Simone Souto
Psicanalista
Membro da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP)
e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP)
ssouto.bhe@terra.com.br
O que vou trazer para vocês hoje são apenas alguns elementos que, espero, nos ajudem a aproximarmos um pouco mais desta noção de Lacan, um tanto enigmática, que é a histeria rígida, e que foi mencionada por ele, pelo menos até onde pude investigar, apenas uma única vez, no Seminário 23.
A histeria hoje
Nos primórdios da psicanálise, em um mundo ainda ordenado pelos ideais, o sintoma histérico se apresentava como um sentido a ser decifrado. Esse sentido tinha como modelo o Édipo estruturado a partir da referência ao pai. Assim, a histérica, no tempo de Freud, tinha um pai que lhe assegurava um sentido pelo qual era possível abordar a satisfação, assim como o incômodo que lhe afetava o corpo. Em outras palavras, o gozo do sintoma era apreendido pela via do sentido. Constatamos essa prevalência do pai nos sintomas histéricos em todos os casos conduzidos por Freud. Podemos referi-la à época, mas podemos também nos indagar, como o fez Lacan (1969-70/1998, p. 94) no Seminário 17, pelo desejo de Freud, pelo que o fez substituir o saber que recolheu da boca das histéricas (a propósito do poder das palavras e da determinação significante sobre o corpo), pelo mito do complexo de Édipo. Segundo Lacan (1969-70/1998, p. 94), “o que Freud tentou preservar com o complexo de Édipo foi a ideia de um pai todo amor” e que “a experiência da histérica […] deveria tê-lo guiado melhor que o complexo de Édipo”. Então, seguindo Lacan (1972-73/1985, p. 36), podemos supor que, desde Freud, a histeria nos ensina algo sobre o sintoma que não passa pelo pai, algo que teria sido encoberto pela importância dada por Freud ao complexo de Édipo. Trata-se do significante como causa de gozo.
Segundo Laurent (2012), o que está em questão em nossa época é o amor ao pai como eixo em torno do qual gira a constituição do sintoma histérico. As histéricas já não acreditam mais no pai como detentor de um sentido capaz de resolver o enigma do gozo. A impotência do pai tornou-se evidente e a histérica já não se presta mais a fazer existir o pai ideal sustentando-o através de seu amor (BROUSSE, 2013). Assim, para abordar a histeria hoje seria preciso considerá-la como uma estrutura neurótica cujo sintoma pode não se sustentar no amor ao pai, nem seria tecido na trama edípica. Nesse contexto, a histeria se apresentaria, portanto, desvestida de sentido: se a histérica freudiana nos ensinou que o sintoma comportava um sentido sexual, a histérica de hoje nos convoca à constatação de que o sintoma, em última instância, não tem sentido algum e se reduz à pura repetição de um gozo. Entretanto, como veremos a seguir, será preciso distinguir essa forma de apresentação do sintoma histérico tanto das psicoses, quanto da posição feminina e do sinthoma como produto do final de uma análise.
Na nossa prática hoje, “é cada vez mais constante encontrarmos casos clínicos de neurose nos quais o amor ao pai ou a busca de identificação do lado da metáfora paterna não conseguem sustentar-se claramente, mas que de fato não são casos de psicose”. Assim, com relação à distinção entre a histeria hoje e a psicose podemos considerar que, mesmo tendo perdido o pai, ou seja, o recurso para resolver o gozo pelo sentido, a histérica atualmente não deixaria de portar, em seu corpo, a marca da castração, isto é, o falo, mas não mais em sua vertente de significação, como resultado da metáfora paterna, e, sim, como significante do gozo. Nesse contexto, como nos demonstra Miller (2011), a função do significante passaria a ser a de aparelhar o gozo, dar-lhe substância, materialidade. O sintoma histérico hoje se sustentaria muito mais na materialidade do significante do que em sua produção de sentido.
Essa forma de aparelhamento do gozo que não passa pelo sentido parece constituir-se em uma marca do nosso tempo, observável não só na clínica da histeria. Se a histérica não se dedica mais a sustentar o pai, o psicótico, também, diferente do que fez Schreber, já não tem tanta necessidade de inventar o pai a partir do sentido, isto é, da metáfora delirante. A psicose, hoje, em certos casos, inventa outras coisas, mais ordinárias, no lugar do pai. Assim, em nossos dias, não é que o modelo edipiano deixa de ser uma referência, o que acontece é que esse modelo, ele é abalado, deixa de ser a único, a referência universal.
