A Homossexualidade Feminina No Plural

M.-H. BROUSSE

 

A homossexualidade feminina é uma solução para a dificuldade sexual dos seres de linguagem – que são os seres humanos – tão antiga quanto a homossexualidade masculina, mais discreta talvez, menos exposta ao público, mas também constante através das épocas históricas e das diferentes culturas. Talvez ela não ameace do mesmo modo as exigências da família e da ordem patriarcal. Além disso, como mostraram alguns estudos da história das mentalidades, as mulheres, em sua maioria, não foram, no curso dos séculos passados, interlocutoras tão ouvidas quanto os homens, tanto no que se refere a suas opiniões políticas quanto no que diz respeito a suas posições sobre o íntimo. Enfim, a homossexualidade feminina era também o objeto de uma fantasia masculina e, por isso, podia reforçar o desejo masculino: sonho de corpos femininos enlaçados que não demandariam nada aos homens, e por essa razão, os liberaria de um dever que viria pesar sobre o desejo.

A época atual, sem ter se livrado da pregnância de tudo isso, é outra. A psicanálise foi partícipe dessa mudança de várias maneiras. Em primeiro lugar, colocando seriamente em questão uma suposta naturalidade biológica da sexualidade nos seres humanos machos ou fêmeas. Foi preciso se render à evidência do que diziam os sujeitos nesse dispositivo singular que é o dispositivo analítico. E desde os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Freud estabelece que a criança é um perverso polimorfo, o que modifica radicalmente para sempre a definição da perversão, operada a partir de critérios tanto sociais quanto biológicos. Por outro lado, a constatação de que as relações homens/mulheres são feitas de rejeições recíprocas leva Freud a considerar que é muito mais fácil dar conta da homossexualidade do que da heterossexualidade. Enfim, a psicanálise constituiu em discurso os dados que, antes, permaneciam restritos à esfera do não-dito ou dos segredos íntimos.

Partiremos de um debate clínico importante na progressão do saber analítico, debate que repousa sobre a comparação entre dois casos freudianos, cada um formalizado em um paradigma segundo o método de pesquisa analítica.

Trata-se, por um lado, do caso Dora, paradigma freudiano e pós-freudiano da estrutura neurótica histérica e, de outro, do caso conhecido como o da jovem homossexual. De fato, trata-se de duas jovens mulheres mergulhadas no mesmo discurso social, no mesmo período histórico. Uma, Dora, ao longo de sua análise com Freud, desvela seu amor e sua fascinação por uma mulher mais velha, amiga da família e amante de seu pai. A outra, que não entra na lógica de um tratamento analítico e teve simplesmente algumas entrevistas com Freud, desorganizou, em nome de um amor por uma mulher mais velha e “mulher da vida”, as conveniências do seu meio e efetuou o que chamaríamos, hoje, de uma passagem ao ato suicida. A questão do suicídio, mesmo não havendo tentativa de suicídio no caso de Dora, está posta, no entanto, já que, em uma nota, Freud evoca a título de comentário a história inventada de um suicídio do pai: “Este é o ponto de ligação com a simulação de suicídio da própria Dora, que assim talvez expresse o anseio por um amor similar” (FREUD, 1905/1989, p. 38).

O caso de Dora, publicado primeiramente em 1905, comporta uma nota de Freud acrescentada em 1923. Nessa nota, ele completa seu texto de 1905, cujas numerosas passagens mencionavam que ele havia reconhecido, desde então, o forte laço amoroso de Dora pela Senhora Ki, através de uma correção radical:

“Quanto mais me vou afastando no tempo do término dessa análise, mais provável me parece que meu erro técnico tenha consistido na seguinte omissão: deixei de descobrir a tempo e de comunicar à doente que a moção amorosa homossexual (ginecofílica) pela Sra K. era a mais forte das correntes inconscientes de sua vida anímica. […] Antes de reconhecer a importância da corrente homossexual nos psiconeuróticos, fiquei muitas vezes atrapalhado ou completamente desnorteado no tratamento de certos casos.” (FREUD, 1905/1989, p. 113-114)

