A Histeria E Os Nomes Do Pai
LAMA -RICHARDSON PONTONE
Uma inquietude contemporânea vem dando nova forma à subjetividade. A palavra contemporânea diz da atualização que a modernidade faz com essa inquietude, que já está posta desde os primórdios do psiquismo. A maneira de lidarmos com isso se modifica concomitantemente às transformações culturais.
Campos (2011, p. 13) esclarece que “uma nova ordem, já prenunciada no apagar das luzes do século XX, emerge como fruto de uma precarização da eficiência simbólica, da fugacidade do imaginário e das eventualidades do real”. As mudanças culturais vividas nas últimas décadas nos colocam em impasses com a civilização e nos fazem romper com as tradições. Vivemos uma modernidade pautada nos discursos da ciência e do capitalismo, que promovem uma desorganização simbólica e nos trazem, como uma das consequências, a pluralização do nome do pai.
Com a intenção de localizar as questões que a contemporaneidade me traz, interessou-me discutir a histeria quando não nos servimos mais, como antes, do nome do Pai, e sim dos nomes dele.
A precariedade do Pai
Vivemos uma mudança de paradigma em todo o cenário social, cultural e, consequentemente, analítico. A fragilidade simbólica é constatada na fluidez das relações e na falência das hierarquias. Miller (2015, p. 6), no seu texto “Em direção à adolescência”, aponta que “entre essas mutações da ordem simbólica, primeiramente a principal, a saber, é o declínio do patriarcado”.
A precariedade do nome do pai é evidenciada pelas “mutações simbólicas” e confirmada pela prevalência dos discursos das ciências e do capitalismo. Brisset (2012, p. 190) nos esclarece que:
“O mundo hoje não é mais freudiano, ele é lacaniano. E a tarefa incessante da falsa científica não é mais lançar um novo objeto, mas fabricar, em série, infinitas réplicas do único objeto que interessa: o objeto a no Zênite social. Talvez seja, desde essa virada, visando eliminar o impossível e alcançar o ilimitado infinito, que vimos um desenvolvimento científico desenfreado visando novas tecnologias – tecnologias voltadas para fabricação de toys para satisfação do imperativo de gozo.”
Campos (2011) conclui que a crise do simbólico tem afetado todas as ideologias, todavia, fez incrementar o discurso cientificista das manipulações genéticas, das falsas ciências e das novas tecnologias.
Sabemos que as ideologias políticas se esvaem neste contexto atual e nos traz um outro indicativo da precariedade paterna. No percurso histórico, assistimos à verdade do totalitarismo, que se encontrava em um único lugar, ser dividida na democracia. Em “Instituições milanesas”, Miller (2011, p. 14) esclarece que “o totalitarismo (…) era a esperança de suprimir a divisão da verdade, de instaurar o reino do Um na política” e diz que “o triunfo da democracia que vai de vento em popa no pensamento contemporâneo (…) não gera o mesmo entusiasmo, podendo inclusive ser avaliado por um efeito depressivo; ele o comporta na medida em que implica a aceitação da divisão da verdade”.
A divisão abre uma fenda, aponta uma falta que o Um do totalitarismo parecia preencher. Abre-se então um buraco que a ciência promete cobrir. Cada vez mais, objetos são produzidos e oferecidos como garantia da totalidade. Somos levados a consumir desenfreadamente, criando um ciclo de gozo sem fim.
O que o discurso da ciência promete, em aliança com o capitalismo, na verdade não se cumpre, e a “falta” aparece a cada vez que esse objeto fracassa em sua promessa. A função paterna, nos tempos de hoje, desprovida de sua força simbólica, faz sintoma e, segundo Miller (2011, p. 14), “o sintoma aparece como o regime próprio ao gozo, o sujeito – ou mais precisamente o ser vivente que fala – experimentando-o necessariamente como tal”.
As consequências analíticas das transformações citadas são vistas também na clínica da contemporaneidade, que nos traz, cada vez menos, sujeitos da dúvida. Partimos de interpretações que davam um sentido, pautadas na clínica do Nome do Pai, do complexo de Édipo, de Freud, para a clínica do real, de Lacan, do sem sentido. Lacan (1998, p. 598) afirma que “na atualidade a interpretação ocupa um lugar ínfimo, e não porque ela tenha perdido o sentido, mas porque a abordagem do sentido traz sempre um embaraço”.
