“O Sujeito Do Gozo” Na Psicose

NÚBIA APARECIDA FERREIRA DE MELO

 

 

“O SUJEITO DO GOZO” NA PSICOSE

A foraclusão generalizada e as psicoses ordinárias, tema do quarto módulo do curso de psicanálise, realçaram os desenvolvimentos posteriores de Lacan no que concerne aos estudos e tratamento da psicose.

Se no Seminário. Livro 3: As Psicoses (1955-1956), bem como em “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” ([1958] 1998, p.537-590), Lacan enfatiza o registro simbólico e a ausência de seus índices: Nome do Pai e significação fálica – recursos para representar a falta a ser e o gozo que se perde – como elementos balizadores da psicose extraordinária ou desencadeada, algo de novo se põe quando um modo diferente de entrar na psicose se apresenta.

Neste texto, o objetivo não é enveredar por toda a teorização acerca do primeiro e segundo ensino de Lacan sobre as psicoses, ainda que o elemento que nos interessa situar, o sujeito do gozo, derive da passagem de um ensino ao outro. É quando se formula que o sujeito da psicose não é o sujeito do significante, mas sim o sujeito do gozo. E que a clínica da psicose vai tratar da solução de gozo e não do significante.

Dois eventos realizados na França, entre 1996 e 1999, “A Conversação de Arcachon”, com “Os casos raros e inclassificáveis da clínica psicanalítica”, seguida da “A Convenção de Antibes”, que resultou no livro A Psicose Ordinária, são formalizadores de casos atípicos de psicose que requerem um manejo outro do gozo não localizado, que ataca o ser do sujeito. Os casos são centrados em uma experiência que devemos entender como confrontação a um gozo do Outro, que o sujeito sente como totalmente enigmático, não lhe atribuindo outro lugar senão o de objeto, colocando-o em perigo extremo.

Trata-se do real difícil de simbolizar que pode ocasionar passagens ao ato, como suicídios e assassinatos, ou formas inusitadas de tentar localizar o gozo: cortes no corpo, escarificação, tatuagem, uso de drogas e outros. Tudo são maneiras de tentar extrair o objeto que fica no corpo, num excesso, alcançando alguma pacificação do gozo desregulado – daí a formulação de que o psicótico traz seu objeto no bolso, colado ao corpo.

Miller (2011), no seu texto “Efeito do retorno à psicose ordinária”, menciona que esta psicose também poderia ser nomeada como comum. Trata-se apenas de um termo, um significante, e não um conceito. No entanto, por se apresentar discretamente, por desligamentos sucessivos do Outro, tornando difícil precisar o diagnóstico, requer tomar em consideração a polaridade entre “sujeito do gozo” e “sujeito do significante”, orientando a clínica pela questão do real e do aparelhamento do gozo, o que traria mais perspectivas para alguns tratamentos na atualidade. Miller afirma ainda que Lacan insiste nesta mudança de perspectiva, uma vez que passa a dar todo o lugar à clínica “borromeana”, contemporânea dos Seminários RSI e O Sinthoma, sem se desconsiderar a clínica estrutural que distingue entre neurose e psicose, em função da presença ou ausência do operador que é o Nome do Pai.

É também num outro texto, “La Verdad Mentirosa” ([2009]2011, p.146), que Miller vai mencionar que é somente quando se considera que a finalidade do aparato significante é o gozo, incluindo aí o real, que Lacan escreveu – a pedido seu, na primeira tradução francesa das Memórias do Presidente Schreber – “el sujeto del gozo”. E “si no lo repitió, fue porque no se sostenía”.

Miller segue comentando que foram necessários mais dez anos para se apresentar o parlêtre como o ser que fala de seu gozo, gozo este que é a razão última de seus ditos.

O que se encontra na “Apresentação das Memórias de um doente dos nervos” (Outros Escritos, 1966/2003, p.219-223)? Lacan retoma a importância do texto de Schreber em Freud dizendo que “a liberdade que Freud se deu aí foi simplesmente aquela, (…), de introduzir o sujeito como tal…”. Ou seja, que não se trata de avaliar o louco em termos de déficit, ou de que lhe falta algo que se precisa recompor. E prossegue, sobre o mesmo texto:

“A temática que avaliamos pela paciência exigida pelo terreno em que temos de fazê-la ouvida, na polaridade – a mais recente promovida – do sujeito do gozo e do sujeito que o significante representa para um significante que é sempre outro, não estará nisso o que nos permitirá uma definição mais precisa da paranoia como identificando o gozo no lugar do Outro como tal”? (LACAN, 2003, p.221).

O que se torna elucidado, a partir do que se coloca, é que a clínica borromeana interroga o que pode manter ligados, ou fazer ficarem juntos os três registros da estrutura: Real, Simbólico e Imaginário, acolhendo outras soluções e invenções para além do Nome do Pai. Cada um pode fazer o seu sinthoma que amarra. Há psicóticos que fazem isso, e foi o que Lacan procurou demonstrar com Joyce, caso paradigmático de uma amarração do sujeito com sua escrita – não estava delirando –, levando-o à formulação de “Joyce, o sinthoma”. Schreber, sem narcisismo, faz uma construção delirante: “Ser uma mulher copulada por Deus” e tudo que vai construir, delirantemente, é para amarrar isso.

No livro A Psicose Ordinária (2012) menciona-se a posição ética do psicótico, tantas vezes ressaltada por Lacan em expressões como “escolha da liberdade”, ou “insondável decisão do ser” etc., nos seguintes termos: “o psicótico é aquele que se recusa a trocar o gozo pela significação” (MILLER, 2012, p. 56).

Daí ser necessária uma outra lógica na direção do tratamento que leve em conta a relação do sujeito psicótico com lalíngua e não com a articulação significante. As amarrações que um sujeito psicótico faz não precisam ter, necessariamente, um sentido. São construções ou produções que funcionam como um Nome do Pai para o sujeito, e o estabilizam ou religam ao Outro.

Sujeito do gozo, portanto, vem indicar a posição do sujeito como resposta do real e como escolha segundo o modo de gozo.

Para concluir, faremos um breve relato sobre o documentário “A Céu Aberto” (2014), de Mariana Otero, cineasta francesa, no que ele revela algo do sujeito tomado pelo gozo desregrado.

Otero, interessada no enigma da loucura, escolhe entre as instituições o “Le Courtil”, na fronteira entre a França e a Bélgica, um espaço que acolhe crianças autistas e psicóticas, para a sua produção. Com uma câmera amarrada ao corpo, deixando livres suas mãos para interagir com os internos, filma cento e oitenta horas, em 2012, o que foi essa experiência, lançada entre 2013 e 2014.

Comentando a respeito de seu trabalho, a cineasta dirá que não encontrou ali a loucura, mas sim o modo singular, a língua própria de cada um, diferente da língua da maioria das pessoas.

“A céu aberto” é o que Lacan formula sobre o inconsciente do psicótico, no Seminário, Livro 3, As Psicoses. O inconsciente exposto, sem nenhuma censura. “Esquisitices” ditas, sem nenhum pudor, marca do que perturba a relação do sujeito com a realidade, tal como a paciente dele que diz numa sessão: “Eu venho do salsicheiro” (LACAN, 1985, p.60).

A cineasta mesmo parece ter-se constituído, com sua presença discreta e sua câmera-olhar, um Outro ao qual as crianças podiam se enlaçar. Um objeto fora do gozo de seus corpos, algo a que se endereçar. Amina, que não utilizava as palavras com clareza, interessa-se pela câmera e por quem está por detrás dela. Pergunta: “o que é isso”? Otero responde: “a câmera”. E isto, referindo-se a Otero. “Sou eu, Amina, Mariana. Você me conhece”! A criança prossegue dizendo que vai querer uma câmera como a dela, quando crescer. Perguntada sobre o que faria, a criança responde que vai filmar lá fora, o céu, as aves…

Alysson, uma menina de 12 anos, completamente invadida pelo gozo sexual, não para quieta com suas mãos, inclusive sobre os genitais, o que se acentua quando perto de algum menino. Com um gomo de mexerica na boca, balança-se freneticamente e diz “estou chupando”. Em outro momento, chega a gritar “sexo”. No jardim começa a se interessar por minhocas e outras coisas que desenterra. Vai convocar o olhar da cineasta, mostrando para a câmera a minhoca que desliza na palma de sua mão. Em outra cena, Alysson a convoca, colocando-se em três lugares diferentes com a pergunta: “e aqui”? Ao que Mariana responde: “eu te vejo”, “também te vejo”, “vejo também”, a cada uma de suas posições. Constituição de um corpo para Alysson, cujo diagnóstico é de esquizofrenia, psicose em que o gozo retorna no próprio corpo? O documentário termina com Alysson pegando uma trilha no campo por onde corre e chama: “venha, Mariana, por aqui”, sempre convocando esse olhar para si.

Jean-Hughes, um dos mais velhos, 14-15 anos, fala, delira e pensa sem cessar. Sabemos quanto o Outro do psicótico é tomado como mau, abusador e invasivo. Otero consegue se fazer o Outro dócil que apenas acompanha o psicótico, como sugere Miller. Jean-Hughes a recebe em seu quarto e faz uma apresentação minuciosa de seus objetos. Aliás, é sempre ele que a convida com “bom-dia”, “olá”, ou até mesmo fazendo passinhos de dança em frente à sua câmera. Ela nunca o invade. Soube manter a distância que o autista estabelece do Outro insuportável para si. Como Otero pôde funcionar assim, com tanta sensibilidade, não sendo uma profissional com conhecimento do manejo delicado que requer a clínica da psicose? Operava com o mesmo cuidado de cada um dos interventores e demais profissionais do Le Courtil: Véronique Mariage, Dominique Holveoet, Marie Brémant e outros. Todos mergulhados no mundo da singularidade dessas crianças e adolescentes, propiciando e acompanhando as invenções que pudessem constituir alguma borda entre o corpo e a linguagem.

Alvarenga, em seu texto “Psicoses Freudianas e Lacanianas”, propõe que “aquele que acompanha o sujeito psicótico na sua experiência enigmática opera, ao contrário do que faz na clínica da neurose, com o mínimo de enigma possível, tentando, de alguma forma, reatar a pulsão à cadeia significante” (ALVARENGA, 2000, p.43).

Com Alysson, a direção do tratamento foi ocupar suas mãos, que já se ocupavam da terra, com as massas de bolo. Deu para observar sua hesitação quando Marie lhe disse: “Agora terá de misturar”. Era comum a menina ter dificuldade para prosseguir, queixando-se de dor na barriga, ou na cabeça, nesses momentos em que a finalidade era que o sujeito pudesse ceder um pouco da carga de gozo que afeta seu corpo.

Evanne, de 8 anos, roda até cair. Possivelmente, uma representação de suas crises epilépticas, em que cai e se debate. Numa oficina de música, Dominique propõe ao violonista que faça pausa na música e interponha algumas perguntas que a criança tenha que responder, parando-a um pouco em seu gozo de rodopiar incessantemente. A canção dizia: “vovó foi à padaria e o que comprou?” A criança para e responde: “baguete”. “Quanto custou”? Nova parada nos rodopios e um valor: “três euros”. Logo após, a brincadeira se interrompe com uma fala da criança: “fiz cocô”. Um esforço para perder, ou esvaziar o gozo que o invade.

Jean-Hughes delirava, mas também desenhava e tentava falar do gozo invasivo, na escuta atenta de Marie que se assenta com ele em seu quarto, dizendo “não posso deixá-lo assim”. Ele que gritava para os italianos o deixarem em paz, diz: “Não aguento viver desse jeito, falando sem parar e com tudo isso dentro da minha cabeça”. Marie lhe diz que vai ficar ali e que não precisa falar. Segue-se uma conversa em que o orienta sobre como pinçar e não raspar os pelos da sobrancelha que o incomodam, pois demorariam mais para crescer. Jean lembra que já fez isso com seu pai uma vez, e vai ficando visivelmente apaziguado.

O tratamento conduzido nessa instituição vai constituindo um “novo céu” para as crianças e jovens em tratamento, não as deixando à deriva do gozo em seus corpos, que expõe o inconsciente “a céu aberto”.

 

 


Referências
ALVARENGA, Elisa. “Psicoses Freudianas e Lacanianas”. Revista Opção Lacaniana, São Paulo: Eólia, n.28, 2000, p. 40-43.
BATISTA, Maria do Carmo Dias; LAIA, Sérgio (Orgs). A psicose ordinária – A Convenção de Antibes. Belo Horizonte: Scriptum, 2012.
LACAN, Jacques. (1966). “Apresentação das Memórias de um doente dos nervos”. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p.219-223.
LACAN, Jacques. (1958). “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p.537-590.
LACAN, Jacques. (1955-1956). O Seminário. Livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
MILLER, Jacques-Alain. (2009). “La Verdad Mentirosa”. In: Sutilezas Analíticas, Buenos Aires: Paidós, 2011, p137-147.

NÚBIA APARECIDA FERREIRA DE MELO
Psicóloga graduada e pós-graduada em Psicanálise: Teoria e Prática, pela Universidade FUMEC. Aluna do curso de Psicanálise do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais, 2014-2016. nubiafmelopsc@hotmail.com



De Onde Vêm As Mães?

MAGDA H. B. CASAROTTI

De Onde Vêm as Mães?

Os impasses que hoje vivem as mães trazem à tona um não saber fazer com o filho. No serviço de psicologia e direção escolar de uma escola de Educação Infantil, as perguntas mais frequentes são: como devo agir com esta criança? O que devo fazer para educá-la bem? O que eu faço para ser boa mãe? Por que a criança não vem com bula?

 

1.Maternidade e Sexualidade

 

A mãe de um menino de 4 anos procurou o serviço de orientação escolar para, em suas palavras, “tirar uma dúvida, bem rápido.” Ela queria saber se deveria ou não retirar a fralda do filho, visto que o mesmo não aceitava usar o vaso sanitário ou mesmo o troninho. A mãe interroga-se sobre o comportamento da criança que apresenta-se tão bem desenvolvido em vários outros aspectos, mas não em relação à retirada da fralda. Ela não sabia como fazer, pois tinha medo de traumatizar o filho. Em função do trabalho do pai, a família morou por 2 anos no exterior, e, de volta ao Brasil, a mãe, diz estar vivenciando muitas dúvidas com relação à criação do filho, visto que não foi orientada, passo a passo, sobre a melhor forma de realizar o desfralde da criança.

Outra mãe procura a psicóloga escolar para perguntar como fazer para que o filho aceitasse a alimentação normal, pois a criança alimentava-se somente com a mamadeira. “Diga-me, você que estudou os problemas das crianças, o que eu devo fazer para que meu filho coma normalmente?”. Com três anos de idade, a criança não aceitava o prato de comida, e a mãe acabava cedendo à solicitação do filho, batendo tudo no liquidificador e oferecendo na mamadeira. Angustiada por não seguir as orientações do pediatra, tampouco regularizar a alimentação do filho, quando interrogada sobre o que achava que poderia fazer, ela responde que tinha muito medo de causar algum trauma no filho, na medida em que o contrariasse.

E, assim, cotidianamente, mães apresentam um não saber fazer com o filho. Na contemporaneidade, a maternidade, enquanto representação da feminilidade, encontra-se destituída do seu valor, pois não é a “mulher-mãe” que é valorizada, mas a mulher sedutora, extremamente erótica, objeto de desejo e de consumo. Se, antes, a função materna era bem delimitada e definida pelas normas sociais, as mães possuíam um saber fazer com o rebento, hoje, impera o não saber fazer com a criança, existem outras condições próprias do feminino que fazem demandas. Há na mulher um desejo erótico e seu narcisismo tem outras fontes de satisfação.

No texto de 1914, Freud comentava as relações entre pais e filhos, explicando o amor e o investimento libidinal dos pais nas crianças, segundo a política dos ideais. “O amor dos pais, tão comovedor e no fundo tão infantil, nada mais é senão o narcisismo dos pais renascido, o qual, transformado em amor objetal, inequivocamente revela sua natureza anterior” (FREUD, 1014/1976, p.108)

A expressão “sua majestade o bebê” que se encontra no texto “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914) constitui uma fórmula freudiana para situar a criança, seu lugar e seu valor na estrutura familiar. A posição da criança, enquanto objeto da subjetividade materna, compensador de seu “a menos” de gozo, somada à demissão paterna, traz para a atualidade a tendência à objetalização do sujeito.

Em “Nota sobre a criança” (1969), ao articular o sintoma com a estrutura familiar, Lacan indica o efeito para a criança da queda do ideal.

“A distância entre a identificação com o ideal do eu e o papel assumido pelo desejo da mãe, quando não tem mediação (aquela que é normalmente assegurada pela função do pai), deixa a criança exposta a todas as capturas fantasísticas. Ela se torna o ‘objeto‘ da mãe e não mais tem outra função senão a de revelar a verdade desse objeto”. (LACAN, 1969/2003, p.369).

A família vela o traumatismo que está em jogo para o ser falante, ou seja, o gozo. É possível averiguar que a própria formação de uma família pode-se pautar no ideal de ser pai e de ser mãe como uma solução para a impossibilidade da relação sexual.

