressaltar o caráter de parasitismo da fala, colocando ênfase nessa relação da imposição das palavras que, vindas do campo do Outro, “atingem” o ser. Portanto, nessa concepção da fala como parasita, o “falasser” seria, “em seu corpo, hospedeiro do uso da palavra” (LAIA, 2001, p. 120).

 

Gerard Primeau testemunha sua experiência com as falas impostas e, a pedido de Lacan, dá exemplos de frases que emergem na sua cabeça desvinculadas de um significado imediato. Nas palavras de Primeau: “Ele vai me matar o pássaro azul. É um sistema anárquico. É um assassinato político (…) um ‘assastinato’ político, que é a contração das palavras ‘assassinato’ e ‘assistência’, que evoca a noção de assassinato” (LACAN, 1976, p. 6). Durante a entrevista, Lacan retorna a esse ponto – a essa mistura sonora que se dá por um deslizamento entre assassinato e assistência –, ao que Primeau esclarece que essas palavras “emergem” “espontaneamente”, como “explosões”. Ao evocar essa fala de Primeau em seu seminário, Lacan dirá que vemos muito bem que “o significante se reduz aí ao que ele é, ao equívoco, a uma torção de voz” (LACAN, 1975-76, p. 92). Mais adiante Primeau recorre a outro exemplo: “’Eles querem governar meu intelecto’ é uma emergência. ‘Mas a realeza está derrotada’ é uma reflexão” (LACAN, 1976, p. 12). Desse modo, a partir de uma frase imposta, Primeau acrescenta um “mas” que introduz sua reflexão, numa tentativa de neutralizar a frase anterior.

 

Essas reflexões poderiam ser uma defesa contra a experiência perturbadora com as falas impostas, entretanto, Primeau não conseguia mais ajustar sua própria mente, e seus mais íntimos pensamentos estavam a descoberto: ele se diz um “telepata emissor”. Essa construção o expunha, causando grande “ansiedade”, a ponto de provocar uma tentativa de suicídio.

 

Uma reflexão escrita

 

A partir da experiência de Gerard Primeau com as falas impostas, Lacan evoca o escritor James Joyce ao perceber que a relação do escritor com as palavras também refletia um caráter de imposição: “é difícil não ver que uma certa relação com a fala lhe é cada vez mais imposta (…), a ponto de ele acabar por dissolver a própria linguagem” (LACAN, 1975-76, p. 93). Se, por um lado, a defesa reflexiva de Primeau fracassa, por outro, Lacan localiza que Joyce, no progresso da sua obra, opera uma reflexão ao nível da escrita:

 

Sem dúvida, há aí uma reflexão ao nível da escrita. É por intermédio da escrita que a fala se decompõe ao se impor como tal, a saber, em uma deformação acerca da qual permanece ambíguo saber se é o caso de se livrar do parasita falador (…) ou, ao contrário, de se deixar invadir por propriedades de ordem essencialmente fonêmica da fala, pela polifonia da fala.(LACAN, 1975-76, p.93)

 

Banhado pelos murmúrios da língua, o ato de Joyce é – por intermédio da escrita – o de quebrar, desfigurar as palavras que lhe são impostas, e, no próprio ato de decomposição, reatar o nó, produzindo uma amarração sintomática. Como lê Ram Mandil, há “uma dupla dimensão do sinthoma através desse procedimento da escrita: de uma defesa frente ao ‘parasita falador’, mas, ao mesmo tempo, fonte de uma nova satisfação, de ‘deixar-se invadir… pela polifonia das palavras’” (MANDIL, 2018).

 

Deixar-se atravessar por essa língua desmantelada, gozar da desfiguração das palavras e, por fim, fazer uma tessitura com os pedaços quebrados. Mas essa trama vai além da linearidade da história, se aproximando mais de um encadeamento borromeano, ou, como quer Lacan, de um “trançamento de terra e de ar” (LACAN, 1975-76, p. 163). Cada elemento é tomado em sua cardinalidade: cada palavra é escrita de forma “particularíssima”, ainda que o sentido comum se perca.

 

Podemos notar essa dissolução da linguagem por intermédio da escrita (em que a sonoridade e o ritmo ganham uma prevalência em detrimento do sentido), na seguinte epifania de Joyce:

 

Sr. Vance – (chega com uma vara)… Oh, a senhora entende, ele tem que pedir desculpas, Sra. Joyce.