Do Versagung às estruturas psíquicas
Sabemos que o sujeito, antes de nascer, já faz parte de uma estrutura simbólica (familiar, cultural, social). O “outro” que representa o simbólico, anterior ao sujeito, terá influências determinantes em sua estruturação psíquica e em sua maneira de estar no mundo.
Freud (1912/2016, p. 71) nos disse que “o motivo mais evidente, mais fácil de ser descoberto e mais compreensível para o adoecimento neurótico reside no fator externo que, de maneira geral, pode ser descrito como impedimento (Versagung)”.
O impedimento tratado por Freud diz de um impedimento ao estado anterior à linguagem:
“Trata-se, portanto, de um conflito entre a exigência pulsional e a reclamação da realidade e isso acarreta um efeito patogênico, pois represa a libido e, assim, submete o indivíduo a uma prova de quanto tempo pode tolerar esse aumento da tensão psíquica, e que caminhos irá tomar para se livrar dele (FREUD, 1940/ 2014, p. 200).”
Os caminhos escolhidos dirão das estruturas psíquicas que se formaram a partir desse impedimento. Acredita-se que houve uma perda de um estado de completude, e a maneira com que cada um irá lidar com isso dirá da sua estrutura. Parte dessa equação é recalcada e algo se perde. Essa perda faz uma “fenda” no sujeito, que representará a falta de um objeto. Lacan (1956-57/1995, p. 35) nos diz que “jamais, em nossa experiência concreta da teoria analítica, podemos prescindir de uma noção de falta do objeto como central. Não é um negativo, mas a própria mola da relação do sujeito com o mundo”.
Um confronto neurótico
A fenda que marca o sujeito e dá início a sua vida psíquica irá colocá-lo diante da castração. Sabemos que a castração nos aponta uma perda simbólica, uma falha que ocorre na tentativa de traduzir o real em linguagem.
O sujeito neurótico é confrontado com a castração do Outro. Ciente dessa castração, o recalque desloca esse saber para o inconsciente na tentativa de livrar-se da angústia que o saber da falta produz.
Todas as estruturas neuróticas passam por esse processo, e as particularidades de cada uma se diferenciam nas posições que os sujeitos têm diante das tentativas de retorno do que foi recalcado.
Naveau (2107, p. 56), em O que do encontro se escreve, nos diz que “na relação do sujeito com a castração, trata-se de sua relação com a castração do Outro e, mais exatamente, da consequência, no que concerne à sua relação com a castração do Outro” e cita Lacan no seminário A transferência: “sem dúvida, existe algo mais neurotizante que perder o falo, é não querer que o Outro seja castrado”.
Falo, desejo e o Édipo
Na constituição do sujeito, ao nascer, a criança ocupa o lugar de falo da mãe, ou seja, aquilo que supostamente completa essa mulher. Nesse lugar de ser o que a mãe deseja, a relação que se estabelece entre ela e o filho fica desprovida de qualquer possiblidade da dimensão do desejo, pois só o filho lhe basta. A criança vai surgir como significado desse desejo, ou seja, como ponto de irrupção no que há de ilimitado no desejo materno.
Na medida em que a mãe começa a desejar algo para além do filho, o que é marcado pela presença do pai (Outro), surgem na criança questionamentos acerca do desejo dessa mãe. Toda essa trama traz para ela a possibilidade do desejo e a faz verificar que a questão do desejar está mediatizada por um Outro. Isso nos indica uma condição estrutural do sujeito sobre o seu desejo, que é o enigma do desejo do Outro.
Considerei importante passar por essas articulações do desejo para marcar, mais uma vez, que é pela falta que se constitui o sujeito e dizer que, para histérica, a falta é determinante. A mãe, ao se referenciar ao Outro para dizer do seu desejo, esse outro, supostamente, é entendido como o que falta a ela, o pênis (falo). Esse ponto anatômico faz toda a dissimetria entre as estruturas, marcando um caminho específico para as histéricas no percurso do Édipo.
