Construções e reminiscências[1] 

Luciana Silviano Brandão
Psicanalista, membro da Escola Brasileira de Psicanálise/AMP
lucianasbl@gmail.com

Resumo: A autora faz um percurso ao longo do texto “Construções em análise”, trabalha os conceitos de recordações ultranítidas, verdade histórica, rememoração e reminiscência. Sua hipótese é a de que a verdade histórica se equipara conceitualmente à reminiscência.

Palavras-chave: construção, verdade histórica, rememoração, reminiscência.

CONSTRUTIONS AND REMINISCENCES 

Abstract: The author takes a journey through the text “Constructions in analysis”, working on the concepts of ultranitical memories, historical truth, remembrance, and reminiscence. Her hypothesis is that historical truth is conceptually equivalent to reminiscence. 

Keywords: construction, historical truth, remembrance, reminiscence.

Imagem: Renata Laguardia

“Construções em análise” foi publicado pela primeira vez em 1937 e, nele, Freud dá ênfase ao procedimento e à técnica analítica. Percebemos sua necessidade em defender a psicanálise, pois esta era alvo de ataques dos mais variados campos, e ele o inicia se referindo a um crítico que acusava os psicanalistas de se colocarem na postura daqueles que têm sempre razão, sem levar em conta o “não” do paciente. Para esse crítico, “se [o analisando] concorda conosco, estamos com razão; mas se ele nos contraria, então seria apenas um sinal de sua resistência e, portanto, também mostraria que temos razão” (FREUD, 1937/2017, p. 365).

No entanto, para a psicanálise, um simples “não” do paciente não abdica o psicanalista de sua interpretação, e é essa posição que pode servir de munição para a reprovação de tais críticos. Dessa forma, é necessário entrar em detalhes sobre como a psicanálise entende o “sim” ou o “não” do paciente.

Objetivo do trabalho analítico

O objetivo do trabalho analítico é a suspensão do recalque para substitui-lo por reações que correspondam a um estado de maturidade psíquica. Para que isso aconteça, é necessário que o analisando se recorde de determinadas vivências e moções de afeto que foram esquecidas. Qual seria o caminho para esse resgate? Freud responde que seria através dos fragmentos de lembranças nos sonhos, na associação livre e em alusões de repetições de afetos pertencentes ao recalcado. A transferência seria o caminho para alcançar a imagem dos anos esquecidos pelo paciente.

No entanto, temos que nos lembrar que o trabalho analítico é feito por duas partes – analista e analisando -, cada qual com uma função. Ao analisando, cabe a tarefa de se lembrar do material recalcado, e, ao analista, cabe interpretar esse material. O analista então, “terá de inferir o esquecido a partir dos sinais por ele deixados, ou, mais corretamente, ele terá de construir o esquecido” (FREUD, 1937/2017, p. 367).

Para caracterizar o trabalho do analista, Freud faz uma analogia com o do arqueólogo. Da mesma forma que o arqueólogo infere onde estaria uma parede em uma ruína, o analista faz o mesmo com as lembranças e associações do paciente. Outra fonte importante para a tarefa analítica de construção são as repetições “de reações oriundas de tempos primevos e tudo o que é revelado em termos de repetições através da transferência” (FREUD, 1937/2017, p. 368). Importante ressaltar que para Freud, nesse momento, há a aposta de ser impossível a destruição total das formações psíquicas. Ele acreditava que seria apenas uma questão de a técnica analítica conseguir trazer totalmente à tona o que está oculto.

Entretanto, é necessário levar em consideração que o objeto psíquico, diferentemente do arqueológico, é muito mais complicado que os restos arqueológicos. A construção é apenas um trabalho preliminar na análise de um sujeito.

O processo analítico, ou a construção, é feita passo a passo. Freud afirma que o analista

produz um pedaço de construção, comunica-o ao paciente, para que faça efeito sobre ele; depois, ele constrói mais um pedaço a partir do novo material que chega como um afluente e trabalha do mesmo jeito, e nessa alternância vai até o fim. (FREUD, 1937/2017, p. 369)

A grande questão é se o analista pegou o caminho certo em sua tentativa de fazer esse trajeto. Se não o tiver feito, poderá se retificar em momento oportuno quando nova construção puder ser feita.

O sim ou o não

Quanto ao “sim” ou ao “não” do paciente, esta é uma outra história, pois tanto um, quanto o outro, não garantem que a construção esteja correta. O que garante sua asserção é a produção, pelo analisando, de novas lembranças que complementam e ampliam a construção.

