COMENTÁRIO AO TEXTO DE SUZANA BARROSO NA XXIV CONVERSAÇÃO CLÍNICA DO IPSM-MG

LILANY VIEIRA PACHECO
Analista Praticante. Membro da EBP-MG/AMP. Diretora-adjunta do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais. Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente (Ciências da Saúde) pela UFMG |
lilanypacheco@gmail.com 

Resumo: Comentário ao texto de Suzana Barroso na XXIV Conversação Clínica do IPSM-MG.

Palavras-chave: Falasser, ato, jaculação

Abstract: Commentary on the text presented by Suzana Barroso at the XXIV Clinical Conversation of the Institute of Psychoanalysis and  Mental Health of Minas Gerais (IPSM-MG)

Keywords: speaking being; act; jaculation.

 

Imagem: Jayme Reis

 

 

Agradeço o convite e me sinto muito honrada por participar da XXIV Conversação da Seção Clínica do IPSM-MG, desta vez sob os auspícios do Núcleo de Psicanálise com Crianças. Agradeço também, e principalmente, a possibilidade de conversar com vocês sobre um tema tão candente quanto os efeitos do Real da pandemia sobre os falasseres ao introduzir uma realidade para além da realidade psíquica. A pandemia é ininterpretável, e cabe a nós, enquanto psicanalistas à altura da subjetividade de nossa época, distinguir esse universal das singularidades de cada um, a cada vez, a cada sessão, face às exigências da pandemia e seus efeitos.

Foi partindo dessa perspectiva que colhi do texto de Suzana Barroso a construção que ela faz em torno do caso Paulinho ao demonstrar que algumas demandas feitas aos psicanalistas de atendimento on-line puderam vivificar a psicanálise. Suzana anota, a propósito do caso Paulinho, a importância de se verificar a constituição do lugar do Outro como intérprete do que se passava com a criança, ponto no qual ela interroga se as funções de interpretação e transmissão atribuídas ao Outro parental estariam sendo debilitadas pela intervenção do discurso do mestre contemporâneo. Suzana aponta aí a importância de viabilizar que a criança seja falada por seus pais e que o analista opere promovendo o enlaçamento do infans ao Outro que o constitui. Encontramos aí uma localização precisa do que fizemos quando passamos dos atendimentos presenciais para os atendimentos on-line, não importando a idade cronológica daqueles que se apresentaram como candidatos a essa passagem.

Suzana descreve, assim, as condições de possibilidades para a constituição do lugar do Outro pela operação de mutação do Real em significante, o que requer a tradução do Outro, ponto no qual ele lembra Freud em “O projeto”, quando ele demonstra que a vida psíquica do infans se constitui a partir de uma ação específica do Outro, enquanto ação de linguagem.

Paulinho inaugura, diante da analista vista pelo vídeo, o movimento de ocultação, de ir e vir, o fort-da, que colocou em jogo o objeto olhar.

Interessando-se pelos brinquedos que lhe foram oferecidos, ele vai ensaiar um afastamento do Outro materno para se envolver com os objetos, não sem um chorinho endereçado, que claramente podia ser lido como “pode o Outro me perder?”. Em seguida, Paulinho se volta para a analista com um significante: “neném”. Assim como o neto de Freud, o menino ilustra, com seu fort-da, como a castração impõe a articulação da linguagem e faz com que uma palavra tenha que se articular a outra para produzir sentido, não sem uma perda de seu valor de gozo autoerótico (BARROSO, 2020).

Valendo-se de Lacadée, Suzana pode recortar, em sua articulação do caso Paulinho, o tempo do primeiro exílio do ser falante.

Ao situar-se como falasser na linguagem, o infans deve consentir num primeiro modo de exilio, a saber, a perda da sua simples natureza de um ser vivo. Para se constituir enquanto ser falante, inserido num discurso e num laço social, há que se renunciar ao gozo primitivo do ser em troca da representação pelas palavras do Outro.

(…) O primeiro exílio inerente à entrada na linguagem implica que o Outro primordial, que transmite a língua e com ela a interpretação das necessidades do infans, transmite também um furo, ou um mal-entendido estrutural ligado à própria operação de tradução. (BARROSO, 2021).

Em “A disrupção do gozo nas loucuras sob transferência”, Éric Laurent aponta a distinção que podemos encontrar entre o inconsciente tropeço nos seminários livro 11 e livro 24, L’une bévue. Laurent cita Lacan:

Não há nada mais difícil de captar do que esse traço do une-bévue, que traduzi por l’Unbewust, que significa inconsciente em alemão. Mas traduzido por une-bévue, isso quer dizer uma outra coisa — um obstáculo, um tropeço, um deslizamento de palavra a palavra (LACAN, apud LAURENT, 2018).

