O sintoma substituto
Mônica Campos Silva
Psicanalista, mestre em estudos psicanalíticos pela UFMG, membro da EBP/AMP,
Resumo: o presente artigo visa a tratar o lugar do sintoma como defesa. A partir da diferenciação realizada por Freud entre inibição, sintoma e angústia, é possível observar o funcionamento psíquico em seu aspecto dinâmico, bem como a função do Eu diante das demandas de satisfação. Assim, o sintoma como substituto evidencia tanto sua vertente de verdade como de real, estabelecendo consequências para a clínica e seu manejo.
Palavras-chaves: sintoma; verdade; angústia; defesa.
THE SUBSTITUTE SYMPTOM
Abstract: this article aims to approach the idea of the symptom as a defense. From the differentiation made by Freud between inhibition, symptom and anguish, it is possible to observe the psychic functioning in its dynamic aspect, as well as the function of the Self facing the demands of satisfaction. Thus, the symptom as a substitute reveal both its truth and real aspects, establishing consequences for the clinic and its management.Keywords: symptom; truth; anguish; defense.
Sobre o sintoma
Miller (2015) interroga: por que colocamos o sintoma entre as formações do inconsciente? É um fato que o sintoma, por sua permanência, se distingue de todas as outras formações do inconsciente. Para que haja sintoma, no sentido freudiano, é preciso que haja sentido em jogo e que esse possa ser interpretado. Para que haja sintoma, é necessário também que o fenômeno dure. Igualmente, diz Miller, o sintoma é o que a psicanálise nos dá de mais real; o sintoma como o que não cessa de não se escrever, enquanto sua permanência se impõe à experiência. É desse “a mais” que atravessa e marca o corpo que é preciso dar-se conta na formação dos sintomas. Por sua vez, em Freud (1925–1926/1996), o uso do sintoma é sempre o mesmo: pela satisfação sexual ou servir de substituto à satisfação que falta na vida, a satisfação pulsional.
De tal modo, o sintoma revela duas vertentes: uma de verdade e uma de real. O que Freud descobriu é que um sintoma se interpreta como um sonho, quer dizer, se interpreta em função de um desejo, e que é um efeito de verdade. Mas há um segundo tempo desse descobrimento: a persistência, a permanência do sintoma depois da interpretação.
Freud (1925–1926/1996) aponta que o conceito de recalque não implica uma relação com a sexualidade, separando o recalque, que se refere a um mecanismo semântico — algo que não pode ser dito porque houve um recalcamento —, e o registro da sexualidade. Procura, então, atrelar as duas vertentes, isto é, a da descoberta do inconsciente, dos fenômenos interpretáveis, e a da descoberta da sexualidade infantil e do caráter perverso da sexualidade. Para Lacan, no entanto, o recalque tem a ver com a libido, ou seja, o que se opõe ao dizer tudo é o mesmo que se opõe à realização plena do sexual. Para Lacan, o que está recalcado é o significante, o que Freud nomeia de representante da pulsão (MILLER, 2015).
Freud, em Inibições, sintomas e angústia (1925–1926/1996), caracteriza o sintoma a partir da satisfação pulsional “como o signo e o substituto” de uma satisfação pulsional que não aconteceu, ou seja, a pulsão busca satisfação e, após o recalque incidir sobre ela, há a formação do sintoma como satisfação substitutiva. Mais adiante, o autor trata o trauma e o inconsciente tomando como princípio que, sob cada sintoma neurótico, há sempre um trauma. Toda neurose contém, diz ele, uma fixação dessa natureza. Acrescenta o princípio de que o sentido dos sintomas é sempre desconhecido para o doente, afirmando ser “necessário que esse sentido seja inconsciente para que o sintoma possa surgir” (FREUD, 1925–1926/1996, p. 287), ou seja, não se formam sintomas a partir dos processos conscientes. Freud completa: “A construção de um sintoma é o substituto de alguma outra coisa diferente que está interceptada” (p. 287). O sintoma como substituto vem no lugar do objeto que convêm à pulsão, mas nem por isso alcança a satisfação, tratando sempre de renovar sua busca.
É importante destacar que, em Freud, a definição de sintoma leva em conta seu caráter de formação de compromisso, de conexão entre gozo e defesa. A observação de Freud é que, no sintoma, trata-se de obter satisfação e de defender-se dela. Dessa conexão entre gozo e defesa, Lacan extrairá que há algo excessivo no gozo que obriga o sujeito sempre a se defender do gozo que busca, ou seja, o paradoxo de que os doentes sofrem dos seus sintomas, mas não parecem desejar tanto assim desfazer-se deles (MILLER, 2020). Porém, é importante notar que o sintoma oferece à pulsão outra satisfação, mas como desprazer. A defesa do Eu contra a satisfação pulsional, através do recalque, produz a conversão da satisfação em desprazer. O desvio e a substituição são realizados pelo Eu, conduzido pelo princípio do prazer em oposição à exigência pulsional. Logo, o que aparece como desprazer no sintoma, como sofrimento, é uma satisfação.
