A urgência do falasser e a presença sutil do analista: qual encontro possível?1

Laura Rubião
Psicanalista, membro da EBP/AMP
lauralustosarubiao@gmail.com

Resumo: O texto explora certas nuances do que se pode conceber como “presença do analista” em nossa época, diferenciando-a de algumas concepções tradicionais que evocam o analista como figura neutra, passiva ou desinteressada.  Ao contrário, o analista se faz presente como aquele que escolhe estar ao lado da urgência do falasser e da solução sinthomática de cada um frente ao real do gozo. 

Palavras-chave: analista; urgência; gozo; sinthoma.

Abstract: The text explores certain nuances of what can be conceived as the “presence of the analyst” in our time, differentiating it from some traditional conceptions that evoke the analyst as a neutral, passive or disinterested figure. On the contrary, the analyst is present as the one who chooses to be beside the urgency of the parlêtre and the symptomatic solution of each one in the face of the real of jouissance. 

Keywords: analyst; urgency; jouissance; sinthome. 

 

CAROLINA BOTURA. S/T

 

O XXIV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano tem por título um dizer que, a partir do modo exclamativo – “Analista: Presente!” –, nos conclama a trabalhar o lugar por meio do qual o analista pode se fazer presente nos dias de hoje, tanto na análise quanto fora dela, nas questões de sociedade, como nos aponta Fernanda Otoni Brisset em seu texto de orientação, renovando a pertinência de recolocarmos a questão de como o analista pode estar à altura do horizonte de sua época.

Esse título teve como inspiração – certamente não a única, conforme nos observou Romildo Rêgo Barros – os embaraços provocados sobre a nossa prática a partir do acontecimento imprevisto da pandemia, quando, por força das circunstâncias, recorremos aos aparatos tecnológicos para recebermos nossos analisantes. A partir daí, teve início todo um debate em torno das implicações decorrentes dessa nova forma de presença virtual do analista na clínica.

Seja no modo virtual, seja no modo presencial, na esfera clínica ou política, no divã ou nas instituições, o lugar de onde o analista pode dizer “Presente!” implicará sempre o regime das sutilezas analíticas, tal como definido por Miller em seu curso de 2011.

Inspirado por Freud, ele vai buscar em Pascal uma orientação para o que se entende por “coisas de fineza”, ou “sutilezas” analíticas, em oposição às coisas de geometria, que são racionalidades, inferências e construções baseadas em premissas lógicas demonstráveis pela cadeia das razões. As tais “coisas de fineza” são aquelas que “se sentem” e devem ser apreendidas “subitamente em um só golpe de vista” (MILLER, 2011, p. 28). Essa apreensão súbita nos envia ao modo como Lacan identifica, em seu último ensino, o rastro do Ics real como une bévue (um tropeço), ou seja, o que irrompe inesperadamente no espaço de um lapso e se realiza como acontecimento de dizer, e não como um desdobramento de saber. É o que celebra o choque da linguagem sobre o corpo e dá lugar a um significante novo, uma invenção da língua. O que importa e se torna genuíno no último ensino de Lacan é que a linguagem produz um acontecimento disruptivo no corpo e é exatamente essa efração que faz brotar o elemento heterogêneo que não se deixa reabsorver pela estrutura, a qual tece incessantemente a trama do destino.

O analista faz par com essa urgência do falasser (LACAN, 1976/2003, p. 569) e isso nos autoriza a dizer que o analista marca sua presença, tomando partido do inconsciente real. Ele renuncia, desse modo, a encarnar a postura que lhe é atribuída tradicionalmente, a saber, a da “neutralidade benevolente”, sem, tampouco, adotar qualquer postura “ativa”, tal como preconizado por Ferenczi. 

Estar presente e não bancar o mestre

O lugar de onde se pode dizer “Presente!” inclui, portanto, uma sutileza dessa ordem: não operamos mais no campo da neutralidade, que serviria como um refúgio para o analista, mas também não adotamos, como nas psicoterapias, uma postura ativa que reforçaria o engodo de um lugar de mestria. Essa sutileza evoca, como apontou Freud, uma dificuldade no caminho da própria psicanálise, que não se furta em lidar com as irrupções do não todo, com aquilo que não cede à lógica da decifração e da ampliação do sentido.

Em seus chamados “Artigos sobre a técnica”, Freud nos dá um testemunho vigoroso desse cristal analítico, numa época em que ainda trazia ao mundo a novidade da psicanálise. A partir da densidade de seu projeto clínico, ele tratava de diferenciar a arte da psicanálise das chamadas psicoterapias pautadas na técnica da sugestão. Lembremos, por exemplo, retornando ao texto “Os caminhos da terapia analítica”, que Freud (1919/2017) se opôs radicalmente à chamada “postura ativa” do analista defendida por Ferenczi. Essa técnica tinha um propósito claramente ortopédico e foi estabelecida como uma suposta solução para momentos em que o trabalho analítico parecia se estagnar, sem surtir os efeitos esperados, a saber, os efeitos de ampliação do sentido e rememoração no âmbito do Ics transferencial.

Em seu comentário, Freud refere-se ao artigo de Ferenczi intitulado “Dificuldades técnicas de uma análise de histeria”, no qual relata-se o caso de uma jovem que se mantinha estagnada em relação aos avanços de sua análise. Ele pré-fixou, sem sucesso, o prazo final do tratamento, interrompendo-o prematuramente. A jovem acaba retornando à análise com sintomas agravados; foi quando o analista observa a posição das pernas crispadas sobre o divã em postura masturbatória. Entendendo que esse movimento absorvia a energia psíquica empobrecendo o material associativo, ele intervém proibindo essa postura, o que deu lugar às rememorações de cenas traumáticas da infância. Desses experimentos clínicos, Ferenczi pôde extrair uma regra geral para o tratamento, que consistia em coibir as tendências das atividades autoeróticas dos pacientes que acabavam consentindo com a renúncia a esse tipo de prazer infantil, substituindo-o pelo regime da satisfação genital normal.

Freud se mostra bem mais cauteloso quanto ao manejo dos percalços transferenciais na análise, inclusive reconhecendo situações em que o curso do desenlace de uma cura é obstruído pela formação de “novas satisfações sintomáticas substitutivas” (FREUD, 1919/2017, p. 198) que se interpõem no caminho da análise, bloqueando o rumo em direção à cura. Enquanto Ferenczi pretendia normatizar o corpo tomado pelo excesso de gozo pela via do sentido edípico, Freud soube ler esses excessos como uma verdadeira pedra que se impõe no caminho de uma análise, a larva do real que não se absorve pelo sentido, persistindo como resíduo sintomal. Esse resíduo pode assumir, na clínica, o formato da chamada reação terapêutica negativam que atua como obstáculo ao desenlace da análise. 

O real e o mistério do corpo falante

Ainda assim, e apesar dos esforços do próprio Freud em reconhecer que a ficção simbólica não drena todo o impacto do inconsciente real sobre o modo de gozo dos sujeitos, sabemos que a psicanálise ficou reconhecida como uma espécie de hermenêutica, que teria trazido ao mundo a chave do mistério do corpo histérico recortado pelo significante. O próprio Lacan, nos anos 1950, atribui a Freud a coragem de “interrogar a vida em seu sentido” por ter sabido desvendar, tal como um iniciado dos antigos mistérios, o falo enquanto significante ímpar na regulação dos impasses da falta a ser (LACAN, 1958/1998, p. 648-649). Com efeito, a interpretação analítica dificilmente se separa da suposição de um saber incrustado no real do corpo, um saber que conjuga o mistério e seu desenlace através da operação significante que nos permite reconhecer o desejo articulado à trama ficcional na qual se apoia Outro da verdade.

O último ensino de Lacan se empenha em desconstruir, até certo ponto, essa vertente sólida do analista intérprete que está sempre disposto a correr atrás da verdade a partir de uma escuta ancorada na suposição de saber. Miller (2012) localiza o modelo do corte como o paradigma da clínica no último ensino de Lacan, um corte que faça florescer o esp d’un laps e opere contra a debilidade mental do Ics ficcional.

Sustentar a dignidade ética desse ato que visa cernir o impossível a partir da contingência é a sutileza maior da presença do analista no mundo hoje, e isto acontece em uma dimensão que nada tem a ver com passividade ou com a atividade, mas com uma espécie de escolha forçada muito particular.

Em seu texto “Ponto de basta”, Miller opõe à chamada neutralidade benevolente – em alusão à postura clássica de reclusão e isenção atribuídas ao analista freudiano – a questão da escolha que envolve o gosto, o sabor, que estão enraizados no corpo, “no gozo do corpo, e no sinthoma” (MILLER, 2018, p. 27).

Essa posição standard do analista (da neutralidade benevolente) teria sido extraída, de acordo com Miller, a partir de uma leitura enviesada do cenário da técnica freudiana, sobretudo do que se pôde ler em um dos conselhos dirigidos aos médicos em 1912, no qual Freud retoma o caráter cirúrgico da operação analítica, “deixando de lado toda reação afetiva e até mesmo toda simpatia humana, para só ter um único objetivo: levar a bom termo sua operação” (MILLER, 2018, p. 29) Esse intervalo que Freud convoca como pressuposto da efetividade do ato analítico que não deve se render ao domínio imaginário da escolha pautada na identificação (via da simpatia humana) pôde ser interpretado por alguns como postura fria e desumana ou, em última análise, estranha ao campo dos afetos – lembremos da acusação dirigida a Lacan de ser indiferente ao afeto –, e, por outros, como consagração do êxito da tal neutralidade benevolente.

Sabemos que Lacan respondeu oportunamente à acusação de seu pendor formalista, mostrando nunca ter negligenciado o domínio dos afetos. É certo que ele nos mostra também que, para a psicanálise, esse domínio não se coaduna ao campo das emoções, do calor humano, das humanidades ou desumanidades. O afeto para a psicanálise diz respeito ao domínio do gozo que habita o corpo como lugar da incidência do significante que produz uma irrupção rumo a um significante novo, que será a invenção singular de cada analisante:

A história de que eu negligenciaria o afeto é farinha do mesmo saco. Que me respondam apenas uma coisa: afeto diz respeito ao corpo? Uma descarga de adrenalina é ou não é do corpo? Que perturba suas funções é verdade. Mas em que isso provém da alma? O que isso descarrega é pensamento. (LACAN, 1973/2003, p. 522)

O caráter cirúrgico do ato analítico dispensa o Outro da sustentação identificatória imaginária, acionando a dimensão do corte que, como nos aponta Laurent, não mais precisa fazer apelo à função de pontuação que mobiliza o sentido retroativo da cadeia significante em busca de um efeito de verdade. Para nos transmitir o modo incisivo como a interpretação pode operar como corte que não mais relança o sentido inconsciente, Laurent (2020, p. 174) retoma Miller:

Não se trata de saber se a sessão é longa ou curta, silenciosa ou falante. Ou a sessão é uma unidade semântica, aquela em que S2 vem pontuar a elaboração – delírio a serviço do Nome do pai –, muitas sessões são assim, ou então a sessão analítica é uma unidade assemântica, reconduzindo o sujeito à opacidade de seu gozo (…).