Laurent destaca a versão de tropeço isolada por Miller:

(…) Em seu Seminário dos Quatro conceitos [Lacan] define o inconsciente pelo tropeço, isto é, pelo une-bévue. Mas em seu Seminário 24, isso significa outra coisa. Lá, o tropeço ou o deslizamento de palavra em palavra, como fenômeno, se situa em um tempo anterior àquele onde pode aparecer o inconsciente. O inconsciente aparece no une-bévue apenas na medida em que acrescentamos uma finalidade significante, na medida em que acrescentamos uma significação (MILLER apud LAURENT, 2018).

E, como consequência a isso, que se situa antes da cadeia significante, Laurent situará a interpretação como uma jaculação, seja em sua natureza secreta, seja em sua fórmula jubilatória, seja na onomatopeica, assim como se faz do fort-da uma jaculação, a exemplo do que Suzana demonstra com sua intervenção no caso Paulinho e em seu testemunho da clínica on-line com crianças. Constatamos, portanto, que o último ensino de Lacan oferece subsídios para as modalidades de intervenções que os psicanalistas têm sido convocados a fazer, em sua presença on-line, quando se desloca da tríade inconsciente, transferência e interpretação para a tríade falasser, ato e jaculação.


Referências
BARROSO, Suzana. “Psicanálise on-line com crianças”. Texto apresentado na XXIV Conversação Clínica do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais, 2020, inédito.
LAURENT, Éric. “A disrupção do gozo nas loucuras sob transferência”, Opção Lacaniana. São Paulo, n. 79, 2018. p. 52-63.



UM RETRATO DO PSICANALISTA QUANDO ARTISTA:  A INTERPRETAÇÃO NO ÚLTIMO ENSINO DE LACAN 

DERICK DAVIDSON SANTOS TEIXEIRA
Professor e psicanalista em formação. Doutorando em Estudos Literários na linha de pesquisa Literatura e Psicanálise pela Universidade Federal de Minas Gerais e aluno do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais | derick.davey@gmail.com

Resumo: No prefácio à edição inglesa do seminário 11, Lacan escreve que “a psicanálise, desde que ex-siste, mudou”. Sabe-se que essa mudança decorre, principalmente, de uma promoção do corpo e da escrita no interior da psicanálise. Da escrita poética chinesa à obra de James Joyce, passando pelo corpo tomado por uma satisfação pulsional que escapa à articulação significante, Lacan reformula a interpretação analítica.  O presente texto trata dos desdobramentos da interpretação na fase final do ensino de Lacan. Faremos um breve percurso pelo tema do “moterialismo” e da emergência da letra na psicanálise. Nessa via, elucidamos os efeitos de uma interpretação que não se pauta apenas pelo sentido, mas que faz valer, também, um furo — a realização de um vazio semântico —, um efeito de sentido real.

Palavras-chave: Psicanálise; letra; interpretação; real.

Abstract: In the foreword to the English edition of Seminar 11, Lacan writes that “psychoanalysis has, since it has ex-sisted, changed”. It is known that this change derives mainly from the promotion of the body and of the writing within psychoanalysis. From Chinese poetic writing to the work of James Joyce, passing through the body taken by a drive satisfaction that escapes the signifying articulation, Lacan reformulates analytical interpretation. This text deals with the unfolding of analytical interpretation in the final phase of Lacan’s teaching. We will take a brief journey through the theme of “moterialism” and the emergency of the letter in psychoanalysis. In this perspective, we elucidate the effects of an analytical interpretation that that is not only guided by meaning, but that also makes a hole — the realization of a semantic void — an effect of real meaning.

Keywords: Psychoanalysis; letter; interpretation; real.

 

Imagem: Jayme Reis

Em seu prefácio à edição inglesa do seminário 11, Lacan escreve que a psicanálise, “desde que ex-siste, mudou” (1976 /2003, p. 567). Sabemos que essa mudança implica alguns desdobramentos: do inconsciente transferencial, estruturado como linguagem, passamos ao inconsciente real; da verdade, vamos à varidade; da história, à histoeria[1]. Em suma, de uma primeira clínica mais atenta ao funcionamento simbólico, vamos em direção a uma clínica do real. Este texto pretende abordar, principalmente na fase final do ensino de Lacan, os desdobramentos de seu último ensino que concernem à interpretação.