Dora: uma histérica freudiana e seu avesso
De acordo com Laurent (2012, s/p), “após o Seminário sobre Joyce, Lacan propõe uma série de releitura dos Estudos sobre a histeria, mas pelo avesso”. Como vimos, quanto ao sintoma histérico, Freud teria feito um percurso passando do significante ao pai. Para precisarmos o que o sintoma histérico presentifica em seu cerne, proponho a vocês retomarmos o caso Dora guiados por essa proposta de Lacan, isto é, lendo-o pelo avesso, fazendo o percurso inverso ao de Freud, isto é, do pai ao significante como causa de gozo. Se, por um lado, é evidente, na condução de Freud, certo recobrimento do sintoma pela primazia dada ao pai, por outro lado, ele nos deixa todas as pistas para fazermos o caminho de volta. Nesse sentido, o caso Dora é privilegiado, uma vez que, conforme sublinha Lacan (1951/1998, p. 225), por se tratar de uma histérica, “em parte alguma […] é mais baixo o limiar […] entre o discurso analítico e a palavra do sintoma”.
Dentre os sintomas apresentados por Dora – dispneia, enxaqueca, depressão… –, Freud dará particular atenção à afonia e à tosse nervosa. Esses sintomas encontram sua significação a partir da complexa trama que envolve Dora, o pai, o Sr. K. e a Sra. K. O pai e a Sra. K. são amantes, e Dora, mesmo revoltada, se coloca como cúmplice, protetora dessa relação, ficando, concomitantemente, exposta às propostas amorosas do Sr. K.
Freud pôde fazer surgir, no percurso dessa análise, uma ligação entre a tosse nervosa de Dora e o caso de amor do pai com a Sra. K., do qual ela tanto se ocupava. A oportunidade para essa ligação aparece com o significante “ein vermongender Mann”, que em alemão significa “um homem de posses”, com o qual Dora se refere ao pai e que Freud interpreta em seu sentido inverso: “ein unvermongender Mann”, “homem sem recursos, impotente”. Como Dora poderia continuar sustentando que existia um caso de amor entre a Sra. K. e seu pai ao mesmo tempo que admitia a impotência deste último? A resposta de Dora coloca em cena o sexo oral como um recurso pelo qual um homem impotente poderia sustentar a relação com uma mulher. Freud irá deduzir, então, que Dora havia criado uma fantasia sexual inconsciente (sugar o pênis), expressada através da afonia e da tosse. Como nos esclarece Laurent (2012, s/p), com esse sintoma, Dora se identifica com o gozo do pai: “ela coloca sua própria boca nessa participação do gozo do pai”.
No entanto, Freud nos dá elementos para supor que a prevalência do gozo oral nos sintomas de Dora remonta a origens ainda mais remotas que não passariam necessariamente pelo pai. Trata-se de uma cena que teria proporcionado “a condição prévia”, “somática”, para a fantasia de Dora: “ela chupava o polegar esquerdo sentada em um canto do assoalho ao mesmo tempo que puxava com a mão direita o lóbulo da orelha do irmão que estava sentado quieto ao seu lado” (FREUD, 1905[1901]/1996, p. 49). Lacan (1951/1998, p. 220) situa, nessa cena, “a matriz imaginária na qual vieram confluir todas as situações que Dora desenvolveu em sua vida – verdadeira ilustração da teoria, ainda por surgir em Freud, da compulsão à repetição”. Portanto, essa cena presentifica a via pela qual o gozo vem marcar o corpo de Dora, ou seja, o acontecimento através do qual, para ela, o gozo toma consistência e se fixa, um S1, sozinho, um traço que se repete e não se sustenta em sentido algum.
O próprio Freud (1905[1901]/1996, p. 50) faz menção, no contexto no qual aborda essa lembrança de Dora, ao “traço conservador” que asseguraria que um sintoma, uma vez formado, possa ser retido mesmo que o pensamento inconsciente ao qual ele deu expressão tenha perdido seu significado, uma “unidade constituída pela matéria que deu margem às várias fantasias”. Com a fantasia de sugar o pênis, Dora constrói uma versão paterna para o gozo oral experimentado na infância, ou seja, cria uma significação do gozo baseada em seu amor pelo pai impotente, um sentido que vem recobrir o traço sem sentido do gozo, esse avesso do sintoma, esse osso, essa matéria na qual, em última instância, o sintoma se sustentaria em sua existência. Retornaremos a isso mais adiante.
