Porque Instituto de Psicanálise e Saúde Mental

ANTONIO BENETI

A saúde mental tem se constituído em um campo no qual o analista teria que intervir, a partir de sua ética, e frequentar, como um imperativo ético da orientação lacaniana — sobretudo nestes tempos de globalização e discurso da ciência. Não se trata mais da questão colocada há algumas décadas, a de trabalhar nas instituições de saúde mental para ir ao encontro da clínica da psicose, em um “não-recuo diante da psicose”, nem pela questão da clínica psicanalítica com crianças. Estamos em um outro tempo. Devemos ter clareza sobre nossa posição e participação a partir de diretrizes que essa orientação nos permite traçar. No Brasil, tivemos o tempo da difusão do ensino de Lacan, de estabelecimento de uma clínica lacaniana, da criação da Escola e, agora, da criação dos Institutos e de uma inserção dos analistas lacanianos no campo da saúde mental.

Então, desde que esta está excluída dos antecedentes do analista na sua formação prévia universitária, vamos nos deter no tempo do analista em formação e de sua participação nesse campo como “analista praticante”.

Alguns textos a que pudemos ter acesso, tais como “O analista cidadão” (LAURENT) e “Saúde mental e ordem pública” (MILLER), além de nosso próprio percurso nesse campo, nos dão, aqui, a orientação lacaniana e nossa posição.

Esses dois textos nos trazem com clareza a definição, a partir da psicanálise, do campo da saúde mental e da posição do analista de hoje, lacaniano, com relação à sua participação.

Com Miller, encontramos a definição da saúde mental como ordem pública. O desenvolvimento que encontramos dessa conceituação em seu texto, a partir de nossa leitura, se inicia com a noção de responsabilidade e o sujeito resposta, sujeito de pleno direito. O psicanalista, desde que não seja um trabalhador da saúde mental, não pode prometer, dar nem garantir a saúde mental definida como ordem pública. À ordem pública interessa saber, desses trabalhadores, quais indivíduos podem circular livremente pelo espaço do social e quais não podem se responsabilizar por seus atos nesse espaço, tendo de ser definidos como sujeitos de não-pleno direito a partir de seu comportamento.

A psicanálise se endereça aos doentes mentais, em que há um sujeito de pleno direito, já nos colocando a primeira questão sobre o lugar e a função do analista na instituição de saúde mental, quando nos lembramos da “moral lacaniana” proposta por J-A.Miller, que afirma “tem um sujeito no doente” sem definir, aí, se o sujeito em questão seria de pleno direito ou não.

Mais adiante, no texto, encontramos a saúde mental como uma perturbação estrutural do físico, do mental e do social. Teríamos, aí, um retorno ao doente como um ser biopsicosocial? Não, desde que, como analistas, teríamos que pensar essa tríade considerando-a corpo-sujeito do inconsciente, Outro do social, da cultura. Miller, com Lacan, colocará o mental como um órgão que se interpõe entre a realidade e o real: um “guia de vida”, dizendo que o mental está em nós desde o início e ressaltando que o inconsciente não é o mental. O texto termina afirmando a saúde como o “silêncio dos órgãos” e que a psicanálise tem uma grande eficácia para colocar em desordem o mental e o físico, desde que o inconsciente, campo de ação do analista, se difira radicalmente do mental como psique.

Essa última afirmação nos coloca a questão de sabermos qual é a função do analista nesse campo do mental: colocá-lo em desordem? Se a psicanálise tem essa eficácia, teríamos uma posição contrária à ordem social e não haveria razão alguma para o Estado, através dos gestores de Saúde nos serviços públicos, abrir as portas para os analistas ou suportá-los no seu espaço quando sua presença fosse detectada.

No outro texto, “analista-cidadão” é o significante que ordena a posição contemporânea do analista no campo da saúde mental sob orientação lacaniana, no mundo globalizado movido pelos discursos da ciência e do capitalismo, nestes tempos de declínio do pai, dos ideais que comandavam o sujeito na sua relação com o Outro da cultura. O que nos traz Éric Laurent?