Logo, a homossexualidade sob a forma de “tendência” é claramente indicada por Freud como um elemento-chave do caso e da histeria em geral. A tendência inconsciente, à revelia do sujeito e não culminando num ato sexual, que caracteriza Dora, aparece em oposição à afirmação decidida, consciente e atuada que caracteriza a posição do sujeito que é “a jovem homossexual”. É sobre essa diferença e não sobre a presença ou a ausência da orientação homossexual que Freud coloca, em um dos casos, um diagnóstico de neurose e, no outro, um diagnóstico de perversão. A consequência disso é que ele decide não engajar a jovem homossexual na via de um trabalho analítico, quando, ao contrário, dispensado por Dora da maneira mais brutal, ele se encontra “completamente desnorteado” em pleno tratamento.

Ora, qual é a modelização efetuada da posição de Dora, que, mesmo dando lugar, como já vimos, à sua homossexualidade, não faz disso, no entanto, um elemento-chave da tática freudiana da transferência? O interesse homossexual de Dora pela Senhora K. decorre de sua própria questão sobre o que é a mulher, saber sobre o feminino que ela considera não ter e que ela atribui a essa Outra mulher, por ser ela o objeto do desejo tanto do Senhor K. quanto do seu próprio pai. Freud interpreta assim a cena em que, cortejada pelo Senhor K. – numa ótica de troca, que ela entende perfeitamente e que aliás Freud valida confirmando que concorda com ela –, ele lhe anuncia que “sua esposa não é nada para ele”, ela lhe dá uma bofetada estridente e acaba aí a sua complacência por ele. “Se você não a deseja, você não me interessa mais” (FREUD, 1905/1989, p.103). A ligação com os homens, com o Senhor K. ou com seu pai resulta, portanto, de uma identificação ao amor e ao desejo deles por uma mulher, que permite concluir que esta, contrariamente a ela mesma, é uma verdadeira mulher e detém a chave de um saber que ela não tem. Lacan qualifica essa posição dos homens na estrutura histérica: são os “testas de ferro” do sujeito histérico, testas de ferro de seu desejo pelo feminino. Ela deve passar por eles, pelo amor e pelo desejo deles por outra para ter acesso a uma feminilidade idealizada. O benefício é duplo: evitar ser ela mesma submetida às regras que organizam a posição feminina no discurso do Mestre e elevar o feminino à dignidade de um ideal possível de ser universalizado. Em suma, evitar ser, por ela mesma e para ela mesma, “a mulher de sua vida” e, portanto, inventar uma solução feminina que não valeria senão para ela mesma.

A jovem homossexual não está de forma alguma nessa posição. Diante de seu pai, ela pretende, antes de tudo, afirmar o que são verdadeiramente um amor e um desejo por uma mulher. Ela está, portanto, em posição de challenger, de desafio: somente uma mulher pode amar e desejar outra mulher como convém. Sua identificação não é com o masculino. Certamente, a Dama é escolhida não somente pelo seu saber sexual, mas igualmente por sua rejeição às convenções dominantes, por sua ousadia frente ao poder masculino e patriarcal. É sua posição de rejeição e desafio ao Pai que a caracteriza. Sua cruzada é A mulher que seu amor vem completar.

As pesquisas e as publicações recentes sobre a lógica da vida e as escolhas posteriores da jovem homossexual não validam necessariamente o diagnóstico de perversão colocado por Freud e nos convidam, de preferência, à prudência. Mas a neurose, com a divisão subjetiva que a caracteriza, permanece claramente, contudo, a ser descartada, como ele o fez.

