Elaborações Psicanalíticas Sobre A Melancolia E A Mania
ADAUTO CLEMENTE
Em seus primeiros trabalhos, Freud (1895/1975) comparou a melancolia a uma “anestesia psíquica”, decorrente de diminuição da produção ou de evasão da energia somática sexual, como uma “hemorragia interna”, diminuindo a reserva disponível de libido. Ou seja, a melancolia estaria ligada à perda de libido.
O avanço posterior da teoria freudiana passou a ter como foco as “psiconeuroses”, e o estudo do afeto depressivo só foi retomado por Freud em “Luto e melancolia” (1917/1975), com uma elaboração tópica sobre tais estados. Ambos constituiriam respostas à perda do objeto, mas, na melancolia, observava-se uma perturbação da estima de si, habitualmente ausente no luto. A perda desencadeante parecia ter valor apenas ocasional e poderia ter natureza diversa: um objeto amado, perdas de natureza mais ideal e, por fim, situações em que não se consegue distinguir claramente o que foi perdido, o que estaria na base do mecanismo da melancolia. Encontram-se, nesse texto, três aspectos que Freud considerou essenciais na melancolia: a perda do objeto, o retorno da libido ao eu e a ambivalência.
O trabalho do luto supõe o desligamento gradual da libido investida no objeto perdido, permitindo que ela seja deslocada para outros objetos. Na melancolia, tal ação psíquica não se efetiva. A libido não é transferida a outros objetos, mas se volta para o eu, identificado com o objeto perdido. A perda do objeto se converte em perda do eu e a hostilidade contra o objeto perdido passa a ser dirigida contra o próprio eu, sob a forma de recriminações e autoagressividade. O suicídio do melancólico seria uma tentativa de atingir nele mesmo esse objeto perdido com o qual estava narcisicamente identificado.
Freud atribuiu a origem da tendência melancólica a perturbações na relação com os objetos que remontam primórdios do processo de constituição do eu, daí sua localização como uma “neurose narcísica”. O momento constitutivo da configuração do objeto ocorre conjunta e concomitantemente à constituição do eu. Esse é o momento crucial que também é destacado na posição depressiva concebida por Melanie Klein e no estádio do espelho explorado por Lacan.
A posição depressiva representa o momento em que o bebê deixa de se relacionar somente com o seio, as mãos, a face, os olhos da mãe, como objetos separados (parciais), e reconhece a mãe como um objeto total, com seus aspectos bons e maus. Concomitantemente à introjeção de objetos cada vez mais totais, o ego também se torna mais integrado, menos dividido nos seus componentes bons e maus, e o bebê se defronta com a própria ambivalência. A experiência da depressão se manifesta no temor de que os próprios impulsos tenham destruído o objeto amado, mobilizando, no bebê, a vivência da culpa, ou seja, a necessidade de reparar o objeto de suas pulsões e fantasias destruidoras (SEGAL, 1975).
Em circunstâncias favoráveis, as repetidas experiências de luto e reparação, de perda e recuperação, gradualmente, modificam a crença do bebê na onipotência de seus impulsos destrutivos. Nisso consistiria a elaboração da posição depressiva. Vivências posteriores de perda podem reativar essa experiência depressiva infantil. Se a posição depressiva foi alcançada, ou ao menos parcialmente elaborada, as dificuldades encontradas no desenvolvimento posterior do indivíduo não serão de natureza psicótica, mas neuróticas. Portanto, para Melanie Klein, o desenvolvimento do sentido de realidade psíquica é inseparável do sentido de realidade externa. Concepção semelhante pode ser encontrada na formulação de Lacan sobre o estádio do espelho.
Segundo Lacan (1949/1998a), a criança organiza e unifica as sensações do corpo fragmentado em uma totalidade por meio de uma imagem especular, em um processo de ancoragem que torna possível a constituição do “sentimento de si”. A criança busca sinais de confirmação de sua imagem unificada que lhe chegam pelo olhar, pela voz e pelos gestos maternos. Ao integrar-se nessa imagem unificada, porém, a criança também sofre uma alienação, pois essa imagem especular que a constitui lhe é exterior. Nesse processo, permanece um “resto”, que resiste a essa especularidade, uma falta que clama pelo preenchimento e que sustenta a condição de desejante do ser humano. O sujeito deseja o que lhe falta; não havendo falta, não há desejo (PERES, 2006).