Desse modo, resta-nos ler, a partir do último ensino de Lacan, a dimensão do mistério como pura cifra de gozo e que não faz apelo a qualquer revelação. Se cada palavra assume na “bateria significante de lalíngua” uma gama enorme e disparatada de sentidos heteróclitos, conforme nos é esclarecido em “Televisão” (LACAN, 1973/2003, p. 515) – tal como, de modo exemplar, nos demonstram os escritos joyceanos –, o que permanece insondável é o instante da mordida do significante no gozo, esse instante em que se fisga o afeto, sempre desalojado, numa escrita original que produz uma marca de gozo. Essa escrita se faz por um forçamento poético, nos diz Laurent, ou seja, por um acontecimento de dizer que, no entanto, não é prerrogativa de poetas. Os Analistas da Escola (AE), por nos darem testemunho “d’isso de que se goza” e que acontece no corpo, não se apresentam como um grupo de iniciados, ou seja, como aqueles que, nos antigos cultos de mistério, costumavam compartilhar um segredo em comum.

O encontro com um analista hoje, ou como se fazer presente na era do outro que não existe

A partir da queda dos semblantes e do declínio dos ideais, o corpo se impõe, cada vez mais, como uma caixa de ressonância para lalíngua, cujo correlato analítico é o que Miller (2015) chamou de clínica acontecimento, mais próxima dos efeitos de gozo do que dos efeitos de verdade. Nela, prepondera o estranhamento do gozo feminino dito não todo sobre o universal do gozo fálico; a emergência da equivocidade da letra que faz do ato analítico, ele próprio, um acontecimento interpretativo ou, ainda, o modo inaudito como o sexo chega aos seres falantes, produzindo arranjos sinthomáticos os mais diversos.

Em todas essas declinações, o analista pode comparecer, inclusive com seu corpo, dando lugar a uma nova escrita para o gozo opaco do sintoma, que aponta para o “lugar de mais ninguém”, o lugar do exílio de lalangue que testemunha o ponto em que o gaio issaber vem “roçar” (piquer) o sentido para além de toda compreensão. (LACAN, 1973/2003, p. 525). Nesta direção, Laurent segue as indicações propostas no Seminário 23, de 1975-76, para evidenciar que o analista não seria mais visto como essa subjetividade segunda, que se instala no rigor de uma escuta dos efeitos de sentido que fazem brotar a verdade do sujeito em análise, mas como aquele que segue a via do sinthome, buscando ressoar (resón) no corpo o eco do dizer pulsional. Trazendo seu próprio corpo para a ordem do dia, o analista usa a interpretação pela via do equívoco que faz vibrar o “escrito na fala”, que é da ordem não do sentido, mas de lalangue.  Ele já não opera com a razão (raison),2 ou com o Logos do Inconsciente, mas com essa ressonância que “libera algo do sinthome” (LAURENT, 2016, p. 81). Haveria, no que concerne à prática da psicanálise, um novo uso da interpretação, que opera por um deslocamento da verdade ao gozo.

Para finalizar, gostaria de trazer um breve recorte do testemunho de Veronique Voruz que, no relato “Exorcizada pela psicanálise”, publicado em 2017, conta como cresceu assolada pelo gozo mortífero que lhe fora transmitido tanto pela avó, quanto pela mãe – ser um monstro a ser exorcizado via religião. Ela nos transmite como conseguiu escapar desse destino sórdido pela experiência da análise, que promoveu o verdadeiro exorcismo, dando lugar a uma nova escrita para o gozo. Certa vez, quando falava de seu problema d’yeux (doença dos olhos), a analista lhe retorna: “Ah, sim, agora eu escuto Dieu (Deus)”. Essa nova escrita depura a angústia de ser um monstro aos olhos do Outro, encarando-o de outro modo, em vez de ser vista como tal. O final da análise encaminha-se para essa operação de ser arrancada dessa identificação. Sua mãe era alpinista e muito jovem sofreu um terrível acidente na montanha, que lhe arrancou uma das pernas. Em um sonho, ela se vê subindo uma montanha à l’arrache (por arrancos/atalhos), no mesmo cenário do acidente sofrido pela mãe:

Eu interpreto este sonho de subjetivação do acidente de meus pais, dizendo que finalmente meu S1 é à l’arrache. Subindo pelo caminho da montanha, à lárrache eu me arranco de meu destino de ser uma parte do corpo do Outro. Esse significante nomeia o que chamarei de “meu estilo pulsional”. Estou sempre um pouco à l’arrache, mas não me é mais necessário arrancar-me do corpo do Outro para me separar. (VORUZ, 2017)

Esse fragmento nos mostra como a psicanálise de orientação lacaniana pode se colocar ao lado da urgência do falasser, promovendo uma nova escrita para o gozo. No caso de Veronique, o lugar de dejeto com o qual o sujeito se identificará ao longo da vida torna-se um jeito de caminhar que, embora claudicante, é o que lhe permite avançar.  

 


Referências 
FREUD, S. (1919). Os caminhos da terapia analítica. In: Obras incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
LACAN, J. (1958). A significação do falo. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
LACAN, J. (1973). Televisão. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
LACAN, J. (1976). Prefácio à edição inglesa do Seminário 11. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
LAURENT, E. O avesso da biopolítica. Uma escrita para o gozo. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016.
LAURENT, É. A interpretação: da verdade ao acontecimento. Revista Curinga. Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise, n. 50, jul./dez. 2020.
MILLER, J-A. Sutilezas analíticas. Buenos Aires: Paidós, 2011.
MILLER, J-A. El ultimíssimo Lacan. Buenos Aires: Paidós, 2012.
MILLER, J-A. Ponto de basta. Opção Lacaniana – Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, n. 79, jul. 2018.
VORUZ, V. Exorcizada pela psicanálise. Opção Lacaniana, n. 75/76, maio 2017.

1. Aula Inaugural proferida no Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais em 08/08/2022.
2. Conferir nota do tradutor do livro O avesso da biopolítica. Uma escrita para o gozo, em que se esclarece a assonância em francês entre os termos raison e rézon, inventado pelo poeta François Ponge e utilizado por Éric Laurent em sua leitura do Seminário 23. Aqui, a solução do tradutor foi pelo neologismo “ressonar”, para transmitir a ideia de que o significante pulsa (ressoa) no corpo.



Os pais traumáticos, a data do trauma e a criança troumatisé1, 2

Philippe Lacadée
Psicanalista, A.M.E. da ECF/AMP
phlacadee@wanadoo.fr

 

Resumo: A criança é, desde suas primeiras relações com o Outro, traumatizada. Lacan forjou o neologismo troumatisme para indicar que o trauma está ligado a uma experiência relacionada ao sem-sentido, ao encontro com um real, enfim, a um furo na compreensão das coisas ou das palavras que recebe do Outro.

Palavras-chave: criança; troumatisme; trauma.

THE TRAUMATIC PARENTS, THE DATE OF THE TRAUMA AND THE TROUMATISÉ CHILD

Abstract: 
The child is, from its first relations with the Other, traumatized. Lacan forged the neologism troumatisme to indicate that the trauma is linked to an experience related to meaninglessness, to the encounter with a real, or simply to a hole in the understanding of things or words that it receives from the Other.

Keywords: child; troumatisme; trauma.

CAROLINA BOTURA. O SEGREDO

 

Comecemos por uma observação de Jacques Lacan. Trata-se de um encontro que ele teve com uma criança pequena, certamente de sua família, e que ele relata em Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise, logo após ter mencionado sobre o sobrinho-neto de Freud. Lacan (1964/2008, p. 67) nos diz:

Eu vi, também eu, vi com meus olhos arregalados pela adivinhação maternal, a criança, traumatizada com a minha partida a despeito de seu apelo precocemente esboçado na voz e daí em diante mais renovado por meses e meses – eu a vi, bastante tempo ainda depois disso, quando eu a tomava, essa criança, em meus braços – eu a vi abandonar a cabeça sobre meu ombro para cair no sono, o sono unicamente capaz de lhe dar acesso ao significante vivo que eu era depois da data do trauma.

O encontro traumático do significante vivo

A criança, da qual Lacan nos fala aqui, é uma criança traumatizada que encontra no Outro a paz simbólica e que ali adormece. Observemos primeiro como Lacan nos falou dessa criança traumatizada pelo fato de que o Outro, isto é, ele mesmo, a deixou, apesar de seu apelo; essa criança que, a partir de então, diante da falta de resposta do Outro, não endereça mais um apelo, caindo numa espécie de mutismo, ou de autismo, e que encontra através do sono nos braços de Lacan “acesso ao significante vivo que eu era depois da data do trauma”. O Outro, para a criança, é sobretudo um significante vivo que ilustra como o encontro com o Outro é traumático, e como também pode ser apaziguador. Lacan nos indicou que o significante não é somente simbólico ou apaziguador, mas é vivo, isto é, pode gozar de sua vida de significante sozinho e, como tal, portar um gozo sem-sentido; esse gozo é traumático para a criança porque ele lhe escapa, enquanto outro significante não vem para lhe dar significação. A criança não compreende nada, isso a traumatiza, fica sem recurso – o Outro ao sair a abandona, não responde ao seu apelo, o Outro, portador do significante, vive e goza em outro lugar, para além dela.

O apelo ao Outro e o encontro com os objetos

Observamos que Lacan ressalta os danos da palavra para uma criança quando seu apelo não é atendido. Ele diz que entre o Outro e a criança existe “seu apelo precocemente esboçado na voz”. Remarcamos, finalmente, como ele introduz a importância para a criança, no apelo ao Outro, de um objeto que lhe vem do desejo do Outro: a voz, esse objeto voz, é tomado por todo sujeito em sua relação com o Outro. Esse objeto voz e a pulsão invocante a ele vinculada, assim como o objeto olhar e a pulsão escópica, são dois objetos fundamentais na clínica que Lacan destacou para a criança. Assim, o objeto olhar e a pulsão escópica são essenciais nessa cena: “vi com meus olhos” e o “olhar da mãe”. Ao elaborar o “estádio do espelho”, Lacan primeiro apontou esse momento em que a criança, diante do caos e da fragmentação de seu ser, tenta recuperar uma unidade na imagem especular que ela investe libidinal e imaginariamente para se fazer um eu. Mais adiante, ele enfatizará a importância do olhar do Outro e da pulsão escópica. Da mesma forma, durante essa cena da criança que ele toma nos braços, o Outro, Lacan é testemunha da ruptura do ser que abala essa criança, mas o olhar que ele oferece faz com que ele participe do acontecimento até ocupar a posição causal que faz com que essa cena exista porque é vista. O Outro, por seu olhar, torna-se aquele que acompanha a criança no momento de sua entrada no mundo e acaba sendo o elemento ativo fundamental que, ao criá-lo, transforma esse mundo hostil em mundo apaziguado. O Outro enquadra a experiência da criança com seu olhar.