Lacan retomou várias vezes o caso Dora. Ele o formalizou. Sobre a questão da homossexualidade feminina, ele mostra claramente como o preconceito freudiano interrompeu a dinâmica da análise (LACAN, 1951/1998). Na sequência do seu ensino, ele esclarece esse preconceito como um ponto limite do próprio Freud sobre o pai, que ele qualifica no Seminário, livro XVII de “sonho de Freud”. Estamos, então, em 1969-1970, e o desvanecimento do esplendor e do poder da função paterna, que organizou durante muito tempo todos os níveis dos laços sociais, concluiu-se. Mesmo o prestígio do Nome, da nominação, se fragmentou em múltiplos nomes. Uma mutação profunda operada pela Ciência e seus saberes sobre a tradição que organizava até então o discurso do Mestre, aconteceu. Ela substituiu o nome pelo número, o governo pela gestão e pela administração. A psicanálise constatou os efeitos dessa mutação nos modos de satisfação e, correlativamente, nos sintomas dos sujeitos. O ensino de Lacan leva, portanto, a partir dos anos 1960-1970, a clínica e a teoria da psicanálise na direção de um para-além do Pai.

Jacques-Alain Miller mostra os novos fundamentos dessa orientação lacaniana. Por um lado, o Um não é mais aquele da exceção paterna a partir da qual se podia deduzir um universal que definia a posição de todos. Os uns são cada um e cada uma, sozinhos. O sistema simbólico tem que se submeter a isso, e o estilo de vida de cada um é, para cada um, sua própria norma. O universal reconhecido é atribuído ao único saber científico que se erige em norma no discurso do Mestre, em normas estatísticas, e não mais norma resultando da exceção. Por outro lado, o modo de gozo encontra seu fundamento não mais no laço pai-mãe, mas na descoberta de que não existe relação sexual que possa se escrever entre seres que não têm senão a linguagem e a palavra para se ligar, ao contrário da relação que a ciência escreve entre as células. Resulta disso que feminino e masculino não esgotam em nada as posições de desejo. Freud já havia esbarrado nas definições tentadas a partir do passivo e do ativo, inoperantes na vida sexual e amorosa.

Nessas novas coordenadas, o que acontece hoje com a homossexualidade feminina? Nossa hipótese é a seguinte: a posição histérica não requer mais passar pelo pai e pelos homens para ter acesso ao feminino. Não há mais necessidade do “testa de ferro”. Nada mais falta às mulheres, diz Lacan no Seminário, livro V. Ele vai mais longe ainda no Seminário, livro XX, mostrando a dissimetria entre o masculino e o feminino, em que o sistema paterno-centrado só podia conceber como complementares e/ou rivais. As mulheres não são um conjunto complementar dos homens, regido por uma mesma lógica conjuntista. Lacan considera, portanto, o feminino como suplementarii. Todos homens, macho e fêmea, pai e mãe, irmão e irmã, amante homem e amante mulher, no sentido de todos os seres humanos submetidos à universalização, isto é, seres que habitam a linguagem, mas não todos do lado feminino. Um exemplo surpreendente desse feminino não simétrico tomado por Lacan (1972-1973/1985) é São João da Cruz, cujo sexo não é colocado em dúvida, já que a Igreja Católica se assegura sempre disso antes da ordenação. Finalmente, a identificação masculina é requerida para ser uma mulher, o que não quer dizer que ela baste para fazer uma quanto ao gozo. A posição histérica estava, portanto, bem adiantada.

Nessas condições, seria lógico ver as Doras de hoje passarem de uma posição homossexual inconsciente, portanto recalcada, e de uma ausência de atuação desse amor homossexual constatado por Freud, a uma posição consciente e a um acting out da atração pelo feminino na outra mulher. Um acting out, o que isso quer dizer? Uma formação do inconsciente, sob o modelo do sonho, do chiste, ou como Lacan propõe, no Seminário, livro X: A angústia, uma encenação da questão do sujeito, ao mesmo tempo que sua interpretação. Em suma, uma interpretação da posição do sujeito através de sua questão sobre a escolha de seu modo de satisfação, nesse caso: o que é A mulher? Enigma que polariza a relação da histérica com o inconsciente.

A clínica vem confirmar ou invalidar essa hipótese? Numerosas análises de sujeitos femininos numa posição histérica vêm confirmá-la.