Diante da indagação de algumas mulheres sobre a possibilidade de ser uma boa mãe ou não, é possível pensar que o estatuto da relação mãe-criança, sob o escudo do drama edipiano e da castração, opera uma separação entre o sujeito e o objeto, e não uma pretensa relação harmoniosa entre a mãe e o filho. Não há relação de completude, pois é uma relação estruturada entre um a menos, a falta fálica, e o outro lado da moeda, o excesso, o mais de gozo. Não é possível um encontro harmonioso, sem mal-entendidos ou desencontros, pois nesta relação há o encontro com a falta, com a castração, seja do lado da mãe ou do lado da criança.

Na atualidade, ter um filho-falo não é a única forma de satisfação. Vive-se do corpo e do excesso no corpo espetacular. O corpo constitui uma fonte de prazer, de gozo inesgotável, e, paradoxalmente, de angústia e de sofrimento psíquico.

Freud introduz o desejo de ter um filho na dialética edipiana, ele não cessa de mostrar que há uma ligação entre a maternidade e castração, assim como não deixa de insistir em que a feminilidade é um enigma que resta aberto para a mulher, mesmo com a maternidade. Tal questão parece tomar outro destino para os pós-freudianos, que concebem poder a criança vir a ser o objeto capaz de reparar a falta na mãe, abrindo espaço para pensar numa completude possível, a ser reconstruída na relação mãe-criança.

Segundo Lacadée (1996, p. 74), os pós-freudianos, orientados pela relação de objeto, pela relação primária mãe-criança e pelo narcisismo primário, consideram que a relação mãe-criança é essencialmente dual. A criança é vista, por esses teóricos, como um ser em via de desenvolvimento, um objeto parcial, pronto para a satisfação com o objeto “adequado e harmonioso” que a mãe deve ser, ao aprender a interagir com a onipotência da criança.

Uma das versões que Lacan dá para a mãe é a de que ela é insaciável e ameaçadora por seu poder sem lei. Esta insaciabilidade refere-se ao modo próprio de a mulher tentar tamponar a falta, substituindo o falo pelo filho, operação que vai fracassar, pois vai sempre haver um resto irredutível de insatisfação.

É na relação com a mãe que a criança é experienciada como o que falta à mãe, ou seja, o falo. Se a mãe deseja o falo, a criança quer ser esse para satisfazê-la, colocando-se no lugar de objeto de desejo dessa mãe. É o desejo dessa que condiciona, estando o filho capturado no lugar de significante primordial do desejo (falo) permitindo à mulher sustentar o lugar de mãe.

A psicanálise nos orienta que, ao discutir a relação de uma mulher com a maternidade, deve-se considerar o caráter traumático do encontro do ser vivente com a linguagem, que vai desnaturalizar o ser mãe e transformar toda mãe em uma mãe “desnaturada”(Brousse, 1993). Desnaturada pela linguagem, pela sua divisão constitutiva, pelo seu inconsciente.

De acordo com Miller (2003), um dos efeitos da linguagem é o de separar sujeito e corpo, e esse efeito de cisão, de separação entre sujeito e corpo, só é possível pela intervenção da linguagem: é preciso fazer-se o corpo, não se nasce com um corpo. É no corpo mesmo que se faz presente o furo do sexo para as mulheres. Enquanto a mulher freudiana é situável a partir da carência fálica e de tudo o que vem compensá-la, por exemplo, a maternidade; na mulher lacaniana se enfatiza antes o que nela existe de suplemento como gozo: estar habitada por um gozo a mais. Esse gozo suplementar tem duas faces: o gozo do corpo, gozo que transborda o gozo localizado do órgão fálico, e o gozo da fala, que é o gozo que está no significante, sendo para ele exatamente o gozo erotomaníaco, um gozo sem limite, pois esse necessita que seu objeto fale.

 

A Mãe e a Metáfora Paterna

 

A mãe, na metáfora paterna, é reduzida ao desejo, que significa sua função de falta e de perda, é aquela que vai e que vem. Na medida em que a criança simboliza, depara-se com o par ausência-presença, ou seja, defronta-se com uma mãe que deseja alhures. Há um algo a mais, diz Lacan, a existência de uma simbolização primordial da mãe que vai e vem, o que permite algum acesso ao objeto do seu desejo, o falo. De acordo com o relato de Santiago 2001, o ponto nodal da “metáfora paterna” é:

“O processo de substituição do significante do desejo da mãe por um significante paterno, que faz do falo a encarnação da lei do desejo. “É do pai que depende a possessão, ou não, pelo sujeito materno, desse falo”, Essa é a condição da transmissão da lei da castração no plano simbólico: a mãe funda o pai como mediador de seu produto e diz “não” ao gozo, furtando-se a tomar seu objeto – criança – unicamente por seu valor de usufruto: “tu não reintegrarás teu produto” é a lei edípica, que se faz, então, valer.” (Santiago 2001, p.98)

A metáfora paterna tem, portanto, a função de dividir o desejo materno, ou seja, fazer com que a criança não seja tudo para a mãe. Esta metáfora será bem sucedida se for preservado o não-todo do desejo feminino, quando o ser da criança não recobre o desejo da mulher. O desejo da mãe deve se dirigir e ser atraído para um homem, o que exige que o pai seja, também, um homem (Miller, 1996).

Naveau (2001) afirma que a criança interroga sobre a sua mãe, uma mãe que ela divide, é no pensamento, no fantasma. Por outro lado, ela é sua mãe, mas não é a mulher do pai, pois, segundo Freud, na imaginação da criança, a mãe tem um amante e é considerada para o filho como essencialmente uma mulher infiel.

Laurent (1999) argumenta que, em geral, ao se pensar na relação mãe-criança, geralmente se fala da maternagem e não da sexualidade feminina. Entretanto, ele alerta, seria preciso pensar nos avatares da relação de uma mãe com seu filho e deslocar o acento da mãe para a mulher. Enquanto os homens falam das suas amantes, as mulheres se queixam dos seus rebentos. A criança parece ocupar o lugar da sexualidade das mulheres.

 

Concluindo

 

O lugar que o filho ocupará para a mãe vai depender do lugar que o inconsciente materno dará ao objeto surgido no real. Para a mãe, o desejo, que sustenta o fantasma e o gozo, tem a ver com o impossível de dizer e só é acessível pela interpretação que a criança fará do discurso, no qual está envolvida.

Miller (1998) aponta que transformar-se em mãe é uma solução pelo lado do ter. Ser mãe de seus filhos pode significar para uma mulher existir como A mulher, enquanto aquela que tem, a mulher rica.

As queixas apresentadas pelas mães na escola do filho apontam para diversos percursos trilhados por essas mulheres em busca da feminilidade, para a verdade singular de cada mãe/mulher.

 


Referências Bibliográficas
BROUSSE, M. H. (1993). Femme ou mère? La Cause Freudienne, jun, 30-3.
FREUD, S. (1931). Sexualidade feminina. In Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad.) (Vol. 21). Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1976.
___________ (1932). Feminilidade. In Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad.) (Vol. 22). Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1976.
LACADÉE, P. (1996). Duas referências essenciais de J. Lacan sobre o sintoma da criança. Opção Lacaniana, 17, 74-82.
LACAN, Jacques (1969). Duas notas sobre a criança (Ana Lydia Santiago trad.). Opção lacaniana n. 21. abr-1998, pp. 5-6.
___________(1958) “Significação do falo, A” in Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LAURENT, E. O analista cidadão. Curinga: Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, n. 13, p. 12-19, 1999.
MILLER, J.-A. (1997). Lacan elucidado. Rio de Janeiro, RJ: Zahar.
___________ (1998). A criança entre a mulher e a mãe (Ana Lydia Santiago trad.). Opção lacaniana n. 21, abr.- 1998, pp. 7-12.
NAVEAU, Pierre. A criança entre a mãe e a mulher. A criança entre a mãe e a mulher. Belo Horizonte: Curinga, 2001.
SANTIAGO, Ana Lydia Bezerra. “A mulher, a mãe sua criança e outras ficções” In: Revista Curinga – A Criança entre a mãe e a mulher. Belo Horizonte, Escola Brasileira de Psicanálise – MG, abr/2001, p. 94.

MAGDA H. B. CASAROTTI
Aluna do Módulo III do Curso de Psicanálise do INSTITUTO DE PSICANÁLISE E SAÚDE MENTAL DE MINAS GERAIS



O Escabelo De François Augiéras: Escritura E Pintura Do Corpo Do De-Lito (De-Leito)

PHILIPPE LACADÉE

FRANÇOIS AUGIÉRAS

O escabelo de François Augiéras: escritura e pintura do corpo do de-lito (de-leito)[1]

PHILIPPE LACADÉE

Augiéras nasceu em 1925, nos USA, e morreu em 1971 numa grande precariedade, em Domme, bem próximo de sua gruta, onde ele amava se refugiar. Ele havia escrito na nota biográfica de seu livro Viagem ao Monte Athos[2]que, tendo abandonado seus estudos aos quinze anos, “ele se volta rapidamente para uma espécie de vagabundagem”[3]. No decorrer da vagabundagem que orienta sua vida, ele escreve ter encontrado lugares determinantes para abrigar sua “solidão extrema” e “sua crueldade da vida”. Seu primeiro lugar é aquele do deserto em El-Goléa, exposto a céu aberto, depois a gruta da Montanha Santa do Monte Athos e, no final de sua vida, a gruta de Domme. São lugares fontes do Apelo e do Despertar da lógica de sua obra-vida. Como ele escreverá, desde seu primeiro livro, O velho e a criança[4], que surge no coração da Pedra do deserto, há nele uma espécie de equação a ser resolvida em relação a essa fórmula estranha – O velho e a criança. Ela se impõe para ele na escritura de sua vida fora da norma: verdadeira trajetória rimbaudiana sustentada pela frase de Artur Rimbaud no fim de sua poesia Vagabundos, “eu apressado para encontrar o lugar e a fórmula”[5].

Em maio de 1925, seu pai, Pierre, morre de apendicite aguda em três dias, no hospital de Rochester, quando sua mãe estava grávida dele. Ela jamais irá se recuperar desse traumatismo (troumatisme)[6] que veio esburacar com um real inassimilável sua vida. Os significantes Pierre e Rochester[7], enlaçados ao nome de seu pai assim como ao lugar de sua morte e de seu nascimento, foram determinantes para François, que testemunhará (ou falará) muitas vezes o impacto da ressonância dessas palavras nele próprio. Alguma coisa da Pedra (Pierre) que ele poderia ser para sua mãe e da Rocha (Roche) que o acolherá no fim de sua vida foram pontos de apoio da motérialité[8] da língua que vieram arrematar[9] eu nascimento com a escritura e com as errâncias de seu percurso na natureza.

Face à carência real de seu pai, a isso de seu pai que não foi jamais transmitido, sua solução foi a de inventar sua pai-versão[10] na fórmula de O velho e a criança, criada a partir da figura de seu tio Marcel. É a esse coronel aposentado, especialista em astrologia e criador de um museu no forte de El-Goléa, a esse velho cego que ele escreve se oferecendo como seu objeto de gozo, criança escrava. A invenção dessa relação lhe serve para estabelecer seu pacto de gozo com o Céu, via o corpo de seu tio. Ela é o que sustentará sua escrita; ele retorna a ela sem cessar, na necessidade de apreender o que ele nomeará seu “estranho jornal de artista”. “Quando um ensaio é mais verdadeiro que um relato ninguém desconfia, ou admite. Sou somente um bárbaro e vivi muito só[11]”. Como diz Lacan de Joyce, “O que ele escreve é a consequência daquilo que ele é. Mas até onde vai isso?[12]”. E “Quando se escreve, pode-se muito bem tocar o real, e não o verdadeiro[13]”.

Sua solução, a considerar em termos de um sinthoma, como disse Lacan para Joyce, foi de escrever uma obra-vida incluindo A via do real que se impunha para ele.

Ele encontrou em El-Goléa O lugar para realizar, no real de sua carne viva, a frase de Rimbaud “eu apressado para encontrar o lugar e a fórmula[14]”. O lugar é o Leito de ferro do tio colocado no alto de sua habitação, sob o céu, lugar de sua experiência de gozo, lugar do delito (dé-lit, do leito) de sua Estação no inferno. O Leito de ferro é seu pedestal, seu escabelo[15], o que lhe permite elevar sua vida, como “Arte do surgimento” à dignidade da Coisa escrita e pintada[16]. Ele se realiza como o artista delinquente, do qual ele não cessará de fazer o retrato, encontrando a sublimação de uma escritura e de uma pintura em que ele será aquele que se crê mestre de seu ser, alojado em Uma fórmula. A fórmula O velho e a criança sustentará até o fim toda sua escritura[17]. “O velho e a criança: a fórmula canta às vezes em minha cabeça, sem nada evocar de preciso; mas isso me pertence de alguma maneira, ‘isso’ me vem de uma vida”, mais precisamente “Minha mais bela obra de arte seria minha vida[18]”.

“Seu desejo de ser um artista que ocuparia todo o mundo” da literatura, e de modo provocante, “não é exatamente o compensatório do fato que, digamos seu pai não foi jamais para ele um pai?”. Seu pai morto não lhe ensinou nada, e sua mãe, de mais a mais, negligenciou aproximadamente todas as coisas.

Para Joyce, “Não há nisso alguma coisa como uma compensação dessa demissão paterna, dessa Verwerfung de fato, no fato de Joyce ter se sentido imperiosamente chamado?[19]”.

No apelo imperioso da natureza, Augièras encontra a certeza do apelo de Deus. “Escuto o apelo vindo dos astros e é em mim primeiramente que suspeito que uma nova raça nasceu[20]”.

Em A via do real da natureza, Augiéras escuta em eco, no cerne do íntimo de seu ser, o apelo disso que há nele de Sagrado e de Luz Primordial.

A dimensão do apelo é “a mola própria pela qual o nome próprio é, nele, alguma coisa estranha”[21] de onde o surgimento de seu estranho jornal com o nome de Abdallah Chaamba, seu novo nome de escritor, é o mais perto possível da Pedra do deserto.

Augiéras se encarrega com gravidade desse apelo de Deus e da natureza, é seu Outro. “O Outro do qual se trata se manifesta em Joyce por isso que em suma ele é encarregado do pai”.

Para Augiéras, esse Outro bem além do pai, ou de seu substituto, o tio, é o Deus do universo, o Deus do Céu do qual ele sentiu o Apelo e do qual ele está encarregado. “Deus quer me ensinar alguma coisa[22]”. O Céu, esse Deus dos astros, ele deve sustentá-lo para que ele subsista. Ele vai fazê-lo por sua Arte, que é o que, desde o recôndito dos tempos, aparece-nos sempre como nascida do artesão ou do pintor primitivo da caverna – daí sua paixão pela pintura. Ele vai “ilustrar o espírito incriado de minha raça”, pela qual ele vai criar sua Arte do surgimento e se apresentar como o artista delinquente. Então, Augiéras, como também Joyce, “se dão a missão”[23], “A imaginação de ser O Redentor, pelo menos em nossa tradição, é o protótipo da pai-versão. Na medida em que há a relação de filho com pai, surge essa ideia tresloucada do redentor, e isso há muito tempo. O sadismo é para o pai, o masoquismo é para o filho[24]”.

Seu primeiro livro, O velho e a criança, matriz original de toda sua obra, ilustra como se desembaraça de toda servidão vinda do Outro, de sua mãe ou dos padres da igreja, e ressuscita nele o estado de espírito Sagrado do homem primitivo que apareceu como um acontecimento e uma revelação na criança árabe. Ele se incarna no nascimento da escritura, segundo a ideia tresloucada do Redentor ter ele mesmo sido transformado, uma vez, em um jovem árabe selvagem. Ele cria para si um novo nome na literatura, Abdallah Chaamba, criança sagrada surgida no real de sua “escriatura” (écriature)[25]. É para ele “uma tentativa de resgate pela literatura[26]”. Mais tarde ele pensará ser O homem Novo encarnando o plano divino, seja A claridade da Luz primordial.

Depois de alguns anos, encontro nas profundezas de minha consciência uma zona de luz interna, eterna, divina. Qual nome lhe dar? Minha missão nesse Mundo, e nessa vida, é talvez ser um escritor profundamente religioso – não cristão – e, por esse fato, capaz de alcançar almas eternamente estrangeiras ao cristianismo. Estou persuadido que essa definição de meu papel nesse século é o essencial de meu esforço – e que não há nada mais para esperar de mim[27]”.

Ele procurava um regime de espírito para além das religiões que ele rejeitava. Para isso, lhe era preciso se deixar possuir, por isso que ele nomeará o real – o real da natureza, ou real mais íntimo, aquele de sua carne transbordada por um gozo do vivente caótico e fora do sentido. “Um ponto frágil de meu destino sendo quase unicamente uma sensualidade por vezes bastante pesada[28]”.