Os pais traumáticos e a marca de um significante no corpo

A psicanálise, indica Lacan, é “a demarcação do que se compreende de obscurecido, do que se obscurece como compreensão, em virtude de um significante que marcou um ponto no corpo” (LACAN, 1971-72/2012, p. 145). Um psicanalista reproduz uma produção da neurose, indica Lacan, e nisso todos estão de acordo. Essa neurose é atribuída, não sem razão, à ação dos pais, e isso na medida em que “converge para um significante que emerge dela que a neurose vem a se ordenar segundo o discurso cujos efeitos produziram o sujeito” (LACAN, 1971-72/2012, p. 145). Lacan fala então dos pais traumáticos: “Todo pai ou mãe traumático está, em suma, na mesma posição que o psicanalista” (LACAN, 1971-72/2012, p. 146). Lacan precisa que se o psicanalista, de sua posição, reproduz a neurose, “o pai ou mãe traumáticos a produzem inocentemente” (LACAN, 1971-72/2012, p. 146). É o que nos mostra esse exemplo de Lacan, psicanalista e também pai traumático, mas inocente.

Observamos ainda como Lacan, nessa vinheta clínica, ilustra sua posição em relação à mãe. Ele indica que seus olhos são abertos pela adivinhação materna. É o olhar dessa mãe sobre seu filho, sua adivinhação materna, que o faz adivinhar o trauma, que o torna visível a ele. Vemos aqui como o significante “adivinhação” opera um deslizamento, etimologicamente fundado, entre adivinho e divino, deixando aparente esse divino que está ligado à figura da criança, da criança como se ela fosse um Deus, da criança “inocente e alegre”, tal como Victor Hugo retrata em seu poema intitulado “Quando a criança aparece”,3 e tal como Freud a designa em “Introdução ao narcisismo”: His Majesty the baby.

A criança lacaniana não é uma inocente

Observamos também como, para Lacan, a criança freudiana é culpada de se deixar levar pelo gozo masoquista que ela sentiu ou sofreu, ou seja, que dela decorreu. Há na criança uma inclinação que a impele a se tornar o objeto caído do Outro. Ser tratada como um objeto, como um cão (LACAN, 1958-59/2016, p. 141). Há nela uma disposição precoce para a degradação, um masoquismo primordial que a impele de sofrer com sua própria degradação e de tirar dela uma satisfação fundamental, um gozo. Algo insiste no âmago do ser, cuja existência Lacan afirmou como uma necessidade primária, esse algo que põe cada ser à mercê de ser abandonado por aquele que o sustenta simbolicamente em sua experiência de nomeação.

Para Lacan, a criança não é uma inocente, ela é culpada do gozo que extrai usando o significante, mas também deixando-se levar por seu masoquismo primordial. Para Freud, e depois para Lacan, a neurose infantil não vem propriamente do encontro traumático com o Outro, mas do real, do gozo em jogo nesse encontro, gozo sobre o qual a criança não pode colocar nenhuma palavra e do qual pode fazer certo uso. A criança lacaniana não conhece a negligência, pois, por causa da linguagem, não há para ela simbiose possível com o autor de seus dias, mas há sempre a discordância do mal-entendido.

A discórdia da criança nascida mal-entendida: o trauma (le troumatisme) 

A criança é separada desse mundo no qual o nascimento a lançou, que já estava lá antes de sua chegada. Ela é uma imigrante no país da fala, no país onde o apelo pode não encontrar resposta. Uma criança nasceu, um rasgo se produziu, uma falha se abriu, uma distância permanece irredutível. Houve um corte, uma separação. A criança jamais desvelará o mistério de sua origem e, diante da pergunta “Quem é esta criança aí?” (LACADÉE, 2010), é preciso ter cuidado para não acreditar que essa problemática da origem se tornaria alcançável. A amnésia infantil testemunha a impossibilidade de qualquer sujeito responder a essa pergunta – a criança não volta à origem, ela é introduzida pela via do mal-entendido à dimensão do real. Algo escapa ao sujeito, algo do qual ele está sempre separado; esse real não simbolizável pode retornar, pode emergir na virada de cada história. À pergunta “Quem é esta criança aí?” poderíamos, então, propor a resposta de que a criança, por ser uma criança, é fundamentalmente traumatizada. “Do trauma, não há outro: o homem nasce mal-entendido” (LACAN, 1981, p. 12). Para devolver vigor e rigor ao termo “trauma”, Lacan forjou o neologismo troumatisme (LACAN, 1973-74, aula de 19/2/1974), como dizer da melhor forma que isso que faz trauma na criança é o encontro com um furo na compreensão das coisas ou das palavras que recebe do Outro. Há para a criança um furo no saber, ela não consegue colocar em palavras o que vive, o que sente, o que encontra. Ela experimenta uma experiência fora do sentido, uma experiência de gozo no sentido de um encontro com um real que ela não pode assimilar. A criança lacaniana é, portanto, uma criança traumatizada (troumatisé) porque exposta a momentos traumáticos.

 

Tradução: Giselle Moreira
Revisão: Letícia Mello

Referências
LACADÉE, P. Qui est-il, cet enfant-là. In: Le malentendu de l’enfant. Paris: Éditions Michèle, 2010.
LACAN, J. (1964). O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
LACAN, J. (1958-1959). O Seminário, livro 6: O desejo e sua interpretação. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
LACAN, J. (1971-1972). O Seminário, livro 19: …ou pior. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012.
LACAN, J. (1973-1974). Le Séminaire, livre 21: Les non-dupes errent. (Texto inédito).
LACAN, J. (1980). Le malentendu. Ornicar?, n. 22/23, Lyre, Paris, 1981.

1. Texto apresentado na Conversação em torno do livro Janela da Escuta: o adolescente especialista de si e a tessitura de uma rede sob medida, promovida pelo Núcleo de Investigação e Pesquisa em Psicanálise e Medicina da Seção Clínica do IPSM-MG, em 24/09/2022.
2. Título original: “Le parent traumatiquela date du trauma et l’enfant troumatisé”. O autor se serve do neologismo lacaniano troumatisé, que será desdobrado ao longo deste texto. Optamos aqui por mantê-lo em francês.    
3. No original, “Lorsque l’enfant paraît” (1831): Lorsque l’enfant paraît, le cercle de  famille/Applaudit à grands cris./Son doux regard qui brille/Fait briller tous les yeux,/Et les plus tristes fronts, les plus souillés peut-être,/Se dérident soudain à voir l’enfant paraître,/ Innocent et joyeux. Em português: Quando a criança aparece, o círculo familiar/Aplaude com grande clamor./Seu doce olhar que brilha/Faz brilhar todos os olhos,/E os rostos mais tristes, talvez os mais sujos,/De repente se animam ao ver a criança aparecer,/Inocente e alegre. (Tradução nossa)



EDITORIAL – ALMANAQUE Nº30

Patrícia Ribeiro

CAROLINA BOTURA. 2018

 

Com este número comemoramos, com muita alegria, a 30ª edição da Almanaque On-line, cujo formato digital se iniciou há pouco mais de 15 anos!

Desta vez, norteados pelo tema O encontro com um psicanalista hoje, seus artigos dão testemunho da importância da presença do discurso psicanalítico em nossos dias, face à presença hegemônica de um discurso que impele a um imperativo de gozo, consoante com a sociedade atual de consumo em seu pacto com a ciência.

Essa aliança promoveu profundas modificações nos laços sociais e em nosso modo de viver, conforme destaca  Margarida Assad, nossa colega e entrevistada desta edição. Como ela aponta, vivemos em uma época marcada, por um lado, pela prevalência de um empuxo ao mais de gozar e, por outro, pela preponderância de soluções universais às questões subjetivas, saberes prontos para usar de forma indiscriminada. Não por acaso, acrescenta Margarida, as instituições sociais, entre elas, a família, “são esmagadas pelas novas formas de configuração do gozo, sem conseguirem sustentar o tempo do vazio necessário para que cada um possa se arranjar com seu desejo”. Ela ainda nos esclarece sobre o que está em jogo na formação atual dos grupos, tomando como exemplos grupos estruturados a partir de significantes que traem a presença da pulsão de morte em seus fundamentos — algo que muito recentemente assistimos, perplexos, em nosso país. Todavia, conforme Margarida, outras formações de grupos de nossa época permitem, ainda que de modo peculiar, manter o laço social “impedindo que se radicalize entre eles um gozo forjado pela marca irredutível da linguagem”.

Abrindo a rubrica Trilhamentos, Laura Rubião nos convida para pensar como o analista pode se fazer presente em nossa época, distante das “concepções tradicionais que evocavam o analista como figura neutra ou desinteressada”. Ao contrário, ela salienta a importância de que ele se faça presente como “aquele que escolhe estar ao lado da urgência do falasser e da solução sinthomática de cada um frente ao real do gozo”. Gilles Chatenay aborda a presença do real na experiência analítica tomando como ponto de partida o seminário de Lacan sobre a transferência. Esteban Pikiewicz percorre os textos de Freud e de Lacan para elucidar o que estaria implicado no sintagma “presença do analista” e sua articulação ao desejo do analista em sua dimensão real.

Em Encontros, Margaret Couto discute a crença na existência de um corpo natural sustentada pelas terapias cognitivas comportamentais, corpo passível de ser quantificado, domesticado e adaptado aos ideais da cultura. Ao contrário disso, uma vinheta clínica por ela apresentada atesta os efeitos da presença do psicanalista na clínica com crianças, verificando, uma vez mais, que o corpo não se reduz aos dados biológicos. Clarisse Boechat nos oferece suas reflexões sobre sua experiência de trabalho como psicóloga do “Consultório na Rua”, no centro do Rio de Janeiro, orientada pela pergunta “quando a psicanálise alcança as ruas, o que fazem os analistas?” e buscando, por fim, localizar “o que houve de analítico naqueles encontros atípicos nas ruas, em configurações bem distintas do setting tradicionalmente clínico”. Florencia Shanahan interroga sobre os modos de presença em uma análise apontando o lugar fundamental que o atendimento virtual teve para ela. No entanto, questiona a possiblidade de um final de análise, caso assim permanecesse. Fechando essa rubrica, Guy de Villers nos brinda com o relato dos efeitos de seu primeiro encontro com Lacan, causa da interpelação de seu desejo de “tudo compreender”. A partir desse encontro, o autor discute o que a presença de Lacan introduziu na prática da psicanálise.