Em seus primeiros seminários, Lacan dava primazia ao registro simbólico desprendendo as formulações freudianas de seus conteúdos imaginários e reformulando-as a partir da linguística estrutural de Saussure. Pela brevidade desse percurso, uma análise aprofundada do lugar da interpretação no primeiro ensino de Lacan não será possível, no entanto, é plausível dizer que, devido à primazia do simbólico, em seus primeiros seminários, Lacan detém-se, sobretudo, na significação da interpretação: a nomeação do desejo, a sugestão e o ponto de basta como momento em que o significante é amarrado a um significado são exemplos de uma interpretação que opera na via da fala e do sentido. Conforme escreveu Éric Laurent, embora legítimos, os efeitos dessas interpretações, por vezes, demonstram a “contaminação do discurso pelo sono” (2018, p. 61).

A partir do seminário 7, levando sua teoria do desejo em direção ao gozo, Lacan introduz, gradualmente, o registro do real, o qual levará a uma torção na sua teoria e na sua noção de sujeito. Desse momento, é exemplar o dito de Lacan, segundo o qual a psicanálise, na sua ex-sistência, mudou, pois Lacan situará a psicanálise, a um só tempo, dentro e fora de si mesma: dentro enquanto detentora de um saber discursivo sustentado pelo sentido, o que se elabora entre S1 e S2, e fora uma vez que lança um olhar para o avesso do sentido, para os furos, as opacidades semânticas. Surge, nessa perspectiva, a crucial orientação para o real, registro do qual a ex-sistência é a “característica fundamental” — já ao imaginário caberá a consistência e, ao simbólico, o furo (LACAN, 2007, p. 36). Nesse ponto, Lacan passará da primazia de um sujeito que só existe enquanto articulado ao significante a uma noção de sujeito que abarca, também, o corpo tomado por um tipo de satisfação que escapa à articulação dos significantes e aos possíveis sentidos, sendo essa a base da sua última noção de sujeito: o falasser, o qual conjuga o sujeito do inconsciente e o corpo gozante.

Na via do falasser e do corpo falante, há um afastamento da linguística estrutural e uma promoção do escrito, conforme lemos em “Lituraterra”. Conforme escreve Miller, Lacan fez entrar o corpo na psicanálise ao mesmo tempo em que fez entrar “o gozo da escrita” (2015, p. 87). Com efeito, em “Vers un signifiant nouveau”, comentando a interpretação analítica, Lacan retoma o tema da escrita chinesa, abordada em seu seminário 18, para dizer-nos que o significado, embora ressoe com a ajuda do significante, não vai longe. No entanto, segundo Lacan, poderíamos ser “inspirados por qualquer coisa da ordem da poesia para intervir” (1979, p. 16)[2]. Instigado pela escritura chinesa e pela escrita de James Joyce, Lacan visa a uma interpretação que se aproximaria da poesia a partir de um novo uso do significante. A interpretação, aqui, seria duplamente articulada: por um lado, um efeito de sentido e, por outro, um efeito de furo, de esvaziamento, o que a torna, conforme elucida Miller (2009), adequada ao gozo. Nessa via, vemos uma elaboração acerca da interpretação como ato que visa, a partir de um efeito real de sentido, surtir efeitos no corpo. Vejamos, então, como a escrita joyceana, estudada por Lacan, nos ajuda a pensar a interpretação na fase final de seu ensino.

O moterialismo e os efeitos da letra

O leitor de Um retrato do artista quando jovem não poderá deixar de notar uma instigante construção textual logo nos primeiro parágrafos. Ao narrar a infância de Stephen, Joyce modula seu texto: orações curtas, poucas subordinações, ausências de pontuação e vocabulário infantilizado que se aproxima da lalação. É buscando fazer a escrita juntar-se de forma indistinta ao contínuo fluxo da vida, sobretudo no nível da forma, da materialidade do texto, que a escrita se aproxima da infância da personagem. A narrativa segue como se a escrita amadurecesse junto com o corpo que ela quer fazer adentrar a narrativa. No entanto, Joyce não o faz pela simples via do significado, mas, sim, a partir de uma atenção concedida à materialidade do significante. Está anunciado, destarte, o caminho que levará a Finnegans Wake, livro em que o autor busca não mais a construção imagética do sentido, mas seu escoamento devido ao cuidadoso trabalho com a materialidade da palavra.

Em Finnegans Wake, escrevendo “o que há de mais próximo do lapso” (LACAN, 2008, p. 20), Joyce faz neologismos que se apoiam menos na voz que na letra. A análise de qualquer frase de Finnegans Wake nos demandaria muitas linhas; peguemos, então, de uma frase, apenas uma palavra: “to watsch the future of his fates”. “Watsch” é um exemplo das famosas palavras-valise de Joyce. Embora imperceptível na pronúncia, vemos, na grafia, que a palavra “Watch” contém a palavra “Wash” — uma condensação a partir da qual a frase pode se desdobrar, no fio da equivocidade, em, no mínimo, dois significados distintos: “para lavar os traços de seu rosto” (to wash the features of his face) ou “para assistir ao futuro de seu destino”, (to watch the future of his fate).[3] Watsch vem, assim como o conhecido exemplo “familionário” (familiar + milionário), em uma dupla acepção — no entanto, com Joyce, a condensação é clara na materialidade do significante evidenciada pela grafia. O que há de novo? A passagem da voz para a letra expondo uma descontinuidade, um furo, entre som e sentido.