Tomarei quatro casos de sujeitos histéricos, dentre muitos outros. Esses sujeitos são da mesma geração, entre vinte e cinco e trinta e cinco anos. As quatro trabalham em profissões nas quais, de maneira diversa, seu desejo está engajado. Elas são autônomas financeiramente, fato tão importante quanto evidente para elas. As quatro começaram sua vida sexual com homens, tanto em suas primeiras emoções sensuais na infância quanto em suas primeiras experiências sexuais, mesmo tendo laços de amizade extremamente fortes com amigas. Mesmo que uma delas não tenha nunca vivido com o seu parceiro, as outras três levaram um vida de casal com seu companheiro, vida de casal assumida diante das respectivas famílias e reconhecida por elas. Uma delas teve um filho com o seu parceiro. Nenhuma delas se casou, no entanto, durante essa união, num acordo com o parceiro, seja por ideais “compartilhados”, seja adiando o casamento. A um dado momento, sem que seja possível extrair daí algum elemento comum aos quatro casos, ou seja, em circunstâncias e por razões muito diferentes, elas romperam esse laço. A posterior escolha delas foi por uma mulher, e essa escolha ou foi definitiva ou foi reiterada várias vezes. Elas viveram, portanto, desde então, com uma mulher sem fazer da homossexualidade uma identificação. Não somente elas “se apaixonaram”, mas também a relação física não constituiu um problema. Todas assumiram, com maior ou menor dificuldade, essa escolha junto a suas famílias e, mais além, em relação ao seu meio social. Duas das quatro têm um desejo de filho que elas não concebem fora do laço com sua companheira e que colocam em questão suas respectivas posições no casal formado: o retorno da rivalidade assim que se introduz o objeto, nesse caso, o filho. As dificuldades encontradas não as trouxeram de volta para os parceiros homens, mesmo que algumas continuassem a ter relações de sedução ou mesmo relações sexuais passageiras com homens. Suas escolhas amorosas remetem cada uma a traços que pertencem a uma Feminilidade idealizada: uma feminilidade que elas não têm, segundo afirmam, e que as fascina, como se fosse um enigma, uma feminilidade na qual não se reconhecem e não desejam para si mesmas. Pode-se recorrer à afirmação de Lacan no Seminário, livro XX, segundo a qual as mulheres homossexuais gostam do Outro sexo para perseguir um gozo outro, distinto do gozo de um objeto que faz falhar a relação desejada com esse outro, tornando-as, portanto, “hétero” orientadas. Sem passar mais pelo amor e pelo desejo de um homem, elas foram diretamente na direção desse Outro sexo que as fascina, que elas amam. O laço com essa mulher suposta outra que não elas mesmas, suposta outra a lhes revelar sua própria feminilidade, conduz o encantamento amoroso a um limite. Pode ser o retorno do mesmo (LACAN, 1972-1973/1985) quando o surgimento do objeto reacende a rivalidade. Pode ser a estranheza daquilo que elas consideram como a loucura do fora de limite de sua parceira. Pode ser o retorno à mãe que mergulha novamente o sujeito numa posição de criança, equilibrada por uma posição donjuanesca em relação a outras mulheres a conquistar. Pode ser a descoberta do impasse da posição masculina, no estilo arroseur arroséiii. Mas, em razão do amor pelo pai, não há nunca o acesso ao não-todo fálico. Simplesmente mulheres que se autorizam a ser homens como os outros, à procura de um gozo delas, inacessível. Nessas condições, o desenvolvimento contemporâneo da homossexualidade feminina é uma simplificação que decorre do fato de que, sexualmente, hoje o sujeito se autoriza somente por si mesmo, como já dizia Lacan em seu Seminário, livro XXI.