Os 15 anos da Almanaque On-line são também comemorados pela presença, a partir desta edição, de uma nova rubrica, que apresentará ao leitor os trabalhos apresentados nas Lições Introdutórias — atividade ligada à Seção de Ensino do IPSM-MG cujo objetivo é transmitir à nossa comunidade os textos seminais de Freud e Lacan. Nessa rubrica de estreia, vocês terão a oportunidade de conhecer artigos que tiveram como horizonte de pesquisa o tema Des-montar a defesa. Como nos explica Virgínia Carvalho, esse título ressoa a orientação lacaniana de que “des-montar a defesa é o ‘coração’, a matriz mesma da operação analítica”, e a inclusão do hífen no ‘des-montar’ visa ressaltar “a ideia de que há sempre uma nova montagem a ser feita, uma vez que não se elimina a defesa”. A autora revela que a questão que permeou sua leitura se condensa na frase “como alguém pode não se defender?”. Em sua rigorosa leitura dos textos freudianos e das contribuições de Lacan e Miller sobre o conceito de defesa, ela esclarece pontos fundamentais quanto à inexorável presença da defesa em todo falasser, frisando suas particularidades nos quadros clínicos das neuroses e psicoses. Cristina Drummond, por sua vez, aborda a importância do conceito de defesa primária como norteador da clínica freudo-lacaniana. Tal conceito é apresentado como orientador na direção do tratamento, seja em casos nos quais a formação do sintoma se estrutura pelo recalque e é passível de decifração, permitindo a desmontagem de sentido, seja nos fenômenos de corpo, como as toxicomanias e anorexias. Mônica Campos destaca que, para Freud, a própria definição de sintoma pressupõe a conexão entre gozo e defesa, pois, “no sintoma, trata-se de obter satisfação e de defender-se dela”. E, lembra a autora, desse vínculo entre gozo e defesa decorre a observação de Lacan quanto ao “paradoxo de que os doentes sofrem dos seus sintomas, mas não parecem desejar tanto assim desfazer-se deles”. A leitura de Cristiana Pittella do texto freudiano “Neurose e psicose” explora a ideia desse conflito defesa e gozo “que perpassa a obra de Freud”, isto é, “entre forças antagônicas, a defesa e as moções pulsionais”, e esclarece que é a partir da posição do eu nesse conflito que Freud vai delimitar a neurose e a psicose como modos de defesa. Já em seu texto, Luciana Silviano Brandão trata do debate desde cedo aberto por Freud, que culminou em seu artigo de 1937, “A análise finita e infinita”, indagando sobre as possibilidades de um final de análise. A questão de fundo, enfatiza a autora, seria a pergunta sobre a possibilidade de resolver de forma definitiva o conflito entre a pulsão e a defesa. Fechando essa nova rubrica, Lucia Mello se detém sobre o artigo inacabado de Freud “Uma cisão do Eu — Ichspaltung” orientando-se pelas leituras de Lacan e Miller e suas preciosas contribuições sobre esse tema para a atualidade do trabalho clínico.

Na sequência apresentamos, em Incursões, trabalhos dos núcleos da Seção Clínica do IPSM-MG. Sérgio de Campos e Fernanda Otoni discorrem sobre a particularidade da presença do analista em relação à psicose ordinária, casos que se manifestam na clínica sob formas de gozo que “exigem um tempo maior para que uma precisão diagnóstica se esclareça”, não restrita a respostas sobre sim ou não à presença do Nome-do-Pai. Campos acrescenta que, longe de se tratar de uma nova categoria diagnóstica, ela “expressa a ponta de um iceberg de uma psicose clássica que se encontra submersa e subjacente”. Já Otoni, comentando o texto de Campos, indaga se o sintagma “psicose ordinária” não seria um convite para explorarmos as consequências da afirmativa de Miller quanto à “igualdade clínica fundamental entre os falasseres” e, por conseguinte, fazermos um deslocamento da pergunta de “o que será que ele é” para “como é que ele funciona”. Philippe Lacadée traz importantes elementos para pensarmos as primeiras relações da criança com o Outro sobre o prisma dos “pais traumáticos”, expressão que encontramos em Lacan para indicar que “todo pai ou mãe é traumático” por portar um gozo cuja significação escapa à criança, e, seguindo em sua leitura do Seminário 19, evoca a aproximação lacaniana entre essa posição traumática dos pais e a posição do psicanalista. Ondina Machado traz uma importante reflexão sobre as implicações da criminalização do aborto sob a perspectiva da psicanálise, tomando como premissa que o desejo de ter um filho “não é solução para todas as mulheres”. O neologismo adixões, cunhado por Ernesto Sinatra, é trazido à discussão em seu texto. Inspirado pelo X freudiano da expressão fixierung, o autor pretende ressaltar a marca da fixação singular de satisfação com que cada UM responde ao trauma da não-relação e, assim, diferenciá-lo das generalizações dadas ao termo adições, para o qual toda e qualquer forma de consumo se aplica. Nathália Temponi e Cláudia Reis se valem de uma vinheta clínica para se perguntarem sobre a natureza da relação de um sujeito com a substância tóxica e sobre os efeitos de seu encontro com uma psicanalista. Sílvia Soares reflete sobre os efeitos da incidência massiva do mundo digital (jogos e celulares) na clínica com crianças e adolescentes interpelando sobre as possibilidades de estabelecimento de uma abertura ao saber inconsciente no caso de sujeitos que creem ter o objeto em suas mãos, e, em vista disso, sobre como convocá-los a desejar, a querer saber sobre um mais-além desse gozo opaco. Alessandra Rocha trata da questão do grito silencioso a partir do acontecimento de corpo político na perspectiva da clínica psicanalítica com crianças, tomando a questão do grito e do silêncio em Lacan para evidenciar a sua importância na psicanálise.

De uma nova geração traz os artigos de três alunos do Curso de Psicanálise e se inicia com a discussão trazida por Isadora Urbano sobre o papel da escrita como suporte psíquico para a poeta norte-americana Sylvia Plath, buscando, em trechos de seus diários, cartas, poemas e no romance A redoma de vidro, as dimensões que a escrita assumiu na vida dessa autora. Wallace Faustino Rodrigues, por sua vez, examina, à luz dos três tempos lógicos do Édipo propostos por Lacan, a paternidade na neurose obsessiva a partir de fragmentos da obra do escritor norueguês Karl Ove Knausgard. Fechando a rubrica, Marina del Papa nos transmite o relato de sua experiência clínica orientada pela psicanálise dentro de um hospital, salientando que sua prática lhe trouxe a possibilidade de não apenas revisitar conceitos importantes à escuta clínica, como fez ressoar a potência da presença do analista com seu corpo.

Esta edição do aniversário de 15 anos contou com as belas e instigantes imagens generosamente cedidas por Carolina Botura. Graduada pela Escola Guignard – UEMG em Pintura e Escultura, Carolina trabalha com cruzamento e prolongamento de linguagens, tendo a ação como disparadora de sua produção em desenho, pintura, escultura, instalação, performance, vídeo, música e cerâmica. Suas pesquisas estão relacionadas à transformação e ao movimento, ao caos e à origem, atravessados pelo viés do tempo para tratar de temas como animalidade, amor, morte, magia, perda, sexualidade, espiritualidade, energia, política e natureza. Paulista de Botucatu, vive e trabalha em Belo Horizonte e já participou de diversas mostras, individuais e coletivas, e residências artísticas no Brasil e no exterior. É também poeta e performer.

Antes de convidá-los para a leitura, gostaria de parabenizar os colegas que estiveram presentes durante todos esses anos na produção da Almanaque On-line, seus diretores de publicação, membros das equipes da revista e os autores que, desde 2007, contribuem para a sua importância como meio de divulgação do trabalho de pesquisa e ensino da psicanálise de orientação lacaniana realizado no Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais. E, mais uma vez, quero deixar o agradecimento aos colegas da equipe atual.

Obrigada pela parceria tão dedicada e entusiamada!

 

Carolina Botura:
https://www.instagram.com/carolabotura/
https://www.carolinabotura.com



Clínica do funcionamento: a psicose ordinária e a presença do analista1

Fernanda Otoni-Brisset
Psicanalista, membro da EBP/AMP
fernanda.otonibb@gmail.com

 

Resumo: Na atualidade da experiência analítica nos deparamos com uma plasticidade de casos que, sob transferência, nos exigem um tempo maior para que uma precisão diagnóstica se esclareça, evitando, assim, reduzir a resposta a um simples “sim” ou “não”, presença ou ausência do Nome-do-Pai. Cabe sublinhar que a formulação milleriana designada como “psicose ordinária” não é mais uma categoria clínica, mas, conforme, escreveu Sérgio de Campos: “é um diagnóstico em suspensão, um diagnóstico de parêntese, uma pausa”, que instala um plano de investigação que caminha junto, com a clínica em movimento. Se, para os neuróticos, o Nome-do-Pai faz o nó, no vasto mundo das psicoses outros modos de nós e grampos se apresentam como se fossem um Nome-do-Pai. A lanterna se desloca da querela do diagnóstico para iluminar o real no interior do tratamento; a pergunta se desloca do “o que será que ele é” para “como é que ele funciona”. Não seria aqui que a presença do analista aconteceria na clínica da psicose ordinária? 

Palavras-chave: clínica do funcionamento; psicose ordinária; nós; presença do analista.

OPERATING CLINIC:

THE ORDINARY PSYCHOSIS AND THE PRESENCE OF THE ANALYST

Abstract: In the actuality of the analytic experience, we are faced with a plasticity of cases that, under transference, requires a longer time for a diagnostic precision to be clarified, thus avoiding reducing the answer to a simple yes or no, presence or absence of the Name-of-the- Father. It should be noted that the millerian formulation designated as “ordinary psychosis” is no longer a clinical category, but as Sérgio Campos wrote: “it is a diagnosis in suspension, a diagnosis of parenthesis, a pause” that installs an investigation plan that goes hand in hand, with the clinic in motion. If, for neurotics, the Name-of-the-Father makes the knot, in the vast world of psychoses, other modes of knots and staples present themselves as if they were a Name-of-the-Father. The flashlight moves from the quarrel of diagnosis to illuminate the real within the treatment; the question shifts from “what is it”, to “how does it work”. Is it not here that the presence of the analyst takes place in the clinic of ordinary psychosis? 

Keywords: operating clinic; ordinary psychosis; knot; presence of the analyst.

 

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Uma alegria estar conversando mais uma vez com os colegas do Núcleo de Investigação e Pesquisa em Psicanálise e Psicose do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais. Agradeço à Maria de Fatima Ferreira e ao Fernando Casula pelo convite e, mais ainda, ao Sérgio de Campos pela esclarecedora exposição que pode nos oferecer sobre psicose ordinária e a presença do analista, com referências preciosas para pensarmos a clínica contemporânea, o que é o ordinário, o mais comum em nossa experiência, no consultório e fora dele, nas instituições. 

Todos nós sabemos da precariedade da clínica binária diante da atualidade da experiência analítica. Verificamos a plasticidade de casos que, sob transferência, nos exigem seguir adiante antes que uma precisão diagnóstica se esclareça. “O que será que ele é? Neurose, psicose…?”. O pêndulo do sino de Gauss segue balançando conforme a intensidade dos pequenos indícios, dos divinos detalhes.

Impossível reduzir a resposta a um simples “sim” ou “não”, presença ou ausência do Nome-do-Pai, face ao real que a clínica contemporânea nos entrega. Contudo, não se trata de acrescentar “a psicose ordinária” ao rol das categorias clínicas. Miller (2012, p. 412-413) dirá que “o perigo do conceito da psicose ordinária – é o que se chama um asilo para a ignorância”. Sérgio de Campos escreve: “A psicose ordinária é um diagnóstico em suspensão, um diagnóstico de parêntese, uma pausa”, que instala um plano de investigação que caminha junto com a clínica em movimento. Supostas neuroses e psicoses se colocam a investigar… Lembro de Miller (2007, p. 23) dizendo: “A neurose, não é mais sempre, a neurose… tem-se aí o diagnostico diferencial, mas tem também um continuum: ‘todas as mulheres são loucas’; ‘o mundo é louco’. Lancem um olhar sobre a neurose, os delírios de que ela é capaz, aqueles de que ela é feita; a neurose é um patchwork.” Ou seja: todo mundo delira (MILLER, 2005, p. 257). Se seguirmos assim, neuroses e psicoses, guardadas as distinções e segundo a lógica da forclusão generalizada, encontram-se igualmente reunidas no interior do conjunto dos seres que Lacan definiu como, “simplesmente, parlêtre” (OTONI-BRISSET, 2018).