Importante ressaltar que, com frequência, o “não” do paciente pode ser um sinal de resistência, pois a construção analítica é sempre incompleta e abarca apenas um pequeno fragmento do acontecimento esquecido. Dessa forma, pode-se pensar que o analisando “fundamenta sua oposição com base na parte ainda não revelada” (FREUD, 1937/2017, p. 372). Para Freud, o analisando só dará a sua concordância quando souber de toda a verdade e esta, muitas vezes, é bastante ampla. “Portanto, a única interpretação segura do seu ‘não’ é aquela que aponta insegurança; que a construção certamente não lhe disse tudo” (FREUD, 1937/2017, p. 372).

Como saber se a construção tocou em um ponto importante? Podemos supor que seja através de tipos indiretos de comunicação, como, por exemplo, através da expressão idiomática “eu jamais pensei (ou teria pensado) isso (nisso)” (FREUD, 1937/2017, p. 373), que podemos traduzir por “Sim, nesse caso, você acertou o inconsciente na mosca”. (FREUD, 1937/2017, p. 373). Outra é a confirmação indireta através de associações que combinam com o conteúdo das manifestações. E, ainda, aquelas em que as confirmações se infiltram na oposição direta por meio de um ato falho.

Diante dessas constatações, Freud conclui que a crítica sofrida pela psicanálise não é devida, pois, ao se prestar atenção na resposta do analisando, pontos de apoio valiosos são retirados. Por outro lado, “essas reações do paciente geralmente têm múltiplos significados e não permitem uma decisão definitiva” (FREUD, 1937/2017, p. 375), o que nos leva a concluir que apenas a continuidade da análise vai provar se essas construções estavam corretas ou se foram inúteis.

Nem sempre uma construção feita pelo analista produz a recordação do recalcado, mesmo assim, em alguns casos, o paciente tem uma convicção segura da verdade da construção.

Recordações ultranítidas

Ocorre também que uma construção gere as chamadas recordações “ultranítidas” (überdeutlich) (FREUD, 1937/2017, p. 376). Nesse tipo particular de recordação, os pacientes não se lembram do acontecimento que fora o conteúdo da construção, e sim de detalhes muito nítidos: rostos, objetos no ambiente, espaço, etc. Como a elas nada é atrelado, o psicanalista sugere que foram resultado de um acordo em que a resistência conseguiu deslocar o recalcado para objetos secundários vizinhos.

Essas lembranças poderiam ser chamadas de alucinações, mas não apresentam a certeza característica do fenômeno e acontecem em casos que não podemos chamar de psicose. Por outro lado, há ocorrência ocasional de alucinações em casos de não psicóticos. Freud se pergunta se seria uma característica da alucinação que algo vivenciado nos primórdios e depois esquecido se insinue na consciência de forma deformada.

Talvez as formações alucinatórias, nas quais vemos inseridas essas alucinações, não sejam assim tão independentes da súbita vinda à tona do inconsciente e do retorno do recalcado. De forma geral, só sublinhamos dois fatores no mecanismo de uma formação alucinatória: o afastamento da realidade e a influência da realização de desejo sobre o conteúdo do delírio. Mas será que quando o recalcado emerge provocaria o afastamento da realidade, que, por sua vez, causaria a deformidade e o deslocamento do relembrado?

A verdade histórica

Freud sinaliza que o importante é que a loucura não só tem método como contém uma parte de verdade histórica.

Nos parágrafos finais de seu texto de 1937, assinala que, em casos patológicos, não se trata de demover o paciente do erro de seu delírio, de sua contradição diante da realidade, mas de encontrar

um fundamento comum no reconhecimento do cerne da verdade a partir do qual se poderá desenvolver o trabalho terapêutico. Esse trabalho consistiria em libertar aquela parte de verdade histórica de suas deformações e ligações [Anlehnungen] com o presente real, reconduzindo aquela parte do passado à qual pertence (FREUD, 1937/2017, p. 378).

Freud considera que as formações delirantes lembram as construções feitas pelo analista durante o tratamento analítico. Da mesma forma que a nossa construção só traz de volta uma parte da história de vida perdida, o delírio também deve o seu poder de convencimento à porção de verdade histórica que ele coloca no lugar da realidade rejeitada.

Ele conclui seu texto com o seguinte parágrafo:

Se abarcarmos a humanidade como um todo e a colocarmos no lugar de cada indivíduo humano, verificaremos que ela também desenvolveu formações delirantes inacessíveis à crítica lógica e que contradizem a realidade. Se, mesmo assim, elas puderem expressar um extraordinário poder sobre as pessoas, a análise levará à mesma conclusão que no caso de cada indivíduo. Elas devem o seu poder ao teor de verdade histórica que foram buscar lá no recalque dos tempos primordiais esquecidos. (FREUD, 1937/2017, p. 379) 

O que é verdade histórica?