A histeria lacaniana: uma forma real de apresentação do sintoma
No Seminário 23, Lacan (1975-76/2007) faz menção a uma forma de apresentação da histeria na peça O retrato de Dora, longamente comentada por Laurent (2012).Trata-se de uma peça de Hélène de Cixous (1976/1986) que estava sendo encenada na época em que Lacan pronunciava o Seminário 23. Hélène Cixous foi ensaísta, poeta e crítica literária influenciada por Lacan. Foi, também, a responsável pela introdução da obra de Clarisse Lispector na França e em outros países. Nessa peça, observa Lacan, a histeria aparece incompleta e, por isso, reduzida a um estado que ele chamou de material. O que a faz incompleta é a falta do elemento que a tornaria passível de ser compreendida, ou seja, falta o elemento que introduziria a significação.
Em Freud, o sintoma de Dora é acompanhado de uma significação sexual, baseada em uma versão do pai como impotente. É esse elemento que torna o sintoma interpretável, conferindo-lhe um sentido. Assim, desde Freud, ou mesmo antes dele, o sintoma histérico está sempre acompanhado de um intérprete, de um elemento que lhe confere uma significação. No entanto, em sua peça, Cixous apresenta Dora sem esse elemento interpretante (LAURENT, 2012), faz surgir uma histeria sem parceiro, sem sentido. Podemos dizer então que, na falta desse elemento, o sintoma histérico apareceria em sua prevalência libidinal, desvestido de sentido, reduzido à sua materialidade, ou seja, ao traço que fixa o gozo no corpo. Podemos aproximar esse traço do que foi destacado por Freud com relação à cena de Dora com o irmão, um traço que asseguraria a conservação de um sintoma mesmo que ele tenha perdido seu significado. Quanto a isso, vale lembrar as elaborações de Lacan sobre a identificação no Seminário 24, comentadas por Laurent e a partir das quais nos parece possível concluir que a identificação histérica – tanto com relação à sua vertente de participação no gozo do outro, que Freud exemplifica como fundamento da epidemia histérica (caso do pensionato), quanto em sua vertente de amor ao pai – se sustentaria, no fim das contas, na identificação que Lacan (1977) chamou de neutra, a identificação a um traço particular, a um traço qualquer que seria apenas o mesmo. Logo, “a histeria em seu estado material” parece ter a ver com o que, em última instância, para além ou aquém do sentido edípico, toda histeria poderia ser reduzida. Conforme esclarece Laurent (2012, s/p), “o material, no fundo, é o sintoma como tal, separado do sentido”. O sintoma histérico, assim apresentado, sustentar-se-ia apenas do Um-sozinho, do significante em sua materialidade como substância gozante (MILLER, 2011).
Essa forma de sustentação da histeria a partir do Um, Lacan qualificou de rígida, uma histeria que se sustentaria sem o apoio do pai como instrumento através do qual o gozo poderia ser resolvido pelo sentido (MILLER, 2007, p. 238). Lacan (1975-76/2007, p. 103) é levado, então, a articular uma cadeia borromeana “rígida” na qual o simbólico, o imaginário e o real se conjugam, mantendo-se unidos sem a necessidade do Nome-do-Pai como uma rodinha suplementar (LAURENT, 2012). Ele chama a atenção para o fato de que, nessa maneira de apresentar a cadeia, “o importante é o real” (MILLER, 2007, p. 238), é o fato de que o real não se restringe unicamente a uma das rodinhas de barbante, pois a cadeia inteira constitui o real do nó. Partindo dessa observação de Lacan, parece-nos possível afirmar que a histeria rígida evidencia a vertente real do sintoma, o sintoma apresentado, realizado, assim como a peça de Cixous, de um modo real.