Segundo Miller (2020), a pulsão não conhece o “semblante de gozar”; a satisfação pulsional é um real. Segundo ele, Lacan enfatiza o invólucro formal das formações do inconsciente, mas não lhe escapa que a chave da formação dos sintomas é pulsional, o que permanece. Aponta ainda que o sintoma pode aparecer como um enunciado repetitivo sobre o real. O sujeito não pode responder ao real a não ser sintomatizando.
Logo, há algo do sintoma que se localiza entre a angústia e a mentira, quer dizer, entre algo que mente e algo que não pode enganar. Algo circula entre o que engana sempre e o que não engana jamais. O sintoma mente, a angústia, não. A angústia sinaliza a ameaça, o sintoma defende (MILLER, 2015).
O texto de Freud
Ao entrarmos em Inibições, sintomas e angústia (1925-1926/1996), encontramos Freud debruçado sobre as manifestações que considera patológicas. Para ele, a inibição tem uma relação especial com a função, não tendo necessariamente um sentido de verdade ou uma implicação patológica. Mas adverte que, quando a inibição é tomada a partir do sentido, ou seja, limitações e restrições da função do Eu, ela se torna um sintoma.
Freud localiza outro encontro entre os elementos em questão, a inibição e a angústia. Segundo ele, algumas inibições representam o abandono de uma função porque sua prática produziria angústia, ou seja, a inibição como defesa. Nesse ponto de elaboração, reforça que o sintoma é um sinal e um substituto de uma satisfação pulsional que permaneceu em estado imóvel, sendo uma consequência do processo de recalque. O recalque, por sua vez, se processa a partir do Eu quando este se recusa a se associar a um investimento pulsional despertado no Isso. Assim, quando o Eu se opõe a um processo pulsional no Isso, ele tem de dar um “sinal de desprazer” com a ajuda do princípio do prazer, a fim de alcançar seu objetivo, o recalque, sendo ainda provável que as primeiras irrupções de angústia de natureza muito intensa ocorram antes de o supereu se tornar diferenciado, devendo o recalque ser descrito como tendo falhado, em maior ou menor grau.
O Eu é uma instância central no dinamismo psíquico. Suas características adaptáveis permitem se organizar e se diferenciar do Isso, realizar intercâmbios e influência, mantendo, nesse sentido, duas posições em relação ao sintoma: a que quer incorporar o sintoma e a que vai tentar manter o recalque.
Freud utiliza o caso do pequeno Hans — apresentado pela primeira vez em 1909 —, uma fobia infantil, para discutir o que está em jogo no sintoma, perguntando que sintoma substitutivo foi encontrado e onde está o motivo de recalque. Hans recusava-se a sair à rua porque tinha medo de cavalos — isso era a matéria prima do caso. O que constituía seu sintoma? O medo? A escolha de um objeto para seu temor? Ter abandonado sua liberdade de movimento? Por que e qual foi a satisfação a que ele renunciou? Hans não sofria de um medo vago de cavalos, mas de que um cavalo fosse mordê-lo. Para Freud, a fobia de Hans foi uma tentativa de solucionar o conflito devido à ambivalência: um amor e um ódio dirigidos para a mesma pessoa, seu pai. Porém, Freud adverte que o medo que faz parte dessa fobia não é um sintoma. Se Hans, apaixonado pela mãe, mostra medo do pai, isso não significa que ele tenha uma neurose ou fobia. Nesse caso, o que transformou a fobia em uma neurose foi apenas uma coisa: a substituição do pai por um cavalo. É esse deslocamento, portanto, que tem o direito de ser denominado sintoma. As ideias contidas na sua angústia era a substituição, por distorção, da ideia de ser castrado pelo pai. É sempre a atitude de angústia do Eu que é a coisa primária e que põe o recalque em movimento. A angústia jamais surge da libido recalcada, sendo o recalque apenas um dos mecanismos de que a defesa faz uso.
A angústia
Para Freud (1925-1926/1996), a angústia, em primeiro lugar, é algo que se sente, e, como um sentimento, tem um caráter muito acentuado de desprazer, sendo um sinal para a evitação de uma situação de perigo. A análise dos estados de angústia revela a existência de um caráter específico de desprazer, atos de descarga e percepções desses atos.
Por outro lado, Freud esclarece que a pulsão em si não é um perigo. O que então lhe dá essa qualidade? O alerta de desprazer que o Eu emite, frente à demanda de satisfação da pulsão, colocando em marcha o princípio do prazer para obter esse desvio, é o modo como Freud contextualizou a angústia — sinal que coloca o recalque em marcha. A pulsão, enquanto tal, constitui uma infração ao princípio do prazer, na medida em que sua exigência precisamente não é uma satisfação de prazer, e sim uma exigência de mais de gozar (MILLER, 2015).
Outra questão importante levantada por Freud em Inibições, sintomas e angústia é a relação entre a formação de sintomas e a geração de angústia. Haveria duas hipóteses: a angústia é um sintoma de neurose e os sintomas só se formam a fim de evitar a angústia. A angústia surgiria como reação original ao desamparo no trauma (real), sendo este o fenômeno fundamental e o principal problema da neurose. Se um paciente agorafóbico que tenha sido acompanhado até a rua for ali deixado sozinho, ele produzirá um ataque de angústia; ou se um neurótico obsessivo for impedido de lavar as mãos após haver tocado algo, ele se tornará preso de uma angústia quase insuportável.
