Todo mundo é louco[1]
Frederico Zeymer Feu de Carvalho
Psicanalista, A.P. da Escola Brasileira de Psicanálise AMP
fredericofeu@uol.com.br
Resumo: Texto de explicitação do aforismo lacaniano “todo mundo é louco”, tema do congresso da Associação Mundial de Psicanálise de 2024, destacando seu contexto de enunciação, ligado ao impossível de se ensinar, e o último ensino de Lacan, do qual esse aforismo é uma bússola.
Palavras-chave: loucura; psicose; delírio; discurso analítico.
EVERYONE IS CRAZY
Abstract: Explanation text of the Lacanian aphorism “everyone is crazy”, theme of the 2024 Congress of the World Association of Psychoanalysis, highlighting its enunciation context, linked to the impossible to teach, and Lacan’s last teaching, of which this aphorism is a compass.
Keywords: craziness; psychosis; delirium; analytical speech.
1.
A frase “todo mundo é louco” é um aforismo criado por Lacan no ano de 1978. Ele pode ser tomado como um “condensado do seu ultimíssimo ensino”, conforme proposto por J.-A. Miller (2007-2008/2015, p. 309). Está sob a égide e o regime de S(Ⱥ), matema lacaniano que condensa dois aspectos principais. O primeiro diz respeito à não garantia do Outro concernindo, portanto, à linguagem como tal. Esse aspecto recobre duas proposições negativas de Lacan: “não há Outro do Outro” e “não há metalinguagem”, proposições equivalentes entre si, que refletem tanto a incompletude do simbólico quanto a inconsistência de um sistema lógico, tal como abordado pela tradição lógico-filosófica do século XX. O segundo aspecto é a intraduzibilidade do gozo. Esse aspecto não concerne ao sistema da língua, tomado em si mesmo e por si mesmo, mas à falta de um significante no Outro para nomear ou referir o gozo, conforme o “princípio da indeterminação da tradução” de Quine (1951), segundo o qual haverá sempre inadequação entre a palavra e a coisa, o sentido e a referência.
No ensino clássico de Lacan, S(Ⱥ) designa, primordialmente, a incompletude e a inconsistência do Outro que está no fundamento da ordem simbólica, sendo então designado como “significante de uma falta no Outro” (LACAN, 1960/1998, p. 832), cujo correlato é $, o sujeito recoberto pela barra devido à falta de um significante que o represente, mas aludindo também àquilo que o Nome-do-Pai não é capaz de nomear.
No ultimíssimo ensino de Lacan, esse que começa, segundo a periodização proposta por Miller, no capítulo nono do Seminário 23, S(Ⱥ) se torna o “furo no real”. Ou seja, passamos da incompletude e inconsistência do simbólico a um furo no real. Lacan se refere a esse matema como o “verdadeiro furo” (LACAN, 1975-76/2007, p. 130), remetendo ao troumatisme (em francês, trou significa um “buraco”), ao traumatismo da incidência do gozo fora do sentido que afeta o falasser, para além, portanto, da falta inerente ao simbólico que afeta o sujeito. No traçado dos nós, esse furo é localizado fora do registro simbólico, na medida em que não há o Outro do simbólico, e na conjunção entre o Imaginário e o Real, demarcando a opacidade do imaginário. Talvez a única proposição possível para esse furo no real seja uma outra proposição negativa: não há proporção sexual (Il n’a pas de rapport sexuel). Estamos, portanto, confrontados com a presença desse furo no real, com esse troumatisme, para além da falta ou limite do simbólico. Esse traumatismo é o que se apresenta no acontecimento de corpo que marca a incidência do gozo como fora do sentido.