Esse modo real nos remete ao sintoma histérico não mais em sua plasticidade, fruto de sua inserção nas significações, mas como iteração do mesmo, do Um-sozinho que não se liga a nada. Portanto, a nosso ver, o que Lacan apresenta como histeria rígida não seria uma histeria sem sintoma, mas uma histeria na qual o sintoma não se sustentaria na significação produzida pelo Nome-do-Pai. Lacan (1975-76/2007, p. 102) nota que aquela que faz o papel de Dora na peça não deixa de mostrar suas manias, suas virtudes de histérica. Isso quer dizer que o sintoma está lá, porém sem sentido, em sua vertente real. Tratar-se-ia da histeria como um elemento estrutural, da histeria apresentada a partir do que, em última instância, constitui o substrato, o osso, o cerne de toda histeria e mesmo de todo sintoma neurótico.
Nesse contexto, nos ocorreu pensar se, com a cadeia rígida, não poderíamos situar outra maneira de apresentar o que Lacan (1951/1998) chamou, em “Intervenção sobre a transferência”, de “matriz imaginária”, referindo-se à já citada cena de Dora com o irmão, ou, ainda, se essa matriz imaginária não seria da ordem de uma Prägung, termo utilizado por Freud e comentado por Lacan no Seminário 1. Freud faz menção a esse termo referindo-se à cena primaria no caso do Homem dos Lobos (quando ele vê uma cena entre os pais de uma cópula a tergo) e que me parece servir, também, para a cena de Dora com o irmão. Trata-se, segundo Lacan, de uma efração imaginária, de uma cunhagem, de uma marca a partir de uma experiencia de gozo estritamente limitada ao domínio do imaginário, pois situa-se em um inconsciente ainda não recalcado, algo que ainda não teria sido integrado ao sistema verbalizado do sujeito, algo que não atingiu a verbalização e nem mesmo a significação. Conforme nos explica Lacan, o trauma no que ele tem ação de recalque, intervém só depois. Entre a cunhagem e o recalque simbólico, nos diz ele, há apenas uma diferença, essencial a meu ver: é que, naquele momento da Prägung, ninguém está lá para dar a palavra àquele que é afetado pela Prägung – trata-se, portanto, de um acontecimento sem Outro, sem simbólico e que certamente nos abre algumas questões sobre a função do imaginário e mesmo de uma certa prevalência deste na apreensão do real e da importância de o considerarmos de forma renovada na condução do tratamento, como nos elucida Miller em sua leitura do ultimíssimo Lacan.
Desta maneira, se no início de seu ensino Lacan faz prevalecer o imaginário como matriz, como imagem condensadora do gozo a partir da qual o sintoma é gerado, no Seminário 23, com relação à cadeia rígida, ele dará destaque à aparência suportada pelo nó entre o simbólico, o imaginário e o real (aparência nodal). Nas palavras de Lacan (1975-76/2007, p. 107), “essa aparência nodal, essa forma de nó, se posso dizer assim, é o que dá segurança ao real. Direi, portanto, nesse caso, que o que testemunha o real é uma falácia, posto que falei de aparência”.
O falo como testemunho do real
Constata-se, dessa forma, uma mudança de perspectiva com relação à histeria nos tempos de Freud e que observamos cada vez mais em nossa prática: a histérica de hoje não precisa mais, para gozar, de sustentar o pai através de seu sintoma, criando um sentido, porque, para gozar, ela se sustenta no significante. Essa constatação nos leva a uma questão que Laurent (2012) situa como crucial e que, segundo ele, permite a Lacan, no Seminário 23, reformular a histeria tomando-a, como vimos, por seu avesso: diz respeito ao novo lugar que Lacan dá ao falo, não mais como resultado da metáfora paterna, testemunho dos efeitos de significação, mas como um semblante que dá testemunho do real. Segundo Laurent (2012, s/p), o falo, nessa nova posição, estaria “fora da metáfora paterna”, ou seja, separado de toda significação edípica. Aqui, não estamos mais no contexto no qual “ali onde isso fala, isso goza”; o que se situa em primeiro plano é a constatação de que “isso goza, ali onde isso não fala”, “isso goza, ali onde isso não faz sentido” (MILLER, 2011).Trata-se do falo, como já o designava Lacan (1960-61/1992, p. 234) no Seminário 8, em sua “presença real”, “um símbolo inominável”, “cuja emergência faria estancar todo reenvio que se tem lugar na cadeia dos signos”. Como tal, o falo é o significante do gozo do Um que, conforme nos indica Miller (2001, p. 23), é impossível de negativizar, é o significante como suporte material do gozo, ao qual Lacan (1975-76/2007, p. 119) confere uma “phunção de fonação” que “acaba sendo substitutiva do macho, dito homem”. Podemos nos referir, aqui, à afirmação de Freud de que a libido é sempre masculina, e também à tese de Miller (2011) segundo a qual, para o falasser, o gozo não é sem o significante. Assim, o falo é o que permanece, no corpo, como resíduo condensador de um gozo incurável, sustentação do gozo do Um, desse pouco de gozo que resta ao falasser face a seu encontro traumático com a inexistência da relação sexual e de um gozo absoluto que lhe conviria. Sendo assim, o falo, fora da metáfora paterna, é presença real de um gozo e, ao mesmo tempo, marca da castração que não está referida à falta paterna, mas, sim, ao furo da inexistência da relação sexual. Trata-se do “real marcado pela falácia” (LACAN, 1975-76/2007, p. 112). É desde esse lugar que o falo pode aparecer como passível de verificar que o furo da inexistência da relação sexual é real.