Antes de finalizar, gostaria de voltar de forma mais detalhada ao termo “verdade histórica”. Ele aparece em alguns textos freudianos importantes, tais como “Um distúrbio de memória na Acrópole” (1936), “Moisés e o monoteísmo” (1938) e “Da história de uma neurose infantil (caso Homem dos Lobos)” (1918).

Em “Um distúrbio de memória na Acrópole”, Freud relata sua peculiar experiência ao visitar a Acrópole. Seu primeiro pensamento ao vê-la foi: “Então tudo isso realmente existe mesmo, tal como aprendemos no colégio!”. O que se segue é o sentimento de divisão do sujeito, pois era como se duas pessoas estivessem ali: “A primeira comportava-se como se estivesse obrigada, sob o impacto de uma observação inequívoca, a acreditar em algo cuja realidade parecia, até então, duvidosa”, e, a outra, “A segunda pessoa, por outro lado, com razão estava surpresa, pois desconhecia a possibilidade de que a existência real de Atenas, da Acrópole e do cenário em torno, alguma vez tivesse sido objeto de dúvida” (FREUD, 1936/1976, p. 295).

Em “O homem Moisés e a religião monoteísta”, o psicanalista afirma:

Quando Moisés trouxe ao povo a ideia de um deus único, ela não constituiu uma novidade, mas significou a revivescência de uma experiência das eras primevas da família humana, a qual havia muito tempo se desvanecera na memória consciente dos homens. Mas ela fora tão importante e produzira ou preparara o caminho para mudanças tão profundamente penetrantes na vida dos homens, que não podemos evitar crer que deixara atrás de si, na mente humana, alguns traços permanentes, os quais podem ser comparados a uma tradição. (FREUD, 1934/1975, p. 153)

E, em “Da história de uma neurose infantil (caso Homem dos Lobos)”, há a seguinte passagem do paciente:

Quando eu tinha 5 anos de idade, estava brincando no jardim perto da minha babá e fazia cortes com meu canivete na casca de uma daquelas nogueiras, que também têm um papel em meu sonho. De repente percebi, com um terror indizível, que eu tinha cortado meu dedo mindinho da mão (direita ou esquerda?), de tal maneira que ele só estava pendurado pela pele. Eu não sentia dor nenhuma, mas uma grande angústia. Não me atrevia a dizer nada à babá, que se encontrava a apenas poucos passos de distância, afundei no banco mais próximo e permaneci sentado lá, incapaz de olhar mais uma vez para o dedo. Finalmente me acalmei, olhei para o dedo, e, veja só, ele estava totalmente ileso. (FREUD, 1918/1976, p. 723)

Parece possível afirmar, a partir dos fragmentos apresentados, que, ao utilizar o conceito de “verdade histórica”, pode-se identificar uma estrutura que se repete, mas que é modificada pela realização de desejo e pelas percepções que são perturbadas pela linguagem. A repetição da representação deformada gera o delírio, mas, quando essa repetição compulsiva carrega consigo um retorno do passado, seria uma verdade histórica.

O que se repete não é a representação ou o sentido ligado à representação, mas uma certa estrutura discursiva, que, no caso de Freud em Atenas, seria a reapresentação da dúvida sobre a existência da Acrópole, no monoteísmo, a reapresentação do chefe da horda no Deus único, e, no Homem dos Lobos, a reapresentação da castração na alucinação do dedo cortado.

Verdade histórica ou reminiscência em “O homem dos Lobos”?

Pretendo me ater aqui ao relato do dedo cortado do Homem dos Lobos para introduzir dois conceitos presentes na psicanálise lacaniana: a reminiscência e a rememoração. Minha hipótese é ser possível equiparar a reminiscência à verdade histórica.

Parece-me interessante neste ponto explorar a distinção feita por Lacan entre rememoração e reminiscência. No Seminário 23, o psicanalista afirma:

A reminiscência é distinta da rememoração. […] A rememoração é evidentemente alguma coisa que Freud obteve forçosamente graças ao termo impressão. Ele supôs que havia coisas que se imprimiam no sistema nervoso, e lhes conferiu letras, o que já é dizer muito, porque não há razão nenhuma para que uma impressão se figure como alguma coisa já tão distante da impressão quanto uma letra. Já há um mundo entre uma letra e um símbolo fonológico.

A ideia testemunhada por Freud no Projeto é de figurar isso através de redes, e foi talvez o que me incitou a lhes dar uma nova forma, mais rigorosa, fazendo com isso alguma coisa que se encadeia, em vez de simplesmente se trançar.