Houve uma época em que o analista, como “máquina de desidentificação”, exceção em relação a todos os outros cidadãos, construiu um ideal de marginalização social da psicanálise — um ideal de analista concebido como o marginal, o inútil, que não serve para nada — somente para uma posição de denúncia de todos os que servem para algo. O analista vazio, desprovido das identificações, apagado, morto. Quase como um toxicômano da psicanálise, diríamos nós, a se sustentar num gozo cínico, ou numa posição cínica, a exemplo do toxicômano em sua relação de oposição ao discurso capitalista. O analista contemporâneo deve intervir nos sintomas de seu tempo saindo da posição do analista especialista da desidentificação para a posição do analista-cidadão, o que implica o trabalho conjunto com outros cidadãos, profissionais conectados ao campo da saúde mental, numa posição de “ajuda” à civilização com respeito à articulação entre o universal das normas e o singular, o “menos-um” das particularidades do sujeito.

O analista, mais além das paixões narcisistas da diferença, tem que ajudar, porém com outros, sem pensar que é o único nessa posição. Não há lugar para analistas independentes ou “autistas”. No nosso mundo contemporâneo, os analistas são os únicos que escutam e, portanto, devem saber transmitir a particularidade, o “menos-um” de cada cura, o caso-a-caso. Torna-se, então, necessário pedir, trabalhar, lutar por uma rede assistencial sustentada pelo matema da clínica (U-1). Consideramos ainda que, no mundo de hoje, só resta, diante da queda dos ideais, o debate democrático, do qual o analista deve participar ativamente, sempre a partir de sua ética.

A cultura mudou com a globalização. Devemos participar dos comitês de ética e das equipes multidisciplinares, no campo da saúde mental, bem como nos posicionar no campo da cultura e das opiniões, refutando, por sua vez, as críticas à psicanálise demonstrando a experiência e enfrentando o fantasma das avaliações, eficácias e estatísticas, sobretudo nos serviços públicos de saúde mental, sempre considerando que a ciência modifica os ideais.

Trata-se de demonstrar que a boa lei, a boa regra, será sempre furada pelo real, pela falta no campo do Outro. É necessário também não perder tempo com a questão da distinção entre psicanálise e psicoterapia: a psicoterapia não tem consistência teórica nem prática. Se as instituições se referem aos analistas como psicoterapeutas, que se aceite isso e se trabalhe como analistas. A questão é trabalhar no sentido de instalar a transferência e manejá-la utilizando os efeitos terapêuticos dessa instalação com a interpretação. A psicoterapia, de qualquer forma, é uma maneira de se manter a dimensão subjetiva no campo da saúde mental.

Temos de se fazer reconhecer a validade do discurso analítico tanto no nível teórico quanto no prático. O teórico, nós o reservamos à Escola, na validação dos efeitos de uma análise no nível do passe, dando-os a conhecer aos nossos interlocutores. Há um segundo modo, o da validade terapêutica dos tratamentos que se praticam nas instituições, fazendo os seus seguimentos. No nível dos Institutos, com seus convênios com as universidades e outras instituições, fazemos valorizar e reconhecer essa formação com a distribuição dos diplomas, divulgando e introduzindo nossos próprios programas. Some-se a esses três níveis as alianças que devemos fazer contra a segregação, o discurso da exclusão. É assim que, em Minas Gerais, participamos das iniciativas culturais, como o Fórum de Saúde Mental. Uma verdadeira frente de reflexão contra o discurso da exclusão e seus estragos, sem perder tempo em pelejas contra psiquiatras, psicoterapeutas, trabalhadores da saúde mental, entre outros. No nível do diagnóstico, sabemos da simplificação da clínica que o modelo bioquímico contemporâneo do discurso da ciência promove. É necessário, contudo, operarmos sempre com os cinco níveis freudianos: as três neuroses e as duas psicoses.

Num último ponto, temos a interlocução com as indústrias farmacêuticas e as companhias de seguros, os sistemas de saúde.

Afinal, temos aí um manual do analista combatente? Talvez, mas pensamos que não. Trata-se, na verdade, dos princípios éticos que determinam nossa posição, regram e orientam nossa ação no campo da saúde mental, como analistas-cidadãos em contraposição ao analista vazio, marginal, restrito a uma encarnação da máquina de desidentificação.