A resposta a essa falta será distinta em função da presença ou não do significante fálico. Se ele é operante, frente ao vazio da falta, é feito um apelo à ordem significante. Assim, no luto neurótico, o trabalho significante repara a perda, e o objeto será inscrito na fantasia. Na melancolia, entretanto, devido ao elemento forclusivo, a resposta não se faz por um trabalho significante, e ocorre identificação com o objeto perdido. Freud considerava que a libido circula do eu aos objetos, podendo ser investida ou retirada dos mesmos. No entanto, existe uma resistência natural da libido em desligar-se, e algo da libido sempre resta no eu, sem representação (MATTOS, 2009). Assim é que Lacan descreve o “objeto a” como “a reserva derradeira e irredutível da libido” (LACAN, 2005, p. 121), ou como aquilo “que resta de irredutível na operação do advento do sujeito” (LACAN, 2005, p. 179). A identificação do melancólico a esse objeto “resto” da operação de constituição do sujeito aponta sua posição de objeto a, na sua vertente de resto inútil do simbólico (QUINET, 1999). Assim, Lacan deslocou as teorias sobre a relação de objeto para uma teoria sobre a falta de objeto.
A ambivalência foi outro aspecto da melancolia destacado por Freud, como resultado da emergência dos conflitos inconscientes de amor e ódio ao objeto. Para Abraham (1911/1970), a ambivalência do melancólico é determinada pelo desapontamento sofrido junto ao objeto na fase oral, que expõe o sujeito a efeitos destrutivos nas fases subsequentes: severidade, culpa e incansável necessidade — e seu irreparável fracasso — em reintegrar o objeto. Isso o levaria a um sadismo exacerbado e afastado da consciência, que retornaria nos sonhos, em atos sintomáticos, nas ideias de culpa ou em tendências masoquistas, o que explicaria a atitude passiva e o prazer que os melancólicos parecem obter no próprio sofrimento.
Em “O Eu e o Isso” (FREUD, 1923/1975), Freud apresenta novas concepções sobre a melancolia, à luz da teoria estrutural do funcionamento psíquico: ela estaria relacionada às exigências de um supereu extremamente enérgico, que ataca implacavelmente o eu. O supereu se converte, então, em ponto de confluência das tendências mortíferas, daí a máxima que “o supereu do melancólico é pura cultura de pulsão de morte”. O componente de culpabilidade decorreria das relações do eu com o ideal do eu: o eu assume culpas e aceita submeter-se a castigos, por ter introjetado e por estar identificado com o objeto sobre o qual recai a ira do supereu. O sentimento de culpabilidade não alcança tamanha dimensão nos neuróticos, porque eles apelariam a outros mecanismos para defender-se do sadismo do supereu, por exemplo, recorrendo ao Outro para regular o gozo ou à absorção do gozo pelo simbólico (PERES, 2003).
Em “Kant com Sade” (LACAN, 1962/1998b), Lacan descreve a “dor de existir em estado puro” do melancólico. A dor de existir é aquilo que retira do sujeito toda a ilusão, todo o sentido e todo o apego ao objeto. Contra seus golpes, a função do desejo se exerce e confere substância à existência. A dor de existir é uma realidade em todas as estruturas clínicas, mas se revela com tal extensão e intensidade no melancólico que a própria “realização da vida pode confundir-se com o anseio de pôr fim a ela”. Privado da função protetora do desejo, o sujeito melancólico é confrontado com a dor de existir em estado puro e pode escolher a morte como solução (SANTIAGO, 2009).
Em “Televisão”, Lacan (1974/2003) alinha a tristeza em uma perspectiva ética, definindo-a como uma covardia moral. Ao contrário do que faz supor o termo médico depressão, tal estado não pode ser reduzido à sua base no corpo e nem uniformizado quanto à simples gradação da causa e de seus efeitos. O termo depressão tem caráter pouco discriminativo em termos de diagnóstico. Diante de um estado depressivo, seria preciso delimitar uma covardia repressora, na qual o “não quero saber nada sobre isso” não seria incompatível com a admissão do inconsciente; de outra, a covardia forclusiva própria das psicoses.
Várias manifestações melancólicas tornam-se inteligíveis quando entendidas sob a perspectiva dos efeitos da foraclusão. Colette Soler (2010) propõe sua ordenação em dois grupos: os fenômenos de mortificação e o delírio de indignidade.