Me pergunto se o termo “psicose ordinária” não é um convite para explorarmos as consequências da “declaração de igualdade clínica fundamental entre os falasseres” (MILLER, 2016, p. 31):  um estreito continuum a perseguir e, diria com Lacan que, ao abrir uma pausa, o conceito da “psicose ordinária” desinstala o analista da encruzilhada da querela do diagnóstico e instala o analista como um Outro que segue, uma vez que o saber está do lado do falasser.
Fundamentos de igualdade

Algumas das proposições de Lacan nos permitem declarar que cada um fala a sua lalíngua e que para todos “falar é em si uma perturbação da linguagem” (MILLER, 2012, p. 250). Onde houver um ser falante, no encontro da língua com o corpo verifica-se a desordem na junção mais íntima do sentimento de vida, e é a tensão provocada por essa desordem que força a “conexão bem mais estreita do gozo e do significante” (MILLER, 2012, p. 264). Quando isso acontece, temos uma conexão. Se não acontece, estamos diante de um desligamento… ou um neodesencadeamento, ou desencadeamento clássico. Essa relação do gozo com o significante – ou melhor, a não relação – é um fundamento comum a todos, ainda que sejam distintos os modos como tal conexão acontece, ao enodar esse Um da língua ao Outro. Para os neuróticos, o Nome-do-Pai faz o nó; e, no vasto mundo das psicoses, outros modos de nós e grampos se apresentam como se fossem um Nome-do-Pai.

A passagem da clínica diferencial à borromeana de forma alguma nos permite apagar o modo neurótico ou psicótico de ser, mas exige-nos seguir a finesse dos pequenos sinais, indícios de pinças, amarras ou nós, numa investigação permanente, atentos ao singular do sinthoma, a encarnação do que há de mais singular em cada falasser. A lanterna se desloca da querela do diagnóstico para iluminar o real no interior do tratamento; a pergunta se desloca do “o que será que ele é”, para “como é que ele funciona”. Uma clínica do funcionamento, das conexões, dos ínfimos detalhes em que o toque de singularidade é a bússola.

Com Miller, podemos dizer que as psicoses ordinárias e as outras, neuroses e psicoses, são, a um só tempo, “saídas diferentes para a mesma dificuldade do ser” (MILLER, 2012, p. 242), para o que não cessa de não se escrever e que pulsa na “junção mais íntima do sentimento de vida no sujeito” (LACAN, 1958/1998, p. 565).  Mas o que é que há e acontece nessa junção mais íntima?
“É a pfuit! do sentido e a busca dos pontos de basta” (LAURENT, 2012, p. 273)

É quando a inexistência da relação eclode e o clips se abre para o nada, exalando a pfuit! cujo eco ressoa. Ao propor o sintagma “psicose ordinária”, Miller (2012, p. 401) desejou provocar um “eco no clínico”. Que eco seria esse, senão o que ressoa de um oco real, incrustrado na junção mais íntima do ser? Só há eco se há presença de um corpo material que acuse efeito de retorno. Não seria aqui que a presença do analista acontece na clínica da psicose ordinária – ao se colocar como testemunha desse pfuit! do sentido e fazer par com a urgência do gozo na busca de um ponto de basta?

Nessa clínica, o analista é aquele que segue sondando os indícios da desordem ordinária e verificando os vestígios da experiência para com a desordem, o furo, quando o nó se afrouxa, ora bambeia, ou até se solta, desatando a junção. A presença do analista aí testemunha a desordem do real: o hors-sens do gozo! E, ao mesmo tempo, ao estar ali ao lado, corpo presente, ressoa o que se apresenta como possível sutura, tal como Sérgio de Campos destacou: uma letra, uma invenção subjetiva, uma bricolagem, uma identificação imaginária, uma nomeação, dentre outras.  Afinal, Lacan ensina que “todos inventamos um troço para tapar o furo no real. Aí onde não há relação sexual, inventa-se o que se pode” (LACAN, 1973-74, aula de 19/2/1974). Afinal, as estruturas são como defesas, defesas contra o real (MILLER, 2012, p. 422).

Na minha experiência clínica, a presença do analista nesses casos é uma presença que vibra quando a desordem encontra um jeito de se ordenar, quando a desordem do gozo se ajunta a qualquer coisa… uma letra, um pedaço do corpo, uma imagem, uma rotina… Em muitos casos, percebo que essa junção é um acontecimento contingente, que engendra o pfuit! do gozo a um ponto de basta capaz de agarrá-lo de novo a um arranjo para com o real, que é singular para cada um e constitui seu sinthoma. O sinthoma é a expressão da junção mais íntima que acontece do encontro inédito e impossível de lalíngua e o laço social.

Entretanto, esse acontecimento contingente em muitos dos casos não é suficiente. O falasser aguarda por um efeito de retorno, uma presença discreta que consinta, testemunhe, ecoe, ressoe e confirme sua solução. O que me faz pensar e propor para discussão que o sinthoma, ou o que quer que seja que sirva de uma amarração, acontece e se autoriza por si mesmo e de mais alguns outros. E é aí que a presença do analista acontece, como uma placa sensível que ressoa, testemunha do nó como efeito do real. Não há sentido nisso, só causa e consentimento. O analista aí presente acontece como um fiador que, como disse Sérgio de Campos, se apresenta “dócil para com sua língua particular” ao “se imiscuir na lalíngua do falasser (…) na condição de fiador de sua alíngua”. Acho essa ideia de testemunha e fiador interessante para pensar a presença do analista no circuito da autorização sinthomática, se operamos com o princípio “de que o analista opera como se ele fosse o sinthoma”.

Encontrei ressonância dessa ideia também no exemplo citado por Sérgio de Campos de um sujeito que é indicado pelo padre para ser zelador com a função de guardar as chaves da igreja: “ser nomeado para” confere ao sujeito uma “grande responsabilidade”. Uma sobreidentificaçao que faz laço social.  Contudo, um analista não demanda, é um “Outro que segue”, mas, ao seguir, diz “sim” a uma nomeação que aparece no tecido da linguagem no curso de uma análise e que ressoa como função de grampo. Marca, assim, a função da nomeação para o gozo que corre solto, aposta num funcionamento e lhe confirma um lugar na ordem simbólica. Liga o S1 a um S2. “Não há relação sexual”… mas há o laço social. Uma aposta!

Sérgio de Campos escreve: “na psicose ordinária, há um progressivo desenganchamento do Outro, devido a um empobrecimento dos laços afetivos e sociais que denotam uma marginalização oculta por tempos, em virtude de rupturas repetidas e progressivas que se instalam de modo diacrônico, pouco a pouco, numa crescente intensidade social. Ante à irrupção do gozo, o tecido simbólico parece esgarçar-se gradativamente. Há impossibilidade crescente de o sujeito simbolizar e subjetivar o gozo, de modo que ele experimenta um buraco do real que se manifesta através de um desaparecimento do aparelho significante. Ademais, há uma perda paulatina da fantasia que possibilita uma mediação com o gozo. Nesses casos, no final, toda a significação fálica parece estar extinta”.

De fato, acompanhamos, há muito tempo, casos que chegam aparentemente amarrados, um ponto ou outro estranho, pequenos índices… Há um romance, esboço de fantasia, que parece algo como significação fálica… Mas isso vai se desfazendo aos poucos, a rede de sentido vai ficando mais pobre e o buraco do real e a desordem do gozo mais evidentes, menos ordenadas na cadeia significante e mais exuberantes como desordem no corpo, no social e na língua. A psicose vai se tornando evidente e o sujeito entrega sua desordem sob transferência, talvez numa aposta de encontrar, junto a mais alguns outros, um saber fazer em condições de costurar o incabível de sua desordem num laço social que tenha cabimento.

Uma clínica desse porte, que se orienta do real ao laço social, vive da inquietude permanente. A igualdade clínica fundamental entre os falasseres, ainda mais esclarecida a partir do efeito de retorno à psicose ordinária, ao desfazer as insígnias do déficit, permite-nos explorar o detalhe das nuances/nuages do laço e do desenlace, nos inúmeros tons que vibram conforme a loucura de cada um.

 


Referências

LACAN, J. (1958). De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: EscritosRio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

LACAN, J. (1973-1974). Le Séminaire, livre 21: Les non-dupes errent. (Inédito).

LAURENT, E. A pfuit! do sentido. In: A psicose ordinária: a Convenção de Antibes. Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2012.

MILLER, J-A. La Conversation D’Arcachon. Paris: Le Seuil, 2005.

MILLER, J-A. On n’est pas sérieux quando on a dix-sept ans. La Cause Freudienne, n. 67, out. 2007.

MILLER, J-A. A psicose ordinária: a Convenção de Antibes. Belo Horizonte: Editora Scriptum, 2012.

MILLER, J-A. O inconsciente e o corpo falante. In: Scilicet: o corpo falante. Rio de Janeiro: EBP, 2016.

OTONI-BRISSET, F. Simplesmente, parletrePapers 7.7.7, n. 1, Barcelona, 2018. Disponível em: <https://www.amp-nls.org/nls-messager/towards-barcelona-2018-papers-7-7-7-n1/>. Acesso em: 28 nov. 2022.

 


 

1. Texto apresentado no Núcleo de Investigação e Pesquisa em Psicanálise e Psicose do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais em 07/10/2022 em comentário ao texto de Sérgio de Campos, “A presença do analista na psicose ordinária”, também apresentado na mesma ocasião.




A presença do analista na psicose ordinária1

Sérgio de Campos
Psicanalista, A.M.E. da EBP/AMP
e-mail: sergiodecampos@uol.com.br

 

Resumo: Desde as últimas décadas, nos deparamos com casos clínicos que se manifestam sob formas de gozo, cujas manifestações convocam a uma construção diagnóstica não estruturalista. Tendo essas novas formações como casuística principal e sob a perspectiva de uma construção diagnóstica pautada na ética, em argumentos lógicos e baseada em um ponto de vista clínico, este artigo apresenta argumentações sobre a presença do analista na psicose ordinária orientadas pelo esforço de elaboração oriundos do Conciliábulo de Angers, da Conversação de Arcachon e da Convenção de Antibes, que resultou numa atualização dos conceitos de desencadeamento, conversão e transferência no âmbito das psicoses. As noções de neodesencadeamento, neoconversão e neotransferências são apresentadas de maneira a orientar a presença do analista diante das tendências contemporâneas da psicose ordinária, demarcando as diferenças entre estabilização, suplência e sinthoma. 

Palavras-chave: psicose ordinária; presença do analista; sinthome. 

THE PRESENCE OF THE ANALYST IN ORDINARY PSYCHOSIS 

Abstract: In the last decades, we have been faced with clinical cases that manifest themselves in forms of jouissance, whose manifestations call for a non-structuralist diagnostic construction. Having these new formations as the main casuistry and from the perspective of a diagnostic construction based on ethics, on logical arguments and based on a clinical point of view, this article presents arguments about the presence of the analyst in ordinary psychosis guided by the effort of elaboration arising from the Council of Angers, the Arcachon Conversation and the Antibes Convention, which resulted in an update of the concepts of triggering, conversion and transference in the context of psychoses. The notions of neotriggering, neoconversion and neotransferences are presented in order to guide the analyst’s presence in the face of contemporary trends in ordinary psychosis, demarcating the differences between stabilization, substitution and sinthome.