Lacan (1955-56/1988, p. 206) nos adverte:
“Não há, propriamente, diremos nós, simbolização do sexo da mulher como tal. Em todo o caso, a simbolização não é a mesma, não tem a mesma fonte, não tem o mesmo modo de acesso que a simbolização do sexo do homem. E isso, porque o imaginário fornece apenas uma ausência, ali onde alhures há um símbolo muito prevalente.”
Isso nos aponta que a identificação sexual da mulher passa pela falta no real.
Enquanto o menino, no seu complexo de Édipo, segue com seu objeto de amor (a mãe) e só o abandona pela angústia de castração, que seria a ameaça do pai de eliminar-lhe o falo (o pênis), abre mão dessa posição de objeto do desejo da mãe, possibilitando sua saída do complexo de Édipo. Já a menina precisa, nesse percurso, abandonar seu objeto de amor pela angústia da castração – a falta do pênis (falo) – e seguir até o pai (o Outro) na tentativa de que esse outro possa dar a ela o que ela não tem. Freud (1933/2018, p. 335) nos disse que “a menina permanece nele por tempo indeterminado, só o desconstrói mais tarde e de maneira incompleta”. A menina precisa ir até o Outro para significar essa falta.
Lacan (1956-57/1995, p. 207) dirá que “um dos sexos é forçado a tomar a imagem do outro sexo por base de sua identificação (…) O fato não pode ser interpretado senão na perspectiva em que é a ordenação simbólica que regula tudo”. No entanto, o significante dado por esse Outro não recobre toda a falta, e o que fica descoberto é recalcado.
Impasses histéricos
Esse movimento identificatório que é posto à menina – ora com a mãe, ora com o pai – apresenta o enigma e traz questões que dizem da histeria: o que as mulheres desejam nos homens? O que os homens desejam nas mulheres?
Esse ato de tomar para si a castração do Outro faz com que a histérica assuma a posição de um não saber. A questão com o saber está posta para histérica desde o início. Lacan, no Seminário 17 (1969-70/1992), irá dizer que há uma relação primitiva entre o saber e o gozo. Perde-se alguma coisa e é preciso compensar essa perda. O movimento compensatório faz gozo. Lacan vai nos mostrando como as questões que acompanham a histérica, nesse contexto de querer saber, faz com que o seu desejo esteja sempre implicado pela via do Outro, além de modular o seu modo de gozo.
As questões são pontos fundamentais na estrutura da histeria. As perguntas sobre o que desejar, o que é ser mulher, o que o homem deseja, irão funcionar como um guia na sua busca de respostas para sua vida. O que a histérica quer é um mestre, nos disse Lacan (1969-70/1992). Porém, ainda que a histérica se apresente querendo saber, na verdade, esse saber faz revelar a castração do outro, o ponto gerador de sua angústia, então há um recuo diante desse saber.
Retomando Lacan (1969-70/1992, p. 17), no seminário 17, “para estruturar corretamente um saber, é preciso renunciar a questão das origens”. A histérica, para suportar a angústia da castração do outro – um saber ordinário –, renuncia e, a cada possibilidade de um retorno do que foi renunciado – recalcado –, é elegido um outro que supostamente saiba responder às suas questões.
Isso se torna um ciclo no movimento da histeria, “ela quer que o outro seja um mestre, que saiba muitas e muitas coisas, mas, mesmo assim, que não saiba demais (…)” afirmou Lacan (1969-70/1992, p. 136).
Haverá sempre questões que a farão ir em busca de respostas que serão insuficientes, marcando sua insatisfação e fazendo com que reinicie a busca pelo saber. A insatisfação funcionaria aí como um recurso para afastá-la da angústia e colocá-la sempre em movimento.
No contexto vigente, em que impera o discurso da ciência, que quer garantir tudo na era do capitalismo e da pluralização dos nomes do Pai, quando assistimos a um deslocamento do saber organizado pela lógica fálica para tantos outros modos de organização do saber em sua relação com o furo, perguntaria: como fica o movimento das histéricas, cujo sintoma, segundo Laurent (2013), “advém do amor ao pai”?
Aqui, não pretendia responder as questões; o trajeto que anunciei, de fundamentá-las, se cumpre e deixa um desejo enorme de seguir na investigação de tantas outras questões com as quais me encontro depois desta tentativa de cobrir um “furo” encontrado nessa jornada dos estudos – não podia ser diferente!