Essas considerações nos remetem à questão enigmática por excelência, “que queres” (che vuoi), mas na medida em que ela permanece sem resposta. Para além da dialética do desejo que caracteriza o ensino clássico de Lacan, segundo a qual o desejo é sempre desejo de desejo, tal questão nos remete ao gozo como fora de sentido. Se pudéssemos localizar o furo no real, talvez seja justamente nessa inadequação do gozo, na medida em que o gozo do falasser não se articula ao Outro, diferentemente do que a falta ligada à castração permite articular na dialética do desejo, na medida em que o neurótico é aquele que “faz de sua castração algo positivo, ou seja, a garantia da função do Outro” (LACAN, 1962-63/2005, p. 56). Desde esse ponto de vista, a loucura de todo mundo, ordinária, que se refere ao falasser, seria mais próxima de um parafuso a mais que permanece solto ou desarticulado do que de um parafuso a menos que faltaria no universo dos parafusos.
2.
Como proposição, “Todo mundo é louco” é um paradoxo, ou seja, não tem estatuto lógico, assim como a célebre frase de Epimênides, “todo cretense é mentiroso”, dita por um cretense (MILLER, 2022). O paradoxo consiste em que ambas as proposições só poderiam ser ditas ou de um ponto de vista transcendental, um ponto de vista fora do conjunto de todos os mentirosos cretenses ou de todos os loucos, lugar de exceção que desmente a proposição universal, ou de um ponto de vista imanente, ou seja, de um ponto de vista particular de quem é designado mentiroso ou louco, só podendo ser dita por um indivíduo do conjunto, ou seja, por um mentiroso ou por um desarrazoado, sem ter alcance universal.
Como um aforismo da prática analítica, por sua vez, a frase “todo mundo é louco” equivale a uma generalização decorrente da incidência de uma experiência enigmática de gozo conotada por um S1, uma marca de gozo, ao qual se liga um S2, ou seja, um saber, e à disjunção entre eles.
Se postulamos, com esse aforismo, a igualdade fundamental do falasser, é porque esse S1, como tal, é fora-de-sentido; como consequência, o S2, que busca engendrar algum sentido a essa experiência sem sentido, será necessariamente delirante. Passamos então do operador de perplexidade, S1, ao saber delirante, S2 (MILLER, 2007-2008/2015).
É a essa experiência primária do gozo que se refere o matema S(Ⱥ) no ultimíssimo ensino de Lacan. Não há resposta para o enigma endereçado ao Outro em relação a essa experiência. Ela se impõe ao ser falante a partir de uma dupla certeza: isso quer dizer alguma coisa e isso concerne a mim, visto que essa experiência é um acontecimento que concerne ao meu corpo; mas não se sabe o quê isso quer dizer, engendrando, assim, o trabalho inconsciente de cifração.
A certeza concerne, portanto, ao real, e não ao simbólico. Ela pode ser formulada nesses termos: há gozo ou há do gozo. Mas, quando essa certeza se estende ao campo da linguagem, entramos no delírio.
Duas vias se colocam a partir daí, duas formas de se arranjar com esse furo no real. A primeira delas consiste em atribuir um sentido retroativo a essa marca de gozo, S1, a partir do saber inconsciente, S2, no sentido de um trabalho de interpretação do inconsciente em torno do desejo do Outro, ou seja, levando em conta um laço com o Outro. Mas como o Outro é barrado, esse saber conserva seu caráter delirante. Freud chamou essa significação retroativa de naträglich, a posteriori, chamando a atenção para seu caráter ficcional e falacioso. De fato, se a fantasia é uma resposta do real a essa experiência enigmática de gozo, ela não deixa de levar em conta um laço com o Outro por intermédio da extração do objeto a, ao qual o neurótico se consagra, ao transportar para o Outro a função desse objeto sob a forma da Demanda do Outro, $ <> D, como Lacan desenvolve em seu Seminário sobre a angústia (LACAN, 1962-63/2005).
Essa via demonstra o limite do teste de realidade como uma barreira para o delírio. Miller aborda esse ponto a partir do texto freudiano “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental” (FREUD, 1911/1969). Freud diz, nesse texto, que a passagem do princípio do prazer ao princípio de realidade não afeta o inconsciente como tal e que o princípio de realidade é, na verdade, uma continuação do princípio do prazer sob novas condições. Em outras palavras, a renúncia ao princípio do prazer, que é soberano (há gozo), só é possível por intermédio de um ganho de prazer, de uma compensação, de uma infiltração da fantasia no campo da realidade, o que mostra que o gozo, como tal, é impossível de negativizar.