Sra. Joyce – Oh sim… Ouviu isso, Jim?

Sr. Vance – Senão – se ele não se desculpar – as águias vêm tirar os olhos dele fora.

Sra. Joyce – Oh, mas tenho certeza de que ele vai se desculpar.

Joyce – (embaixo da mesa, para si mesmo)

– Os olhos dele fora

Agora

Agora

Os olhos dele fora.

 

Agora

Os olhos dele fora

Os olhos dele fora

Agora.

(JOYCE, 2018, p. 9)

 

O Schizo e as línguas

 

Depois de recolher algumas pistas sobre a experiência com a imposição da fala em Primeau e Joyce, passemos a Louis Wolfson, escritor norte-americano, autor do livro Le Schizo et les langues (1970). Wolfson se nomeia sempre no impessoal: “o jovem homem esquizofrênico”, “o doente mental” ou, ainda, “o estudante de línguas esquizofrênico”. Trata-se, para o autor, de escrever em livro exatamente o procedimento no qual ele submete a língua, sendo este quase um empreendimento científico.

 

Wolfson opta por escrever em francês pelo fato de o inglês, sua língua materna, lhe causar as maiores perturbações. Deleuze, no prefácio que escreve ao livro Le Schizo et les langues, descreve bem o “procedimento linguístico de Wolfson”, que vai além de uma simples tradução do inglês para o francês:

 

O que o estudante faz é o seguinte: dada uma palavra da língua materna, encontrar uma palavra estrangeira com sentido similar, mas que tenha sons ou fonemas comuns (de preferência em francês, alemão, russo ou hebraico, as quatro línguas principais estudadas pelo autor) (DELEUZE, 1970, p. 17).

 

Como localiza Deleuze, o procedimento de Wolfson consiste em fazer uma tradução que não privilegia apenas o sentido das palavras, mas que busca encontrar, em outras línguas, sons semelhantes, fazendo uma combinação fonética. Para não precisar de se servir do inglês, Wolfson diz preferir fazer uma língua “original dele mesmo” (WOLFSON, 1970, p. 221).

 

Do livro Le Schizo et les langues, retiro a descrição de uma situação em que determinadas palavras são de algum modo impostas ao estudante de línguas. Trata-se de grandes caracteres vermelhos escritos em inglês: “sore throat”. Esse enunciado, que acompanha a propaganda de um remédio, se encontrava espalhado por toda a cidade e atraia involuntariamente os olhos de Wolfson, causando um estado de estupor. Imediatamente uma antiga lembrança infantil era despertada: o prelúdio de uma amigdalectomia, em que sua mãe se dirige a uma enfermeira elogiando sua “baguette mágica”. A obsessão por esse pensamento paralelo fazia com que seu cérebro se tonasse um órgão oco. Desse modo, o termo “sore throat” deixava sua mente dominada. Wolfson encontra uma possível saída para essa perturbação através de seu procedimento linguístico. Ele diz:

 

Mas finalmente – como por quase todas as outras palavras inglesas que o chateava ou o angustiava – o estudante de línguas esquizofrênico encontra os vocábulos estrangeiros, ou ele se lembra deles, nos quais ele poderia pensar por obter o grande alívio quando se aborrece pela expressão sore throat (WOLFSON, 1970, p. 118).

 

Aplicando seu procedimento, Wolfson converte sore (dor) nas palavras alemãs: schmerzhaft, schmerzlich, schmervoll, substituindo o s da palavra inglesa pelo sch alemão, de forma que o sentido e o som fossem considerados. Ele desliza essa substituição até encontrar souffrant na língua francesa, passando ainda por palavras do hebraico, do russo, etc. Desse modo, Wolfson tenta barrar o que ele mesmo nomeia “pensamentos parasitas”, recorrendo aos vocábulos estrangeiros e deformando – a seu modo irônico – a língua inglesa (WOLFSON, 1970, p. 121).