Ele nomeia a gravidade essa sensualidade fora de sentido que nele estava em jogo. Ele não cessará de entrar em relação com a potência vital e gozo da natureza, porquanto de modo extimo[29], o real da natureza era o coração dele mesmo. Ele tinha nele essa sensação de um gozo fora da norma, dado que sem limite. Ele ia até mesmo oferecer seu corpo à árvore, ou àqueles elementos naturais que ele encontrava, para aí ressuscitar em sua energia vital. Sua relação com a natureza lhe causava transportes de gozo, podendo ir até o êxtase da metamorfose, como ele a descreverá em Viagem ao Monte Athos. Ele não vai querer jamais renunciar à característica sagrada do gozo do selvagem primitivo ou de seu feliz delírio sonoro sagrado, rejeitando tudo o que a civilização ocidental vinha ocidentalizar sua verdadeira vida. Está aí A via do real como experiência do sagrado, “Eu coloquei minha alma e meu destino entre as mãos Daquele que É, lhe dizendo faça de mim o que bem lhe pareça26”. Levado por esse Deus que lhe traz um imenso deleite, ele vive, no coração de sua obra-vida incarnada, um outro regime de espírito do qual sua escritura e sua pintura foram assombradas, e do qual ele consente testemunhar para a salvação dos homens, uma vez que essa era sua Missão.

 

 


Tradução: Cristiana Pittella
Revisão: Bruna Simões de Albuquerque e Pedro Braccini Pereira
[1] NT: O autor faz uma escansão com a palavra délit (delito) – dé-lit. Faz ressoar o equívoco dé-lit (delito) com dé-lit (do leito), pois o delito de Augiéras se passa no leito do tio. Ele se nomeava ele mesmo de “Artista delinqüente”. Encontramos na ficção O velho e a criança a importância desse leito de ferro.
[2] Voyage au Mont Athos.
[3] AUGIÉRAS, F. Voyage au Mont Athos. Grasset, 1996, p. 12.
[4] Le vieillard et l’enfant.
[5] RIMBAUD, A. “Vagabonds” In: Arthur Rimbaud, Œuvre-vie. Editions du centenaire Arléa, 1991, p. 349 e Livre Lac, cf. capítulo 1, nota 6.
[6] NT: Neologismo inventado por Lacan J., cf. Le séminaire Les non-dupes errent, 19-02-1974.
[7] NA: Escolhi escrever em letra maiúscula os significantes pedra e rocha porque, para Augiéras, significam a ressonância do prenome de seu pai, bem como seu lugar de morte, o que teria para ele um valor de uma letra sobre a qual ele construirá um valor de gozo como fonte original de sua visão do real.
[8] NT: Neologismo de Lacan que evoca em sua sonoridade a materialidade da palavra (motérialité), do significante.
[9] NT: Em francês o verbo utilizado foi “capitonner”, que remete à costura clássica de estofados “capitonê”.
[10] NT: Père-version, jogo de palavras de Lacan com “perversão”.
[11] AUGIÉRAS, F. Voyage des morts. Grasset, 2000, p. 15.
[12] LACAN, J. “Le Séminaire, livre xxiii”, Le sinthome, 1975-1976, texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Éditions du Seuil, mar. 2005, p. 79.
[13] Ibid, p 80.
[14] RIMBAUD, A. “Vagabonds”, Œuvre-vie. Editions du centenaire estabelecido por Alain Borer. Arléa, 1991, p. 349.
[15] LACADÉE, P. François Augiéras: l’homme solitaire et la voie du réel. Editions Michéle 2O16, Avant-propos, nota 8.
[16] cf LACADÉE, P. Op cit. Avant-propos.
[17] ibid, p. 84-85.
[18] LACADÉE, P. Op cit., 86.
[19] LACAN, J. Le sinthome, p. 89.
[20] AUGIÉRAS, F. Adolescence au temps du Maréchal, Editions de la différence, 2001, p. 160.
[21] LACAN, J. Le sinthome, p. 89.
[22] AUGIÉRAS, F. “Lettre du 14 Mars 1969, à Pierre-Charles Nivière” In: La Nouvelle Revue Française, Jan. 2OO1, nº 556, p. 90.
[23] LACAN, J. Le sinthome, op. cit. p. 22.
[24] Ibid, p. 85.
[25] NT: “escriatura” é uma invenção do autor, junção de écriture e creature.
[26] LACADÉE, P. op, cit. p. 103.
[27]AUGIÉRAS, F. “Lettre du 4 Janvier 1969 à Pierre Charles Nivière” In: La Nouvelle Revue Française, op, cit., p 84.
[28] Ibid, p. 87.
[29] LACAN, J. “Le Séminaire, livre vii” In: L’éthique de la psychanalyse, 1959-1960, texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Éditions du Seuil, 1998, p. 167.
Neologismo inventado por Lacan.
26 AUGIÉRAS F. “Lettre du 14 Mars 1969, à Pierre Charles Niviére” In: La Nouvelle Revue Française, op. cit. p. 88.

PHILIPPE LACADÉE
Psicanalista em Bordeaux, AME, membro da ECF e NLS e da AMP. E-mail: phlacadee@wanadoo.fr



Assuntos De Família No Discurso Toxicomaníaco: Impasses

CASSANDRA DIAS FARIAS

 

 

KONICA MINOLTA DIGITAL CAMERA

 

KONICA MINOLTA DIGITAL CAMERA

 

Assuntos de família no discurso toxicomaníaco: impasses

 

Os assuntos de família trazem para a nossa comunidade analítica um trabalho de investigação acerca de como os falantes do século XXI se arranjam com a estrutura familiar, essa invenção humana de fazer laço social e reunir em pequenas ou grandes células, corpos e sintomas.

É no seio da família que se desenrolam os conflitos e impasses, a partir da trama simbólica que se tece sobre o mal entendido constitutivo da linguagem.

“São os acasos que nos fazem ir a torto e a direito, e dos quais fazemos nosso destino, pois somos nós que o trançamos como tal. Fazemos assim nosso destino porque falamos. Achamos que dizemos o que queremos, mas é o que quiseram os outros, mais particularmente nossa família, que nos fala. (…) Com efeito, há uma trama – chamemos isso de nosso destino”. [1]

O sujeito vai supor ao destino o seu caminho. A experiência analítica vem demonstrar que esse caminho é feito de escolhas a partir das marcas do dizer do Outro parental. Esse dizer é constituído, fundamentalmente, do que cai do encontro sempre faltoso entre um homem e uma mulher e que teve como produto, um filho. A unidade familiar, qualquer que ela seja, porta em seu seio um segredo sobre o gozo, conforme nos diz Bassols: “é o campo do gozo feminino, o gozo do Outro, que habita em toda unidade familiar. Dito de outra forma: toda família é um aparato de gozo, um modo de resguardar o segredo do gozo como inominável, inclusive abjeto”.[2]

O heteros do gozo feminino toca a cada um que se enoda ao redor desse ponto, produzindo um sintoma. Na clínica da toxicomania, o que podemos pensar a respeito desse aparato de gozo familiar e do segredo acerca do gozo, feminino por excelência?

Nos serviços de assistência a problemas relacionados com o uso de drogas, a família, via de regra, encontra-se desarvorada com a iteração do gozo mortífero e sem sentido da intoxicação de um dos seus. Perplexidade e cansaço predominam e não é incomum que a posição de rechaço e dejeto sejam as únicas saídas possíveis para o insuportável que se apresenta nos corpos intoxicados. A segregação encontra-se sempre no horizonte.

Entendendo o recurso à intoxicação “como uma ação substitutiva, no momento em que o sintoma se mostra insuficiente como resposta para o sujeito”,[3] podemos pensar que, na impossibilidade de articular as marcas do dizer do Outro parental sobre si e do segredo acerca do gozo que habita em cada família, o sujeito se lança no desmedido do autoerotismo, mantendo-se exilado do enigma, portanto, do sintoma.

O sintoma constitui-se como o representante do próprio sujeito, através de sua relação com o gozo. Esse circuito sempre precário, destinado ao fracasso, constitui o movimento do sujeito tentando fazer-se representar pelo sintoma em sua relação com aquilo que lhe causa.

No entanto, não é isso que ocorre na toxicomania. Trata-se de outro caminho subjetivo para os impasses com o sexual e a castração. É através da adição a uma substância que o sujeito encontra uma saída para o impasse sexual sem ter que se defrontar com a diferença sexual, sem ter que tirar consequências do fato da linguagem subverter sua própria condição de animal. Por se tratar de uma operação real sobre o real, entendemos como uma posição de rechaço ao sexual, na medida em que nada quer saber sobre a inexistência da relação sexual.

[1] En la toxicomania no se passa por el Outro sexo, que supone tener que pasar por el encuentro com el cuerpo del outro y que implica la diferencia. A sua vez, ya vimos que esse passar por Outro supone poner em función al falo. (…) Es decir, que la solución toxicómana al malestar no se busca por la via de encontrar o de hacer del Outro la metáfora del objeto perdido, aunque con esto no alcanza.[4]

Os impasses que a clínica nos traz veem atestar que o sujeito intoxicado, na impossibilidade de construir um sintoma, recorre à substância como anteparo ao enigma do gozo que perpassa a instituição familiar, permanecendo colado aos efeitos desse gozo sobre o corpo, em silêncio absoluto sobre o enigma sexual.

Será preciso que algo desse segredo alojado na família ressoe e algo fure a blindagem subjetiva promovida pela substância, fazendo enigma para o sujeito. Nessa operação, ele poderá reencontrar o caminho das palavras. Resta para mim, a razão pela qual o sujeito poderá consentir com a investigação do enigma familiar, abrindo mão do gozo compato da intoxicação. Encontro em Lacan a referência precisa: “Só o amor permite ao gozo condescender ao desejo”[5], para fazer mediação com o Um sózinho.

 


Referências Bibliográficas
[1] LACAN, J. – Joyce, o sintoma – Seminário 23, p 159
[2] BASSOLS, M. – Famulus – disponível em http://www.lacan21.com/sitio/2016/10/25/famulus/?lang=pt-br
[3] SANTIAGO, J. 2001, p. 109
[4] NAPARSTEK, F. 2005, p 59
[5] LACAN, J. – Seminário 10 , p 197

CASSANDRA DIAS FARIAS
Psicanalista em João Pesso , Membro da EBP/AMP. E-MAIL : cassandradias@uol.com.br



The Wolfpack: Entre Filmes E Lobos

GABRIEL SILVA MEDEIROS E ROBERTO CARLOS PIRES JÚNIOR

O cinema oferece hoje ocasião para reflexões sobre a clínica, já que, ao lado da psicanálise, a arte contemporânea é um discurso que põe em relevo as mudanças culturais hodiernas (BROUSSE, 2014). Nesse sentido, tomamos para apreciação The Wolfpack (2015): um documentário sobre a história da família Angulo, cujos sete irmãos cresceram dentro de um apartamento e foram isolados do mundo exterior. Saíram pouquíssimas vezes, e até que se contrapusessem à resolução delirante imposta por um pai onipotente, muito tempo se passou. Portanto, debruçamo-nos primeiro sobre a paternidade psicótica. Em seguida, investigamos como o cinema tornou a clausura possível por algum tempo e alicerçou também uma invenção através da qual Mukunda, um dos irmãos, pôde se enlaçar ao “mundo lá fora”.

 

A apresentação de Oscar, o pai, prenuncia a tônica paranoica intrínseca ao modo de organização dessa família, correlata à característica disposição de retorno da libido narcísica elucidada por Freud (1911/1996) sobre a psicose. Sujeito distante e silencioso, Oscar revela ter grande influência no arranjo familiar, cujo fundamento parece convergir absolutamente ao seu ser: “Meu poder está influenciando todos”. Em resposta às interferências manipuladoras da sociedade, protege a si e a sua família na delimitação panóptica de um espaço onde o seu olhar vigilante impera, detendo o controle e a guarda de sua comunidade. Compartilhando os valores hippies, o casal Oscar e Susanne (a mãe) aspiram à criação dos filhos na liberdade da natureza, purificados da babel civilizatória. Encontram na língua primeira, o sânscrito, os nomes de seus filhos. Ao mudarem-se para Nova York, onde teriam que somar recursos para tal projeto, veem-se cada vez mais sitiados na malha urbana. Ilhados num apartamento, o casal decide que a educação dos filhos Bhagavan, Govinda, Narayana, Mukunda, Krsna, Jagadisa e Visnu aconteceria nos limites desse microcosmo, incontaminado pela violência, drogas, filosofia ou religião. A foraclusão da norma simbólica (LACAN, 1959/1998) em Oscar se evidencia na radical separação da “sociedade”, seu Outro denso e não castrado. Fixando uma lei de ferro, ele tenta fazer barreira ao gozo ilimitado, estabelecendo um ponto cego ao real do olhar que goza dos corpos e os robotiza em favor dos interesses do sistema. Para a paternidade, Oscar se identifica ao deus Krishna, sustentando imaginariamente um lugar de Outro para a família. A condição subjetiva desse pai, sem a marca da divisão, parece transmitir o apagamento da diferença no clã dos meninos-lobo. Com cabelos longos e corpos esguios, eles se apresentam homogeneizados, atuando como um só corpo; uma alcateia. De objeto privilegiado do olhar do Outro, Oscar, em sua tribo, encontra-se no lugar imperativo do “Olho que tudo vê”, convergindo para si a pulsão escópica que circula na família.

 

Mukunda, por sua vez, afirma que o pai sempre encheu as cabeças dos filhos com filmes. Ademais, argumenta que “há um mundo lá fora”, e que devido ao fato de não o conhecerem, teve de criar, junto com a irmandade, um mundo próprio, servindo-se dos filmes para tal. Nessa cena, um dos outros irmãos chega a pontuar: “mas sempre soubemos a diferença entre a vida real e os filmes”. Segundo Metz (1980), o filme pode ser entendido como um espelho, pois tanto em um quanto em outro, qualquer coisa pode ser projetada. Inobstante, o primeiro diferencia-se do espelho primordial a partir do momento em que o espectador de cinema não tem, diante de si, sua imagem especular. Por já haver ultrapassado a primitiva indiferenciação entre eu e tu, o humano é capaz de reconhecer que existem objetos; que ele próprio é um sujeito e que há quem seja seu semelhante. Ele pode, portanto, acompanhar como observador o que se apresenta na tela. “No cinema, é sempre o outro que está no écran: eu estou lá para o ver” (METZ, 1980, p. 58).

 

Metz (1980) entende que há um saber do sujeito sem o qual nenhum filme seria possível. Vendo um filme, o indivíduo dá-se conta de que ele próprio percebe o imaginário; que seus órgãos sensoriais são fisicamente atingidos e que não está “fantasiando”. Simultaneamente, o material percebido-imaginário depõe-se no sujeito – estrutura de linguagem –, sendo aí agrupado e organizado numa continuidade. Há, por parte de quem vê o filme, uma identificação com o ato do perceber; um jogo dialético entre agente da percepção (sujeito) e percebido (tela), através do qual o imaginário do cinema, ao ser captado pelo espectador, acede ao simbólico, fazendo-se por isso uma atividade social e institucionalizada. O que, todavia, não eclipsa as possibilidades identificatórias, já que, na trilha de Brousse (2014), o império das imagens é uma trademark de nosso tempo, da qual o cinema certamente não está livre.

 

Portanto, na criação de um mundo, curiosa solução começa a se apresentar. Pulp Fiction e Reservoir Dogs são algumas das obras cujas falas Mukunda transcreve, ipsis litteris, para o papel. Ele explica que a vida enclausurada fica muito entediante, e que, assim, interpreta com seus irmãos as cenas copiadas. O figurino dos personagens, pistolas de papelão e uma sonoplastia improvisada se articulam em encenações fiéis aos mínimos detalhes. Parece estar em jogo um modo de gozo coletivizado. Mukunda fala que as encenações têm algo de mágico, e fazem com que ele se sinta vivo. Afirma poder, com isso, ser os personagens que encarna. Lacan (1979/2003) formulará ao final de seu ensino que ser falante não é, mas tem e fala com seu corpo; tem um evento corporal, isto é, o sintoma. A gente o tem, e “Ter é poder fazer alguma coisa com” (LACAN, 1979/2003, p. 562). Mukunda e os lobos põem seus corpos em cena. Interpretam, sorriem, matam e morrem. Porque no parecer-real sobre o qual se erige um mundo-dentro-do-apartamento, isso se pode fazer. Para Lacan, o imaginário é o corpo, que se introduz justamente como imagem (MILLER, 2015). Aqui, tal registro ganha tonalidade sobretudo na afinidade dos irmãos com os filmes de Tarantino, que, além de ofertarem muitos personagens que a irmandade pode ser e encenar, sempre retratam a selvageria da civilização.