Keywords: ordinary psychosis; presence of the analyst; sinthome.

 

CAROLINA BOTURA. CÁPSULAS DO FUTURO

 

Nas últimas décadas, foram constatados diversos casos clínicos que se manifestam sob várias formas de gozo, incompletas do ponto de vista de suas narrativas, indefinidas sob a perspectiva de seus sintomas e de inconsistências que dificultam o seu enquadramento, resultando na impossibilidade de serem diagnosticados seguramente sob a perspectiva estruturalista. Vale dizer que efetuar um diagnóstico é um ato que implica uma ética, exige argumentos lógicos e é baseado em pontos de vista clínicos.

Miller (2009) aborda, entre 1987 e 1988, o caso “O homem dos lobos”, sem, contudo, firmar um diagnóstico. Em 1996, Miller promove um Conciliábulo de Angers sobre “Enigma e Surpresas nas Psicoses”. Nos estudos iniciais sobre as psicoses promovidos por Miller, acreditava-se estar diante de novas formas raras de psicose, mas depois se verificou que elas eram bastante comuns. Em seguida, em 1997, ele e a École de la Cause Freudienne (ECF) deram impulso ao debate sobre casos raros e inclassificáveis da clínica psicanalítica na Conversação de Arcachon. Por fim, no terceiro encontro de uma série que ocorrera em três cidades com as iniciais de letra A, na Convenção de Antibes, que acontece em 1998, no seio da Seção Clínica da Universidade de Paris VIII, Miller elabora o conceito de psicose ordinária, na acepção de psicoses comuns e em oposição às psicoses extraordinárias no sentido de Schreber.

A psicose ordinária é um diagnóstico em suspensão, um diagnóstico de parêntese, uma pausa para que o derradeiro diagnóstico possa ser detectado. O diagnóstico de psicose ordinária pode ser tomado como uma metodologia de trabalho na medida em que ele expressa a ponta de um iceberg de uma psicose clássica que se encontra submersa e subjacente.

Assim, todo o esforço de elaboração concentrado no Conciliábulo de Angers, a Conversação de Arcachon e a Convenção de Antibes resultou numa atualização dos conceitos de desencadeamento, conversão e transferência no âmbito da psicose, designados como neodesencadeamento, neoconversão e neotransferências, que sem dúvida vieram orientar a presença do analista diante do campo das psicoses.


Neodesencadeamento

A questão que se impõe é como os registros do real, simbólico e imaginário permanecem juntos e o que faz com que eles se soltem e se separarem, desligando o sujeito em sua relação com o Outro. Se o desencadeamento é o resultado de um efeito de abrir e de desencadear, a psicose não desencadeada prescinde do desencadeamento e dos fenômenos produtivos, como a alucinação e o delírio. Em particular, a clínica borromeana acolhe e coloca em evidência uma série de psicoses não desencadeadas, onde novas organizações do gozo se constituem como modalidades subjetivas compensadas, fechando e estabilizando o real da psicose.

Cabe advertir que as psicoses ordinárias não se equivalem às psicoses não desencadeadas, pois elas podem desencadear-se, mas seus desencadeamentos são completamente diferentes das psicoses clássicas. Na Conversação de Arcachon, sob o título de Casos Raros, foram discutidos casos de sujeitos que apresentavam desencadeamentos muito discretos, nos quais os fenômenos elementares, alucinações, delírios e neologismos estavam ausentes.

Assim, os fenômenos das psicoses ordinárias costumam surgir mais dispersos e sutis, emergem como descarrilamentos ínfimos, desconexões entre o eu, o corpo e a pulsão, instalam-se de um jeito fragmentado e discreto, e, por fim, expressam-se de maneira mais pluralizada e múltipla, em razão de serem menos referidos à ausência da ação central do Nome-do-pai (MILLER, 2009, p. 56). Portanto, o diagnóstico de psicose ordinária é mais refinado de ser realizado.

Em síntese, o desligamento é o apanágio da expressão maior do neodesencadeamento e se opõe ao desencadeamento clássico. Pode-se dizer que o desencadeamento se manifesta de dois modos no que se refere ao tempo. O primeiro, em que as variações respeitam um paradigma que concerne à temporalidade do tipo sincronia, apanágio das psicoses clássicas, nas quais os fenômenos psicóticos emergem de forma múltipla, intensa e simultânea, como se fossem uma tempestade, tudo ao mesmo tempo, agora. O segundo modelo concerne à temporalidade do tipo diacronia, atributo das psicoses ordinárias e da estrutura do neodesencadeamento, nas quais os fenômenos psicóticos surgem discretos, esparsos e singulares, numa diacronia de um depois do outro.

Na psicose ordinária, há um progressivo desenganchamento do Outro, devido a um empobrecimento dos laços afetivos e sociais que denotam uma marginalização oculta por tempos, em virtude de rupturas repetidas e progressivas que se instalam de modo diacrônico, pouco a pouco, numa crescente intensidade social. Ante à irrupção do gozo, o tecido simbólico parece esgarçar-se gradativamente. Há uma impossibilidade crescente de o sujeito simbolizar e subjetivar o gozo de modo que ele experimenta um buraco do real que se manifesta através de um desaparecimento do aparelho significante. Ademais, há uma perda paulatina da fantasia que possibilita uma mediação com o gozo. Nesses casos, no final, toda a significação fálica parece estar extinta.

Assim, o neodesencadeamento se expressa como um processo evolutivo que tem indícios, premissas, sinais discretos que são precursores de perturbações futuras e que podem manifestar-se de modo contínuo ou descontínuo na clínica. O sujeito pode experimentar desligamentos gradativos, sucessivos ou descontínuos do Outro social.

Mas, o que impede uma psicose ordinária de se desencadear? Existem pelo menos dois motivos: primeiro, temos o não desencadeamento em virtude da ação de uma identificação imaginária; e, segundo, em razão de uma suplência. Quanto à distinção entre a identificação imaginária e a suplência, podemos dizer que, na distinção, o modelo da identificação se apoia no tipo narcísico, como no caso “O homem dos lobos”, em que uma prótese é construída para o eu; na suplência, como no caso de James Joyce, é posta à prova uma autêntica operação de significante sobre o gozo através do sinthoma. Assim, a suplência é uma forma subjetiva de estabilização, na qual um elemento se torna capaz de enodar os registros RSI, estabilizando o sujeito, de tal forma que ela se torna mais eficaz e articulada do que a compensação imaginária.

Mas, uma vez desligado, como religar? Atualmente, orientamo-nos na clínica pela atenção aos pequenos detalhes, ou em como conseguir localizar na história do sujeito o momento em que ele se desengancha em relação ao Outro. Em grande parte, esse desligamento se faz sutil e gradativamente. Assim, um raciocínio baseado no relato clínico do sujeito pode ser capaz de localizar, apenas a posteriori, o elemento que produzira o desligamento, de tal sorte que se possa permitir uma estratégia com fins a um religamento. A identificação das formas de desligamentos se torna, portanto, essencial para que se possa estabelecer as formas de desencadeamento e os novos contornos clínicos (MILLER, 2012a, p. 22).  Ademais, cabe situar outras maneiras de se ajudar o sujeito a religar-se. Uma delas seria auxiliá-lo a constituir ou descobrir um sinthoma que possa enodar os três registros RSI; e, em seguida, de um modo menos ambicioso, conduzir o sujeito para que ele possa alcançar uma identificação imaginária.
Neoconversão 

Miller, em seu curso Ce qui fait insigne, denota que na conversão existem dois caminhos a partir do S1 de determinados significantes mestres. O primeiro caminho se constitui pela via do registro simbólico, do S2, do saber e do inconsciente; e o segundo, pela via do gozo que está fora do discurso, expresso pelo real que não é decifrável, e, portanto, não interpretável (MILLER, 2012a, p. 103). A conversão clássica abriga um sentido, como uma espécie de conversão na qual o psíquico é uma metáfora do somático. Na segunda clínica, Lacan enfatiza uma conversão, mas como uma continuidade entre o psíquico e o somático, como se um se tornasse o prolongamento do outro, mesmo que seja na condição de avesso.

Enfim, o primeiro paradigma da conversão está fundamentado na metáfora, e o segundo, na metonímia. Na conversão clássica, temos um Outro incompleto que é sustentado por um objeto a equivalente à castração. Em contrapartida, na neoconversão, temos um Outro absoluto que se apoia sobre o objeto a correlato à castração. O resultado da ausência de barra nesse Outro implica uma perda de subjetividade. Logo, a neoconversão, no fundo, é uma inscrição corporal da falta, visto que ela acontece como dimensão sintomática quando há um impossível de reunir o objeto a e a castração simbólica (MILLER, 2012a, p. 158).

O acontecimento de corpo, apanágio da neoconversão, guarda certo enigma, visto que a operação analítica proporciona intervenções sobre o corpo que ocasionam acontecimentos que não fazem ruídos, que são discretos e que, portanto, permanecem desconhecidos. Assim, como os acontecimentos de corpo são em grande parte tênues, eles são experimentados como um sentimento sutil de um deixar cair algo de si do corpo (MILLER, 2012a, p. 394).

A neoconversão mostra o papel prevalente da significação fálica que, mesmo ausente, tem a função de fixar o modo e a possibilidade de leitura do sintoma. Portanto, não se trata mais de uma decifração, mas de uma leitura, de um ler de outro modo (MILLER, 2012a, p. 100). Encontramos casos nos quais o sujeito se mostra incapaz de refletir e de estabelecer uma alteridade, que o tratamento não se apoia mais na direção de uma via simbólica, no discurso, na narrativa, na palavra metafórica e de um saber inconsciente. A alternativa, de acordo com a orientação de Miller, é se amparar pela via do real, pela letra, no que está fora do discurso e que não há um saber inconsciente que revele qualquer significação (MILLER, 2012a, p. 103). Cabe ao analista ajudar o sujeito a inventar algo que possa oferecer-lhe um arrimo, como aquele que diz que escreve no seu diário para apoiar os seus pensamentos.

Não raro, a saída do sujeito é a de construir um corpo, fazer um corpo mediante os piercings, as tatuagens, a vigorexia, as próteses, os implantes, os maneirismos, as estereotipias, as hipocondrias, os dismorfismos corporais, como anorexias ou obesidades, que podem funcionar como uma prótese corporal.

A nomeação também pode funcionar na construção de um corpo, ou mesmo constituir-se mediante um nome, uma vez que a característica do nome está sempre associada à ligação com uma escrita. Nomear não é interpretar, tampouco decifrar. Nomear é uma outra forma de compartilhar o sentido. O que caracteriza o sentido é que se nomeia, mas que ao mesmo tempo não se esclarece, tampouco se compreende (MILLER, 2004-05, p. 149). Assim, a escrita oferece suporte ao pensamento, e com a letra coloca-se um ponto de basta na dispersão do corpo. Enfim, a neoconversão é o paradigma da clínica contemporânea, decorrente do enfraquecimento dos ideais, na era em que ocorre um desaparecimento do Outro simbólico, da promoção do gozo e dos fenômenos do corpo (MILLER, 2012a, p. 158).
 