A segunda via do falasser para se arranjar com o furo no real refere-se à busca de uma significação da experiência enigmática fora do laço com o Outro, sem o apoio no Outro ou desacreditando o Outro, no sentido da Unglauben, da descrença. Essa possibilidade pode se dar de diferentes maneiras. O saber pode assumir a forma de um delírio extraordinário, de uma auto elaboração da experiência enigmática de gozo, como vemos em Schreber, ou de uma manipulação da língua, como vemos em Joyce, ou seja, a partir de uma invenção que não está no cardápio do Outro. Ambos se utilizam do material da própria língua para criar uma nova língua, particular, que remodela o Outro, em lugar de fazer um laço com ele.
Nesse sentido, podemos dizer ainda que a ironia esquizofrênica, como uma outra maneira de fazer frente ao furo no real, toma partido de S(Ⱥ), na forma de uma crítica feroz do Outro, sem remendá-lo, e sem que, necessariamente, esse furo no real seja tamponado pelo delírio.
Ao considerar essas duas vias, a via da neurose e a via da psicose, tomamos a afirmação genérica “todo mundo é louco” de uma forma restrita, o que permite dizer que a psicose, ao contrário da loucura, não é para todo mundo. Provisoriamente, podemos concluir, então, que todo mundo é louco antes de ser ou não psicótico.
A experiência universal do delírio (continuísta) se concilia, assim, com o realismo clínico da estrutura (descontinuísta). Em outros termos, o aforismo “todo mundo é louco” concerne mais a uma política da psicanálise, a uma orientação geral quanto aos princípios e limites da prática analítica, do que a uma orientação clínica, no sentido da sua estratégia e da direção do tratamento.
3.
Se o contexto geral do aforismo “todo mundo é louco” pertence ao ultimíssimo ensino de Lacan, seu contexto específico pode ser localizado no ano de 1978. Miller solicita a Lacan que ele intervenha, a partir de um escrito, em favor do Departamento de Psicanálise de Paris VIII (Universidade de Vincennes). Esse texto ficou conhecido com o título “Lacan a favor de Vincennes” e foi publicado em português no número 65 da Revista Correio da Escola Brasileira de Psicanálise.
Esse contexto específico leva em consideração as questões sobre o ensino da psicanálise, não só na universidade. Ele aborda, em primeiro lugar, a diferença entre o discurso do analista e o discurso da universidade, mas também as dificuldades de ensino da psicanálise se levarmos em consideração a estrutura do próprio discurso analítico, uma vez que o agenciamento desse discurso exclui o saber exposto da psicanálise. Como ensinar então o que não se ensina?
Nesse texto, a frase “todo mundo é louco” é acompanhada da explicitação “isto é, delirante”, que a complementa. A frase que se segue é a seguinte: “é isso mesmo que se demonstra no primeiro passo rumo ao ensino”. Ou seja, como afirma Miller (2022), afirmar que todo mundo delira é a condição de todo ensino. Trata-se de uma “crítica feroz à função do ensino” (MILLER, 2022, p. 11), forma da ironia analítica que não deixa de remeter à ironia esquizofrênica. A frase refere-se, portanto, ao impossível inerente ao ofício de ensinar qualquer coisa, ao impossível de educar, como dizia Freud, e não à clínica propriamente dita e ao impossível próprio do discurso analítico.
Pelo contrário, podemos dizer que é justamente por conceber que há um impossível em jogo, ou seja, por se orientar pelo real, que a prática analítica não é apenas um delírio. Pois nada pode fazer frente ao delírio senão o real, e não a razão ou a crença.
Isso não quer dizer que a prática analítica nada tenha a ver com o saber. Mas trata-se de um saber suposto e não de um saber exposto que se ensine ou que se aplique como uma técnica. No discurso do analista, o saber é sous-posé, sub-posto ao objeto a, seu agente (a/S2). Esse saber suposto é um saber deslocalizado e contingencial. Não sabemos quando ou de onde ele pode emergir, mas ele é suposto advir da transferência. Ele é também disjunto de S1 (S2 // S1), o significante mestre do inconsciente. O que isso quer dizer?