 

Ademais, o espectador notará que mesmo antes de The Wolfpack (2015), a câmera já não era estranha aos Angulo. Veem-se as filmagens caseiras da família em que as crianças se assemelham a autômatos, corpos inertes à deriva dos caprichos de seu diretor todo-poderoso. O close em suas faces, posicionadas rentes ao rosto do pai, parece figurar o seu duplo especular. A câmera e a televisão são os objetos de fascínio nessa família; recursos que permitem a projeção e a captura da imagem e o emparelhamento do gozo escópico em curto-circuito. Para Metz (1980), se no cinema, o espectador identifica-se consigo mesmo enquanto olhar, pura percepção, ele também se identifica com a câmera, que, antes dele, olhou aquilo que ele vê agora. Para o autor, nós mantemos verdadeiras relações de objeto com o filme e, em Lacan (1971/2009), é o objeto a a preencher – enquanto olhar, seio, voz e excrementos – o local do mais-de-gozar. Mas através dessas filmagens, os membros da família não veem senão a si mesmos, aproximando-se o filme mais do imaginário que do simbólico. Sobretudo porque o olhar dos irmãos é controlado pelo pai onipotente, quem, por sua vez, se refugia do olhar do Outro. O clã só assiste aos filmes e ao outro lado da janela. Tamanho é o controle, que Mukunda lembra-se de seus quinze anos, quando o pai detinha as chaves da casa e, mais ainda, ditava os cômodos em que o garoto poderia ou não estar. Os irmãos chegam a se descrever como trabalhadores de uma terra da qual o pai é o senhor; veem-se prisioneiros de seu delírio tribal. Segundo Mukunda, “é difícil não poder querer sair dessa caixa”.

 

As imposições excessivas atingiam o insuportável. Certo dia, pela manhã, ainda aos 15 anos, Mukunda se levantou, vestiu-se de preto, respirou fundo, colocou uma máscara e partiu para a rua. Afirma que sentiu uma urgência de sair e não ser reconhecido por ninguém – nem mesmo Oscar. Algo aí se assemelha a uma cena na qual o jovem, trajando uma bela armadura do Batman, confeccionada por ele próprio com caixas de cereal e tapete de yoga, argumenta que interpretar o herói é muito pessoal, uma grande responsabilidade. Após haver assistido a Batman: The Dark Knight, Mukunda fala que passou a acreditar que algo era possível de acontecer. A experiência o fez sentir como se estivesse num outro mundo, o qual ele fez de tudo para tornar realidade, podendo, assim, escapar de seu próprio. Sendo um super-herói de identidade secreta, o garoto consegue, à maneira de sua fuga e num só tempo, vigiar e permanecer invisível. Como justiceiro e combatente do crime, ele parece encarnar em si uma lei que faz anteparo aos excessos do pai.

 

“Entrar na mente” de Bruce Wayne abre caminho, no sentido de que agora Mukunda pode se servir de um olhar o qual, até o momento, foi tão controlado. Emocionado, descreve sua evasão do apartamento e afirma que, após ela, confrontou Oscar lhe dizendo que não mais seguiria suas ordens: “me livrei das amarras e me libertei”. Talvez um passo a mais em direção à cidade; ao salto do homem-morcego que voará livre pela noite de Gotham City.

 

A partir daí a alcateia inicia uma gradual ruptura do isolamento. O documentário mostra os rapazes na praia, no parque e no cinema. Surpreendentemente, Mukunda chega a contar como procurou e conseguiu um emprego. Mais ainda, já na conclusão de The Wolfpack (2015), diz estar trabalhando num filme próprio, a ser mostrado nos créditos finais. É a história de um homem que, de sua poltrona, assiste aos sentimentos que passam do outro lado da janela. Cada afeto é interpretado por um irmão: raiva, tristeza e felicidade. O jovem descreve sua produção ressaltando que “tudo era, praticamente, medo. O medo foi colocado. Eu ainda tenho medo”. Mas ainda que o tenha, Mukunda coloca. Eis a novidade: ele introduz algo de seu. Se num primeiro tempo os filmes trazidos pelo pai eram fielmente reproduzidos, agora se inaugura um lugar de criação, em que Mukunda é agente. Ele coloca numa obra sua própria história: a de um menino que, do apartamento, apenas via passar em sua frente o mundo-lá-fora. Essa solução deslinda extraordinária metalinguagem: há um filme sobre a vida dos Angulo, o documentário, que, por sua vez, desfecha com outro filme: o dos sentimentos na tela. E isso passa pelo Outro social, porque circula na cultura introduzindo os Irmãos Lobo (2015) na instituição-cinema. Tal fenômeno convida-nos a pôr em cena a noção de escabelo. Para Miller (2015), essa palavra, que é do século XXI, tempo do falasser, pode ser entendida como um pedestal sobre o qual o ser falante se ergue para elevar a si mesmo à dignidade da Coisa. “O que chamamos de cultura não é nada além da reserva dos escabelos na qual se vai buscar com o que esticar o colarinho e bancar o glorioso” (MILLER, 2015, p.129). Traçando um paralelo entre escabelo e sinthoma, Miller (2015) situará o primeiro no nível do gozo da fala, que inclui o sentido e é sustentáculo dos ideais do Bem, do Verdadeiro e do Belo. O segundo já diz respeito ao corpo, relacionado a um gozo que, noutra via, exclui o sentido. O que deixa Lacan (1979/2003) perplexo em Joyce é que este, além de haver gozado com Finnegan’s Wake, o publicou, deixando toda a literatura com o flanco à mostra. É a façanha de Joyce que fez convergir sintoma e escabelo; fez do próprio sintoma, fora de sentido e ininteligível, o escabelo de sua arte (MILLER, 2015). Joyce se consuma como sintoma; é sintomatologia; um fabricante de escabelo que fez arte com o gozo opaco do sintoma (MILLER, 2015), e o fez sem recorrer à experiência de uma análise (LACAN, 1979/2003). “[…] a ironia do ininteligível é o escabelo de que alguém se mostra mestre” (LACAN, 1979/2003, p. 566).

 

The Wolfpack (2015) é riquíssimo nesse aspecto. De um lado, o “primeiríssimo” Lacan (1938/2003) argumentará que a conservação e progresso humanos, por serem indissociáveis da comunicação, delimitam uma obra coletiva que constitui a própria cultura e “introduz uma nova dimensão na realidade social e na vida psíquica. Essa dimensão especifica a família humana, bem como, aliás, todos os fenômenos sociais no homem” (LACAN, 1938/2003, p. 29). De outro, temos os Angulo, submetidos a esse sistema paranoico que os isola e prefigura uma horda de iguais. Nesse setting, está o percurso de Mukunda: prisioneiro de um capricho delirante, ele não deixa de sentir medo. Mas para sair de sua caixa, deve colocar isso em algum lugar. Talvez esteja aí sua sublimação; seu savoir-faire com esse gozo opaco, sem sentido, através do qual o jovem lobo faz algum enlace com o “mundo-lá-fora” para então deixar na cultura seu escabelo; sua marca radicalmente singular. Afinal, sabemos de Lacan (1949/1998) que não só a análise pode levar o sujeito ao limite extático do tu és isto, em que se revela para ele a cifra de seu destino mortal; momento em que começa a verdadeira viagem.

 


Referências
BROUSSE, M.-H. Corpos lacanianos: novidades contemporâneas sobre o Estádio do Espelho. In: Opção Lacaniana online nova série, n. 15, p. 1-17, nov. 2014. Disponível em: <http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_15/Corpos_lacanianos.pdf>. Acesso em jun. 2017.
FREUD, S. (1911/1996). “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (dementia paranoides).” In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. 12, p. 13-89.
LACAN, J. (1938/2003). Os complexos familiares. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
LACAN, J (1949/1998). O estádio do espelho como formador da função do eu. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
LACAN, J. (1959/1998). De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
LACAN, J. (1971). De um discurso que não fosse semblante. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
LACAN, J. (1979/2003). Joyce, o Sintoma. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
METZ, C. O significante imaginário – Psicanálise e Cinema. Livros Horizonte: Lisboa, 1980.
MILLER, J.-A. “O INCONSCIENTE E O CORPO FALANTE”. In: O osso de uma análise + o inconsciente e o corpo falante. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. p. 115-138.
The Wolfpack. Direção: Crystal Moselle. Estados Unidos, 2015 (1h29min), cor.

GABRIEL SILVA MEDEIROS E ROBERTO CARLOS PIRES JÚNIOR
GABRIEL SILVA MEDEIROS Acadêmico de Psicologia das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros (FIPMoc) e aluno do Núcleo de Investigação em Psicanálise e Saúde Mental (NIPSM). gabrielsmedeiros@hotmail.com
ROBERTO CARLOS PIRES JÚNIO Psicólogo, Especialista em Saúde Mental pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do Hospital Universitário Clemente de Faria/ Universidade Estadual de Montes Claros (HUCF/Unimontes), foi aluno do Núcleo de Investigação em Psicanálise e Saúde Mental (NIPSM). robertopiresjr@yahoo.com.



Os Filhos Dos Toxicômanos

MARIANA FURTADO VIDIGAL

 

 

BRIGID MARLIN

 

Falar sobre os filhos dos toxicômanos nos exige definir antes a quem chamamos de toxicômanos. Não poderíamos, orientados pela ética da psicanálise, estabelecer uma categoria universal para os toxicômanos e seus filhos. Verificamos, há anos, os efeitos ineficazes e catastróficos de intervenções que afetam os usuários de drogas e desconsideram sua condição de sujeitos e cidadãos, inferindo uma indiferenciação entre o sujeito e o objeto-dejeto-droga. Entretanto, sabemos como uma relação toxicômana com a droga pode provocar efeitos nefastos que comprometem a relação com a própria subjetividade e com o outro.

 

Percorreremos, portanto, dois eixos: o que a teoria psicanalítica e a clínica podem nos indicar sobre os possíveis efeitos subjetivos em uma família com pais toxicômanos e, a partir da noção lacaniana de função social de nomeação, ler o lugar do toxicômanos e de seus filhos no discurso atual de “os filhos do crack” e “as mães do crack”.

 

A função da família

 

Lacan (1969/2003) apresenta a função da família conjugal na constituição subjetiva da criança como a de uma transmissão irredutível que implica a relação de um “desejo que não seja anônimo” (p. 369). Trata-se de uma função de outra ordem que não a satisfação das necessidades, cabendo à mãe, a partir de seus cuidados, transmitir “a marca de um interesse particularizado, nem que seja por intermédio de suas próprias faltas” (p. 369) e, ao pai, em seu nome, ser o “vetor de uma encarnação da Lei no desejo” (p. 369).

 

Estando em jogo a dimensão da falta materna, o pai – enquanto função – pode intervir como lei na relação mãe-criança, dando uma significação ao desejo materno, a significação fálica. A mãe é aquela que deve transmitir o Nome do Pai, consentindo, com a regulação do próprio gozo, o que permitirá ao filho sair do lugar de objeto (falo) e lançá-lo na metonímia do desejo. Mas, mesmo com a significação fálica, o enigma sobre o desejo do Outro permanece indecifrável, assim como o objeto último do próprio desejo. A perda do objeto é estrutural, tornando-se aquilo que causa o desejo e fazendo com que busquemos substitutos para o objeto a.

 

A criança se identifica ao que supõe ser o desejo do Outro, produzindo uma resposta sintomática ao sintoma do par parental e denunciando a verdade em jogo ali. Inscrita a função fálica, o sujeito poderá se posicionar sexualmente tanto em relação ao gozo quanto em relação à escolha de objeto, sustentado por identificação ao pai ou à mãe e orientado pela significação fálica.

 

Contudo, quando temos a forclusão do Nome-do-Pai, a criança resta como objeto tampão da falta da mãe, que se torna presença maciça, permanecendo identificada ao gozo do Outro. Permance no lugar de objeto, comprometendo o desejo e a metaforização do gozo no corpo – que retorna do real como delirio ou alucinação.

 

No último momento do ensino lacaniano há a reformulação da função do par parental como a de transmitir, enquanto homem e mulher, uma relação com o objeto a – tanto como causa de desejo quanto como gozo. Para ser um pai digno de amor e de respeito, deve-se apresentar uma versão de como pôde fazer com uma mulher, tomando-a como causa de seu desejo enquanto ela se ocupa de seus filhos, semblantes de objeto a para ela. Aqui a função paterna é transmitir ao filho o que ele pode inventar diante da não-relação sexual.

 

Vimos que o desejo não anônimo pela criança é peça constitutiva de sua subjetividade, mas, para Miller (2005) é em torno de um segredo que se une uma família: “de que gozam a mãe e o pai”. Um não-dito sobre o gozo, indevido, é o que se transmite entre as gerações.

 

Isso nos permite localizar uma versão de família menos idealizada do que as dos discursos normatizadores. As funções parentais são funções exercidas por homens e mulheres de maneiras particularizadas; o que se transmite é uma invenção singular para o impossível em jogo para todo ser falante e um resíduo sobre o gozo. Mesmo o desejo não anônimo por um filho mantém um caráter enigmático irredutível, e ao filho caberá, em alguns casos, responder ao que ele toma dessa transmissão residual com seu sintoma e formulando uma fantasia particular sobre o desejo do Outro, constituindo, assim, sua própria relação com o objeto a (S/ ◊ a). E, nos casos em que há uma presença maciça da mãe, desejosa demais, o sujeito pode se colocar alienado como o próprio objeto a da fantasia do Outro como objeto tampão (LACAN, 1969/2003).

 

A toxicomania e a família

 

A toxicomania não é uma relação qualquer com a droga, mas um ato contínuo e desenfreado de consumo, “um gozo que vale mais do que o amor à vida” (MILLER, 2000, p. 176). Lacan (1975) formula a droga como aquilo que permitiria o “rompimento do casamento do corpo com o petit-pipi” romper também com o excesso de gozo que invade o corpo, referenciando-se ao caso do pequeno Hans. Entretanto, tratar o excesso libidinal sem o recurso da linguagem que permitiria metaforizá-lo, sem os limites da significação fálica, pode provocar um gozo experienciado de maneira ainda mais desenfreada e mortífera no corpo próprio. Em outros casos, a droga se torna um tratamento para esse real pulsional que invade o corpo desde sempre, amenizando estes efeitos nefastos, como os dos delírios, que atormentam o sujeito.

 

Na toxicomania, a droga é um objeto “causa de gozo” (MILLER, 1995, p.17), um gozo autístico que pode provocar uma suspensão da circulação do desejo em torno de outros objetos e da relação com o outro. Em tese, pode-se concluir que comprometeria a transmissão pela mãe de um cuidado particularizado com o bebê e a transmissão de um desejo não anônimo direcionado a ele. Em tese.

 

A droga, em alguns casos, entra como uma resposta à não-relação sexual, fazendo do corpo próprio o seu único parceiro e objeto, o que poderia comprometer o casal por excluir o parceiro sexuado como causa de desejo para obter uma relação assexuada e autística com a droga (MILLER, 2000). E se o que a família transmite é um segredo sobre o gozo, de que gozam o pai e a mãe, o que se transmite quando o gozo que deveria se manter obsceno se coloca tão em cena, como geralmente acontece na toxicomania?

 

Contudo, na clínica é possível encontrar respostas diversas dos toxicômanos e de seus filhos. Há sujeitos que têm dificuldade em exercer as funções parentais pelo uso de drogas ou por sua condição de errância, de “desarraigamento” de toda referência simbólica (GELLER, 2016). Nesses casos, é possível um tratamento para se estabilizarem enquanto são auxiliados nos cuidados com os filhos, por outros membros da família e por políticas públicas competentes, mas preservando o vínculo parental. Em outro caso, “ser mãe” introduziu um intervalo na relação toxicômana com a droga em nome dessa nova nomeação e amor ao filho. Assim como a paternidade fez com que um sujeito quisesse ser um exemplo diferente para o filho.

 

Há pacientes que edipicamente elegem parceiros tomando o gozo toxicômano do pai como traço que se repete, identificando-se com o lugar da mãe na parceria sintomática do casal, ou tentando salvar o pai toxicômano assassinado ao tentar salvar os homens toxicômanos com os quais se relacionam. Um jovem toma a imagem do pai toxicômano e traficante como identificação especular maciça e de difícil dialetização da nomeação “patrão”, repetindo o caráter mortífero desse gozo. Em muitos outros casos, o sintoma e a fantasia do sujeito não se dão em relação ao uso de drogas dos pais e a droga não se torna uma questão em suas vidas adultas. Um homem produz um curto-circuito na relação amorosa ao eleger momentaneamente a droga como objeto de gozo, retirando-se da relação e repetindo o sintoma de seu par parental. Teríamos elementos para afirmar que a toxicomania em um par parental produziria efeitos na constituição subjetiva de seus filhos, pois suporia um colapso nas posições referidas à função paterna e materna – em tese, pois o que a clínica nos ensina é que as relações familiares são absolutamente singulares e o que cada filho toma como transmissão sobre o desejo e o gozo do Outro é enredado em uma ficção própria, não previsível e não necessariamente a ver com um ideal.

 

Objeto-dejeto-crack

 

O lugar da família e da droga são atrelados ao discurso social prevalente em uma época, com efeito na formação dos sintomas e no tratamento dado a eles. Com o declínio do pai, Lacan (1973/1974) advertiu sobre os riscos de a mãe tomar exclusivamente para si a função de “nomear para” ou, ainda mais grave, de o social deter esse poder de nomeação determinando “a trama de tantas existências” com uma ordem de ferro. Interessa-nos analisar as consequências na existência de famílias que recebem nomeações pelo social como “mães do crack” e “filhos do crack”.