Neotransferências

No seu texto sobre o caso Schreber, Freud já se manifestava sobre as dificuldades encontradas na transferência, nos casos de tratamentos de psicóticos. Ele explicava esse problema em virtude do narcisismo desses sujeitos, que têm como objeto de amor apenas a si próprios. Ademais, Freud nos deixa um legado ao dizer que a psicose de Schreber se desencadeia quando se instaura a relação de objeto na transferência com Flechsig (MILLER, 2011a, p. 145).

Para Miller, o retorno do gozo não transformado em libido de objeto constitui a dificuldade nuclear das psicoses. Então, o gozo não transformado em libido de objeto se acumula, fazendo com que a libido do eu se torne excessiva. Esse gozo que se retém contribui paradoxalmente para a caída da envoltura narcísica do eu, de maneira que resta para o sujeito apenas o ser do objeto, exposto à invasão do gozo do Outro. Com efeito, a queda do envoltório narcísico do eu ideal diante do gozo do Outro promove os delírios de observação (MILLER, 2011a, p. 146).

A Seção Clínica de Angers interroga se as novas psicoses exigem uma nova posição do analista diante da neotransferência. No âmbito da neurose, o sujeito suposto saber é o pivô da operação analítica. Miller assinala que na segunda clínica de Lacan existe um abandono gradativo da transferência como sujeito suposto. O sujeito suposto saber não é um saber posto, também não é um saber exposto, tampouco é um saber desenvolvido, nem sequer um saber explícito, mas é uma simples significação de saber. O sujeito suposto saber é uma constatação apenas de que o Outro sabe; o saber é seu atributo, sem que disso ele tenha que dar provas, de maneira que não há demonstração ou mostração por parte do analista (MILLER, 2011a, p. 146). Na psicose, por sua vez, não há sujeito suposto saber, visto que o saber está do lado do psicótico. O grupo de trabalho de Angers propôs uma nova transferência nas psicoses como uma alíngua da transferência (MILLER, 2012a, p. 345-346). Ocorre que Miller tem extraído do modelo da psicose elementos para repensar o destino da transferência na segunda clínica de Lacan.

Lacan vai propor, no seu segundo ensino, uma transferência que não se apoie mais no sujeito suposto saber. Trata-se de uma passagem da ontologia à existência e do ser ao Um, na medida em que essa transferência joga com a fuga do sentido. Se a transferência é sustentada pelo sujeito suposto saber, Lacan vai ao âmago do inconsciente estruturado como linguagem que sustenta o inconsciente transferencial para isolar a alíngua como núcleo furado da linguagem. Então, a alíngua da transferência vem ocupar o lugar do sujeito suposto saber, de sorte que ela não é uma alíngua suposta, mas exposta, e que o analista e o analisante devem aprender a lê-la (MILLER, 2012a, p. 348), como uma transferência articulada ao modo de gozo singular do sinthoma, no binário repetição e pulsão, cuja díade funciona como gozo e repetição (MILLER, 2011b, p. 77). Essa díade não constitui uma harmonia, como a antiga parceria do inconsciente transferencial, mas compõe uma parceria dissimétrica, disjunta e correlata ao postulado “não há relação sexual” no que se refere ao sinthoma como um funcionamento positivo de gozo (MILLER, 2011b, p. 78).

A transferência apoiada na alíngua implica um esforço de aprendizagem do analista ou, ainda, na docilidade de aprender a língua particular do sujeito. Miller adverte sobre ser dócil e paciente em relação às invenções do sujeito. Portanto, quando o analista intervém, é do lugar de onde não se sabe; ou da posição que visa a sustentar o falasser nas invenções que ele estabelece para defender-se do Outro gozador; e, por fim, se houver oportunidade, o analista, com a finalidade de esvaziar o Outro, deve trazê-lo para as brincadeiras infantis (MILLER, 2012a, p. 348).

A transferência como alíngua concerne à posição do analista como aquele que permite limitar o gozo, descompletando o Outro, como esvaziar as crises passionais de erotomania ou de odiomania, mostrando-se barrado. Ademais, a posição do analista acolhe o gozo errante, o gozo à deriva, ao se imiscuir na alíngua do sujeito. Ao adotar essa atitude, o analista garante ao sujeito a condição de fiador de sua alíngua; por fim, o analista pode oferecer-se ao sujeito como um lugar não-todo, no qual ele se serve do analista para dizer, na qualidade do Um que dialoga sozinho (MILLER, 2012a, p. 350-51).

A transferência da alíngua jamais se transforma em um lugar do jogo dos semblantes. Mas, ao se consentir adotar um vínculo frouxo que oferece uma justa medida à técnica do holding de Ferenczi, o analista se permite elaborar um saber fazer com a alíngua (MILLER, 2012a, p. 187). A transferência da alíngua possibilita a elaboração de um “saber ler de outro modo”, de maneira que permite ao sujeito grampear o simbólico e o real sobre a dobra do imaginário (MILLER, 2012a, p. 181). Assim, a condição da transferência de a alíngua favorece não apenas ao analista, mas também ao sujeito “aprender a se ler de outro modo”. Enfim, é necessário que o processo analítico crie condições para que o analisante se habilite na função de se “ler de outro modo”. Pode-se dizer que “saber ler de outro modo” possibilita um grampeamento dos três registros – real, simbólico e imaginário – para que permaneçam intactos e com valores equivalentes. Assim, “ler de uma outra maneira” não é ler o sentido, mas a função daquilo que se manifesta em ato, no âmbito da repetição e do gozo.

Enfim, o que importa é que o analista vise, com o trabalho de neotransferência, a obter uma amarração dos três registros – real, simbólico e imaginário – pela via dos nomes do pai, no lugar onde o sujeito se desamarrou ou apresenta a dificuldade de refazer o nó de Borromeo. Caso ocorram contingências favoráveis, o analista pode inclusive proporcionar novas condições que possibilitem ao sujeito amarrar os três registros de outra maneira.

Uma das estratégias da neotransferência na operação analítica faz com que o analista opere como se ele fosse o sinthoma, com uma ajuda-contra aquilo que impele o sujeito na direção de A mulher ou em seu encontro com Um-pai; uma ajuda-contra a consistência do Outro sem barra; uma ajuda-contra a onisciência absoluta do Outro na medida em que implica certa vacilação analítica como furo no saber; uma ajuda-contra a devastação do supereu feminino; uma ajuda-contra a desamarração dos registros; uma ajuda-contra o sintoma, a inibição e a angústia, uma ajuda-contra o gozo feminino e uma ajuda-contra o desvario e a deriva, fruto do Significante do Outro barrado, do Outro que não existe, expresso como S(A/) (MILLER, 2012a, p. 207).

Enfim, fundamentado na interpretação do tipo ajuda-contra, o analista visa à operação de prescindir do Nome-do-Pai, com a condição de servir-se dele. A operação analítica tem assim a finalidade de instaurar o furo no Outro, o furo no inconsciente para que o contingente possa emergir.

Com isso, o analista coloca em jogo uma nova modalidade de transferência, capaz de incluir o sujeito no discurso, particularmente aqueles que estão fora dele; enodar os registros real, simbólico e imaginário, facilitando a construção de narrativas de sujeitos que estão desamarrados; estabelecer um vínculo transferencial frouxo com o sujeito; e, por fim, descompletar e furar o Outro consistente e onisciente (ALVARENGA, 2018).
Tendências contemporâneas da psicose ordinária

A primeira que se constata na contemporaneidade é a tendência ao múltiplo, que se manifesta nos casos clínicos por conta dos efeitos da pluralização dos nomes do pai. Atualmente, verifica-se na clínica uma pluralidade de significantes mestres que não se organizam em torno de um, mas que se comportam como uma espécie de enxame, como se diz em francês, essaim, homofônico ao S1. Assim, esses casos se produzem como múltiplos, mas não se organizam em um conjunto ordenado, no qual se obedece a uma lógica classificatória.

A segunda tendência que se averigua é a passagem do universal ao singular, do artigo definido O para o artigo indefinido Um. Não estamos mais sob a égide da forclusão do Nome-do-pai, mas sob o prisma de uma forclusão generalizada, denotando uma diversificação das múltiplas formas de gozo num novo contexto clínico, teórico e político, no qual todo mundo delira. Pode-se nomear o caso “O homem dos lobos” como o primeiro paradigma dessa espécie, já que não temos uma forclusão do Nome-do-pai, mas uma forclusão da castração, ou uma forclusão da significação fálica (BROUSSE, 2009).

A terceira tendência que se apura no contemporâneo é uma modificação do estatuto do Nome-do-Pai como função, isto é, há uma migração da função do universal do Nome-do-Pai para uma função no particular, com a designação da nominação (nommer-à) de “nomear para…” (LACAN, 1973-74, aula de 19/2/1974). O pai tem uma função nomeante, visto que o pai também é o pai do nome. Mas, a expressão “nomear para…” não detém uma função operativa equivalente ao Nome-do-pai. Com efeito, “nomear para…” é um indicador para se ocupar uma função. Na verdade, trata-se de uma pequena indicação de função, como aquela em que um sujeito é indicado pelo padre para ser o zelador da paróquia com a função de guardar as chaves da igreja.

A indicação do padre de “ser nomeado para…” confere ao sujeito uma “grande responsabilidade” e lhe oferece um lugar na pequena sociedade local que ele não conseguira conquistar sozinho. “A grande responsabilidade” como a função de zelador da paróquia pode ocasionar um recurso à identidade, ou a uma “superidentidade” sem fissuras, que poderá ser capaz de exercer a função de suplência imaginária diante da falência da função fálica. Logo, a “sobreidentificação pode conferir ao sujeito um novo valor ao papel social” (MILLER, 2003, p. 40).

A posição do psicótico ordinário não tem nada de excepcional, de extraordinário; ela é bastante comum, banal e ordinária, como a de ser nomeado para ser um zelador da paróquia, cuja função é a de limpar, cuidar e guardar as chaves da igreja. Portanto, resta ao sujeito encontrar invenções miúdas ou consentir com pequenas nomeações capazes de enodar os registros simbólico, imaginário e real. Essas nomeações funcionam como referência ao pai, mas não são um significante Nome-do-pai propriamente dito. Lacan ressalta que essas pequenas nomeações e invenções mínimas podem ser capazes de estabilizar esses sujeitos em razão de um efeito semelhante ao Nome-do-pai, ressignificando sua função.
Diferenças entre estabilização, suplência e sinthoma

Embora pareçam ser sinônimos, existem diferenças sutis e discretas entre os conceitos de estabilização, de suplência e de sinthoma, que podem a princípio passar despercebidas. Em síntese, vale demarcar que as estabilizações são pequenas invenções e soluções encontradas – seja pelo próprio ser falante, seja com a ajuda do analista, em um processo terapêutico – para lidar com suas instabilidades psicóticas no intuito de estabilizá-las.

As suplências podem ser consideradas como o modo do ser falante efetuar suas amarrações dos registros do simbólico, do real e do imaginário. E o sinthoma são os restos sintomáticos, o que restou de um processo analítico ou o que é derivado do próprio ser falante sob o paradigma de Joyce, no que concerne ao estilo e ao osso de uma análise e que produz um reganho de gozo positivo capaz de promover efeitos de satisfação.