A rememoração consiste em fazer essas cadeias entrarem em alguma coisa que já está lá e que se nomeia como saber […]. (LACAN, 1975-76/2007, p. 127)

Em “Fausse reconnaissance (dejá raconté) no tratamento psicanalítico”, Freud retoma o relato do episódio do dedo cortado do Homem dos Lobos. Cito-o: “Quando me achava brincando no jardim com um canivete (isso se deu quando eu tinha cinco anos de idade) e cortei fora meu dedo mindinho – oh, eu só pensei que ele fora cortado – mas já lhe falei sobre isso” (FREUD, 1914/1996, p. 209). No entanto, o psicanalista, ao ouvir aquele relato, responde-lhe que nunca o havia narrado, mas o paciente afirma ter certeza de já o ter contado. Porém, ao repetir a estória, ele percebe seu engano.

Aqui há um real que fala sozinho, a experiência não é testemunha de um significante que falta, há um aspecto de descontinuidade temporal – extratemporal, melhor dizendo. Nesse caso, o que retorna é um conteúdo que deixou de ser simbolizado, que escapou da simbolização primária e que não pôde ser historiado. Segundo Miller, trata-se de uma forma imemorial que aparece quando o texto, “interrompendo-se (fora do texto simbólico, portanto), deixa desnudo o suporte da reminiscência” (MILLER, 2009, p. 54).

A rememoração, em contraposição ao fenômeno descrito no caso freudiano, acontece quando um elemento esquecido encontra a sua articulação simbólica. Já a reminiscência tem relação com a concepção platônica, pois o indivíduo não pode elaborar uma verdade a partir de sua experiência, só lhe restando o eterno, o que está fora do tempo.

No caso do Homem dos Lobos, diante da emergência do real, só lhe restou o mutismo, o mutismo aterrorizado e a imagem alucinada do dedo cortado. Nesse caso, ao lembrar-se da experiência e relatá-la posteriormente ao analista, não se pode dizer que essa estava na ordem de um mero esquecimento, como no texto “O mecanismo psíquico do esquecimento”, de Freud. Trata-se de uma experiência com uma significação tão estranha que o sujeito não tem como comunicá-la ao Outro. Não estaria, portanto, no registro de uma lembrança esquecida que retorna, de uma rememoração. Para um elemento ser historiado, ele deve, antes de tudo, ter sido simbolizado, ou seja, só há historização secundária se houver uma simbolização primária. A “rememoração está situada do lado da rede significante, das cadeias que se formam com o simbólico, ao passo que a reminiscência, aqui, é deixada em branco” (MILLER, 2009, p. 54).

A questão que proponho aqui, no caso do Homem dos Lobos, é pensar que a alucinação do dedo cortado pode revelar algo que irrompe no discurso do sujeito sem que haja uma historização – ou o que carrega consigo uma história que pode ser contada –, mas revela o puro real sem palavras. Concepção que se aproximaria do conceito de “verdade histórica” como modo de resposta a incidência do real traumático sobre o ser falante.


 

Referências
FREUD, S. Moisés e o monoteísmo. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XXIII, 1975, p. 165-329. (Trabalho original publicado em 1934).
FREUD, S. Totem e tabu e outros trabalhos. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XIII, 1976, p. 238-247. (Trabalho original publicado em 1918).
FREUD, S. Um distúrbio de memória na Acrópole. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XXII, 1976, p. 291-303. (Trabalho original publicado em 1936).
FREUD, S. Fausse reconnaissance (dejá raconté) no tratamento psicanalítico. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XIII, 1996, p. 207-212. (Trabalho original publicado em 1914).
FREUD, S. Da história de uma neurose infantil (caso Homem dos Lobos). In: Obras Incompletas de Sigmund Freud: Histórias clínicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2017, p. 631-773. (Trabalho original publicado em 1918).
FREUD, S. Construções em análise. In: Obras Incompletas de Sigmund Freud: Fundamentos da clínica psicanalítica. Belo Horizonte: Autêntica, 2017, p. 365-381. (Trabalho original publicado em 1937).
LACAN, J. O Seminário, livro 23: O sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. (Trabalho original proferido em 1975-76).
MILLER, J.-A. Perspectivas do Seminário 23 de Lacan. O Sinthoma. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
[1] Texto apresentado nas 59ª Lições Introdutórias à Psicanálise do IPSM-MG, em 27 de junho de 2023.



Do sentido à satisfação do sintoma[1]/ 

Kátia Mariás
Psicanalista, membro da Escola Brasileira de Psicanálise /AMP
katiamariasp@gmail.com

Resumo: O texto aborda as Conferências XVII e XXIII de Freud sobre o sentido dos sintomas e sobre os caminhos da formação dos sintomas. Nessas conferências, ao partir do sentido – Sinn – para a significação, a referência – a Bedeutung –, Freud vai do sentido ao gozo do sintoma.