 

Os toxicômanos são frequentemente nomeados como “zumbis” e “crackeiros” e sofrem com políticas higienistas que pretendem eliminá-los do olhar dos “cidadãos de bem”. Vê-se, nessa lógica de “mães do crack” e “filhos do crack”, mais uma versão em que sujeito e objeto-dejeto sofrem uma holófrase – são o objeto-dejeto-crack, desalojados de um lugar social, de sua subjetividade e de sua condição civil de direitos. Nessa trama discursiva, tem sua condição jurídica próxima ao homo sacer[i] de Agabem (2002, p. 71): “não é lícito sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio”.

 

Em Belo Horizonte, em 2014, a 23ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude Cível lançou as recomedações 05 e 06/2014 às maternidades públicas e às Unidades Básicas de Saúde para notificar a Vara sobre “as gestantes ou mães” que “manifestem interesse em entregar os seus filhos para adoção”. Além disso, os profissionais de saúde deveriam notificar sobre “mães usuárias de substâncias entorpecentes”, (nomeadas extra-oficialmente como “mães do crack”), os casos de “gestantes que recusam fazer o pré-natal” e as “situações de abandono de recém-nascido nos estabelecimentos de saúde, de negligência e maus–tratos ao nascituro ou ao recém-nascido”.

 

Em 2016, a Vara Cível da Infância e da Juventude baixou a portaria N° 3/VCIJBH/2016, que dispõe sobre o encaminhamento ao Juizado de recém-nascidos e dos genitores em grave suspeita de situação de risco para oitiva e aplicação de medidas de proteção. Essa “situação” se refere a casos em que “a família não apresenta ambiente que garanta o desenvolvimento integral, em especial em virtude da dependência química e/ou trajetória de rua dos genitores, sem condições imediatas de exercer a maternidade e a paternidade responsável” para decidir sobre “a aplicação de medidas protetivas, inclusive, se for o caso, a medida de acolhimento familiar ou institucional.

 

No entanto, segundo o movimento “De quem é este bebê?”[ii], na prática, mulheres, em sua maioria negras e pobres,

 

(…) estão sendo retidas nas maternidades, sem justificativa médica e sem necessidade clínica. Seus bebês estão sendo abrigados sem o levantamento da família extensa e sem a criação de um fluxo de atendimento que vise a sua recuperação. São sumariamente separadas de seus filhos, sem a possibilidade do alojamento conjunto. Existem muitos relatos de mulheres que sequer são aditas mas que são denunciadas por não terem feito o pré-natal, estarem infectadas com sífilis, terem feito uso recreativo de alguma substância antes mesmo de saberem que estavam grávidas.

 

Sendo esse o cenário, os nomeados “filhos do crack” e “mães do crack” constituiriam uma nova categoria de crianças e de mães, ambos nomeados como o pior, como o crack, vidas das quais o Estado se sente no direito de dispor à revelia da Constituição. Como ser filho de um objeto como o crack? Como ser o crack? Qual trama está sendo traçada para essas existências com essa nomeação pelo social?

 

Para Lacan (1973/1974), quando o social toma a função de nomear, tem efeito de uma “degenerescência castástrófica”, ou seja, um lugar como esse no discurso social não dá outro destino que não a catástrofe. Já o encontro com esses sujeitos – quando tomados nessa condição – nos ensina que é preciso aguardar a construção dos lugares de pai, mãe e filho e como cada família se configurará. Uma separação precoce e sem cálculo retira da família a possibilidade de construírem uma ficção singular para o que lhe acomete. Como nos diz Laurent, citado por Campos (2017):

 

O sujeito é que terá, portanto, a tarefa de constituir sua família, no sentido em que ela institui uma distribuição dos nomes do pai e da mãe. A tarefa não é, portanto, aliviada pela ficção jurídica (…) alguma coisa dos lugares do pai e da mãe é ineliminável: não como garantidor, mas como resíduo.

 

A toxicomania não é uma situação permanente. É possível um tratamento que possibilite uma regulação do gozo, um suporte para uma outra invenção menos danosa para conter o sofrimento e uma nova relação com o corpo próprio e com o Outro/outro. Permanentes talvez sejam os danos da nomeação “objeto-dejeto-crack” na existência desses sujeitos.

 


Referências
AGAMBEM, G. Homo Sacer – o poder soberano e a vida nua. Henrique Burigo (trad). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
CAMPOS, M. A familia na interface direito e psicanálise. Almanaque, revista eletrônica do IPSMMG, n.18, 2017. Disponível em http://almanaquepsicanalise.com.br/a-familia-na-interface-direito-e-psicanalise/, acesso em maio de 2017.
GELLER, S. Prefácio. In: MILLER, J.-A. y otros: Desarraigados. Buenos Aires: Paidós, 2016.
LACAN, J. (1969) “Duas notas sobre a criança”. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003, pp. 369-370.
LACAN, J. “Radiofonia”. In: Ibidem. pp. 403-447.
LACAN, J. (1973/74) El seminario 21: los no incautos yerran. Clase 10. Inédito.
LACAN, J. (1975) “Jornada de estudos dos cartéis da Escola Freudiana: Sessão de encerramento”. Documentos para uma Escola. Letra Freudiana: Escola, psicanálise e Transmissão. Ano 1, nº0, p. 117. Circulação interna.
MILLER, J-A. “A teoria do parceiro”. In: Os circuitos do desejo na vida e na análise. Rio de Janeiro: Contracapa, 2000, pp. 153-207.
MILLER, J-A. Para una investigación sobre el goce auto-erótico. In Sujeto, goce y modernidade, fundamentos de la clínica. Buenos Aires: Instituto del Campo Freudiano – Atuel-TYA, 1995, p.17
MILLER, J-A. Assuntos de família no inconsciente. Recuperado em 05 de abril de 2017 em http://www.isepol.com/asephallus/numero_04/traducao_01.htm
[i] Homem sacro (ou sacer) é, portanto, aquele que o povo julgou por um delito; e não é lícito sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio; na verdade, na primeira lei tribunícia se adverte que “se alguem matar aquele que por plebiscito é sacro, não será considerado homicida”. Disso advem que um homem malvado ou impuro costuma ser chamado sacro”.
[ii] Disponível em https://dequemeestebebe.wordpress.com/entenda-o-caso/, acesso em abril de 2017.

MARIANA FURTADO VIDIGAL
Psicanalista em Belo Horizonte, mestre em Estudos Psicanálíticos pelo Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciencias Humanas da UFMG. marianafvidigal@yahoo.com.br (31) 991646605



O Real Na Família Contemporânea – Questões Sobre O Incesto

LUCIA MELLO

 

 

O real na família contemporânea comporta pesquisas sobre os vários sentidos desse nome para Lacan, de desde seu texto inicial, da década de 50, até as mudanças operadas em seu último ensino. Neste, o real surge enquanto dimensão contingente que concerne a cada um, sem sentido, acarreta ruptura tanto com o saber quanto com a causalidade, separado que está da dimensão ficcional do inconsciente estruturado como linguagem, e modifica o próprio conceito de inconsciente.

A pergunta que orienta essa investigação diz respeito às transformações culturais e sociais que incidiram sobre os discursos e atingiram o que Freud formulou como uma lei primordial da humanidade – advinda de pesquisas sociológicas e resultado da incidência do pai e inscrita como mito, fantasia e tabu do incesto – ou seja, a como se apresenta o tabu do incesto no tempo do real sem lei.

O comentário feito por Lacan sobre a ficção do pai primeiro, construída por Freud, assinala a importância da família na transmissão da cultura, por vários meios, quando destaca o medo, protótipo da repressão edipiana, inspirado pela castração real promovida pela versão do pai gozador de Totem e tabu. A proibição do incesto construída no mito freudiano incide sobre a mãe e “tem um caráter universal, através de relações de parentesco infinitamente diversificadas… essa proibição é sempre expressamente formulada e sua transgressão é marcada por uma reprovação constante” (LACAN, 1938/2003, p. 29). Na ficção, o tabu decorre da orgia sacrificial seguida do banquete totêmico e da rivalidade entre os membros do clã, de quem resultam tradições morais e culturais.

Essas tradições se veem abaladas como consequência da disjunção entre sexualidade, procriação e filiação ocorrida no século XX. O nascimento de uma criança não depende mais do encontro de um homem com uma mulher. Os enigmas da sexualidade são deslocados do campo do desejo para as demandas de mercado. A família contemporânea definida por Lacan no texto de 1938, os “Complexos familiares”, como instituição, fato social, mito em que se inscreviam em triplo registro a reprodução da espécie, função organizadora da filiação e os fundamentos de transmissão entre gerações, exacerba sua dupla face entre interdição e permissão do gozo. A família parece perder progressivamente sua função de transmissora da cultura, das relações de parentesco.

As mutações na civilização apontadas por Lacan desde os anos 70 produzem efeitos e transtornos decorrentes das transformações no discurso do mestre, repercutem sobre a lei da castração e afetam profundamente a família contemporânea. Passa-se da autoridade paterna para a autoridade parental. Marie-Hélène Brousse considera a parentalidade um neologismo utilizado pelo novo discurso da ciência para apagar os termos tradicionais de pai e mãe e homem e mulher, modificando o sistema de parentesco e a transmissão da lei e pretendendo recobrir a impossibilidade de escrever a relação sexual.

Em seu artigo sobre o tema, Brousse (2005) comenta que, onde havia o drama de uma relação entre termos diferentes, funções diferentes, se impõe a equivalência, a similaridade e a permuta, movidas pelas vontades de gozo, pelo apagamento das funções alteradas para termos iguais que se repetem em série: “Confiado à ciência, o real da reprodução se encontra separado do simbólico da filiação.” (p. 121). O circuito do desejo que necessariamente implica a diferença sexual também é apagado pela parentalidade, que se impõe como um sintoma da sociedade pós-moderna. Na condição de significante único, a parentalidade transmuta os lugares de pai e mãe para a série de Uns esparsos e disjuntos, sem o Outro como parceiro de mito e ficção.

Essa transformação da família afeta a criança recebida, escolhida ou produzida como objeto a, que, na condição de objeto mais-de-gozo, torna-se passível de consumo pela via da parentalidade – vítima de vigilâncias, permutas e abusos diversos. Indaga-se, portanto, sobre as mutações no estatuto das interdições e seus efeitos para o que Freud conceituava como economia psíquica. Indaga-se ainda se a parentalidade, promotora de equivalências na série de Uns esparsos, apagaria a diferença dos nomes e do desejo como impossível.

A esse respeito, Laurent (2005) evoca a contribuição freudiana, situada no decorrer de sua obra, sobre o lugar do pai como portador da interdição do incesto na economia psíquica. Em suas quatro versões do pai, Totem e tabu, Édipo, Hamlet, Moisés e o monoteísmo, o pai freudiano traz sua marca na angústia, na sociedade, nas religiões. A passagem do pai legislador para versões tirânicas e totalitárias assinala a transformação e a dispersão em versões do pai, perversões não inscritas nas fantasias mas distribuídas entre parceiros de sexos mutantes.

Lacan, relendo Freud, modifica e interroga o estatuto da família lembrando que pai e mãe são nomes que marcam uma particularidade do desejo de criança em todas as sociedades. Isso porque a ordem familiar, em vez de base da história, torna-se resíduo, produto da história. Lembra ainda que o pai como nome é vetor de uma encarnação da Lei sobre o desejo, portanto não é apenas o pai que interdita, mas o que reúne contradições entre interdição, desejo e gozo. Enquanto o pai freudiano abriga-se no universal entre ideal e utopia, o pai lacaniano inscreve-se pelo amor – se ele faz causa de desejo uma mulher objeto a, assim como seus filhos.

Os múltiplos usos dos sistemas de nomes encontrados no caso a caso da clínica levam em consideração um real, próprio à psicanálise, que opera sobre um resíduo irredutível, o impossível em jogo tanto na família quanto na sociedade e que comparece na experiência de uma análise. Esse real do sintoma será sempre reinterpretado, isto é, lido – leitura que marca percursos diversos da relação do sujeito com seu inconsciente.

Segundo Lacan, em outro texto, a psicanálise constata que a criança contemporânea revela o que é de estrutura para todos, pois é o sujeito que se encarrega de constituir sua família, quando institui uma distribuição dos nomes de pai e de mãe. Esse ato de nomeação não é sem consequência tanto para o lugar ocupado pela criança que faz uma família quanto para a realização de sua presença como objeto na fantasia materna.

 

Questões sobre o incesto

 

Com o título de “O inferno das famílias”, Alain Merlet (2007, p. 63) traz uma contribuição interessante sobre o tema do incesto. Inicialmente, o autor assinala uma diferença importante entre o semblante incestuoso aparelhado às fantasias e a passagem ao ato incestuoso como um real do gozo e seus efeitos, por vezes profundamente devastadores e destrutivos e sem retorno para um sujeito. Essa diferenciação parece importante na medida em que se verificam, na clínica, com alguma frequência, os semblantes incestuosos constitutivos de fantasias diversas, descortinando os paradoxos do desejo enquanto as passagens ao ato incestuoso ocorrem em situações mais graves em alguns casos de psicose, cujas consequências, em alguns casos, se mostram refratárias ao tratamento. O autor propõe a separação entre o dito e o dizer demarcando a incidência do trabalho clínico sobre as enunciações.

Dos casos clínicos examinados sobre os quais a experiência analítica incidiu, ele extrai três propostas muito pertinentes que constituem, por si próprias, vias de enfrentamento de um tabu que passou ao ato sem as consequências culturais de sua proibição contidas no mito freudiano, ou seja, incesto em sua versão século XXI, que tem o mérito de causar horror, surpresa, mas, por outro lado, de instigar novas premissas:

  1. Não se deve recuar diante do horror do incesto, sob o risco de sacralizá-lo, ignorar sua diversidade clínica e suas coordenadas.
  2. A incongruência de tal ato transpira sempre alguma coisa do objeto com o qual o ser falante tenta responder e se constituir como sintoma.
  3. A disciplina do dizer quando pode cumprir-se é, em si, um tratamento do gozo incestuoso e, portanto, uma realização da proibição do incesto.

A diversidade clínica apontada pelo ser falante mergulhado em um ato que saiu da esfera mítica para o campo do real desvela a inadequação do simbólico para operá-lo e mostra-se atingido por inibições diversas. O convite feito por Miller para outro modo de leitura e interpretação e a busca pelo auxílio da letra sem perder de vista a falta irremediável no campo do Outro parecem mais adequados para abordar o paradoxo de uma proibição no tempo de mutações extremas sem o apoio da relação de causalidade.

Dois paradoxos contemporâneos 

No capítulo dos paradoxos atuais verifica-se, do lado da ciência, a ação desenfreada promovida por um discurso que trabalha no campo da genética e da reprodução, inventando um saber em que todos são animais, combinando, sem cessar, óvulos, espermatozoides, doadores, provetas e úteros que, ao sabor dos caprichos, produzem humanos resultados de combinatórias incestuosas. Os integrantes do avesso das procriações aguardam sem críticas as crianças produtos desses experimentos e sem considerar o impossível situado na origem, o real dos laços familiares.

No campo da educação brasileira, colhe-se, no site Uol Educação[i], de 8 de junho deste ano, a notícia de que o MEC vai recolher das escolas públicas o livro infantil Enquanto o sono não vem, de José Mauro Brant. Um dos contos, “A triste história de Eredegalda”, narra a saga de um rei que queria se casar com a mais bonita das próprias filhas. Quando ela se nega ao casamento, é castigada e acaba morrendo de sede. Destinado a crianças de seis a oito anos, o livro faz parte do Programa de Alfabetização e, antes de ser enviado às escolas públicas, contou com a avaliação e a indicação de órgãos do Ministério da Educação.

A reportagem informa que o recolhimento do conto decorreu de críticas feitas pelos pais, mas, sem situar o teor dessas observações, acrescenta que, segundo a Secretaria de Educação Básica do MEC,

As crianças do ciclo de alfabetização, por serem leitores em formação e com vivências limitadas, ainda não adquiriram autonomia, maturidade e senso crítico para problematizar determinados temas com alta densidade, como é o caso da história em questão[ii].

Recoberto por nomes diversos, práticas científicas, literaturas, bullying, abusos, atos imotivados, compulsões e adições, o tabu do incesto comporta a advertência feita por Lacan nos seus trabalhos iniciais sobre o tratamento da psicose e retomado por Merlet no artigo citado anteriormente: não recuar diante do trabalho clínico instigado pelo horror de um ato que parece, na atualidade, situar-se entre loucura e debilidade.