Trata-se, justamente, da emergência de um novo saber, disjunto da cadeia significante (S1 – S2) que subsiste no inconsciente como automaton (repetição do mesmo); de um saber que não engendra um novo sentido, mais um saber-fazer com o S1 isolado pela experiência analítica como marca de gozo. Esse saber disjunto, fruto da experiência analítica, de nada serve para outro analisante. Por isso não pode ser ensinado. Ele é limitado por seu alcance singular e pragmático. Mesmo que ele seja uma espécie de ficção ou de invenção, como acontece frequentemente na psicose, esse limite singular e pragmático é também um limite ao delírio. Mas podemos dizer que esse S2, oriundo da prática analítica, é um saber que concerne a um real e ao embate com o fora-do-sentido.
4.
É possível evocar, ainda, o contexto contemporâneo desse aforismo, ou seja, o imperativo da despatologização. Miller (2022, p. 10) observa que Lacan não diz “todo mundo é normal”, mas “todo mundo é louco”, o que convém mais a um apagamento dos limites entre normalidade e loucura do que a uma despatologização generalizada. Todo mundo é louco à sua maneira.
A despatologização, ao contrário, vista como um imperativo contemporâneo, supõe, por detrás da “reivindicação democrática de uma igualdade fundamental dos cidadãos” (MILLER, 2022, p. 9), a conversão de uma patologia a um modo identitário ligado a um determinado estilo de vida. O estilo de vida viria, assim, no lugar de uma designação clínica. O fim da clínica, que podemos ver no horizonte dessa reivindicação, busca também o fim de toda hierarquia fundamentada no saber, isto é, de toda assimetria na relação entre médico ou profissional psi e paciente.
Mas, ser nomeado por um estilo de vida pode ser tão alienante quanto uma nomeação diagnóstica – em relação à qual a psicanálise sempre se pautou por uma reserva, em especial em sua oposição ao DSM e a favor do respeito à singularidade –, embora a despatologização, seja, ao menos aparentemente, menos segregativa.
Essa reivindicação se estende ao campo jurídico, afirmando-se a partir do direito ao próprio corpo e à nomeação de si mesmo, como na frase autodeclarativa “eu sou o que eu digo que eu sou”, forma contemporânea do cogito ergo sum (“penso, logo existo”) de Descartes, que reafirma a soberania do Eu, ficando o médico ou o psi, apesar de algumas ressalvas da lei, sob a autoridade do paciente.
Em relação a essa autodeclaração, podemos formular a questão: o que é uma autoridade clínica? Recorro aqui a uma expressão conhecida de Carlo Viganò para se referir ao saber contingente que advém da experiência analítica, mesmo dentro de uma instituição. A autoridade clínica não é o saber do especialista; tampouco aquilo que o paciente pode dizer de si mesmo, mas o que se impõe por si mesmo na medida em que, como diz Lacan, “isso fala”.
5.
Por fim, gostaria de me referir à conferência feita por Pascale Fari, membro da Escola da Causa Freudiana de Paris, pronunciada na cidade de Rosário, em uma atividade preparatória da XXIII Jornada da Escola de Orientação Lacaniana, em outubro de 2022. Essa conferência parte de uma formulação de Miller durante a Conversação de Antibes, em torno das psicoses ordinárias: “falar é um transtorno de linguagem” (BATISTA; LAIA, 2012, p. 250), que se articula à frase dita por Lacan, em 1978.
De fato, a frase “todo mundo é louco” pode ser tomada em um sentido banal. Somos todos loucos na medida em que falamos a torto e a direito, em uma fuga desenfreada do sentido, sem nos preocuparmos se o que falamos existe ou não. A ideia de que “falar é um transtorno de linguagem” enfatiza, por sua vez, mais as repercussões e ressonâncias da linguagem no corpo, o fato de que padecemos da linguagem que falamos.