Palavras-chave: sintoma; gozo; pulsão; sentido; referência; satisfação. 

FROM MEANING TO SYMPTOM SATISFACTION 

Abstract: The text addresses Freud’s XVII and XXIII Conferences on the meaning of symptoms and on the paths of symptom formation. In these conferences, by starting from the meaning – Sinn – and moving to the signification, the reference – Bedeutung –, Freud goes from the meaning to the jouissance of the symptom.

Keywords: symptom; jouissance; drive; meaning; reference; satisfaction.

Imagem: Renata Laguardia

O texto que fui encarregada de trabalhar é o único que não está na série de textos sobre os fundamentos da clínica psicanalítica publicados nas Obras Incompletas (FREUD, 2017). Ele compõe a série de conferências proferidas por Freud a um público de não analistas entre os anos 1915 e 1917, chamadas “Conferências Introdutórias sobre Psicanálise”. O que Freud desenvolve ali não deixa de estar referido aos fundamentos da clínica e, inclusive, conversa com eles. De qualquer forma, como sugere Miller, o “perder-se um pouco” tem todo seu valor. Para estar bem orientado em um tema analítico é preciso também desorientar-se, quer dizer, não pensar no tema de forma demasiadamente familiar (MILLER, 2011, p. 11). Selecionei algumas passagens da Conferência XVII, “O sentido dos sintomas” (Der Sinn der Symptom) (FREUD, 1916-17/1990a), para que possamos extrair o que há de essencial nesse texto e o que podemos aprender com ele.

Num primeiro ciclo de conferências, Freud se ocupou dos sonhos e dos atos falhos. A fonte desse primeiro ciclo eram as obras da descoberta: “A interpretação dos sonhos”, a “Psicopatologia da vida cotidiana” e até “O chiste e sua relação com o inconsciente”. O segundo ciclo de conferências, presentes na parte III, dentre as quais está “O sentido dos sintomas”, trata dos sintomas neuróticos, as neuroses de transferência, como ele então as chamava: histeria de angústia, histeria de conversão e neurose obsessiva. A conferência XVII é, então, uma aplicação aos sintomas neuróticos do que havia sido dito sobre os sonhos e atos falhos. É possível constatar que os sintomas são como os sonhos e atos falhos, ou seja, têm um sentido e podem ser interpretados (MILLER, 2011).

Esse texto já anuncia o que Freud vai complementar na Conferência XXIII, intitulada “Os caminhos da formação dos sintomas” (Die Wege der Symptombildung) (FREUD, 1916-17/1990a)O que há entre as duas conferências? De que trata essas conferências que fazem ponte entre a XVII e a XXIII? Freud introduz aí o pulsional, a libido, o sexual e o perverso do sexual.

Vamos ao texto: “os sintomas têm um sentido e se relacionam com as experiências do paciente” (FREUD, 1916-17/1990a, p.305).

Podemos observar que Freud aborda o sujeito em sua singularidade. O sintoma tem um sentido e se relaciona com a experiência do sujeito; não é possível tratar essa experiência como sendo da ordem do universal, do para-todos. O sentido deve ser interpretado no caso a caso, no um a um, no singular: “os sintomas neuróticos têm, portanto, um sentido, como as parapraxias e os sonhos e, como estes, têm uma conexão com a vida de quem os produz” (FREUD, 1916-17/1990a, p. 306).

Mais uma vez, Freud conecta os sintomas à vida de quem os produz e não os liga a uma teoria geral, não universaliza os sintomas. Ele situa o sintoma dentro das formações do inconsciente, a saber, o lapso, o chiste, o ato falho, o sonho e o sintoma.

Para Freud, nesse momento, o sonho tem um “querer dizer”, tem um sentido, mas o sonho é efêmero, ao ser interpretado ele se esvai. O sintoma também tem um “querer dizer”, mas ele não é efêmero, ele não se esvai, ao contrário, ele se repete. O caráter de repetição pode levá-lo ao infinito, daí o termo “os etcéteras do sintoma”, que foi, aliás, título de um seminário que ocorreu nas XIV Jornadas do Campo Freudiano em Madrid, em 1997 (MILLER, 1997).

Freud vai tentar tornar a sua descoberta mais compreensível escolhendo exemplos de casos não de histeria, mas “de uma outra neurose muito mais extraordinária”, a neurose obsessiva.