 


Referências
BROUSSE, M. H. “Un néologisme d’actualité: la parentalité” In: La cause freudienne. Paris: Navarin, 2005, nº 60.117.
LACAN, J. “Os complexos familiares na formação do indivíduo” (1938) In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
LAURENT, É. “Le Nom-du-Père entre réalisme e nominalisme”. In: La cause freudienne. Paris: Navarin, 2005, nº 60. 131.
MERLET, A. “L’enfer des familles” In: La cause freuienne. Paris: Navarin, 2007, nº 65, p. 63.
[i] UOL educação, disponível em https://educacao.uol.com.br/noticias/2017/06/08/mec-diz-que-vai-recolher-livro-infantil-de-escolas-por-falar-de-incesto.htm, acesso em 8/6/2017.
[ii] Idem.

LUCIA MELLO
1. UOL educação, disponível em https://educacao.uol.com.br/noticias/2017/06/08/mec-diz-que-vai-recolher-livro-infantil-de-escolas-por-falar-de-incesto.htm, acesso em 8/6/2017.



A Família Contemporânea E O Real Do Sexo

SUZANA FALEIRO BARROSO

Introdução

 

A constituição da posição sexual do sujeito, sua inscrição na sexuação – operação que se inicia de modo decisivo na infância –, parece estar cada vez mais desamparada da estrutura familiar do Outro. Da escuta dos pais na clínica, tenho recolhido uma posição de defesa decidida dessa igualdade e da liberdade suprema da escolha do sexo, deixada a cargo da criança. É o que se verifica no vídeo de uma entrevista com uma criança, Brinsen, e seus pais, apresentada no programa Fantástico da Rede Globo em 2015 e que podemos tomar como ilustrativa do que seria uma “educação sem gênero”[i]. Nesta família, que vive em Portland, no Oregon, EUA, são as crianças que escolhem se querem ser meninas ou meninos, não importa o gênero do nascimento. A mãe de Brinsen defende uma educação unissex, educação de gênero neutro e propõe deixar aos filhos a escolha da identidade sexual. Depois de ver nos livros o quanto pode ser difícil para uma criança ser um menino que se sente menina, essa mãe decidiu não dizer qual o sexo de seus filhos. Sua justificativa não deixa de indicar impasses próprios na subjetivação dessa diferença.

Diante da falha do saber sobre o enigma da diferença de sexos, visto que não há a priori uma fórmula que os defina, a mãe de Brinsen age em nome da liberdade da criança de se fazer sozinha no processo de sexuação. O pai do menino não deixa de mencionar sua preocupação com os efeitos da segregação que poderão atingir seu filho.

“Quando as pessoas perguntam se você é menino ou menina, o que você diz?”, pergunta a repórter a Brinsen, e ele responde: “eu sou principalmente menino, mas um pouco menina”. Essa suposta definição, segundo a mãe de Brinsen, se deu por volta dos três anos de idade, acontecimento que foi seguido de uma mudança no temperamento da criança e das ressonâncias sociais de sua posição – a saber, o menino passa a ser “zoado” pelos colegas. Chamou-me a atenção a resposta de Brinsen à entrevistadora, quando ela quis saber como ele descobriu que era principalmente menino e um pouco menina. Ele disse: “eu descobri sozinho, meu corpo me disse e eu aceitei”. O que quer dizer esse “meu corpo me disse” da resposta de Brinsen?

Qual a repercussão sobre o “ser-para-o-sexo” (LACAN, 1968/2003, p.363) dessa extrema liberdade concedida às crianças quanto à escolha do sexo? Se o ser para o sexo se define a partir da castração, ou seja, a subtração de gozo acarretada pela incidência do significante sobre o corpo, que liberdade se pode ter quanto à escolha do sexo?

Na Nota sobre a criança (1969), texto sobre a criança, seu sintoma e a família, Lacan tomou posição ao abordar a família para além dos ideais, definindo-a como agente da transmissão da verdade e como espaço no qual se coloca em jogo a estrutura da linguagem e o gozo. O psicanalista enfatizou a dimensão sintomática da família humana por reconhecer sua tendência ao recobrimento da verdade, a saber, aquela que implica o encontro sexual, que concerne ao gozo e ao desejo em jogo nas parcerias familiares. Trata-se, de fato, da verdade do dizer sobre o sexo, que encontra sempre um impossível. A família é uma resposta simbólica ao real do sexo, ao fato de que não se pode escrever a relação do sexo entre um homem e uma mulher. No lugar disso, tradicionalmente, a família escreveu a relação pai-mãe tal como se evidencia na fórmula da metáfora paterna. É o ponto de real da família que pretendo considerar aqui e ao qual a criança responde, no melhor dos casos, sintomatizando esse impossível.

 

Incidência da ciência na transmissão familiar

 

Segundo a “Nota sobre a criança”, uma especificidade da família, preservada, a despeito da evolução da sociedade e necessária à constituição do sujeito, diz respeito ao campo da transmissão, que implica a língua, o desejo e a relação falo-castração. Essa última se dá, particularmente, a partir da interdição do pai ao gozo supremo com a mãe. A transmissão familiar ganhou modulações na psicanálise em cada um dos tempos da obra de Lacan, dentre os quais podemos recortar três momentos. O primeiro momento, na década de cinquenta, correspondente à leitura da estrutura tradicional da instituição familiar, cuja transmissão dos significantes ideais do pai e da mãe, Desejo da Mãe e Nome do Pai, constitui o simbólico da família. O segundo tempo, no final dos anos sessenta, corresponde à leitura das transformações familiares à luz do resíduo da instância do Outro simbólico, que se condensa no objeto do fantasma e sua transmissão. E o terceiro tempo, a partir do final da década de setenta, destaca a função do mal-entendido na transmissão familiar e supõe a conjunção entre significante e gozo sob a forma da lalangue de família.

A família organizada pelo Nome do Pai e pelo falo estabelecia a correlação entre gozo e sexualidade, entre corpo e gozo, isto é, sustentava um modo de gozo localizado fora do corpo através da própria operação do recalque. Dessa maneira, a travessia do Édipo e a elaboração do complexo de castração possibilita ao ser falante sua inscrição numa posição sexuada referida à função fálica. A incidência da função fálica na subjetividade traduz a questão da intrusão do significante no gozo, significando-o como castrado. A introdução do sujeito na dialética do falo, seja menino, seja menina, supõe a lógica que se desenrola no inconsciente das diversas etapas da identificação, através da relação primitiva com a mãe e a entrada em jogo do Édipo e da lei. É pela via do desejo que a mãe tem para com o filho que este é confrontado com o significante falo na sua polaridade imaginária e simbólica.

A família designa um lugar de enlaçamento do Um e do Outro. De acordo com essa estrutura clássica, era impensável uma família que não fosse marcada pela oposição entre um homem e uma mulher, masculino e feminino. Essa diferença se apoiava na conjunção entre reprodução e sexuação. Dessa maneira, os signos imaginários da posição sexuada e os significantes mestres do masculino e do feminino tinham o propósito de domesticar o gozo sexual conectado à transmissão da vida. De acordo com Marie-Hélène Brousse, o discurso da ciência introduziu uma modificação profunda nessa estrutura familiar quando tocou o real da reprodução da vida e desencadeou uma separação entre reprodução e sexuação, entre reprodução e diferença sexual. A ciência hoje se incumbe do real da transmissão da vida mais além das imagens do corpo e dos sujeitos e suas identificações. Diferentemente da ciência contemporânea, para a psicanálise, “não tem marcadores claros da diferença de sexos, do lado genético, cromossômico, endócrino, cerebral, morfológico, ou de gênero. Nenhum deles permite saber algo sobre a questão do masculino ou do feminino” (ANSERMET, 2014, p. 16).

Na conferência “Fuera do sexo: extensión del império materno”, Brousse discute o desenlaçamento da reprodução da estrutura simbólica da família, que promoveu uma redefinição dos pais em termos de cuidados e não mais em termos da diferença sexual. São cuidados unissex, isto é, fora-do-sexo. A entrevista com Brinsen e sua família mostra essa nova configuração, a saber, a mãe e o pai em posições muito similares, ambos cuidando de seus filhos, penteando e trançando seus cabelos. É um cenário típico do discurso do mestre contemporâneo, que faz declinar toda a hierarquia dos lugares simbolicamente constituídos, seja o do pai, isto é, aquele que interdita e limita o gozo, seja o da mãe, aquela que exerce os cuidados da criança a partir de suas próprias faltas. A extensão do império materno fica também patente na entrevista, visto que a opção pela “educação sem gênero” é predominantemente um direcionamento da mãe, acatado pelo pai, não sem algumas reservas.

Na atualidade, portanto, a família não é mais necessariamente edipiana, o que repercute no tratamento do real do sexo. A articulação entre gozo e sexualidade característica da estrutura simbólica da família edipiana se torna cada vez mais precária. É o destino do gozo que fica em questão. Os corpos podem gozar de práticas que não têm necessariamente nada a ver com o gozo sexual, demonstrando a errância do gozo quando o Nome do Pai já não orienta a articulação entre o corpo e o gozo. O gozo se mostra cada vez mais deslocalizado em decorrência da falta de conexão com o Outro. Estamos, portanto, segundo as palavras de Lacan na “Nota sobre o pai” (1968), diante da “evaporação do pai” e de suas consequências.

 

A escolha do sexo

 

Falar de escolha do sexo implica o campo das sutilezas, isto é, da linguagem. É uma escolha que se orienta pelo labirinto da linguagem.

A linguagem está sulcada de canaizinhos, de sutilezas, de obstáculos criados para embolar as coisas e conduzir a lugares onde nos perdemos. A escolha do sexo, pega neste labirinto, nos deixa sem saída, falando como tontos, inventando sentidos, sempre se pode agregar um significante a mais. (LACAN, 1973-74).

A esse labirinto subjetivo podemos acrescentar os discursos sobre o sexo de cada época.

A sexuação, termo que vem acompanhado em Lacan da noção de escolha, definida como escolha de gozo, é diferente da identificação sexual. Esta última, embora implique a sexualidade, advém da transmissão familiar, mas não determina o sexo para o sujeito. A sexuação implica a escolha real do modo de gozo entre dois modos distintos de uso do falo no laço com o outro sexo. O encontro com o heteros, palavra grega que se refere ao outro, introduz uma descontinuidade, um antes e um depois, na questão do sexo. Ultrapassar a solução unissex significa passar de uma lógica cuja norma é que todos são iguais, isto é, uma lógica universalizante, para outra que sustente a alteridade. A teoria lacaniana da sexuação surge no início dos anos setenta e supõe o conceito de não-toda.

Na primeira etapa da sexuação está em jogo a diferença anatômica natural, assinalada desde o momento do nascimento. O segundo tempo desse processo é o do discurso sexual, no qual a diferença anatômica é simbolizada e recebe uma significação. A posição sexual, ser homem ou ser mulher, depende então do discurso do Outro, da significação particular atribuída a cada sexo. A terceira etapa da sexuação é aquela da escolha do sujeito, que, em última instância, é uma escolha forçada. Trata-se do que cada um faz com aquilo que lhe foi transmitido pelo discurso do Outro; mas não só. Porque nem tudo é possível de ser dito sobre o sexual. Nem tudo se resolve através da transmissão familiar. Há a dimensão real do sexo, que escapa à simbolização, à inscrição simbólica. Há algo relativo ao sexual que permanece enigmático, o real do sexo, que confere a essa questão seu estatuto de trauma. Lacan vai nos apontar uma orientação do real para o sexo, que ultrapassa a polêmica do binarismo do gênero.

O gozo sexual coloca em jogo o corpo a partir das primeiras marcas de gozo nele depositadas pela língua do Outro. “Na escolha do sexo sempre se enodam a invariante de um gozo primeiro e as variáveis que intervêm na resposta do sujeito” (TÁBOAS, 2011). A invariante do gozo diz respeito à pulsão enquanto eco de um dizer no corpo. As respostas do sujeito dependem dos encontros contingentes com o gozo do corpo escrito precocemente.

 

Conclusão

 

Vários aspectos da entrevista divulgada pela Rede Globo podem ser comentados a propósito da questão da escolha do sexo. De uma parte, o testemunho do menino Brinsen comprova o que a psicanálise desde sempre sustentou, ou seja, que a posição sexual do sujeito não se reduz jamais ao seu sexo biológico, tampouco às normas e convenções sociais e culturais. De outra parte, as respostas de Brinsen são respostas de um sujeito desamparado do ponto de vista da transmissão familiar das identificações sexuais, um sujeito sem o Outro. Sua fala evoca uma disjunção, uma dissociação entre o sujeito e seu corpo. Sua posição parece mais aquela do “fora-do-sexo” do que propriamente uma posição do ser sexuado. É preciso considerar que a escolha do sexo implica o assentimento ou a recusa do sujeito. Por isso Lacan nos diz que o ser sexuado não se autoriza senão de si mesmo.

Embora a matéria divulgada pela Rede Globo tenha destacado a irreverência da educação do gênero neutro, para a psicanálise, os efeitos da não transmissão da significação fálica do desejo, dos traços de identificação sexual, não parecem trazer nenhuma ajuda à questão da escolha do sexo para cada sujeito. Aliada às demais transformações da família, deixa a criança muito mais exposta ao gozo do Um sozinho desenlaçado do Outro. Esse desenlaçamento parece evidente na resposta de Brinsen à entrevistadora ao dizer que foi seu corpo que lhe disse sobre ser principalmente menino e um pouco menina. Seus pais se abdicaram da transmissão quanto à identificação sexual do menino, demonstrando uma retirada do Outro familiar do assunto do sexo. É nesse contexto que o corpo vai ganhando sua soberania, contrariando a localização da sexualidade fora-do-corpo.

 

 


Referências
AFLALO, A. O assassinato frustrado da psicanálise. Rio de Janeiro: Contracapa, 2012.
ANSERMET, F. “Procreación médicamente assistida”. In: Registros, Madres e Padres. 2014, Colección Diálogos, p. 16.
BROUSSE, M. H. “Fuera do sexo: extensión del império materno”. In: Videoteca de Psicoanalisis. http://marioelkin.com/videoteca-de-psicoanalisis/. Acesso em 25/06/2017.
LACAN, J. “Alocução sobre as psicoses da criança”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1969, p. 361.
LACAN, J. “Nota sobre o pai”. In: Opção Lacaniana, n. 71. São Paulo: Eólia, 2015, p. 7.
LACAN, J. “Le séminaire, livre 21: les non dupes errent”. Seminário inédito, aula de 12 de fevereiro de 1974.
TÁBOAS, C. G. “Século XXI: a escolha do sexo no labirinto”. In: Opção Lacaniana on line, n. 5, 2011.
[i] http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/10/familia-cria-filhos-sem-genero-definido-nos-estados-unidos.html. Acesso em abr. 2017.

SUZANA FALEIRO BARROSO
Psicanalista em Belo Horizonte, Membro da EBP e da AMP. E-mail : suzanafaleirobarroso@gmail.com



Entrevista Com Juliana Mota (Instituto Raul Soares – FHEMIG) Do Confinamento Ao Manejo Clínico

ALMANAQUE ON-LINE

 

STONE

ALMANAQUE ON-LINE ENTREVISTA JULIANA MOTA[1] (INSTITUTO RAUL SOARES-FHEMIG)

 

Almanaque (A): Agradecemos, em nome do Almanaque, a sua disponibilidade e gostaríamos que você nos falasse um pouco sobre a história do Instituto Raul Soares e de seu trabalho aqui.

 

JULIANA MOTA

Juliana Mota (J.M.): Atualmente ocupo a gerência tecno-assistencial do Instituto Raul Soares, o que equivale à direção clínica desse hospital – um hospital que tem quase cem anos.

O Raul Soares foi criado em 1922 para ser especificamente um lugar de formação na psiquiatria – por isso não se chama hospital, mas Instituto. O Raul tem uma tradição, uma importância fundamental nos anos 60 e 70. A partir de 1970, com os ventos que vieram da Itália – da Reforma Psiquiátrica, da Reforma Sanitária do país –, começa a criação de um projeto sanitário, ou seja, a Reforma Psiquiátrica é fruto da Reforma Sanitária porque ela tem como eixo fundador a questão do pensamento do SUS, a lógica do SUS. É nesse cenário que um grupo de psiquiatras, fundamentais na história da psiquiatria no Brasil, como Francisco Paes Barreto[2], Antônio Beneti[3], Antônio Simoni[4] – falecido ano passado –, João Batista Magro[5] e Célio Garcia[6] – que não era psiquiatra, mas estava junto nesse trabalho –, começaram a discutir, a partir das denúncias de Hiram Firmino[7], a situação dos hospitais psiquiátricos de Minas Gerais. Esse grupo faz um movimento capital no Estado de Minas Gerais para se pensar os rumos da formação dos jovens psiquiatras. Nesse momento também começa a discussão sobre o perfil do trabalhador de saúde mental, sendo a Saúde Mental criada nessa época. O hospital fundou a primeira residência de psiquiatria no Brasil – que completa 50 anos em 2018. Com todas as suas oscilações e problemas, ele se torna um lugar de formação clínica.