É a partir dessa orientação que, em Minas Gerais, fundamos o Instituto de Psicanálise e Saúde Mental, a partir de um desejo da Escola, para ser um “aguilhão da Escola”, referenciado a ela. Nesse sentido, ele poderia se chamar tão somente Instituto de Psicanálise de Minas Gerais. Nota-se que o significante “saúde mental” vem atrelado ao significante “psicanálise” já para marcar uma posição e sua própria transmissão. Éric Laurent, em seu texto “Concepciones de la cura en psicoanalisis”, lembra-nos que

Não há um âmbito da extensão da clínica no qual Lacan não tenha estimulado seus discípulos a investigar, mantendo o diálogo com os praticantes nesses campos, estimulando seus descobrimentos e impulsionando-os a apresentarem os seus resultados de modo sistemático, chegando a mostrar a coerência dessa investigação de fronteiras com o núcleo mais sólido da experiência freudiana e os ensaios que dela podem deduzir-se no tocante à direção da cura em intensão (LAURENT, 1981).

Por ocasião da fundação do Instituto, consideramos que tínhamos diante de nós um campo privilegiado para a psicanálise em extensão, no que tangia à clínica: o campo da saúde mental, com a inserção de vários psicanalistas e psicanalistas em formação vinculados à Escola nas instituições públicas e privadas, para adultos e crianças.

Por outro lado, sabendo da clínica desenvolvida nessas instituições, pensamos que, nesse campo, teríamos a possibilidade do encontro e da investigação dos casos clínicos marcados pelos sintomas contemporâneos, marcados pelo que aprendemos, por meio do ensino de Lacan, a chamar de suplências. Ou seja, o encontro e a investigação dos casos chamados inclassificáveis, que compõem o cenário do que chamamos “segunda clínica de Lacan”.

Acrescentemos a isso a questão da aplicação mesma do discurso analítico não restrito ao consultório dos analistas, não o segregando em relação aos outros discursos, mas colocando nesse campo a possibilidade de enfrentamento do discurso da ciência nestes tempos de globalização, em que a clínica poderia se restringir a um universal que exclui a particularidade do caso-a-caso, do um-a-um.




O Instituto e a Escola

FRANCISCO PAES BARRETO 

Por que o binário Escola e Instituto? Existe, entre os dois, uma oposição diferencial, constituinte. Para situá-la, farei um breve retrospecto. No Ato de Fundação da Escola (1964), Lacan concebeu três seções: a Seção de Psicanálise Pura, que se encarregaria da doutrina da psicanálise pura e de sua práxis como formação (psicanálise didática), bem como da supervisão (controle); a Seção de Psicanálise Aplicada, que se encarregaria da articulação da psicanálise com projetos de tratamentos, tais como os da área médica e psiquiátrica; e a Seção de Recenseamento do Campo Freudiano, na qual estariam compreendidas três subseções: comentário do movimento psicanalítico, articulações com ciências afins (conexões) e ética da psicanálise, ou seja, a práxis de sua teoria. Nesse momento, Lacan priorizou o “trabalho”: introduziu o cartel como o órgão de base, falou de “transferência de trabalho” e de “trabalhadores decididos”.

Pouco depois, na Proposição de 9 de outubro de 1967, a distinção entre hierarquia e gradus foi apresentada como a solução do problema da garantia na sociedade psicanalítica. O essencial é que ela produz a disjunção da função Analista Membro da Escola (AME) e da função Analista da Escola (AE): o AME como analista reconhecido ao olhar do corpo social e o AE como analista resultante do passe, ou seja, aquele que conseguiu dar provas de seu final de análise. AME e AE são, ainda, como frisa Miller, títulos que respondem a duas lógicas distintas: o AME, assim como o cartel, está na lógica do “todo”, e o AE, assim como o passe, na lógica do “não-todo”.

Outras iniciativas merecem ser aqui lembradas. A fundação, por Lacan, do Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris-VIII (1968) e a anexação, por Miller, com o apoio de Lacan, da Seção Clínica (1977), tendo por objetivo um ensino que pudesse corresponder a uma definição lacaniana da clínica e estabelecer conexões, comportando entrevistas, cursos e uma prática de apresentação de enfermos. A criação, por Lacan, da Fundação do Campo Freudiano (1979), abre um espaço diferente daquele da instituição analítica e daquele da universidade para a difusão da psicanálise. Por fim, a fundação, por Miller, do Instituto do Campo Freudiano (1987), se presta a desenvolver a tarefa de ensino e investigação da psicanálise, levando-a a outros países.