 

Como localiza Deleuze, o estudante de línguas vive com distanciamento a conversão da palavra de origem no novo vocábulo estrangeiro, sustentando sempre um tom protocolar e impessoal, intensificado pela escrita em terceira pessoa: “O procedimento linguístico gira em falso e não reagrega um processo vital capaz de produzir uma visão (…). Em Wolfson o procedimento é ele mesmo seu próprio acontecimento” (DELEUZE, 1970, p. 21). Portanto, o “procedimento linguístico” seria um fazer, ou mesmo uma ajuda contra a construção delirante e contra a voz da mãe, “empurrada” sobre sua cabeça através de palavras injuriosas. Podemos pensar nessa função, mesmo que ele ainda esteja preso, como ressalta Deleuze, às semelhanças de som e sentido entre as palavras de origem e às palavras transformadas pelas línguas estrangeiras, faltando-lhe uma sintaxe criadora.

 

Wolfson diz encontrar um grande prazer no estudo das línguas, assim como na escrita detalhada de seu procedimento: “Mas, mesmo a sua maneira louca, senão imbecil, era agradável estudar as línguas!” (WOLFSON, 1970, p. 70). Ou, ainda, quando questionado por tamanho trabalho, ele reconhece não receber nenhum dinheiro por isso, e diz: “Mas eu existo!” (p. 192). Por fim, Wolfson localiza que seu procedimento linguístico – ou nas suas palavras “o saber ativo, em ato, em operação” (p. 249) – lhe retirava da paralisia que a experiência com as falas impostas lhe causava. Por meio de seus estudos, ele diz se deparar com o belo e, mais ainda, com a possibilidade de ‘gozar da vida’.

 

Três loucuras absolutamente distintas?

 

A partir das diferentes experiências com o parasitismo da fala em Primeau, Joyce e Wolfson, fica evidente como cada um encontra uma solução diferente e absolutamente própria para esse fato primordial que é o automatismo mental, descrito desde Clérambault.

 

Sobre Primeau, temos o registro da entrevista conduzida por Lacan no hospital Sainte-Anne, diante de um público de analistas e psiquiatras. Durante a entrevista, Lacan aposta na habilidade do paciente em operar com a ambiguidade significante, dizendo que ele seria “incontestavelmente um poeta”. Entretanto, essa tentativa de nomeação (um poeta) parece não se sustentar, e Lacan não localiza um saber apontado por Primeau, a partir do qual pudesse regular a perturbadora experiência com as falas impostas. A tentativa de construir uma defesa reflexiva frente ao gozo da língua parece fracassar.

 

Em Joyce, é a partir de sua obra, como de sua biografia, que Lacan percebe que a relação do escritor com as palavras também apontava para esse caráter de imposição. Se, a partir das falas impostas, Primeau faz uma reflexão ao nível do pensamento, de outra forma, a reflexão de Joyce se dá ao nível da escrita. Se Joyce encontra um ponto de amarração sintomática – no caso sua obra, essa “coisa tão particular” –, Lacan não diz o mesmo de Primeau. Ainda em O seminário, livro 23: o sinthoma, Lacan retoma a relação de Joyce com as epifanias, que é também uma técnica da escrita joyceana: “É totalmente legível em Joyce que a epifania é o que faz com que, graças à falha, inconsciente e real se enodem” (LACAN, 1975-76, p. 151). Para Lacan, a epifania é uma consequência do erro do nó, falha que solta o Imaginário. Desse modo, através de sua obra, Joyce faz um laço estreito entre simbólico e real, ou uma “tessitura das palavras impostas”, como quer Sérgio Laia (2001).

 

Por fim, Wolfson. Como destaca Deleuze, seu livro não é nem uma obra de arte nem um experimento cientifico legítimo; seu aspecto original está no fato de ser um “protocolo de experimentação”. Se Joyce se deixa invadir pela polifonia da fala, Wolfson, por intermédio de seu “procedimento linguístico”, tenta destruir a língua materna. Por vezes, Wolfson se culpa por gozar através de suas investigações linguísticas, duvidando da moralidade de suas façanhas intelectuais. De uma oposição radical entre vida e saber, Wolfson, por fim, toma seu procedimento como condição de sair da paralisia e consente com a possibilidade do saber se tornar meio de vida.

 

Seriam três loucuras absolutamente distintas? Primeau, Joyce e Wolfson encontram diferentes soluções diante da experiência com as palavras impostas, seja através de uma defesa reflexiva ao nível do pensamento no caso Primeau, da obra como reflexão escrita em Joyce, seja de um protocolo de experimentação, como faz Wolfson. Entre amarrações e desamarrações, Wolfson, Joyce e Primeau, cada um a seu modo, lançam mão de recursos que tratam, compensam ou mesmo fracassam em fazer uma defensa frente ao gozo da língua.