Essa não-relação entre som e sentido que revela um furo entre ambos no mesmo movimento em que nos aponta a materialidade da palavra é retomada por Lacan em “Conferência em Genebra sobre o sintoma” (1975). Sem passar ao largo dos artifícios joyceanos, na conferência, para se referir à materialidade do significante e seus efeitos, Lacan cunha o neologismo “moterialisme”, uma condensação de mot (palavra) e materialisme (materialismo).

O efeito de furo que afasta som e sentido e a materialidade da letra são elaborados, com notável densidade metafórica, em “Lituraterra”, texto que Lacan escreveu após retornar de uma viagem ao Japão. Aqui, ele desdobra o que lhe ocorreu pensar no momento do sobrevoo pela planície siberiana ao observar as ravinas e os traços que o remetiam à escrita. No texto, Lacan repensa a letra não mais como significante, mas como aquilo que, na língua, opera fora do veículo de sentido, o que constitui furo, sendo situada no litoral entre real e simbólico. Em resumo, no texto, as nuvens aparecem como metáfora do semblante, o que constituía forma, em oposição aos riachos e as ravinas, como metáforas da letra que sulca a terra, como a escrita — primeiro “godê a estar sempre pronto a dar acolhida ao gozo, ou, pelo menos, a invocá-lo com seu artifício” (LACAN, 2009, p. 118). Entre um estado e outro há ruptura — furo — figurada no texto através da precipitação: “a escrita é, no real, o ravinamento do significado, aquilo que choveu do semblante como aquilo que constitui o significante” (LACAN, 2009, p. 22). Da nuvem aos riachos e ravinas, algo permanece: “água da linguagem”, conforme a metáfora de Lacan na conferência em Genebra, no entanto, na escrita, o que temos é a água que choveu do semblante, isto é, restos do significante que dava forma — a letra. Lacan encontra um mote em Joyce que “desliza de a letter para a litter”, de uma carta/letra para lixo (LACAN, 2009, p. 106). Se, até então, a letra era suporte do significante, materialidade que transportava significação — letter —, como lemos em “A carta roubada”, de Poe, em “Lituraterra” ela é litter — dejeto, materialidade manipulável.

No que a letra aqui evocada pode concernir à interpretação e ao corpo? Em “Lituraterra”, Lacan tomará a letra como aquilo que constitui um litoral, entre saber e gozo, simbólico e real. A letra é o que faz furo evocando o gozo ao romper o semblante, indo em direção, portanto, à pulsionalidade do corpo. Segundo Laurent, nessa mudança da interpretação, a antiga sugestão dá lugar à jaculação: o “impacto do significante no corpo”, que leva ao “tratamento da disrupção do gozo”, graças à “autoelaboração de uma ficção não-padrão” (2018, on-line). Esse ato convém, sobretudo, à clínica do falasser e do Outro que não existe. A antiga sugestão e seus efeitos de sentido ficam, portanto, ligados a um sujeito suposto saber e à “contaminação do discurso pelo sono” (2018, on-line), contrário a um despertar. A jaculação, segundo Laurent, não é uma enunciação apoiada no imaginário ou no simbólico; é, antes, o efeito de sentido real que visa a “uma realização subjetiva do vazio” (2018, on-line). Essa abordagem da interpretação é consonante, como vemos, com os efeitos da letra e do moterialismo elaborados por Lacan na fase final de seu ensino.

Um psicanalista como artista 

Nessa inspiração pelo recurso poético, não se trata de uma exaltação do belo simplesmente, nada de uma estéril estetização da clínica; em relação a isso, Lacan era claro: “não temos nada de belo a dizer” (1979, p. 23)[4]. Tanto no poema quanto no matema, há rigor. Para manipular com o som o silêncio do furo, é preciso, portanto, fineza na tomada da equivocidade inerente à linguagem e uma atenção à materialidade do significante.