A entrada da linguagem implica uma subtração de vida, revelada na neurose pela castração, mutilação parcial do gozo que será compensada com o apelo aos objetos. Em outras palavras, o menos-de-gozo da castração condiciona a busca neurótica por objetos mais-de-gozo. Nas psicoses, a instância da perda se absolutiza, e a subjetivação posterior dessa perda primária define a diferença entre elas. Na melancolia, essa falta constitutiva é subjetivada como dor moral e adquire o sentido de culpa, assumida pelo sujeito como uma certeza não dialetizável, daí o delírio de indignidade. O melancólico crê não possuir nada daquilo que poderia dar valor à vida (amor, fortuna, força, coragem, etc.). Ao contrário do paranoico, que é fundamentalmente inocente e identifica o gozo no lugar do Outro ao qual dirige suas recriminações, o melancólico dirige acusações a si mesmo. A autodifamação seria uma versão própria do empuxo-à-mulher nos melancólicos, versão assoladora porque desvela um gozo masoquista que não encontra Outro com quem fazer um par. De modo que, quando o sujeito ainda espera um castigo externo, isso não é de todo desfavorável, pois essa expectativa ainda o enlaça a um Outro que seja capaz de expiar sua culpa (SOLER, 2010).
Lacan caracterizou a alucinação como fenômeno paradigmático de retorno do significante no real, típico das psicoses. Outros fenômenos podem ser entendidos pelo mesmo mecanismo, ou seja, o retorno no real também pode apresentar-se como perplexidade, anarquia da intencionalidade, desregulação dos ritmos vitais, alterações na vivência do tempo, fenômenos que são observados em todas as psicoses. Diferentemente de outras psicoses, tipicamente desencadeadas pelo encontro com Um-Pai (LACAN, 1958/1998, p. 584), a melancolia é frequentemente desencadeada por uma perda, que suscita tais experiências de mortificação, como a inibição psicomotora, a insônia e a anorexia. No melancólico, tais manifestações são diferentes de seus homólogos neuróticos, pois desvelam a perturbação vital produzida pela modificação libidinal, com retorno do vetor do desejo sobre o próprio sujeito (SOLER, 2010).
Freud reconheceu a tendência da melancolia em transformar-se em seu estado sintomático oposto, a mania. Os textos psicanalíticos não apresentam, sobre a mania, teorias tão elaboradas como para a melancolia. Comumente, as explicações analíticas da melancolia foram estendidas à mania, como uma antítese. A mania representaria um triunfo do eu sobre a perda do objeto, deixando libido livre para investir vorazmente em novos objetos.
Do ponto de vista estrutural, a alternância entre melancolia e mania foi entendida como uma liberação do eu subsequente à cruel supressão do eu pelo supereu (FREUD, 1927/1975). A elação maníaca será comparada à festa, à alegria da transgressão, à liberdade libidinal; resultado da interrupção momentânea da ação censora do ideal do eu. Ela corresponderia ao triunfo da coincidência temporária do eu com o ideal do eu, interrompendo a repressão e o gasto psíquico que ela exigia, com liberação de energia, convertida em afetos (FREUD, 1921/1975).
Para Abraham, o maníaco estaria arrebatado por suas pulsões orais, entregue a uma embriaguez de liberdade e grandeza, decorrentes do enfraquecimento da repressão. Melanie Klein trouxe a noção de “defesa maníaca” como uma negação da realidade psíquica, sem distinguir a negação repressiva e a negação forclusiva (SOLER, 2010).
Lacan (1974/2003) definiu a excitação maníaca como “o retorno no real daquilo que foi rechaçado de linguagem”. Portanto, o mesmo triunfo da instância negativa da linguagem pode tomar a forma do abatimento mortífero da melancolia ou da excitação maníaca. Porém, o próprio Lacan propôs uma distinção entre ambas no que se refere à função do objeto a (LACAN, 2005, p.364-365). Na mania, o que está em causa é a não-função do objeto a, ou seja, o sujeito não se apoia nesse objeto, ficando entregue à metonímia lúdica e sem limites da cadeia significante, bem exemplificada pelos fenômenos de fuga de ideias (FERRARI, 2006).
Referências
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1 Sob orientação de Francisco Paes Barreto.