O Instituto e a Escola

FRANCISCO PAES BARRETO 

Por que o binário Escola e Instituto? Existe, entre os dois, uma oposição diferencial, constituinte. Para situá-la, farei um breve retrospecto. No Ato de Fundação da Escola (1964), Lacan concebeu três seções: a Seção de Psicanálise Pura, que se encarregaria da doutrina da psicanálise pura e de sua práxis como formação (psicanálise didática), bem como da supervisão (controle); a Seção de Psicanálise Aplicada, que se encarregaria da articulação da psicanálise com projetos de tratamentos, tais como os da área médica e psiquiátrica; e a Seção de Recenseamento do Campo Freudiano, na qual estariam compreendidas três subseções: comentário do movimento psicanalítico, articulações com ciências afins (conexões) e ética da psicanálise, ou seja, a práxis de sua teoria. Nesse momento, Lacan priorizou o “trabalho”: introduziu o cartel como o órgão de base, falou de “transferência de trabalho” e de “trabalhadores decididos”.

Pouco depois, na Proposição de 9 de outubro de 1967, a distinção entre hierarquia e gradus foi apresentada como a solução do problema da garantia na sociedade psicanalítica. O essencial é que ela produz a disjunção da função Analista Membro da Escola (AME) e da função Analista da Escola (AE): o AME como analista reconhecido ao olhar do corpo social e o AE como analista resultante do passe, ou seja, aquele que conseguiu dar provas de seu final de análise. AME e AE são, ainda, como frisa Miller, títulos que respondem a duas lógicas distintas: o AME, assim como o cartel, está na lógica do “todo”, e o AE, assim como o passe, na lógica do “não-todo”.

Outras iniciativas merecem ser aqui lembradas. A fundação, por Lacan, do Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris-VIII (1968) e a anexação, por Miller, com o apoio de Lacan, da Seção Clínica (1977), tendo por objetivo um ensino que pudesse corresponder a uma definição lacaniana da clínica e estabelecer conexões, comportando entrevistas, cursos e uma prática de apresentação de enfermos. A criação, por Lacan, da Fundação do Campo Freudiano (1979), abre um espaço diferente daquele da instituição analítica e daquele da universidade para a difusão da psicanálise. Por fim, a fundação, por Miller, do Instituto do Campo Freudiano (1987), se presta a desenvolver a tarefa de ensino e investigação da psicanálise, levando-a a outros países.

Uma das maneiras de ordenar essa evolução é privilegiando os significantes “Escola” e “Instituto”.

A Escola mantém como objetivo o que Lacan havia proposto para a Seção de Psicanálise Pura. Contando com dois dispositivos fundamentais, por meio do cartel, ela procura responder à pergunta “o que é a psicanálise?” e, por meio do passe, procura responder à outra pergunta, “o que é um analista?”. A Escola é a instituição psicanalítica propriamente dita. Entretanto, como observa Miller, o discurso analítico, com a suposição de saber que o suporta, tende a fechar-se sobre si mesmo, autodestruindo-se quando não confrontado com outro discurso. A contraposição do Instituto é importante para que o saber exposto faça barra. Serviria, conforme propõe Lacan, para “estimular sua Escola, servir-lhe de aguilhão”. Instituição parauniversitária, o Instituto abrange as duas outras seções inicialmente previstas no Ato de Fundação: a Seção de Psicanálise Aplicada e a Seção de Recenseamento do Campo Freudiano.

Entre Escola e Instituto deve haver tanto intervalo como articulação. A oposição entre eles estabelece certa tensão entre saber suposto e saber exposto, entre trabalho de transferência e transferência de trabalho, entre particular e matema, entre psicanálise em intensão e psicanálise em extensão, sem que se possa restringir cada um desses aspectos a um ou a outro. Como propõe Bernardino Horne, na Escola, a intensão aponta para a extensão, e, no Instituto, a extensão aponta para a intensão.

Segundo uma formulação de Germán García, que tem se revelado fecunda, “da cidade dos analistas se encarrega a Escola; ao Instituto interessa os analistas na cidade”.