Dentre os três, de uma direção de dentro para fora, o sinthoma é aquele que se encontra em sua posição mais íntima de núcleo. Em seguida, o sinthoma é circundado pela suplência e, de maneira mais periférica, na adventícia, encontramos a estabilização. Pode-se propor uma equivalência do sinthoma como a finalidade última ou a política do tratamento; a suplência como a estratégia ou os meios pelos quais o falasser encontrou seus pontos de amarração; e, por fim, a estabilização que pode se equivaler às táticas. Enfim, um sinthoma pode proporcionar a suplência e ocasionar as estabilizações. Mas uma suplência pode oferecer estabilização sem ser um sinthoma, e uma estabilização em si só é uma solução que não gera uma suplência, tampouco um sinthoma.
 

Estabilização            

No primeiro ensino, Lacan ressalta que a estabilização pode ser conseguida mediante identificações e bengalas imaginárias que servem de escora para apoiar o ser do sujeito. Existem estabilizações mediante determinados objetos nos autistas ou como resultado de bricolagens bizarras as quais o esquizofrênico utiliza para instituir um novo órgão e reconstituir um corpo (LAURENT, 1998).

O conceito de estabilização surge em virtude da construção delirante de Schreber, ao desenvolver o esquema I, no que concerne ao assentimento com o empuxo à mulher. Portanto, temos a estabilização mediante a metáfora delirante. Mas pequenas invenções psicóticas também são capazes de promover estabilizações, de forma que as estabilizações são múltiplas, em razão da inventividade de cada sujeito. Enfim, a estabilização na psicose pode instaurar-se mediante a função da letra, a invenção subjetiva, a bricolagem, a identificação imaginária, a nomeação, dentre outras.

Em suma, temos, em primeiro lugar, a estabilização pela via do real da passagem ao ato (LACAN, 1932/1987), referida ao caso Aimée, depois do atentado cometido contra a atriz Hugette ex-Duflos e de sua prisão, em que ela alcança sua estabilização; em segundo, temos a estabilização pela via imaginária, mediante a metáfora delirante como A mulher de Deus alcançada por Schreber; e, por fim, a estabilização pela via do simbólico, estabelecida pelo sinthoma da escrita de James Joyce.

Vale dizer que a super-identificação também pode proporcionar a estabilização. O surgimento dessa identificação orienta de maneira sólida o psicótico ordinário. Essa super-identificação é capaz de fazer a função do traço unário, provocando identificações sociais positivas. O ser falante investe a libido em nomes que lhe conferem pequenos valores de autoridades nas tradições familiares e sociais (MALEVAL, 2019, p. 117).

O papel dessa identidade proporciona um misto de ser e parecer que se ajusta a uma mescla entre a seriedade e a autenticidade de aparências dentro das normas sociais. Então, a adesão ao misto de parecer e de ser faz com que o ser falante constitua uma personalidade rígida baseada no “como se”. A aspiração pela ordem desses sujeitos se coloca como defesa com a finalidade de minimizar os efeitos intoleráveis da ambiguidade (MALEVAL, 2019, p. 117). Em virtude de se tornarem escrupulosos para com as normas, esses sujeitos se tornam verdadeiros normopatas.

Enfim, a super-identificação tem a função de suplência e de estabilização na psicose, em razão de que o nome tem um papel de “como se” fosse um patronímico (MALEVAL, 2019, p. 129).  A pluralização dos nomes do pai é possível inclusive para as neuroses nas quais cada sujeito encontra sua maneira de fazer valer a função paterna. A suplência se ancora na função de limitação, que opera sobre o gozo como a castração, onde houve uma falha na significação fálica (MALEVAL, 2019, p. 45).

A escrita pode prestar-se a uma estabilização na psicose. Contudo, pensar que um psicótico se cura escrevendo é insuficiente. Os hospitais psiquiátricos estão cheios de oficinas de escritas. A escrita não pode constituir-se como uma demanda de quem assiste o psicótico. Assim, se o falasser escreve ou toma a iniciativa espontânea de escrever, não se deve interpretar o escrito do psicótico. Mas, deve-se permitir que ele possa manter a ordem das palavras, apoiando-se na dita escritura a qual tem sempre o estatuto de um S1, que se repete na esfera da letra (LAURENT, 1989, p. 30).

Um dos elementos que contribuem para a estabilização na psicose é, sem sombra de dúvida, o manejo da transferência em que o analista assume a função de testemunha e de secretário do alienado. Quando o analista se coloca na posição de testemunha, ele pode favorecer uma articulação entre a linguagem e a alíngua, garantindo uma nova ordem fora do discurso (LAURENT, 1989, p. 33). Como secretário do alienado, o analista deve tomar o relato do psicótico ao pé da letra (LACAN, 1955-56/1985, p. 236).

No caso de Pankejeff, a estabilização não passava por decodificar enigmas em significações, mas de fortalecer o narcisismo que funcionara como uma armadura, como uma espécie de falso ego, cujo papel era o de delimitar as bordas do corpo. A estabilização se dera por duas estratégias: primeiro, mediante o narcisismo, como “o paciente mais celebre de Freud” que funcionara como uma prótese para o ego; e, segundo, por meio da nomeação de “O homem dos lobos”, cunhada pelo movimento psicanalítico, que lhe garantiu a sobrevivência e lhe assegurou um lugar especial e de exceção no laço social (LACAN, 1975-76/2007, p. 146).
Suplência

Lacan recorre aos escritos de James Joyce, particularmente o livro O retrato do artista quando jovem, para descrever um acontecimento de corpo no qual Joyce relata uma experiência na infância de ter sido batido pelos seus colegas de sala quando foi encurralado contra um arame farpado. Após libertar-se, rapidamente ele sente sua raiva evanescer “tão facilmente quanto uma fruta que é despida de sua pele macia e madura”. Nessa quase ausência de afeto, que naturalmente seria uma reação à violência física, o menino toma distância de seu corpo, deixando-o como uma casca (LACAN, 1975-76/2007, p. 37).

Como Joyce havia conseguido, através de sua arte, suprir sua carência paterna, Lacan assinala que ele fez uma suplência. Essa suplência pode ser definida em três planos. Como Joyce não pode contar com o significante Nome-do-pai, o que veio ocupar esse lugar foi, do ponto de vista da dimensão simbólica, a vontade de fazer um nome para si, que não fora reduzido à demanda de reconhecimento.

Assim, foi produzindo o seu nome que Joyce se manteve no sentido fálico. Do ponto de vista do imaginário, Joyce, segundo Lacan, criou um imaginário de suporte, um imaginário de segurança. Trata-se de um imaginário duplicado como um êxtase do ego, por onde Joyce enoda o simbólico e o real. Portanto, a suplência em Joyce destaca como a escrita, como um quarto nó, amarrou os três registros – real, simbólico e imaginário. O imaginário ganha profundidade quando esse imaginário é em latim e totalmente alheio à estrutura de Joyce.  Lacan comenta que há um imaginário duplicado em Joyce que se encadeia com o real. Trata-se de um imaginário encadeado no real de seu gozo.

Pode-se dizer que Pankejeff conseguiu uma estabilização e, de certa forma, até alguma função de suplência com a nomeação de “O homem dos lobos” ou de ser nomeado como “o paciente mais célebre de Freud”. Contudo, ele jamais alcançou o estatuto de sinthoma. A suplência de Pankejeff pode ser verificada mediante o fato de que ele conseguira, através do narcisismo, amarrar o real referente à corrente mais arcaica e profunda, dita feminina; a corrente masculina, inscrita no registro simbólico e, por fim, a corrente fóbica, na qual ele era objeto de decoração no plano imaginário. Enfim, para o analista, é necessário localizar os pontos de suplências, os enodamentos nos pontos de falhas na cadeia borromeana, com a finalidade de protegê-los, de cuidar para que eles não se soltem.

 

Sinthoma

No último ensino, Lacan se inspira na prática da escrita de James Joyce para elaborar o conceito de sinthoma. Miller assinala que foi Joyce que despertara Lacan de seu sono dogmático (MILLER, 2009, p. 134). Então, foi a experiência de Joyce com a escrita que despertou Lacan de seu sonho dogmático com o simbólico para alcançar novas elaborações. Lacan descobre com Joyce que o nome próprio oferece consistência ao Um-corpo. Vale dizer que Joyce é a encarnação do sinthoma na medida em que ele é desabonado do inconsciente e não é apadrinhado pelo Outro. Logo, o sinthoma é a encarnação do que há de mais singular em cada falasser (MILLER, 2009, p. 141).

Lacan, na medida em que propõe ler de uma outra maneira, recomenda uma nova ortografia, uma ortografia arcaica, com fins de escrever o sintoma, de modo que ele possa ser lido com sinthoma. Ler de outra maneira, no último ensino de Lacan, implica em um novo léxico, repleto de neologismos (MILLER, 2009, p. 136).  Assim, no final de seu ensino, Lacan está mais interessado em escutar o sinthoma do Um do que o discurso do Outro (MILLER, 2009, p. 141).

No último ensino, o amor de transferência se apaga em razão do desaparecimento do sujeito suposto saber, de maneira que o falasser que dialoga sozinho recebe sua própria mensagem sob a forma invertida. Afinal é o falasser que sabe sobre si e não o sujeito suposto saber (LACAN, 1976-77). Na análise do Um que dialoga sozinho, o analista faz a função de furo, como uma espécie de tonel das Danaides, que esvazia o sentido, constituindo o insucesso do inconsciente, que resulta em um gozo cujo atributo positivo implica numa satisfação do sinthoma (MILLER, 2012b, p. 55).

Logo, uma satisfação sinthomática ligada ao Um e ao corpo se apresenta como uma nova solução para o falasser. Trata-se de uma repetição articulada ao furo, ao troumaisme, resultado da passagem do real impossível para o real contingente. Assim, na medida em que o sinthoma é indecifrável, a experiência analítica, por fim, coloca em evidência a marca de satisfação com a letra de gozo. Com efeito, trata-se de identificar-se com o sinthoma e, tomando certa distância, assentir com sua identidade sintomal. A tomada de certa distância do sinthoma, com o qual se está identificado, tem a finalidade de se poder fazer alguma coisa com ele, saber manipulá-lo, saber se virar com ele, com esse resto que é do registro da existência (MILLER, 2009, p. 143).

 


Referências 
ALVARENGA, E. A transferência e seu manejo nas psicoses. Revista Arteira, n. 10, out. 2018. Disponível em: <http://revistaarteira.com.br/index.php/manejo>. Acesso em: 26 abr. 2020.
BROUSSE, M-H. A psicose ordinária à luz da teoria lacaniana do discurso. Latusa digital, ano 6, n. 38, set. 2009. Disponível em: <http://www.latusa.com.br/pdf_latusa_digital_38_a1.pdf>. Acesso em: 06 jul. 2020.
LACAN, J. (1932). Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.
LACAN, J. (1955-56). O Seminário, livro 3: As psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
LACAN, J. (1973-1974). Le Séminaire, livre 21: Les non-dupes errent. (Inédito).
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1. Texto apresentado no Núcleo de Investigação e Pesquisa em Psicanálise e Psicose do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais em 07/10/2022.



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