 


Referências
CLÉRAMBAULT, Gaëtan. (1920) “Automatismo mental e cisão do Eu (Apresentação de pacientes)”, Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo: vol.2 n.1, 1999, p. 160-168.
DELEUZE, Gilles. (1970) “Louis Wolfson, ou o procedimento”, In: Crítica e clínica. São Paulo: Editora 34, 1997.
JOYCE, James. Epifanias. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018.
LACAN, Jacques. (1975-1976) O seminário, livro XXIII: O sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2007.
LACAN, Jacques. (1976) “Uma psicose lacaniana: entrevista conduzida por Jacques Lacan”. In: Opção Lacaniana. São Paulo, abril/2000, p. 5-16.
LAIA, Sérgio. Os escritos fora de si – Joyce, Lacan e a loucura. Belo Horizonte: Autêntica/FUMEC, 2001.
MANDIL, Ram. “Los signos discretos de la locura en James Joyce”, Revista Mediodicho, Córdoba. No prelo.
WOLFSON, Louis. (1970) Le Schizo et les Langues ou la Phonétique chez le psychotique. Paris: Gallimard, 1970.

GISELLE GONÇALVES MATTOS MOREIRA
Mestranda em Letras (Estudos Literários) pela UFMG. Aluna do Curso de Formação em Psicanálise do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental – MG. Rua Manaus, 341/103 giselegmm@gmail.com



O Que A Histérica Quer Saber?

GRACIANA GUIMARÃES

 

 

Neste trabalho pretendo investigar a posição em que a histérica se coloca frente a sua busca por saber. Na tentativa de localizar o saber no Outro, a histérica esquiva-se do seu próprio saber sobre seu gozo, como tentaremos averiguar a seguir.

 

O saber em psicanálise

 

A palavra ‘saber’ deriva do latim sapere, que se refere a “ter conhecimento, ciência, informação ou notícia” e “ter sabor, agradar ao paladar” (CUNHA, 1982, p. 695). No decorrer do ensino de Lacan, essa palavra adquire um sentido diferente, se afastando dos termos ‘conhecimento’, ‘ciência’ e ‘informação’ para, então, o saber flertar com o ‘sabor’ da verdade.

 

O saber em psicanálise difere do conhecimento, e é isso o que Lacan explicita em “o que descobrimos na experiência de qualquer psicanálise é justamente da ordem do saber, e não do conhecimento ou da representação”. O saber está relacionado a um encadeamento significante, “trata-se precisamente de algo que se liga, em uma relação de razão, um significante S1 a um outro significante S2”, e não ao acúmulo de conhecimento, informações acerca de uma realidade (LACAN, 1969-70/1992, p. 30).

 

Lacan, no seminário 17, explica que “saber é coisa que se diz, que é dita… o saber fala por conta própria – eis o inconsciente” (LACAN, 1969-70/1992, p. 73). Nesse sentido, saber e inconsciente se parelham, podendo sugerir que o saber é inconsciente, um saber que não se sabe. É pela surpresa, quando o sujeito se sente ultrapassado, pelo que Freud denominou fenômenos do inconsciente, que esse saber aparece. Nesse tropeço, nessa hiância, produz-se um achado, que, para o sujeito, tem um valor único, de verdade (LACAN, 1964/2008).

 

Também nesse seminário 17, Lacan estabelece os quatro discursos, importantes para a compreensão do que pretendemos neste trabalho, sendo eles o discurso do mestre, o discurso da universidade, o discurso da histérica e o discurso do analista. Luiz Henrique Vidigal, em Ensaios sobre os discursos em Lacan (sd), lança luz sobre como esses discursos são constituídos. Em cada um desses discursos observa-se que se delimitam quatro lugares ocupados por quatro letras diferentes. Essas letras circulam na mesma orientação e ocupam lugares de acordo com o discurso a que se referem, como pode ser visto abaixo:

 

 

O S1 corresponde ao significante mestre; S2, ao saber; $, ao sujeito; e a letra a corresponde ao mais-de-gozo. Os lugares são de agente, de Outro, de produção e de verdade, que se posicionam da seguinte forma:

 

 

O lado esquerdo, onde estão os lugares de agente e verdade, pode ser entendido como sendo o campo do próprio, do íntimo, daquele que sustenta o discurso. O lado direito sendo o campo da alteridade, onde estão os lugares do Outro e da produção (VIDIGAL, sd).