Isso é evidente, por exemplo, em relação à injúria. Mas todo delírio está ligado, de alguma forma, a uma significação íntima. Um elemento, um significante qualquer, de repente se destaca do conjunto articulado da linguagem e se absolutiza, torna-se louco, no sentido de um significante primordial que pode, até mesmo, ressignificar todo o conjunto da língua, como acontece com Schreber.
Lacan chamou de lalíngua a existência da língua fora do laço social e que subsiste à normalização da linguagem pelo discurso. “Lalíngua encarna esse núcleo impossível de compartilhar que constitui nosso ponto de inserção e de exclusão com respeito à comunidade humana” (FARI, 2023, s/p). Sendo assim, podemos dizer que não existe A Língua, que a língua é uma multiplicidade inconsistente, e que só existem línguas particulares, efetivamente faladas, mutantes e vivas, como uma ficção gramaticalmente ordenada por regras de uso, mas cuja significação íntima não pode ser compartilhada. É o laço social que normaliza o sentido, isto é, os desvios de lalíngua, introduzindo uma rotina, uma pragmática de seu uso no mar dos mal-entendidos.
O que especifica o esquizofrênico, diz Lacan, é o fato de habitar a língua sem a ajuda dos discursos estabelecidos. É o que revela um paciente que se inquieta pelo fato de se sentir excluído do grupo de colegas na escola: “Eu me dirijo a eles, fazendo uma pergunta. Eles podem até me responder, mas isso não desencadeia nenhuma conversa”. Ele deseja entrar no laço social, mas é como se não tivesse a senha de acesso, e isso o angustia a ponto de se sentir um objeto estranho, não admitido nos agrupamentos sociais, por não compartilhar do mesmo regime de crenças, ou melhor, pela dificuldade em fazer semblante social com a linguagem.
Essa dificuldade típica da psicose é inerente a todo ato de tomar a palavra. Não quando se fala pelos cotovelos, como se diz, seguindo o moinho das palavras, mas quando o uso da palavra exige que se diga “eu” como sujeito da enunciação. Uma paciente, ao retornar para uma segunda entrevista, começou a sessão exatamente com essa pergunta essencial: “quem fala?”. A paciente se refere “a quem cabe tomar a palavra em uma sessão analítica?”. Certamente, há uma proliferação de vozes que falam em nós e que serão decantadas no decorrer de uma análise; mas essa pergunta, “quem fala?”, não deixa de evocar a emergência de um sujeito no moinho das palavras, seja quando se faz um ato falho ou um Witz, seja para operar o corte veiculado por um ato de enunciação.
Ao tomar a palavra, o falasser corre sempre o risco de se desconectar do Outro, por falar a mais ou a menos, por se mostrar inadequado, por expor uma forma de satisfação sintomática, enfim, uma forma particular de recortar e usar a linguagem e de usufruí-la como sua lalíngua. O corpo goza em silêncio, mas é com as marcas de gozo fixado em um acontecimento de corpo que se fala.
Não sem razão, o ato de tomar a palavra está na raiz de muitas formas de desencadeamento da psicose. Se falar é um transtorno de linguagem, podemos dizer que ele também é uma espécie de acontecimento de corpo que atualiza o seu trauma. De certa forma, sempre falamos sozinhos, desde o lugar em que se está fora do sistema da língua.
O discurso analítico é, nesse sentido, uma nova forma de laço social que permite acolher um sujeito a partir desse lugar de enunciação em que somos estranhos à linguagem, em sua inigualável singularidade, para além de um modo de vida identitário e de nossa alienação ao Outro. Nesse sentido, o discurso analítico é um laço social inusitado, destinado a desnudar nossa relação íntima com a língua, isolando seus pontos de ancoragem no corpo, seus S1s, a fim de que o analisante possa se virar com isso de uma outra maneira. Mas não é isso, precisamente, um delírio? A reconstrução de um saber a partir de seus elementos díspares, não simbólicos e intraduzíveis?