A recusa do não-todo
A partir daí, parece-nos possível afirmar que a histérica de hoje nos mostra a via do significante sem o pai, isto é, sem que o poder do significante, como causa de gozo, fique recoberto, como vimos no caso Dora, pela impotência paterna. Dessa forma, o sintoma sustenta-se, em sua existência, no falo, conforme explicitado acima, como significante do gozo, separado do sentido, fora da metáfora paterna. Trata-se, literalmente, do falo em sua materialidade, como um significante que dá corpo ao gozo, que faz do sintoma um acontecimento de corpo a partir do qual podemos constatar o efeito maior do significante: o furo. Segundo Miller (2010-11, s/p), “esse furo vem precisamente no lugar da função edipiana do interdito e de todas as significações aferentes”. É, portanto, uma ancoragem real, um traço que se repete e não diz nada a ninguém, mas presentifica uma forma de satisfação, um gozo enigmático que pode precipitar o sujeito até a análise. Assim, encontramos na histeria hoje uma fala analisante que se apoia mais na vertente do significante como produção de gozo do que em seu efeito de significação, e sintomas que se apresentam prevalentemente em sua vertente real e libidinal como, por exemplo, os acontecimentos de corpo, as compulsões, algumas formas de apresentação da homossexualidade feminina, as devastações amorosas, etc.
No entanto, por mais que a histérica hoje apresente o sintoma sustentado no falo como significante do gozo impossível de negativizar, ela não deixa de demonstrar que o que lhe é dado como gozo é sempre aquele que não deveria ser, é sempre um gozo que não convém se comparado ao único gozo que conviria: aquele relativo à relação sexual que ela visa a atingir. Sendo assim, ela se recusa a ser o sintoma de outro corpo, do corpo de um homem, ou seja, aquilo de que ele goza. Portanto, em seu sintoma, ela goza do significante como Um-sozinho, como um corpo que se goza, mas se recusa a fazer passar esse gozo por um outro, colocá-lo à prova na relação com o parceiro. Sua recusa, em outras palavras, é a de servir-se do falo, ou seja, de seu próprio corpo, para verificar o real da inexistência da relação sexual. Ela se aprisiona na lógica do gozo do Um para continuar mantendo, em seu horizonte, o Outro absoluto, A Mulher como depositária de uma feminilidade que se situaria toda fora do falo e da qual ela se sente privada.
Parece-nos, então, que o sintoma histérico, em nossos dias, mesmo não estando mais encoberto pelo amor ao pai, permanece como uma forma de defesa com relação ao real de um gozo não-todo e, por isso, diferentemente da posição feminina, em perfeita consonância com os tempos atuais marcado por um individualismo de massa (LAURENT, 2013, p. 36). É justamente na medida em que, em seu sintoma, a histérica recusa a servir-se do falo para verificar o real, que podemos distinguir o que Lacan chamou de histeria rígida, ou seja, a forma real de apresentação do sintoma histérico, do sinthoma tal qual ele se apresenta no final de uma análise, referido ao não-todo. Portanto, é a recusa do feminino que hoje, a nosso ver, nos permite dizer que se trata de uma histeria, mesmo quando não dispomos mais de um sentido para compreendê-la.
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