A neurose obsessiva manifesta-se no fato de o paciente se ocupar de pensamentos em que realmente não está interessado, de estar cônscio de impulsos dentro de si mesmo que lhe parecem muito estranhos, e de ser compelido a ações cuja realização não lhe dá satisfação alguma, mas lhe é totalmente impossível omitir. Os pensamentos (obsessões) podem ser, em si, carentes de significação, ou simplesmente assunto sem importância para o paciente. (FREUD, 1916-17/1990a, p. 306).

Esses sintomas, geralmente, estão desprovidos de sentido, um sentido que não está dado de maneira imediata; ele tem que ser extraído. O sintoma aparece como um sentido recalcado, ele aparece como um enigma. O sintoma manifesta-se suportado por um significante cujo significado está recalcado, quer dizer, que não foi comunicado ao Outro ou por ele aceito.

Ao afirmar que a realização da ação obsessiva não lhe dá satisfação, é possível intuir algo que Freud só vai concluir na Conferência XXIII. Esse ciclo de conferências vai, portanto, do sentido ao gozo. Se o Sentido dos sintomas trata do sentido, O caminho da formação dos sintomas (FREUD, 1916-17/1990b, trata da libido, da satisfação, do gozo. Entre as conferências XVII e XXIII, trata-se exatamente do caminho que vai do sentido ao gozo do sintoma. É interessante destacar isso, porque vemos que já existia uma teoria da satisfação libidinal, do gozo, antes mesmo de “Além do princípio do prazer” (FREUD, 1920/2020). 

Certamente, esta é uma doença louca. A imaginação psiquiátrica mais extravagante não teria conseguido construir nada semelhante […] O que é posto em ação, em uma neurose obsessiva, é sustentado por uma energia com a qual provavelmente não encontramos nada comparável na vida mental normal. […] A possibilidade de deslocar qualquer sintoma para algo muito distante de sua conformação original é uma das principais características desta doença. (FREUD, 1916-17/1990a, p. 307)

Nada mais atual para nós do Campo Freudiano: “Todo mundo é louco, ou seja, delirante”. O obsessivo não percebe o sofrimento de seu sintoma, ele o incorpora tão bem à sua personalidade que é motivo de prazer. Os sintomas obsessivos são prazerosos. O sujeito sofre como um condenado, mas não se queixa.

Toda a teoria freudiana dos sintomas, tal como está desenvolvida nas conferências, supõe que uma satisfação pode ser substituída por outra, supõe a possibilidade de substituição de satisfações. É o caráter metafórico do sintoma. Freud chama de Ersatz, uma satisfação nova, ou substitutiva, e isso faz pensar que o substituto não tem o mesmo valor que o original. Mas não é bem assim. A satisfação substitutiva é tão boa quanto a satisfação original. Não importa o objeto, a finalidade libidinal obtém-se custe o que custar e ela é sempre a mesma. A pulsão não conhece o semblante de gozar; a satisfação pulsional é um real.

O primeiro caso apresentado na Conferência XVII refere-se a uma mulher com uma ação compulsiva de proteger o marido impotente. O segundo consiste em um cerimonial de dormir que indica uma encenação da não-relação sexual, sustentada por um vínculo libidinal com o pai. A escolha desses casos talvez se deva ao fato de que Freud se dirigia a uma audiência de não praticantes e eram sintomas muito claros, que têm um sentido evidentemente sexual e se explicam por uma Bedeutung – termo difícil de traduzir por indicar, ao mesmo tempo, “significação” e “referência” –, pela referência a uma experiência anterior. A primeira mulher monta sua cena como repetição e correção de um evento anterior, traumático para ela. Através desses exemplos, Freud vincula o sentido e o libidinal. A Bedeutung é uma vivência anterior.

Retomemos o caso: uma mulher de 30 anos de idade, que sofria de graves sintomas obsessivos, realizava, várias vezes por dia, a seguinte ação obsessiva: corria do seu quarto até um outro cômodo, se colocava numa determinada posição ao lado de uma mesa no meio do aposento, soava a campainha chamando a empregada, lhe dava uma ordem qualquer ou a dispensava sem maiores explicações e, depois, corria de volta para seu quarto. Freud perguntava: “Por que faz isso? Qual o sentido disto?”. Ela respondia: “Não sei”. Certa vez, depois de Freud ter invalidado uma dúvida importante, fundamental, ela subitamente soube a resposta e lhe contou o que estava em conexão com o ato obsessivo. Freud realiza a seguinte leitura, a partir dos elementos fornecidos pela paciente: há 10 anos, na noite de núpcias, o marido, que era bem mais velho, se mostrou impotente e passou a noite correndo do seu quarto para o quarto da mulher, para renovar sua tentativa, mas sempre sem êxito. Na manhã seguinte, envergonhado perante a empregada que arrumaria seu quarto, pegou um frasco de tinta vermelha e derramou sobre o lençol, mas não no exato lugar em que uma mancha viria a calhar. A paciente leva Freud até uma mesa no segundo quarto e mostra-lhe uma grande mancha na toalha. Explicou-lhe que assumia sua posição em relação à mesa de maneira tal que a empregada, ao ser dispensada de sua presença, não podia deixar de ver a mancha.