E a Jovem Homossexual, o que aconteceu com o seu paradigma? A hipótese é mais difícil de ser colocada. Que ela não provoca mais escândalo, não há nenhuma dúvida. Mas essa não era a sua única visada. As mulheres orientadas desde a infância, de modo assertivo, para a homossexualidade, para as quais a relação sexual com os homens é sem atrativo ou mesmo impossível, são, no que diz respeito à minha experiência de analista, menos numerosas, pelo menos a procurar por uma análise. É importante notar que o diagnóstico de perversão, tal como ele é concebido por Freud, não é garantido.

A partir da clínica, um ponto nos parece importante. A questão do sujeito definindo-se como “homossexual” não incide sobre o “enigma da sua feminilidade corporal”. Esses sujeitos se definem como mulheres, sem se questionar e sem reivindicação em relação aos homens em geral ou, em particular, a respeito daqueles que poderiam participar de sua vida amorosa. Elas não olham para os homens e os homens não lhes interessam. O desejo está ausente, o amor, nem sempre. Isso quer dizer que não há divisão subjetiva sob diferentes modalidades? Não, mas essa divisão não diz respeito à sexualidade feminina. Uma clínica está para ser construída, estendendo-se sem dúvida da neurose à psicose, clínica que Lacan evocava a respeito do misticismo a ser diferenciado em suas formas neurótica, psicótica ou perversa. A hipótese que vamos propor, bem modesta, é que esse tipo de escolha homossexual, em alguns sujeitos, está ordenada pela separação do objeto de qualquer valor de troca fálica e, portanto, trata-se de sair da cena dos discursos. Ideal de fusão ou de desaparecimento. No primeiro plano, não vêm os significantes, a linguagem, mas eventualmente a letra, fora do discurso, não fora da escrita, o que vai de encontro à observação pela qual nós começamos e segundo a qual a homossexualidade feminina foi coberta pelo silêncio durante muito tempo.

Parece, portanto, necessário diferenciar, numa clínica psicanalítica, as funções clínicas diferentes da homossexualidade, pois está claro que ela não corresponde a uma estrutura única.

De um lado, uma homossexualidade, que é um novo sintoma histérico, fundamentada numa idealização de A mulher como Outro, para ela mesma e em geral. Essa solução diz respeito ao objeto colocado no feminino, não o sujeito, que permanece preso numa posição masculina, deixando a parte mais importante para a fantasia. Essa homossexualidade, universalizando o feminino como figura do Outro, responde ao princípio do todo em uma época em que a exceção paterna está falhando. Ela coloca no lugar deixado vazio pelo Pai e seus avatares, A/Mulher como o escreve Lacan no Seminário, livro XX: Mais, ainda (colocando uma barra sobre o A), diretamente e sem mais máscara ou chicane. O homem tornou-se um desvio inútil. Nessa perspectiva, a homossexualidade responde como sintoma à questão da falta no Outro.

Por outro lado, uma homossexualidade feminina, é a escolha de gozo decidida, que permite ao sujeito se apreender ele mesmo como mulher. Essa solução não depende tanto da escolha do objeto quanto da identificação de si próprio como verdadeira mulher e implica em continuidade numa identificação com a parceira escolhida como objeto semelhante. A idealização pode acontecer, mas não é necessária. Essa homossexualidade não repousa sobre um eixo de identificação vertical, mas horizontal e metonímico: a mesma, se amar podendo se escrever, se “mêmer”iv numa pessoa semelhante. Dependendo da dimensão dessa identificação, imaginária ou simbólica, a estrutura psíquica do sujeito é diferente. Psicose, quando esse mesmo é imaginário e constitui então um verdadeiro duplo do sujeito que lhe dá a solidez que falta quando não está presente a identificação simbólica ou real. Neurose, quando essa identificação imaginária recobre uma identificação simbólica recalcada. Perversão fetichista, quando ela se opera a partir da fixação de um traço. Em todos os casos, a homossexualidade é uma resposta pelo modo de gozo à falta a ser do sujeito.