É também nesse momento que começam a surgir as instituições de psicanálise em Belo Horizonte – o Círculo Psicanalítico[8], o Colégio[9]. Esse grupo de analistas e psiquiatras são também os preceptores de residências. Então, o Raul tem essa história na formação de psiquiatras, em que analistas ministram cursos desde a sua fundação. Depois tivemos uma segunda geração de psiquiatras, Ana Marta Lobosque[10] e Miriam Abou-Yd[11] que, transferidas com o texto analítico e com o texto da reforma psiquiátrica, continuam a propor uma transformação no sentido da formação desses trabalhadores de saúde mental. Nesse sentido, o discurso analítico é acolhido no Raul e passa a ter espaço em nossas discussões, assim como o discurso da clínica psiquiátrica e da reforma psiquiátrica.

Há seis anos, criamos a primeira residência multidisciplinar em saúde mental da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (FHEMIG). Essa segunda residência possui uma vaga para cada categoria: psicologia, terapia ocupacional, enfermagem e assistência social. Trata-se de uma residência do Instituto Raul Soares, da rede FHEMIG[12], mas chancelada, atualmente, pela Faculdade de Ciências Médicas, sendo o Instituto Raul Soares o executor.

 

A: Nesse percurso, como foi a deshospitalização no Instituto Raul Soares?

 

J.M.: Tínhamos, como todos os hospícios criados em 1920 – e que atravessaram os anos 30 e 40 –, moradores. Durante um tempo, ficamos com 17 moradores. Em 2015 conseguimos deshospitalizar dez pessoas. Alguns moravam aqui há dezessete, outros há treze, outros há cinco, seis anos. Fora as internações judiciais, em que tínhamos pacientes aguardando há mais de três anos. Pois, pegamos o contexto da reforma, mas também uma época em que as pessoas ficavam aqui por internação compulsória judiciária[13]. Em alguns casos, o juiz não dava definição do caso e o paciente ia ficando. Em outros, o juiz estipulava o tempo, determinava “vai ficar três anos”, e a pessoa permanecia por três anos. Mas, enfim, hoje temos cinco moradores no hospital, todos eles em processo de saída para as residências terapêuticas[14].

E, ainda, sobre as internações compulsórias, que não acontecem só no Instituto Raul Soares, mas também no Hospital João XXIII[15], entre outras instituições, o procurador da FHEMIG e a coordenação de Saúde Mental do Estado de Minas Gerais iniciaram uma discussão com os juízes e os promotores das comarcas explicando as dificuldades causadas por esse tipo de internação, que não é clínica, e temos tentado encontrar outras soluções. Atualmente, as sentenças começam a vir sem tempo, e a decisão do tempo de permanência passa a ser apenas clínica. É claro que temos ainda problemas em algumas comarcas.

Devemos lembrar que o Instituto Raul soares recebe pacientes de todos os lugares do Estado. Esses pacientes podem chegar sozinhos, vir encaminhados pelo Centro de Saúde. Quando o paciente chega, o trabalho da equipe é verificar a possibilidade de encaminhá-lo para rede de saúde. Estamos trabalhando na dimensão do ato, isto é, a equipe escuta, acolhe, maneja, conversa com a rede e, se possível, encaminha. Mas a diferença é que operamos a partir de um encaminhamento clínico, respeitando o território geográfico, mas, sobretudo, tendo como ponto norteador a clínica. Esse é o orientador da direção clínica atual. Sem o argumento clínico, o paciente não sai do Raul. A equipe precisa sustentar seus encaminhamentos para além da lógica da rede administrativa da saúde mental. Ela deve criar uma rede clínica para cada um desses sujeitos, que serão encaminhados. E é bom constatar que a rede funciona, a rede acolhe. Temos dados estatísticos que sustentam essa orientação.

 

Urgências subjetivas: novas formas de sintoma

 

A: Qual é o perfil hoje do Instituto Raul Soares? Como funciona? O que funciona aqui, já que não é mais internação?

 

J.M.: Não somos mais o lugar de confinamento. Se ainda tem um ou outro paciente que fica um tempo a mais, é porque ainda está no processo de discussão com as localidades a que pertencem. Hoje o Raul é um local de passagem, um lugar breve, de urgência. Nesse sentido, um dos nossos indicadores de eficiência é reduzir as internações para sete a onze dias, no máximo, numa crise. É claro que isso funciona melhor na cidade de Belo Horizonte. A Grande BH e algumas regiões do Estado, por serem mais desamparadas de dispositivos para acolher, ainda internam muito.

 

A: O fato de as internações serem curtas – você disse de sete a onze dias –aumenta o número de retorno?

 

J.M.: Não. Acontece às vezes, mas acho que a instituição, o corpo clínico, tem trabalhado e manejado melhor o caso na porta de entrada. Tentamos não deixar entrar mais. Fechamos uma enfermaria e a transformamos em Centro de Acolhimento à Crise. Hoje a urgência se transformou; colocamos uma equipe de acolhimento e uma equipe horizontal, ou seja, uma equipe que acolhe e uma equipe que acompanha os pacientes que estão na observação, todos os dias. E, mais ainda, essas equipes se reúnem diariamente, às dez horas, para discutir os casos que chegaram nas últimas 24 horas e os manejos que vão se fazendo com a rede. Estamos equipando essa porta de entrada para esse pensamento de urgência.

 

A: Como é essa crise? Essa urgência?

 

J.M.: Temos dois pontos. Um é uma urgência subjetiva, quando o sujeito chega com um sintoma muito embaçado. Poderíamos dizer que são essas novas formas de corpo, de muito uso de substância, uma posição muito pouco discursiva, em que é necessário introduzir o tempo. Então, o Centro de Acolhimento à Crise vem para introduzir uma hiância, para que seja possível algo do sujeito aparecer, para que alguma intervenção possa ser feita. Esses encaminhamentos devem ser clínicos e não de triagem. Essa é uma diferença fundamental.

Temos também o outro tipo de caso, aqueles que chegam principalmente do interior, de lugares mais desamparados, apresentando os sintomas clássicos da descrição psiquiátrica, de manual de psiquiatria – os que deliram, que têm essa configuração nosológica, psicopatológica, muito clássica da história dos manuais. Essas pessoas, quando chegam, muitas vezes, já estão catatônicas, o que não vemos mais na nossa cidade. São sujeitos que vão se afastando e a família vai deixando, vai dando um jeito, acostumando com aquilo. Esses casos, as catatonias, as anorexias psicóticas – que chegam e que já têm um tempo de evolução –, são do interior, não são da cidade. A não ser que venha direto do Laboratório de Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas, que nos encaminha por uma questão de segurança. Mas esses quadros de lenta evolução, essas esquizofrenias clássicas, não posso dizer que são de Belo Horizonte, salvo exceções.

Temos também as internações compulsórias, que já falamos, e que não se encaixam nessa prática. Elas vêm a partir de uma demanda da família ao judiciário. Em alguns casos, o juiz interpreta que há um perigo e encaminha para o Raul. Atualmente também recebemos muita demanda do sistema prisional, visando a retirar os presos dos presídios – aqueles portadores de sofrimento mental – e trazer para o hospital. Essa é uma conversa delicada. Primeiro, pelas medidas de segurança a serem seguidas pelo sistema prisional, que são incompatíveis com o trabalho de uma equipe de saúde de um hospital. Segundo, porque acreditamos que alguns casos possam ser tratados dentro do próprio sistema prisional, desde que bem articulado com a rede de saúde mental do município. Esse é um ponto que também estamos trabalhando com as diretorias das unidades prisionais.

 

A: Você chegou a falar de casos como “casos embaçados”. Podemos pensar nesses casos como casos de psicoses ordinárias[16], tal qual proposto por Jacques-Alain Miller? É claro que é um diagnóstico difícil de ser dado, porque o sujeito apresenta uma loucura discreta, de pequenos índices de foraclusão, mas você poderia dizer que chegam casos com esse diagnóstico?

 

J.M.: Nas nossas discussões e nas supervisões de casos temos aqueles que são apresentados como impasses nas discussões clínicas para vários profissionais da instituição. São casos de sujeitos que chegam desenlaçados. Pessoas muito solitárias, que já moram sozinhas, com muitas passagens ao ato, com situações de isolamento preocupantes e/ou andarilhos de população de rua silenciosos.

 

A: Como que esses casos chegam, uma vez que não têm o desencadeamento, ou seja, não têm a urgência que levaria a buscar um hospital psiquiátrico?

 

J.M.: Eles chegam pela urgência da tentativa de suicídio, por um ato ou por alguém que nota algum perigo a acontecer. Na verdade, são casos em que não ocorreu um desencadeamento no sentido clássico ou casos em que não temos uma abundância do sintoma, mas uma presença do ato, do isolamento ou de um laço tênue com o Outro. São, por exemplo, quase sempre devastados pelo alcoolismo, pelas drogas, por um retraimento social radical percebido pelas pessoas mais próximas. Ou mulheres que moram sozinhas, que já tiveram uma projeção na cidade, trabalharam com a moda, com arte ou com a escrita. Essas pessoas têm se internado aqui com frequência, o que nos preocupa. Parece-me que se trata de uma “perda da habilidade” de lidar com o outro. Trata-se de um desligamento gradual. Tem uma dimensão da errância muito presente, como tentativas de entrar nesses campos do Outro. Eu não sei se essa é uma boa palavra, mas ela sempre me ocorre quando discutimos isso: “perda da habilidade” para lidar com o outro. Pois é necessário ter uma habilidade para lidar com o significante que vem do Outro. Os tempos mudaram, os significantes da contemporaneidade são outros. A mesma coisa ocorre com os jovens que chegam aqui, também há uma falta dessa habilidade. São sujeitos solitários que chegam nas urgências psiquiátricas.

Eu me lembrei de um caso em que trabalhei, o caso da Mademoiselle B., um caso de parafrenia que Lacan entrevistou na apresentação de paciente de Saint-Anne, que tem esse ponto da errância. Não digo que são parafrênicos, mas acho que a errância é um acontecimento da pós-modernidade. Essas pessoas que vão utilizando das portas de entrada dos serviços de saúde para tentar algum laço, experimentar uma possível inscrição. É uma errância, que mais parece ser uma tentativa de se enlaçar ao Outro, mas que não se sustenta. Podemos dizer que hoje é essa a clínica com a qual trabalhamos no Raul.

Mas, retomando o ponto da psicose ordinária como uma possibilidade de pensar os casos em que o diagnóstico não fica muito esclarecido, lembro-me de escutar as pessoas dizendo que havia uma loucura que era uma loucura neurótica. Casos que chegavam ao hospital como uma loucura extraordinária, de certo enlouquecimento do sujeito, mas que não eram quadros de psicoses. Chama à atenção a questão diagnóstica, discutida por Miller nesse texto[17] sobre a psicose ordinária, ou seja, o que se torna ordinário é a psicose. A neurose, por ser extraordinária, tem que ser diagnosticada. E no campo da psicose, se assim foi definido, é preciso estabelecer um diagnóstico. Pode até ser uma parafrenia, mas há a necessidade de se fazer uma referência diagnóstica de que psicose se trata.

O ponto fundamental é essa configuração nova da clínica, que é uma psicose que não vem mais tão bem apresentada nos fenômenos elementares. Mas que tem uma posição no campo do Outro que interroga e não nos tranquiliza para liberar o sujeito. É a gravidade do desligamento. Para mim, essa é a gravidade do desligamento, essa capacidade do sujeito se desligar do Outro.

 

A: Nos casos de toxicomania, você disse que, quando esses casos chegam, os profissionais do Raul estão preferindo reencaminhar. Mas podemos pensar num link entre a droga e a psicose ordinária? Falar da função da droga nesses casos?

 

J.M.: Sem dúvida. Acho que a droga, como a melancolia – não a melancolia, mas uma posição melancólica –, como uma crise exacerbada de alguma coisa que não se sabe o que é, isso tudo é uma apresentação. O que precisamos é ter um tempo para poder localizar onde é que o sujeito está ali. Quando eu falo da toxicomania, não é “chegou craqueiro”, “chegou toxicômano”, e mandamos embora para o Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD) ou para o Centro Mineiro de Toxicomania (CMT-FHEMIG). É no sentido de que, ao se localizar essa forma de gozo, nos interrogamos se é um caso para permanecer no Raul, já que existem outros dispositivos operando com outros tipos de estratégias muito mais refinadas que a nossa para esses casos – por exemplo, o CMT, que também recebe os sujeitos em crise. Mas eles não funcionam 24 horas como o Raul e o Galba Velloso. Então, se é um caso de uso devastador da droga, que coloca o sujeito em risco, eles ficam; não tem jeito. Nós somos o local da crise.

 

Ação lacaniana: uma parceria FHEMIG e IPSM

 

A: Hoje temos uma parceria entre o Instituto Raul Soares e o Instituto de Saúde Mental de Minas Gerais, instituição do Campo Freudiano. Qual o objetivo dessa parceria para o Raul? De que forma ela acontece, na prática?

 

J.M.: Eu assisti à apresentação da dissertação de mestrado, na qual Renato Diniz[18] fazia parte da banca, na Faculdade de Medicina, sobre a história do Centro Mineiro de Toxicomania (CMT), mais especificamente sobre a participação do CMT no movimento da Reforma Psiquiátrica. Ele foi muito preciso ao destacar que não é possível separar, em Minas, a reforma psiquiátrica e a presença dos psicanalistas. Ele afirma que só foi possível fazer essa reforma porque tinha psicanalistas no protagonismo, e, por outro lado, que os psicanalistas só puderam entrar nas instituições operando com o discurso analítico, porque tinha uma reforma que acolhia o discurso analítico. Então, esse ponto é fundamental: a relação histórica entre a Reforma Psiquiátrica, a mudança no trabalho e também a mudança política com o portador de sofrimento mental e a inserção da psicanálise na cidade, o que Miller chama de ação lacaniana[19].

Nesse sentido, a parceria entre o Instituto Raul Soares e o Instituto de Psicanálise e Saúde Mental (IPSMMG), assim como a Escola Brasileira de Psicanálise, já é antiga. Sempre estivemos presentes nas discussões do Núcleo de Psicose. E, agora, tornamos essa parceria institucional, através de um termo de parceria, inclusive. Começamos a conversa com o IPSM-MG sobre a importância do trabalho clínico e sobre a formação tanto dos alunos do instituto quanto dos profissionais da rede estadual, pois é o objeto nosso cotidiano. Essa clínica tem mudado e é necessário pensar novas formas de manejo. Assim, essa parceria estendeu-se para outras instituições da rede estadual FHEMIG: Centro Psíquico da Infância e Adolescência – CEPAI, Centro Mineiro de Toxomania – CMT, Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena e Hospital Galba Velloso. Queremos que essa parceria se estreite, porque ela produz boas coisas. É um casamento que produz textos e artigos, produz seminários, produz fóruns clínicos, produz trabalhos para as Jornadas. Vejam esta entrevista! É uma em que posso explicar o projeto da urgência, pensar a psicose ordinária nas portas de entrada. Essa parceria possibilita, entre outras atividades, a presença de psicanalistas, docentes do IPSM, nas discussões de casos clínicos e nas apresentações de pacientes – estas, sempre conduzidas por um psicanalista de fora da Unidade Hospitalar –, assim como no planejamento de seminários teórico-clínicos. Destacamos que essas práticas promovem um avanço na condução do tratamento e na formação dos jovens analistas do IPSMMG.

Gostaria de concluir ressaltando a disposição para o trabalho clinico institucional das equipes atuais do IRS, que acolhem e trabalham a partir do caso e de seu caminho pela Rede. É o caso que orienta, e a atual Direção Clínica do Instituto Raul Soares obedece à direção indicada pelo caso e organiza, a partir dele, seu projeto clinico assistencial.

 


[1] Membro aderente da Escola Brasileira de Psicanálise, Gerente Assistencial do Instituto Raul Soares.
[2] Francisco Paes Barreto. Psiquiatra, psicanalista, membro da EBP e da AME. Pertenceu ao quadro de preceptores da Residência de Psiquiatria do IRS-FHEMIG.
[3] Antonio Benetti. Psiquiatra, psicanalista. Pertenceu ao quadro de preceptores da Residência de Psiquiatria do IRS-FHEMIG.
[4] Antonio Simoni. Psiquiatra, psicanalista. Pertenceu ao quadro de preceptores da residência de psiquiatria do IRS-FHEMIG.
[5] João Batista Magro. Médico e psicanalista.
[6] Célio Garcia. Psicanalista, membro da EBP, professor aposentado da UFMG.
[7] Autor de “Nos porões da loucura”, obra que denunciou a situação trágica dos hospitais psiquiátricos em Minas Gerais.
[8] Instituição Psicanalítica de Belo Horizonte
[9] Instituição Psicanalítica de Belo Horizonte Fundada nos anos 80.
[10] Ana Marta Lobosque. Psiquiatra, pertenceu ao quadro de preceptores da residência de psiquiatra do IRS-FHEMIG.
[11] Miriam Abou-Yd. Psiquiatra, pertenceu ao quadro de preceptores da residência de psiquiatria do ISR-FHEMIG. Foi coordenadora de Saúde Mental das secretarias municipal e estadual de MG.
[12] FHEMIG – Fundação Hospitalar de Minas Gerais.
[13] Internações ordenadas por ordens judiciais.
[14] Residências terapêuticas, serviços residenciais que recebem usuários de os serviços de saúde mental para moradia.
[15] Hospital João XXIII. Hospital de urgência da rede FHEMIG.
[16] Psicoses ordinárias – termo introduzido por Jacques Alain Miller no final dos anos 90.
[17] MILLER, J.-A. Lições sobre a apresentação de doentes. In: ______. Matemas I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. p.138-149.
[18] Renato Diniz. Psiquiatra, psicanalista e preceptor da residência de psiquiatria do IRS-FHEMIG.
[19] MILLER, J-A. Conclusão do PIPOL V. Site Enapol: http://www.enapol.com/pt/template.php?file=Argumento/Conclusion-de-PIPOL-V_Jacques-Alain-Miller.html



Catálogo De Textos: Sobre As Psicoses Ordinárias E As Outras

ALMANAQUE

Catálogo de textos: Sobre as psicoses ordinárias e as outras

 

A Equipe do Almanaque elaborou uma seleção de referências sobre o tema do próximo Congresso AMP – “A psicose ordinária e as outras, sob transferência” -, que se realizará em Barcelona em abril de 2018.