A explicação de Freud estabelece uma íntima conexão entre a cena de sua noite de núpcias e o ato obsessivo atual. Em primeiro lugar, fica claro que a paciente se identificava com seu marido; ela estava executando o papel dele, imitando suas corridas de um quarto a outro. Além disso, cama e lençol foram substituídos pela mesa e pela toalha. Mesa e cama, juntas, representam o casamento e, assim, podem facilmente tomar o lugar da outra.

O ato obsessivo tinha um sentido: uma representação, uma repetição daquela cena importante. Repetindo a cena, corrigia a falha do homem. Servia ao propósito de fazer seu marido superar a desventura passada. Separada há anos, debatia-se com a ideia de divorciar-se legalmente. Contudo, não havia como livrar-se dele. Era forçada a permanecer fiel; retirou-se do mundo para não ser tentada. Em sua imaginação, desculpava-o e engrandecia suas qualidades. O segredo de sua doença consistia em que, através da doença, protegia seu marido de comentários maldosos. Através do sintoma, a mulher faz o homem e, deste lugar, o protege e o sustenta na plena possessão de seus atributos. A leitura freudiana dessa ação obsessiva se limita a negar ou desmentir a impotência do marido.

A mulher se encontra, desde então, submetida à obrigação de chamar a empregada para corrigir a cena, convocando o olhar dessa mulher a se colocar sobre uma mancha na toalha da mesa e, assim, mostrando que não haveria de ter vergonha. Toda a cena é montada para corrigir a penosa impotência do marido.

Aqui, a interpretação do sintoma foi descoberta pela própria paciente, sem qualquer influência ou interpretação do analista, e resultou de uma conexão com um acontecimento que não pertencia a um período esquecido da infância, mas que ocorre na vida adulta da paciente e permaneceu vivo em sua memória.

A pergunta que Freud faz ao seu público, nessa conferência é: foi por acaso e sem maior significação que chegamos justamente à intimidade da vida sexual?

O primeiro caso apresentado por Freud na Conferência XVII foi comentado por Esthela Solano (1993) e por Elisa Alvarenga (2019).

Cito Elisa Alvarenga (2019, p. 37), a propósito do comentário de Esthela Solano sobre essa cena que esconde algo, tanto quanto revela:

A mulher, colocando-se no lugar do marido, faz Um com ele, e a partir dessa solidariedade fálica, chama a empregada. A que lugar ela é convocada? Esta mulher obsessiva recorre a uma Outra mulher, não para interrogar nela o mistério da feminilidade, segundo a estratégia da histérica, mas para tomá-la como testemunha, como Outro diante do qual a mancha pode ser tomada como um semblante que faz valer seu poder de evocação do falo.

A mancha vela o recuo do marido diante do Outro sexo, tomando um valor de quase fetiche, que restitui ao marido seu ter para que ela possa assegurar, do seu lado o ser. Ela adivinha a posição do parceiro e a corrige através do seu sintoma.

Podemos concordar que esses dois casos de mulheres que Freud classifica como obsessão são, na verdade, fragmentos de casos de histeria e é o caráter de obrigação dos seus atos, Zwang, presentes nos dois casos descritos, o que o leva a caracterizar tais sintomas como obsessivos. O sentido do ato obsessivo escapa ao sujeito que se encontra, sempre, obrigado a executá-lo.

O sentido dos sintomas é sempre desconhecido para o doente: “É necessário que esse sentido seja inconsciente para que o sintoma possa surgir”. Ou seja, não se formam sintomas a partir dos processos conscientes. É a condição inconsciente do sintoma. “A construção de um sintoma é o substituto de alguma outra coisa diferente que está interceptada” (MILLER, 2011, p. 21).

Somente o sintoma nos introduz no mais íntimo da vida sexual. Os sintomas servem à mesma intenção: a satisfação de desejos sexuais. Para Freud, o uso do sintoma é sempre o mesmo – a satisfação sexual ou servir de substituto à satisfação que falta na vida.

O caráter de formação de compromisso do sintoma revela a íntima conexão entre gozo e defesa. No sintoma, trata-se de obter satisfação e de defender-se dessa satisfação. Essa conexão leva Lacan a deduzir que há algo excessivo no gozo que obriga o sujeito sempre a defender-se do gozo que busca (MILLER, 2011).