 

No seminário “O avesso da psicanálise”, como explicita Vidigal, “Lacan substitui o campo do Outro pela bateria de significantes (S2) que forma um campo não disperso, já estruturado de um saber” (VIDIGAL, sd, p. 16). Um significante externo (S1) intervém no campo já constituído de outros significantes (S2), e a articulação desses significantes faz surgir $, denominado sujeito dividido. Desse trajeto de S1 a S2 aparece algo definido como uma perda, designado pela letra a como objeto a, mais-de-gozo (LACAN, 1969-70/1992).

 

Essa articulação de significantes importa para compreender as nuances do saber. O saber deriva do traço unário, em que um significante S1 faz uma primeira marca e, a partir daí, se liga a um outro significante S2. Essa ligação S1-S2, de uma articulação significante, de um saber em trabalho, instaura a dimensão do gozo. O saber trabalhando produz uma entropia, uma perda introduzida pela repetição, em que se estabelece um mais-de-gozar a recuperar. O gozo seria um movimento de recuperação dessa perda, de algo que se perdeu por esse trabalho do saber instaurado na articulação significante. Como tentativa de preencher essa perda, surgem então objetos (objeto oral, anal, escópico e vocal) denominados objetos a. É a partir do saber como meio de gozo que se busca um sentido, mencionado por Lacan como um sentido obscuro, que é o da verdade (LACAN, 1969-70/1992).

 

Lacan, em Radiofonia, nos diz “É que, da verdade, não temos que saber tudo. Basta um bocado…”, e ainda, “o real não é antes de mais nada para ser sabido” e “a verdade situa-se por supor o que do real faz função no saber” (Lacan, 1970/2003, p. 442 e 443). Uma verdade que só é acessível por um semidizer, alerta Lacan no seminário 17, que não pode ser dita por inteiro, porque, para além de sua metade, é indizível (LACAN, 1969-70/1992).

 

Também em Radiofonia, Lacan ironiza que com a verdade não se pode estabelecer relação amorosa possível, a não ser a qual ele garante ser segura, com a castração (LACAN, 1970/2003). “O amor à verdade é o amor a essa fragilidade cujo véu nós levantamos, é o amor ao que a verdade esconde, e que se chama castração”. Então, a verdade se liga à impotência. O amor à fraqueza, à impotência, isso é a essência do amor, é dar o que não se tem a fim de reparar essa fraqueza original (LACAN, 1969-70/1992, p. 54).

 

A histérica e o saber

 

Nos quatro discursos elaborados por Lacan, o saber, S2, ocupa diferentes lugares em cada um deles, e neste trabalho deterei principalmente nos discursos do mestre e da histérica, os quais nos ajudarão a compreender, de certa forma, a relação da histérica com o saber.

 

No discurso do mestre, o saber está essencialmente no lugar do Outro, o do escravo, que possui um saber-fazer referente à produção de gozo. E o mestre, por sua vez, busca extorquir o escravo a fim de recuperar o resto de um gozo perdido (NAVAEAU, 2017).

 

No discurso histérico, o saber está colocado no lugar de gozo, e o mestre é quem trabalha para produzi-lo. A histérica se embaraça, interroga o mestre, S1, sobre sua relação com o saber, S2, como visto no seu discurso essa relação sugerida, S1/S2. Esse questionamento remete-se ao valor de a, sobre o que ela mesma seria, uma pergunta lançada no campo do Outro sobre algo que está no seu próprio campo, $/a, e o que escapa ao saber (NAVAEAU, 2017).

 

Ela quer que o Outro seja um mestre, daí S1 situado à direita acima, no discurso da histérica, e que esse mestre saiba de muitas coisas, mas não tantas a ponto de acreditar ser ela o prêmio máximo de todo o seu saber. Ela quer um mestre sobre o qual ela reine e ele não governe (LACAN, 1969-70/1992).