A fim de orientar os estudos e produções acerca do tema, esta bibliografia percorre textos clássicos de Freud, escritos e seminários de Jacques Lacan, bem como a produção de autores contemporâneos de orientação lacaniana como Jacques-Alain Miller, Éric Laurent, Jean Claude Maleval, e outros.

Boa leitura!

 

Associação Mundial de Psicanálise-Comitê da Escola Una. (2017). PAPERS 7.7.7 Rumo à Barcelona 2018: As psicoses ordinárias e as outras, sob transferência. Disponível em: https://congresoamp2018.com/wp-content/uploads/2017/05/PAPERS-7.7.7.-N%C2%B01-Portugu%C3%AAs.pdf

Alvarenga, E. (1999). Estabilizações. Revista CURINGA, n. 14. Belo Horizonte:EBP-MG, p.18-23

Alvarenga, E. (2000). Psicoses freudianas e lacanianas. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia, n. 28.

Alvarenga, E. (2016). O imaginário, o inconsciente e o corpo falante. Derivas Analíticas, n. 4. Disponível em: http://revistaderivasanaliticas.com.br/index.php/accordion-a-3/universal

Arenas, A. (2006). A angústia: assunto topológico. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia, n. 45.

Batista, M.C.D.; Laia, S. (Orgs). (2010). Todo mundo delira. Belo Horizonte: Scriptum.

Batista, M. C. D. e Laia, S. (Orgs). (2012). A psicose ordinária: a convenção de Antibes. Belo Horizonte: Scriptum.

Beneti, A. (2006). Psicoses cínicas. Papéis de Psicanálise: As pequenas invenções psicóticas. Belo Horizonte: IPSM–MG, Ano. 3, n. 2, p. 25-30.

Beneti, A. (1996). Interpretação na psicose ou manobras na transferência? Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia, n. 15, p. 89-95.

Belaga, G. (2007). Las psicosis infantiles: del “autismo” a la psicotización. Virtualia, n. 16. Disponível em: http://virtualia.eol.org.ar/016/default.asp?formas/belaga.html

Birman, J.; Henriques, R. (2014). Elementos para uma apreensão clínica da psicose ordinária (Jean-Claude Maleval, 2003). Clínica & Cultura v.III, n.I,p.105-169. Disponível em: http://www.seer.ufs.br/index.php/clinicaecultura/article/view/2841/2993

Brodsky, G. (2011). Loucuras discretas – um seminário sobre as chamadas psicoses ordinárias. Belo Horizonte: Scriptum.

Brousse, M.-H. (2009). A psicose ordinária à luz da teoria lacaniana do discurso. Latusa digital, ano 6, n. 38. Disponivel em: http://www.latusa.com.br/pdf_latusa_digital_38_a1.pdf

Cambron, C. (1998). De uma mancha a outra. In Miller, J.-A., et al, Os casos raros, inclassificáveis, da clínica psicanalítica: a conversação de Arcachon, Biblioteca Freudiana Brasileira.

Campos, S., Gonçalves, S., & Amaral, T. (2008). Psicoses ordinárias. Mental, 6(11). Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-44272008000200005&lng=pt&tlng=pt.

Cardenas, M. H. (2009) Formas singulares de lazo. Virtualia, n. 19. Disponível em: http://virtualia.eol.org.ar/019/template.asp?dossier/cardenas.html

Castanet, H. (1998). Um sujeito no nevoeiro. In Miller, J.-A., et al, Os casos raros, inclassificáveis, da clínica psicanalítica: a conversação de Arcachon, Biblioteca Freudiana Brasileira.

Dafunchio, N. S. (2008). Confines de las psicoses. Buenos Aires: Del Bucle.

Dafunchio, N. S. (2015). Ni neurosis ni psicosis? Buenos Aires: Del Bucle.

Deffieux, J. P. (1998). Um caso nem tão raro. In Miller, J.-A., et al, Os casos raros, inclassificáveis, da clínica psicanalítica: a conversação de Arcachon, Biblioteca Freudiana Brasileira.

Deffieux, J. P. (2006). Suplência. In Scilicet dos Nomes-do-Pai. Textos preparatórios para o Congresso de Roma.

Dias, M. C. B.; Laia, S. (Orgs.). (2012). A psicose ordinária. Belo Horizonte, Scriptum.

Ferreira da Silva, R. (1996). A intervenção possível em um caso de psicose. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia, n. 17, p.40-41.

Ferreira da Silva, R. (1999). O psicótico em relação à palavra e ao corpo. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia, n. 24, p. 36-37

Ferreira da Silva, R. (2011). Delírio. In Scilicet: A ordem simbólica no século XXI. AMP. Belo Horizonte: Scriptum, p. 98-101.

Freud, S. (1894). As neuropsicoses de defesa. In Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro. Imago. Vol. III.

Freud, S. (1896). Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa. Análise de um caso de Paranoia crônica. In Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro. Imago. Vol. III.

Freud, S. (1911). Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia – O Caso Schreber In Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro. Imago. Vol. XII.

Freud, S. (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução. In Obras Completas de Sigmund Freud. Imago. Vol. XIV.

Freud, S. (1917 [1915]). Luto e melancolia. In Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro. Imago. Vol. XIV.

Freud, S. (1915). Um caso de paranoia que contraria a teoria psicanalítica da doença. In Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro. Imago. Vol. XIV.

Freud, S. (1924 [1923]). Neuroses e Psicoses. In Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro. Imago. Vol. XIX.

Freud, S. (1924) A perda da realidade nas neuroses e nas psicoses. In Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro. Imago. Vol. XIX.

Grostein, S. Ferreira da Silva, R. Maron, G. (2008). Suplência na psicose ordinária. In Fuentes, M. J.; Veras, M. (Orgs.). Felicidade e Sintoma Ensaios para uma psicanálise no século XXI. Salvador: Corrupio.

Grostein, S. (2010). A discrição das psicoses ordinárias: opacidade do delírio? In Batista, M.C.D.; Laia, S. (Orgs). Todo mundo delira. Belo Horizonte: Scriptum, p. 151-156.

Guèguen, P.-G. (2016) O escabelo sinthoma. X Congresso da Associação Mundial de Psicanálise. Disponível em: http://www.congressoamp2016.com/uploads/70dff6ed2ae7c0f240284f3db26acc008f02ea30.pdf

Gurgel, I. (2010). Transferência e delírio na clínica das psicoses. In Batista, M.C.D.; Laia, S. (Orgs). Todo mundo delira. Belo Horizonte: Scriptum, p. 169-175.

Gurgel. I. (2011). Política do Sinthoma e o desejo do analista. @gente digital, n. 7. Disponível em: http://www.institutopsicanalisebahia.com.br/agente/007/15/009_agente07_iordan_gurgel.pdf

Harari, A. (2006). Clínica lacaniana da psicose: de Clérambault à inconsistência do Outro. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria.

Horne, B. (2011). Ser o Sinthoma. @gente digital, n. 7. Disponível em: http://www.institutopsicanalisebahia.com.br/agente/007/15/007_agente07_bernardino_horne.pdf

Joyce, J. (1984). Retrato do artista quando jovem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Joyce, J. (1999). Finnegans Wake. Tomo I. Porto Alegre: Casa de Cultura Guimarães Rosa.

Joyce, J. (2000). Ulisses. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Lacadée, P. (2016). O S.K. belo. Derivas analíticas, n. 4. Disponível em: http://revistaderivasanaliticas.com.br/index.php/accordion-a-3/o-sujeito-da-ciencia-em-canguilhem

Lacan, J. (1974-1975). O Seminario RSI. (inédito)

Lacan, J. (1976-1977). O Seminário, livro 24, “L`insu que sait de l`une-bevue s`aile á mourre“. (Inédito)

Lacan, J. (1986). A terceira. Che Vuoi? Psicanálise e cultura, Porto Alegre, I, n.0, Outono, 1986. (Trabalho original proferido em 1974).

Lacan, J. (1997). Joyce el síntoma I. Uno por Uno 44, Eolia Paidós, Buenos Aires, Argentina.

Lacan, J. (1997). Joyce el síntoma II, Uno por Uno 45, Eolia Paidós, Buenos Aires, Argentina.

Lacan, J. (1998). De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Lacan, J. (2000). Uma psicose lacaniana: entrevista conduzida por Jacques Lacan. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia, n. 26/27, p. 05-16.

Lacan, J. (2002). O Seminário, Livro 3: As psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. (Trabalho original proferido em 1955-56)

Lacan, J. (2003). Aturdito. In Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. (Trabalho original publicado em 1972)

Lacan, J. (2003). Joyce, o Sintoma. In Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Lacan, J. (2003). Prefácio à Edição Francesa das Memórias do Presidente Schreber. In Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Lacan, J. (2003). Prefácio a O despertar da primavera. In Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. (Trabalho original publicado em 1974)

Lacan, J. (2005). Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. (Trabalho original proferido em 1963)

Lacan, J. (2005). Passagem ao ato e acting out. In O Seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Lacan, J. (2007). Motivos do crime paranóico – o crime das irmãs Papin. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia, n. 48, p. 146-152.

Lacan, J. (2007). O Seminário, livro 23, O Sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. (Trabalho original proferido em 1975-1976).

Laia, S. (2001). Os escritos fora de si – Joyce, Lacan e a loucura. BH: Autêntica/FUMEC.

Laurent, E. (1995). A psicose e seus limites. In Versões da clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Laurent, E. (2006). Interpretar la psicosis día a día. In Blog-Note del sintoma. Buenos Aires: Três Haches, p.52-68.

Laurent, E. (2007). La psicosis ordinária. Virtualia, n. 16. Disponível em: http://virtualia.eol.org.ar/016/default.asp?formas/laurent.html

Machado, O. R. (2005/2006). A Clínica do sinthoma e o sujeito contemporâneo. Asephallus, n. 1. Disponível em: http://www.isepol.com/asephallus/numero_01/artigo_08port_edicao01.htm

Maleval, J.-C. (2008). Conversación con Jean-Claude Maleval. Virtualia, n. 18. Disponível em: http://virtualia.eol.org.ar/018/template.asp?miscelaneas/maleval.html

Maleval, J.-C. (2004). Locuras histéricas y psicosis dissociativas. Buenos Aires: Paidós.

Mandil, R. (2003). Os efeitos da letra: Lacan leitor de Joyce. Rio de Janeiro/ Belo Horizonte: Contra Capa.

Miller, J.-A. (1996). Clínica Irônica. In Matemas I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Miller, J.-A. (1996). Des-sentido para as psicoses. In Matemas I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Miller, J.-A. (1998). Forclusión generalizada. In Los signos del gozo. Buenos Aires: Paidós.

Miller, J.-A., et al. (1998). Os casos raros, inclassificáveis da clínica psicanalítica. A Conversação de Arcachon. São Paulo: Biblioteca Freudiana Brasileira.

Miller, J.-A. (2002). A ex-sistência. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia, n. 33.

Miller, J.-A. (2003). A invenção psicótica. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia, 36, São Paulo, Eólia Ed., p. 6-16.

Miller, J.-A. (2004). Biologia lacaniana e acontecimento de corpo. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia, n. 41, p. 7-67.

Miller, J.-A. et. al. (2005). El saber delirante. Buenos Aires: Paidós.

Miller, J.-A. (2006). Peças Avulsas. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia, n. 45.

Miller, J.-A. (Org.) (2008). El amor en las psicosis. Buenos Aires: Paidós.

Miller, J.-A. (2009). Perspectivas do Seminário 23 de Lacan: O sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Miller, J.-A. et. al. (2010). Los inclasificables de la clinica psicoanalítica. Buenos Aires: Paidós.

Miller, J.-A. (2011). Sutilezas analíticas. Buenos Aires: Paidós.

Miller, J.-A. (2012). El desorden simbólico. Revista Lacaniana de psicoanálisis. ano 8, n. 13. Grama Ediciones, Buenos Aires, Argentina.

Miller, J.-A. (2012). O real no século XXI. Apresentação do tema do IX Congresso da AMP. Versão on-line disponível em: http://www.wapol.org/pt/articulos/Template.asp?intTipoPagina=4&intPublicacion=38&intEdicion=13&intIdiomaPublicacion=1&intArticulo=2468&intIdiomaArticulo=1

Miller, J.-A. (2012). Efeito de retorno à psicose ordinária. In Dias, M. C. B.; Laia, S. (Orgs.). A psicose ordinária: a convenção de Antibes. Belo Horizonte, Scriptum.

Miller, J.-A. (2012). El ultimísimo Lacan. Buenos Aires: Paidós.

Miller, J.-A. (2012). Embrollos del cuerpo. Buenos Aires: Paidós.

Miller, J.-A. (2013). Piezas Sueltas. Buenos Aires: Paidós.

Miller, J.-A. (2014). O inconsciente e o corpo falante. Wapol. Disponível em:http://wapol.org/pt/articulos/Template.asp?intTipoPagina=4&intPublicacion=13&intEdicion=9&intIdiomaPublicacion=9&intArticulo=2742&intIdiomaArticulo=9

Miller, J.-A. (2015). Todo el mundo es loco. Buenos Aires: Paidós.

Miller, J.-A.. A invenção do delírio. Opção Lacaniana online. Disponível em: http://www.opcaolacaniana.com.br/antigos/pdf/artigos/JAMDelir.pdf

Naveau, P. (1998). História d’olho. In Miller, J.-A., et al, Os casos raros, inclassificáveis, da clínica psicanalítica: a conversação de Arcachon, Biblioteca Freudiana Brasileira.

Pinto, M. B. (2015). A importância da noção clínica de desligamento para a abordagem psicanalítica das psicoses. Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Psicologia da UFMG. Belo Horizonte.

Rosa, M. (2009). A psicose ordinária e os fenômenos de corpo. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, v. 12, n. 1, p. 116-129. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v12n1/a08v12n1

Santiago, A. L. B. (2006). Trauma, angúsita e as neo-inibições. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia, n. 5.

Schejtman, F. (2007). Sexuação e Nome-do-Pai: o para além do Édipo… hoje. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia n. 50.

Simonetti, A. (2007). Los trastornos de lenguaje en la época del Otro que no existe. Virtualia, n. 16. Disponível em: http://virtualia.eol.org.ar/016/default.asp?formas/simonetti.html

Skriabine, P. (2006). Nó e Nome-do-Pai – vinte e uma considerações sobre a estrutura. In: Scilicet dos Nomes do Pai. AMP.

Skriabine, P. (2011). Localizar-se sobre a estrutura. @gente digital, n. 7. Disponível em: http://www.institutopsicanalisebahia.com.br/agente/007/15/003_agente07_pierre_skriabine002.pdf

Skriabine, P. (2009). A psicose ordinária do ponto de vista borromeano. Latusa digital. Disponível em: http://www.latusa.com.br/pdf_latusa_digital_38_a2.pdf

Souto, S. (2007). Imagen y perversión en un caso de psicoses. Virtualia, n. 16. Disponível em: http://virtualia.eol.org.ar/016/default.asp?formas/souto.html

Stevens, A. (2007). Amor e Nome-do-Pai. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia. n. 50.

Teixeira, A. (2015). Já não creio mais em minha psicótica: Considerações intempestivas sobre a psicose ordinária. Opção Lacaniana online nova série, Ano 6, n. 18. Disponível em: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_18/Ja_nao_creio_mais_na_minha_psicotica.pdf

Tendlarz, S. E. (2009). Psicosis, lo clássico e ló nuevo. Buenos Aires: Grama Ediciones.

Tudanca, L. (2012). Do sintoma ao sinthoma. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia n. 64.

Vaschetto, E. (2007). Psicosis contemporâneas. Virtualia, n. 16. Disponível em: http://virtualia.eol.org.ar/016/default.asp?formas/vaschetto.html

Zenoni, A. (2000). A psicose fora do desencadeamento. Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. São Paulo: Eolia. n. 28.