A respeito dessa face da interpretação que vemos surgir no último período do ensino de Lacan, há uma cena, a meu ver, exemplar, no conhecido documentário Um encontro com Lacan, de Gerard Miller. Na cena, uma ex-analisanda de Lacan, que viveu os horrores da Segunda Guerra, relata uma interpretação de Lacan que, através de uma escansão, desliza de “Gestapo” para “geste à peau”, de Gestapo para gesto na pele — separando, assim, através da materialidade da letra, som e sentido. Essa interpretação segue a emergência da letra, conforme lemos em “Lituraterra”. Lacan faz um furo, uma descontinuidade: de “Gestapo” a “gest à peau”, da nuvem, do significante como semblante, à letra que dissolve, faz chover, e permite que algo se escreva de outra forma. Se tomarmos a imagem que guia “Lituraterra”, podemos dizer que Lacan faz precipitação, faz chover diluindo o que antes era forma: acordar às três da manhã (o horário em que a Gestapo passava pelas casas à procura dos judeus) se torna, nas palavras da analisanda, “qualquer coisa como um apelo à humanidade”. De um estado ao outro, ela diz, a dor é o que permanece — assim como a água que chove das nuvens permanece nos riachos que ravinam a planície siberiana avistada por Lacan. Furado o semblante, no entanto, ainda que doa, algo se escreve de outra forma — e as águas de um riacho têm mais mobilidade que as águas imóveis nas nuvens.

Um outro exemplo pode ser contemplado no relato de passe de Ana Lucia Lutterbach Holck (2007), em que ela relata uma “interpretação sem sentido do analista” referente a um sonho em que um cão surge defecando um patê: “esse patê é você”, interpretação a partir da qual se dá o corte da sessão produzindo um deslizamento de sentido: “fazer-se ‘patê’ (para ser tida), fazer-se ‘pavê’ (para ser vista), fazer-se ‘pa cumê’ (para ser comida), fazer-se ‘pra tudo’ e finalmente ‘pastout’ (2007, p. 36). Nessa passagem de um todo para o não-todo (pas-tout) do gozo feminino, a palavra também surge como materialidade evidenciando um furo entre som e sentido, desfazendo, assim, o semblante que constituía forma.

Segundo essa reelaboração, a interpretação opera o ravinamento do semblante fazendo com que surja aí algo de real, um gozo tocado, um efeito de despertar, diferente do discurso contaminado pelo sono. Vemos, assim, a palavra tomada tanto como materialidade como aquilo que, tal qual o litoral, entre simbólico e real, possuirá uma face de sentido e uma de furo, um pas-de-sens[5] (passo de sentido e um sem sentido). No último ensino de Lacan, portanto, a interpretação não opera mais somente com os semblantes, com um simbólico impotente em relação ao real, mas, sim, com um simbolicamente real. Nessa via, a palavra se aproxima do corpo através da sua materialidade. É preciso, ainda, escutar — isso é certo —, mas, além da escuta, trata-se de ler o escrito.


Referências: 
HOLCK, A. L. L. “Relato”. In: Opção Lacaniana – Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, nº 50, 2007.
LACAN, J. (1969-1970). Seminário livro 17: o avesso da psicanálise. Trad. Ari Roitman. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
LACAN, J. “Vers un signifiant nouveau”. In: Ornicar?. nº. 17, 1979. p. 7–24.
LACAN, J. “Conferência em Genebra sobre o sintoma”. In: Opção Lacaniana – Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, nº 23, 1998. São Paulo: Edições Eolia, p. 10.
LACAN, J. (1976). Prefácio à edição inglesa do seminário 11. In: Outros Escritos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar 2003, p. 567–568.
LACAN, J. (1975-1976). O seminário livro 23: o Sinthoma. Trad. Sérgio Laia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
LACAN, J. (1972-1973). O seminário livro 20: mais, ainda. Trad. M. D. Magno. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
LACAN, J. (1971). O Seminário livro 18: de um discurso que não fosse semblante. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
LAURENT, É. Disrupção do gozo nas loucuras sob transferência. In: Opção Lacaniana, Revista Internacional Brasileira de Psicanálise, São Paulo, n. 79, 2018, p. 52-63. Disponível em: < http://lacanempdf.blogspot.com/2018/04/disrupcao-do-gozo-nas-loucuras-sob.html> Acesso em agosto de 2020.
MILLER, J.-A. Perspectivas do seminário 23 de Lacan: o sinthoma. Trad. Teresinha Prado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
MILLER, J.-A. Perspectivas dos Escritos e Outros escritos de Lacan: entre desejo e gozo. Trad. Vera Ribeir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011.
MILLER, J.-A. O osso de uma análise. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
RENDEZ VOUS CHEZ LACAN. Dir. Gérard Miller. 60 min. Cor. Fr. 2011.