 

No discurso histérico está instituída a pergunta sobre o que vem a ser a relação sexual, de como um sujeito pode sustentar ou não essa relação. Colocando o Outro como lugar desse saber, o sujeito histérico mostra-se estranho ao que de fato está em jogo no saber sexual, permanecendo, assim, um saber recalcado (LACAN, 1969-70/1992).

 

O sujeito histérico se aliena do significante-mestre o qual efetua a divisão do sujeito e se recusa a dar-lhe corpo, explicitado por Helenice de Castro (2018) como “uma recusa do corpo ao efeito de castração determinada pela incidência do S1”. Na recusa do corpo, o sujeito não se coloca como escravo frente ao significante-mestre. A histérica faz a seu modo, então, uma espécie de greve, como disse Lacan no seminário 17, e não entrega o seu saber. Ela desmascara a função do mestre, mas permanece solidária valorizando o que há de mestre no que é o Um, esquivando-se, assim, de ser objeto de desejo (LACAN, 1969-70/1992).

 

Para a histérica, o não saber ser a mulher a coloca em uma posição de enunciação, na qual o gozo do homem é posto como um saber da mulher. E que ela, por sua vez, acredita não saber como proceder nem o que é preciso fazer para o gozo do homem. E, ainda, acredita existir a mulher detentora desse saber. O problema para a histérica não é o gozo feminino, mas sim o gozo masculino. “É saber se o homem é um homem, se ele sustenta o Um”, se ele não tem medo da castração, se ele consegue ser um mestre e se é capaz de colocar em jogo o Um da vida. Então se direciona à outra que ela julga ter esse saber, do gozo do homem, e a faz seu objeto de admiração e adoração (NAVAEAU, 2017, p. 165).

 

A hiância entre a histérica e a mulher, a que sabe, instaura um conflito em que mesmo a histérica não alcançando o gozo todo da mulher, que é impossível, não se cansa de desejar esse todo, permanecendo o seu desejo sempre insatisfeito e recusando os gozos relativos.

 

Nesse sentido, a histérica se vê dividida entre o gozo e o desejo, caracterizado pela relação que ela estabelece com a mulher. A histérica não é nem a mulher, a que sabe, nem uma mulher, a única de um homem (NAVAEAU, 2017).

 

O saber de Dora: o que ela nos ensina?

 

O caso Dora, publicado por Freud em 1905, exemplifica a relação da histérica com o saber, e é relembrado por Lacan em diversos momentos em que aborda a temática da histeria. Dora chega a Freud levada pelo pai. A perda da consciência após uma breve discussão com esse pai foi o acontecimento último que, mesmo relutante, a fez aceitar o tratamento. As intrigas em que Dora se envolveu na relação que se estabeleceu entre ela, o Sr. K., a Sra. K. e seu pai diz da forma como ela conseguiu lidar com cenas nomeadas por Freud como traumáticas – a cena do lago, em que o Sr. K. faz uma investida amorosa a Dora, e uma cena anterior, quando esta tinha quatorze anos, em que o Sr. K. a imprensa num vão de janela e a beija. Associado a isso, o pai, que mantém um caso amoroso com a Sra. K. e é visto basicamente pela filha, enquanto a mãe pouco aparece, envolvida apenas com as tarefas domésticas (FREUD, 1905/1996).

 

A relação estabelecida entre a Sra. K. e seu pai faz sustentar para Dora o desejo do pai idealizado. Lacan, no seminário 17, relembra a situação delicada de saúde do pai de Dora, que escancara o homem castrado, e isso inclusive em relação a sua potência sexual. O pai, em sua destinação simbólica, como um ex-combatente, ex-genitor, está sempre em potência de criação. Esse papel-mestre que o pai ocupa no discurso da histérica, sob a perspectiva de potência de criação, é o que faz sustentar sua posição em relação à mulher, mesmo esse pai estando fora de forma, como disse Lacan (LACAN, 1969-70/1992). Como aquele que já não possui e, ao mesmo tempo, possui o órgão, faz com que o pai não possa ser castrado, pois já o é desde sempre. A histérica mantém o pai nessa posição idealizada, tirando-o do combate, o que faz sustentar a crença de acesso a um gozo absoluto. Com o vislumbre ao gozo absoluto, a histérica recusa o gozo sexual, já que, neste, ela se depara com o gozo relativo que surge do embaraço da relação com o outro, dos entraves da questão da potência e impotência do órgão masculino (CASTRO, 2018).