Resta uma terceira via de investigação, ainda pouco aprofundada clinicamente. Qual seria a homossexualidade feminina que se situaria na esteira operada pela definição do feminino que encontramos no Seminário Mais, ainda, de Lacan? Existe uma possibilidade de considerar uma homossexualidade que se situaria do lado do que Lacan chama – apoiando-se sobre uma formalização lógica – de “não-todo”, em oposição ao “para-todo”, esse princípio de funcionamento do universal que é uma ficção, que depende da estrutura da linguagem e do discurso que permite, no caso, o funcionamento político.

De qual “não-todo” a homossexualidade feminina seria, por sua vez, o revelador? Nós propomos: “não todo sexo”. Seria uma solução que limitaria o sentido sexual não da forma como o faz a psicanálise a partir do “não existe relação sexual”, mas levantando a bandeira do amor: uma espécie de sublimação pela alma. No deserto da ausência de relação sexual que não vem mais velar o pai e as exigências da ordem familiar, essa solução seria uma tentativa de fazer existir, pela escrita no corpo, o acontecimento de um gozo localizado fora dos órgãos sexuais. Esses, de fato, estão sempre submetidos, no campo do real, à reprodução, que não exige que os seres falantes se encontrem na linguagem, no campo do simbólico, à fantasia e à pulsão, portanto, ao autoerotismo. A menos que se tome como A Mulher e que se faça retorno ao “para-todo” na impossível posição da exceção, essa solução pelo retorno a um corpo não regido pelas exigências do sexo, que se decline como sentido ou de uma maneira biológica, tem uma característica: ela não pode pretender ao universal. E, consequentemente, parece pouco compatível com uma escolha exclusiva e definitiva: uma homossexualidade “não-toda”, não no sentido de incompleta, mas de não totalitária, que não pode ser, portanto, um fator de identificação nem um modo de vida.

Tradução: Márcia Bandeira
Revisão da tradução: Ana Lydia Santiago

 

(1) “Por trás da sequência hipervalente de pensamentos que se ocupavam com as relações entre o pai de Dora e a Sra. K. ocultava-se, de fato, um impulso de ciúme cujo objeto era essa mulher – ou seja, um impulso que só se poderia fundamentar numa inclinação para o mesmo sexo. Há muito se sabe e já se tem assinalado que, na puberdade, com frequência, tanto os meninos quanto as meninas, mesmo nos casos normais, mostram claros indícios da existência de uma inclinação para pessoas do mesmo sexo.” (FREUD, 1905/1989, p. 62)
(2) “Vocês notarão que eu disse suplementar. Se estivesse dito complementar, aonde é que estaríamos! Recairíamos no todo.” (Lacan, 1972-1973/1985, p.99)
(3) NT. Arroseur Arrosé é o título de um filme dos irmãos Lumière (1895), que se popularizou como uma expressão que significa “ter seus atos que retornam contra si mesmo” e que equivaleria à expressão em português “o feitiço se volta contra o feiticeiro” ou mesmo estilo “bumerangue”. No filme, um jardineiro rega seu jardim. Um garoto coloca o pé sobre a mangueira. O homem olha o bico para ver se está entupido. O espertinho retira o pé e o jardineiro recebe o jato na cara. Ele corre atrás dele, lhe dá uma palmada e o molha também.
(4) NT. Aqui a autora joga com a homofonia das palavras “s’aimer (se amar) et “même” (mesmo), criando um neologismo, o verbo “se mêmer”, ou seja “amar o mesmo”.

 


Referências Bibliográficas
FREUD, S. (1905) Fragmento da análise de um caso de histeria. Rio de janeiro: Imago, 1980. (Edição standard das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 7)
LACAN. J. (1951) “Intervenção sobre a transferência”. In: Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 214-225.
______. (1957-1958/1999) O Seminário. Livro V: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
______. O Seminário. Livro X: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
______. (1969-1970/1992) O Seminário. Livro XVII:o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
______. (1972-1973/1985) O Seminário. Livro XX: mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
______. (1973-1974) O Seminário. Livro XXI: les non-dupes errent. Inédito

 


M.-H. Brousse
Psicanalista, AME da ECF, EOL, NLS e AMP. E-mail: brousserichard@wanadoo.fr