Uma das maneiras de ordenar essa evolução é privilegiando os significantes “Escola” e “Instituto”.

A Escola mantém como objetivo o que Lacan havia proposto para a Seção de Psicanálise Pura. Contando com dois dispositivos fundamentais, por meio do cartel, ela procura responder à pergunta “o que é a psicanálise?” e, por meio do passe, procura responder à outra pergunta, “o que é um analista?”. A Escola é a instituição psicanalítica propriamente dita. Entretanto, como observa Miller, o discurso analítico, com a suposição de saber que o suporta, tende a fechar-se sobre si mesmo, autodestruindo-se quando não confrontado com outro discurso. A contraposição do Instituto é importante para que o saber exposto faça barra. Serviria, conforme propõe Lacan, para “estimular sua Escola, servir-lhe de aguilhão”. Instituição parauniversitária, o Instituto abrange as duas outras seções inicialmente previstas no Ato de Fundação: a Seção de Psicanálise Aplicada e a Seção de Recenseamento do Campo Freudiano.

Entre Escola e Instituto deve haver tanto intervalo como articulação. A oposição entre eles estabelece certa tensão entre saber suposto e saber exposto, entre trabalho de transferência e transferência de trabalho, entre particular e matema, entre psicanálise em intensão e psicanálise em extensão, sem que se possa restringir cada um desses aspectos a um ou a outro. Como propõe Bernardino Horne, na Escola, a intensão aponta para a extensão, e, no Instituto, a extensão aponta para a intensão.

Segundo uma formulação de Germán García, que tem se revelado fecunda, “da cidade dos analistas se encarrega a Escola; ao Instituto interessa os analistas na cidade”.




O que é o Instituto?

JÉSUS SANTIAGO

O que se impõe como princípio de orientação para a clínica psicanalítica se impõe também para a política lacaniana da psicanálise. Se não há clínica sem ética, o mesmo acontece com a política que visa a se constituir como o horizonte que organiza e gere a vida institucional de uma comunidade de analistas. Logo, não há uma política lacaniana sem ética. E isso serve para todos aqueles grupos ou instituições que tentam se inspirar na prática institucional exercida por Jacques Lacan durante sua longa trajetória de analista. E qual é a ética que orienta uma política lacaniana para o discurso analítico?

Em artigo publicado no último número da revista La Cause freudienne[1], J.-A. Miller avança a ideia de que uma tal ética deveria ser pensada segundo a antinomia entre duas perspectivas distintas: de um lado, a “ética da boa intenção”, que não é freudiana e que, sendo uma ética da boa-fé, é incompatível com o campo freudiano. De outro lado, a “ética das consequências”, que sempre se julga pelo ato e, mesmo, por meio do estatuto do ato, por seu valor e por suas consequências. Não há dúvida de que essas duas perspectivas éticas sempre estão presentes como princípio para os que se dispõem a governar e dirigir as iniciativas de uma comunidade de analistas.

Evidentemente, essas éticas aparecem como tendências, se efetivam de forma excludente no próprio modo de gestão das questões que concernem às atividades cotidianas da instituição psicanalítica: a formação, o recrutamento, a autorização, a garantia, a produção, etc. Em outros termos, tenta-se governar com a ética da boa intenção, em que prevalece o culto aos belos princípios do que seria uma instituição, que, supostamente, responderia pelos fundamentos da psicanálise. É possível constatar que uma tal orientação permanece, no essencial, inoperante, porque se mostra prisioneira dos limites da figura da “bela-alma”, que, no fundo, é impotente para lidar com a complexidade da situação na qual estamos todos envolvidos.

Ora, a “ética das consequências” busca se fiar na dimensão política de um ato que, ao assumir as tarefas de direção, procura, necessariamente, incluir o Outro. Essa inclusão do Outro quer dizer que, se a questão dos princípios e fundamentos do conceito de Escola importa muito, é preciso, entretanto, dar sequência ao momento lógico do ato, pelo qual se pode instaurar algo novo no real de uma comunidade de analistas. É só observar o que, nos últimos anos, temos feito com relação ao discurso analítico: mais do que belos discursos sobre a instituição ideal, temos, na verdade, dado provas de uma ação que visa a injetar novos elementos nesse real.