Avançamos, então, ao ponto de dizer que inibição e angústia podem, também, se apresentar como sintoma. No que se refere à inibição, fica claro seu caráter de sintoma quando vemos que a inibição é corporal — sexual, marcha, alimentação e da fala. Isso que toca o corpo — encontro do significante e o corpo.
Perturbar e Des-Montar a defesa
Como fazer com a condição defensiva no sintoma?
Freud nos indica que, quando o analista tenta ajudar o Eu em sua luta contra o sintoma, verifica que esses laços conciliatórios entre o Eu e o sintoma atuam do lado das resistências, não sendo simples de afrouxar, muito menos de separar o Eu e o sintoma. Ele assinala que o Eu é fonte de três resistências: a resistência do recalque; a resistência da transferência, que reanima um recalque para além da lembrança; e a resistência em renunciar a qualquer satisfação ou alívio que tenha sido obtido com a doença. Menciona também a resistência que decorre do Isso, necessitando de ‘elaboração’, e a resistência proveniente do supereu, que se opõe à recuperação do próprio paciente pela análise (FREUD, 1925-1926/1996).
Nessa perspectiva, o sintoma, em análise, deve ser reduzido a seu núcleo. Miller elucida que “reconduzimos os seres de linguagem a nada, os reduzimos a coisa nenhuma” (2015, p. 18). O paradoxo, segundo ele, é o do resto, havendo um x que resta mais além da interpretação freudiana. Assistimos, então, à confrontação do sujeito com o que Freud chama de restos sintomáticos. Para Freud, como ele partia do sentido, isso se apresentava como um resto, mas, de fato, esse resto é o que está nas origens do sujeito; é, de algum modo, o acontecimento originário e, ao mesmo tempo, permanente, que reitera sem cessar, o núcleo do sintoma. Em um tratamento, passamos, certamente, pelo momento de decifração da verdade do sintoma, mas chegamos aos restos sintomáticos, ao fora de sentido.
Poderíamos falar que perturbar a defesa, em Freud, seria
“quando, na análise, damos ao Eu assistência capaz de situá-lo em posição de levantar seus recalques, ele recupera seu poder sobre o Isso recalcado e pode permitir aos impulsos pulsionais que sigam seu curso como se as antigas situações de perigo não existissem mais” (FREUD, 1925-1926/1996, p. 97)
Entretanto, verificamos que, mesmo após o Eu haver resolvido abandonar suas resistências, ele ainda tem dificuldades em desfazer os recalques, sendo o fator dinâmico o que torna uma elaboração desse tipo necessária e abrangente. Se o perigo neurótico é um perigo pulsional, ao levar esse perigo que não é conhecido do Eu até a consciência, o analista faz com que a angústia neurótica não seja diferente da angústia realística, de modo que, com ela, se pode lidar da mesma maneira.
Para Miller (2015), ler um sintoma consiste em privar o sintoma de sentido. Por isso, diz ele, Lacan substitui o aparato de interpretar de Freud por um ternário que não produz sentido: o do Real, do Simbólico e do Imaginário. Passa-se assim da escuta do sentido à leitura do fora de sentido. A leitura, o saber ler, consiste em manter a distância entre a palavra e o sentido que ela veicula, a partir da escritura como fora de sentido, como letra, a partir de sua materialidade.
Sabemos que, para perturbar e des-montar a defesa, é preciso um percurso de análise. Esta visa reduzir o sintoma a sua fórmula inicial, quer dizer, ao encontro material de um significante e do corpo, ao choque puro da linguagem sobre o corpo. Logo, para tratar o sintoma, é preciso passar pela lógica do desejo, mas também ir adiante da verdade que essa decifração produz e apontar mais além, a fixação do gozo, a opacidade do real.
Guéguen (2014) afirma que, para além de perturbar a defesa, é preciso ir além e desmontar a defesa, pois é importante supor que uma outra construção venha no lugar do que foi esvaziado.
Miller (2020) lembra a pergunta de Lacan: como se vive a pulsão? O próprio Miller elucida que, no percurso de seu ensino, Lacan nos evidencia que não se trata, como em Freud, de resolver o conflito, mas de obter um novo arranjo, um funcionamento menos custoso para o sujeito. Não há pulsão sem sintoma. A fantasia é o curso normal da satisfação e equivale à inércia imaginária (posição do neurótico em relação ao desejo), impedindo de saber fazer com o sintoma. Contudo, sabemos ser possível, em uma análise, definir, localizar a fantasia. Porém, no registro do sintoma, como modo de gozo, o que se pode é saber fazer aí com o sintoma, com esse resto, ou seja, fazer-se amigo do sintoma, montar um novo modo de satisfação, uma nova maneira de satisfação pulsional, uma nova construção que Lacan denomina de sinthoma, pois o sintoma não é algo novo, mas um retorno. Há sempre algo de velho no sintoma, pois este é feito de repetição.