[1] Uma análise detalhada de tais desdobramentos pode ser encontrada em Perspectivas dos Escritos e Outros escritos, de Jacques-Alain Miller.
[2] Tradução minha de “Etre éventuellement inspiré par quelque chose de l’ordre de la poésie pour intervenir”.
[3] Explorando as combinações possíveis do sintagma, teríamos diversas possibilidades: to watch the features of his faceto wash the future of his fate; to watch the future of his faceto wash the features of his fateto watch the features of his fate
[4] Tradução minha de “nous n’avons rien à dire de beau”.
[5] Em seu seminário 17, Lacan (1992, p. 59) joga com a ambiguidade da expressão pas-de-sens, a qual, em Francês, quer dizer tanto “sem sentido” quanto “passo de sentido”.



RACISMO, CORPO E TRAUMA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA

NAYARA PAULINA FERNANDES ROSA
Psicanalista. Advogada atuante em conflitos agrários no Mato Grosso. Pesquisadora do núcleo PSILACS — Psicanálise e Laço Social no Contemporâneo, da Universidade Federal de Minas Gerais. Integrante do cartel “Psicanálise e Segregação”, inscrito na Escola Brasileira de Psicanálise, seção Minas Gerais | paulinarosapsi@gmail.com 

Resumo: O presente artigo discorre brevemente sobre a incidência dos efeitos psíquicos do racismo contra negros no âmbito da identificação imaginária a partir da teoria do estádio do espelho. Fragmentos de casos clínicos ilustram a proposição de que, no momento em que o sujeito é nomeado negro pelo outro, se dá conta de que esse significante conjuga a representação de todas as imagens com as quais aquele que foi nomeado branco não deseja se identificar. Ao ser classificado como negro, o sujeito é fixado em uma espécie de “inferioridade epidermizada”. A escuta desse tipo de sofrimento — que envolve corpo, cultura e palavra — envolve a sutileza na evocação da singularidade da experiência traumática aliada à assertividade de não se recuar na luta antirracista, compreendendo-a como causa que concerne a também a nós, analistas de orientação lacaniana.

Palavras chave: Imagem; corpo; trauma; identificação.

Abstract: The author relies on the tale Bartleby, the scrivener of H. Melville, to develop the notion of stranger based on the singularity of the main character and indicates how the presence of this real opacity participates in all existence and in humanity itself. His analysis is divided into three times and perspectives — irony, ethical dimension and tragedy — highlighting Bartleby’s subjective position in relation to the social bond. Bartleby represents this real excluded from the symbolic dimension, which never ceases to be written, not without consequences, and ironically exposes the essential uselessness of existence and its condition of similarity that affects everyone Abstract: This article briefly discusses the psychic effects of racism against blacks in the context of imaginary identification, based on Jaques Lacan´s theory of the mirror stage. Some fragments of clinical cases illustrate the proposition that at the moment when the subject is named by the other as “black”, he realizes that this signifier combines the representation of all images with which the white does not wish to identify himself. When being classified as “black” the subject is fixed in a kind of epidermized inferiority. Listening to this type of suffering — which involves body, culture and words — involves subtlety in evoking the singularity of the traumatic experience coupled with the assertiveness of not retreating in the anti-racist struggle, understanding it as a cause that also concerns us, Lacanian analysts.

Keywords: Image; body; trauma; identification

Imagem: Jayme Reis

 

O objetivo do presente artigo é discorrer sobre alguns aspectos dos efeitos psíquicos da discriminação racial contra negros no Brasil abordando a dimensão traumática do processo de identificação imaginária desses sujeitos.

Para tanto, valer-me-ei de fragmentos de casos atendidos em consultório particular nos anos de 2019 e 2020 a partir da abordagem lacaniana da constituição do “eu”.

É corrente na fala de pessoas negras ouvidas em análise narrativas de sofrimento experimentado durante a infância, sobretudo em situações vividas nas escolas e demais ambientes de convivência entre crianças, professores e tutores, nas quais o sujeito foi impedido de representar determinados papéis em brincadeiras ou encenações teatrais sob o argumento de que sua imagem corporal não condizia com as características da personagem a ser representada.

Alguns desses relatos dizem respeito à impossibilidade de a criança interpretar, por exemplo, um anjo durante as celebrações cristãs, ou mesmo princesas e príncipes em peças de teatro escolar. A principal justificativa dada tanto por colegas quanto por tutores é que não existem anjos, príncipes ou princesas negros.

Essas experiências eram narradas como momentos angustiantes em que os sujeitos eram acometidos por um forte sentimento de rebaixamento e humilhação que, com frequência, eram trazidos nas sessões, como nos seguintes excertos clínicos:

A. 22 anos: “Em casa a minha avó me dizia que eu era bonita, mas na escola era diferente. Eu era feia. Riam do meu cabelo. No dia da formatura a professora pediu para eu molhar e prender meu cabelo para não atrapalhar a foto. Senti muita vergonha.”