Num primeiro momento, foram as Jornadas Clínicas e a ideia de que o analista deve se despojar de sua enfatuação, dando testemunho daquilo que ele faz em sua prática clínica. E, nesse mesmo tempo, instituímos entre nós a prática de produção, proposta por Lacan, dos cartéis. No momento seguinte, assumimos a empreitada de dissolver os grupos e pôr em questão a lógica dos chefes e líderes e passamos à fundação da Escola. E, o que não poderia ser diferente, quase imediatamente criamos o passe de entrada como uma forma de reconhecer que a autorização do analista passa, necessariamente, por sua própria experiência de análise, e que uma Escola deve saber acolhê-la. Exatamente neste momento, estamos às voltas com o ato de consecução do Instituto e de sua Seção Clínica.

A proposta do Instituto surge nos rastros da insistência de Jacques Lacan em criar um Departamento de Psicanálise no contexto do ambiente universitário, no final da década de 60. Isso desaguou no que todos conhecem como Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris-VIII. Em 1975, ele realiza uma espécie de refundação e renovação desse Departamento e, em 1976, cria os cursos e respectivos diplomas do DEA (um equivalente ao nosso mestrado) e do doutorado. Em 1977, surge a Seção Clínica. O próprio Miller afirma que, se ele inventou o “Instituto foi para prosseguir, na França e em outros lugares, esta via que não é outra senão a de Lacan”[2]. E a pergunta que emerge, a partir daí, é a seguinte: se já se tem a Escola de Lacan, por que seria necessário criar o Instituto? Qual é a dialética que se instaura entre o ato de fundação, que promoveu uma iniciativa institucional e outra? Trata-se, simplesmente, de espaços institucionais geográficos distintos?

Claro que não! Na verdade, estamos diante de duas lógicas de funcionamento que se justificam por princípios essencialmente distintos. E o ponto de partida dessa distinção é o fato de que o discurso analítico tende, invencivelmente, ele mesmo, a se destruir. A tese da autofagia própria do discurso analítico se justifica em função de que é o saber suposto que alimenta e sustenta a psicanálise, e que é esse mesmo saber que, por dentro, o corrói. Essa forma específica do saber analítico, que está na base da experiência analítica, é o que anima a existência da Escola e o que permite ter como seu sustentáculo básico o dispositivo do passe. O passe existe apenas porque a experiência analítica secreta essa forma de saber, cuja lógica é aquela da ressonância do saber que se transmite pela via do trabalho de transferência. O saber suposto é o que se motiva e se produz por intermédio da transferência e, como modo de saber, ele está genuinamente ancorado na experiência analítica.

Se o funcionamento da Escola se funda e se orienta pelo saber suposto e pela experiência do passe, o Instituto, por sua vez, se baseia no saber exposto e naquilo que, no domínio da psicanálise, lhe é característico, isto é, o matema. O Instituto é, portanto, o lugar em que predomina o saber exposto, o único capaz de colocar limite ao processo inexorável de autofagia do saber suposto, próprio do discurso analítico. É por isso mesmo que se diz que o Instituto é o aguilhão da Escola. Ele é o aguilhão da Escola à medida que, ao empunhar e priorizar a lógica da argumentação, em detrimento daquela da ressonância, ele estimula, por excelência, a transferência de trabalho — transferência que apenas pode se personificar na demonstração própria do saber exposto. Nessa distinção entre o passe e o matema, saber suposto e saber exposto, entre a lógica da ressonância e a da argumentação, transmissão e demonstração, o Instituto assume suas feições de algo que permanecerá para sempre como atópico. “Enquanto que a Escola se particulariza, esposando os contornos de cada cidade, região, país, o Instituto, em qualquer lugar que exista, tenta ser o mesmo, tal como o matema”[3].


 

[1] MILLER, J.-A. “L’acte entre intention et consequence”. In: La Cause freudienne, Politique lacanienne, nº 42.
[2] MILLER, J.-A. “Ouverture de la surprise à l’énigme”. In: IRMA-Le Conciliabule d’ Angers: Effets de surprise dans les psychoses. Paris: Agalma, 1997, p. 13.
[3] Ibid.