 

Não é o órgão de Sr. K. que Dora disputa com a Sra. K., mas sim a joia que seu pai, impotente, dá a sua amante. No caso de Dora, a Sra. K. ocupa a posição de suposto saber, em que ela dirige sua admiração e adoração. A Sra. K. é a mulher que sabe o que fazer para o gozo do homem, nesse caso, o de seu pai, e é a ela em que Dora se interroga sobre o que é o gozo. Dora demonstra como a transferência na histérica é orientada em direção à mulher e como esse amor se endereça ao saber (NAVEAU, 2017).

 

Na cena do lago, algo que se sustentava na relação entre o quarteto Sr. e Sra. K., Dora e seu pai, se desmorona. Quando Dora questiona o Sr. K. sobre sua mulher, e este diz “minha mulher não é nada para mim”, ela se depara com duas situações. Tem-se, então, a queda da mulher, quem ela julgava ter o saber sobre o gozo e quem sustentava o desejo do pai idealizado. E também, nesse momento, o gozo do Outro é ofertado diretamente a ela, o que ela rapidamente recusa, esbofeteando o Sr. K., porque, na verdade, o que ela quer é o saber como meio de gozo (LACAN, 1969-70/1992).

 

No segundo sonho de Dora, seu pai está morto, e ela é convidada a comparecer ao enterro. Ela até tenta ir, mas se vê em sua casa vazia, folheando um grande livro, um dicionário. Nesse sonho, observa-se a passagem pelo pai idealizado: o pai está morto, e evidencia-se a manobra histérica de instalar o saber como meio de gozo quando Dora escolhe folhear o dicionário. Dora encontra um substituto para esse pai em um livro, um livro em que se ensina o que diz respeito ao sexo, como salienta Lacan. E isso demonstra que o que de fato importa a Dora, para além inclusive da morte de seu pai, é o que ele produz de saber, de um saber sobre a verdade (LACAN, 1969-70/1992). Dora, ao fazer confusões com as intrigas envolvendo seus familiares, é levada a Freud como mentirosa, e é no percurso da análise que ela pôde fazer valer a sua verdade (LAURENT, 2007 apud CASTRO, 2018). “Isto é o que lhe bastará da experiência analítica. Essa verdade em que, preciosamente, Freud a ajuda” (LACAN, 1969-70/1992, p.102).

 

Esse momento, como salienta Helenice de Castro (2018), teria sido uma virada na análise de Dora que, caso tivesse continuado, poderia ter construído um saber que a aproximasse de seu modo particular de gozo, desvinculado daquele ligado à privação em que ela se encontrava.

 

Conclusão

 

A partir da escrita deste trabalho foi possível verificar que esse questionamento da histérica ao Outro, de buscar o saber no campo do Outro, só a faz distanciar mais do seu próprio saber sobre o seu gozo. A histérica, então, não quer saber nada sobre o seu próprio gozo, e isso, de certa forma, seria uma defesa. Ao sustentar um mestre potente, detentor de um saber total, a histérica esquiva-se de deparar com a impotência, com a castração. Com a possibilidade de um trabalho em análise, como visto no caso Dora, essa figura de mestre pode se esvair aos poucos. Com isso, é possível dar lugar à construção de um saber sobre a própria verdade, sobre o que há de particular no gozo de cada histérica.

 


Referências
CASTRO, H. de. (2018) Neurose sem Édipo: Enxame#1. Disponível em: <http://jornadaebpmg.blogspot.com/2018/05/enxame-2-2-pingos-nos-is.html> Acesso em: 13 jun. 2018.
CUNHA A. G. da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1882.
FREUD, S. (1905) ”Fragmento da análise de um caso de histeria”, In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud v. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
LACAN, J. (1969-70) O Seminário. Livro XVII: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992.
______ (1964) O Seminário, Livro XI: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
______ (1970) “Radiofonia”, In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 403-447.
NAVEAU, P. O que do encontro se escreve. Estudos Lacanianos. Belo Horizonte: EBP, 2017.
VIDIGAL, L. H. Ensaios sobre os discursos em Lacan. Belo Horizonte: Editora Tahl, sd.

GRACIANA GUIMARÃES
GRACIANA GUIMARÃES Aluna do curso de psicanálise do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental – MG