I., 79 anos: “Quando eu era pequena não me deixavam participar da coroação de Maria. Onde já se viu anjo preto? Filho de negro é urubu, diziam.”

A classificação entre raças não tem qualquer embasamento biológico ou científico, mas funciona como um marcador social que determina quais lugares os corpos não brancos são autorizados a ocupar e a quais imagens tais corpos podem se identificar.

Como podemos observar nas narrativas acima, desde as experiências infantis, as imagens popularmente representativas de bondade, nobreza e pureza — como evocam as figuras de anjos e princesas — são retiradas do horizonte de identificações imaginárias de pessoas negras.

Para nos debruçarmos sobre o atravessamento racial na constituição subjetiva a partir da orientação lacaniana, na qual o eu é uma instância eminentemente imaginária, tomaremos como referencial teórico o estádio do espelho.

Essa proposição se baseia em experiências empreendidas no campo da ótica tomando como referência o modelo dos espelhos côncavos. O espelho representaria o olhar do outro materno, uma vez que, entre esse outro e o bebê, há uma espécie de sincronia corporal (LACAN, [1966], 1998):

O espetáculo cativante de um bebê que, diante do espelho, ainda sem ter o controle da marcha ou sequer da postura ereta, mas totalmente estreitado por um suporte humano ou artificial (o que chamamos, na França, um trotte-bébé, um andador), supera, numa azáfama jubilatória, os entraves desse apoio para sustentar sua postura, numa posição mais ou menos inclinada e resgatar, fixá-lo, um aspecto instantâneo da imagem.

De maneira bastante sintética, podemos afirmar que o estádio do espelho é constituído por três tempos. Em um primeiro momento, a criança olha para a imagem refletida no espelho e experimenta um estranhamento, pois a imagem visualizada não corresponderia à imagem de si mesmo, mas a outro bebê, dado que seu nível de maturação psíquica não permite ainda a apreensão da imagem virtual como correspondente ao corpo próprio.

Já o segundo momento é marcado pela confusão entre a imagem refletida e a própria criança. Seu corpo é contemplado através de partes dissociadas, prevalecendo certo transitivismo entre o reflexo e o eu próprio.

No terceiro tempo a criança é capaz de perceber a correspondência entre a imagem refletida no espelho e seu corpo, apreendendo o valor simbólico da imagem como representativa de si, havendo, enfim, a integração entre a imagem virtual e a imagem real (LACAN, [1966], 1998):

A função do estádio do espelho revela-se para nós, por conseguinte, como um caso particular da imago, que é estabelecer uma relação do organismo com sua realidade — ou, como se costuma dizer, do Innwelt com Umwelt. Mas essa relação com a natureza é alterada, no homem, por uma certa deiscência do organismo em seu seio, por uma discordância primordial que é traída pelos sinais de mal-estar e falta de coordenação motora dos meses neonatais. O estádio do espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a antecipação. Desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos de ortopédica. O rompimento do círculo do Innwelt para o Umwelt gera a quadratura inesgotável dos arrolamentos do “eu”.

É relevante considerar que a integração simbólica da imagem depende do olhar do outro materno como confirmação do reflexo visto no espelho pela criança. É através do olhar do Outro que a criança se reconhece, pelo que a alteridade é uma condição fundamental de constituição do eu enquanto instância imaginária.

Os excertos das narrativas dos pacientes descritos acima dizem respeito ao valor simbólico da imagem corporal apreendido após o estádio do espelho. Esses acontecimentos são vividos pelos analisandos como momentos de intensa angústia, em que a imagem própria adquirida pelo sujeito é tida como incompatível com a representação de certos papéis que estariam reservados para indivíduos de pele branca.

Segundo os relatos, no instante em que eram confrontados com essa suposta incompatibilidade — enunciada tanto por outras crianças quanto por alguns tutores —, os sujeitos se davam conta de que portavam em seu corpo a materialização de algo tido como indesejável: a pele escura, o cabelo crespo, o formato dos lábios e do nariz passavam a ser tomados como características representativas de um suposto excedente, do resto repulsivo e inconciliável com a imagem ideal da branquitude.

Seguindo a perspectiva lacaniana, podemos considerar que o enunciado dessa suposta incompatibilidade entre o eu e o ideal imaginário representativo das personagens citadas adquire, para o sujeito, um valor traumático, na medida em que “o verdadeiro núcleo traumático é a relação com a língua” (MILLER, 1997). Com efeito, é o choque entre o significante e o corpo do falasser que confere o valor traumático às experiências narradas.

Nos fragmentos de casos anteriormente relatados à nomeação de cada sujeito enquanto “negro”, acarretou um problema central no caminho de suas identificações, decorrente da disjunção entre a imagem especular e o real de seu corpo.

O significante “cor negra”, em tais casos, evoca uma angústia que retorna na forma de ódio sobre o corpo próprio e nas constantes tentativas de adequá-lo ao ideal branco. Com isso, podemos nos indagar se a nomeação dada pelo outro exerceria um efeito de retroação desintegradora às primeiras fases do estádio do espelho, pois os afetos experimentados pelo sujeito parecem incidir sobre seu corpo no limiar de uma ruptura. Ilustramos essa proposição com o seguinte fragmento de caso:

Não é difícil para mim, enquanto psicanalista, enumerar situações em que pacientes, em suas sessões, expressam esses fantasmas. Como M., que me dizia: “Precisava quando criança tomar vários banhos para tirar a minha sujeira”. Ou C., uma secretária negra: “Preciso estar sempre apresentável e ser eficiente, para que não me chamem de negra; não suportaria. Quando imagino essa situação, sinto meu corpo rachando e sumindo no chão, como nos desenhos animados (NOGUEIRA, 1998).

O sujeito se constitui através do olhar do outro, que lhe fornece o horizonte de identificações possíveis. Para alguns sujeitos negros, esse horizonte de identificações é reduzido na medida que, desde a infância, lhe é recusada a possibilidade de ocupar espaços e representar papéis que seriam exclusivos para pessoas de pele branca.

Não se pode negar a raríssima presença de pessoas negras em cargos de notoriedade e liderança nas instituições, nas campanhas publicitárias e nos espaços frequentados pela elite. Nesses locais, os poucos negros presentes na cena estão geralmente numa posição servil, uniformizados para se integrarem ao ambiente como parte do serviço oferecido: manobristas, babás, faxineiras, garçons.

Na conjectura econômica, política e cultural brasileira, a palavra “negro” remete não apenas a uma categoria social, mas também a uma categoria imaginária que passa a se confundir com o real na medida em que a cor da pele e o desenho de seus traços é o estigma da diferença: a epidermização da inferioridade (FANON, 1952).

É recorrente, portanto, que o sentimento de humilhação e de ódio contra o corpo próprio estejam presentes nessas narrativas do sofrimento desses analisandos.

O que está em jogo é, sobretudo, a dimensão traumática do choque entre corpo e significante. A nomeação “negro” nos casos acima citados culminou na percepção do corpo próprio como inadequado, repulsivo, objeto de ódio e recusa.

As experiências de segregação racial levam a um tipo de sofrimento bastante específico que envolve cultura, palavra e corpo e, no caso do racismo contra negros, especificamente, a marca da discriminação é visível aos olhos posto que concerne exatamente à imagem de seu corpo — no que diz respeito à dimensão traumática do choque entre o corpo e o significante.

Contudo, é importante sublinhar a dimensão da singularidade no processo de constituição de cada sujeito na medida em que o significante tocará cada um de uma forma peculiar, diversa e única. A psicanálise não se coaduna com postulações totalizantes e seria incorreto afirmar que, para todos os negros, a experiência formativa da subjetividade se inscreve da mesma maneira.

Ressaltar a dimensão da singularidade da experiência, todavia, não importa que a psicanálise desconheça que o racismo concerne a todos nós enquanto sociedade, posto que seus efeitos deletérios se inscrevem continuamente, no campo público e privado.

Embora o setting psicanalítico não seja de modo algum um espaço de militância e de reparação de identificações fragmentadas pelo trauma, não se pode negar a potência revolucionária da palavra que dá testemunho e permite desenhar novos destinos.

Finalizo este artigo com uma precisa interpelação aos analistas, publicada na obra Racismo e o negro no Brasil: questões para a psicanálise (KON et al., 2017), que nos coloca frente aos impasses e à urgência em aliar ações antirracistas e a práxis psicanalítica:

É preciso a inauguração de uma psicanálise brasileira comprometida com a construção de uma clínica que não recuse a realidade histórico-social de nosso país e que leve em consideração o impacto dessa história na construção das subjetividades.

 


Referências:
FANON, Frantz. 1952. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA. 2008.
NOGUEIRA, Isildinha Baptista. “Significações do Corpo Negro”. Tese de doutorado em Psicologia. 174 p. Universidade de São Paulo. 1998.
LACAN, Jaques. 1966. “O estádio do espelho como formador da função do Eu”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1998.
MILLER, Jacques-Alain. “Uno por uno”. Revista Mundial de Psicoanálisis. nº 45, 1997.
SILVA, Maria Lúcia da. “Racismo no Brasil: questões para psicanalistas brasileiros”. In: KON, Noemi Moritz (org.) O racismo e o negro no Brasil: questões para a psicanálise. 1ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2017.