O sintoma encontra sua significação (Sinn) e sua referência (Bedeutung) em seu a posteriori – Nachträglichkeit.

Um exemplo que nos ajuda a entender melhor essa temporalidade, considerando as duas indicações de Freud – o Sinn e a Bedeutung –, é o fragmento clínico que ele descreve como próton pseudos, a primeira mentira histérica (FREUD, 1895/1990c). O sintoma apresentado pela paciente Emma consistia na evitação de entrar sozinha nas lojas por temer os risos que sua roupa poderia suscitar. A agorafobia eclodiu a partir de uma primeira cena relatada pela jovem como motivo de seu adoecimento, na qual ela, então com doze anos, fugiu de uma loja ao perceber que dois vendedores riam de sua roupa. Um deles havia atraído Emma sexualmente. A análise com Freud promoveu o franqueamento das ideias recalcadas, possibilitando uma rearticulação dos enlaces associativos. A primeira cena evocou a lembrança de uma segunda cena, mais longínqua, datada de seus oito anos de idade, quando Emma havia sido molestada pelo dono de uma confeitaria. O riso dos vendedores atualizava o sorriso do proprietário da confeitaria que agarrou sua região genital através de seu vestido. Freud enfatiza a temporalidade Nachträglich estruturante das neuroses. Apenas mediante o estabelecimento de um elo entre a cena 1 e a cena 2, portanto só depois, o acontecimento primeiro adquire seu potencial traumático.

A angústia que leva Emma a erigir um sintoma fóbico não é experimentada na cena em que é assediada pelo dono da loja. A significação desse evento como traumático ocorre a posteriori. Apenas com a entrada na puberdade, no intervalo entre as duas cenas, a jovem se confronta com novas formas de satisfação a partir do despertar da sexualidade, se deparando com seu desejo, com o real da puberdade, o que acabou por ressignificar suas experiências anteriores.

Sem pretender fechar as inúmeras questões trazidas pela leitura das Conferências freudianas, podemos concluir que o estatuto do sintoma é problemático, ou melhor, há o que Lacan chamou de “o segredo do sintoma”, na medida em que se trata de um fenômeno articulado no significante e que tem um sentido. O valor metafórico de satisfação da pulsão encarna e eterniza sua exigência de satisfação (MILLER, 2008). É a vocação para mover-se, de ser errante, de mudar o objeto para permutá-lo por outro, para o deslocamento, para a substituição da libido que pode levá-la, inclusive, para a obra de arte. A libido pode, portanto, ser sublimada ou sintomatizada.

O trabalho de Elisa Alvarenga nos esclarece que, uma vez que a histérica não vai sem o Outro, na medida em que esse Outro muda no decorrer dos tempos, as manifestações da histeria também mudam. A neurose obsessiva feminina seria, portanto, uma resposta sintomática ou fantasmática, desencadeada por situações específicas relativas às experiências do sujeito, tal como Freud já havia postulado na Conferência XVII – resposta essa que encobre uma posição histérica.

Em 1978, Lacan manifestava sua incerteza quanto à existência da neurose histérica, mas afirmava a existência da neurose obsessiva, que teria sido descrita por Freud como um dialeto da histeria e seria, sim, a neurose contemporânea por excelência.

Diante do declínio da função paterna enquanto autoridade e de um Outro que se apresenta inconsistente, os sujeitos se identificam e se coletivizam sob certos S1 que nomeiam modos de gozo sob os quais sujeitos histéricos, divididos, se alojam, identificando-se a um traço que tampa sua divisão subjetiva e lhes impõe diversas formas de compulsão; amorosa, toxicômana, alimentar, para comprar, endividar-se, etc. O imperativo de gozo leva a novas formas sintomáticas que podem ser pensadas como novas roupagens para a neurose. (ALVARENGA, 2019, p. 26-27)

Enfim, são sujeitos que, devido à maior dificuldade de subjetivação da castração, apresentam, por sua vez, dificuldade também de dar sentido aos seus sintomas, o que nos leva a pensar a clínica a partir do uso que o sujeito faz dos sintomas, como cada sujeito amarra seu gozo ou, ainda, seria uma clínica dos modos de gozo.


 

Referências
ALVARENGA, E. A neurose obsessiva no feminino. Belo Horizonte: Relicário, 2019.
FREUD, S. Conferências introdutórias sobre psicanálise (O sentido do sintoma). In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XVI, 1990a, p. 305-322. (Trabalho original publicado em 1916-17).
FREUD, S. Conferências introdutórias sobre psicanálise (O caminho da formação dos sintomas). In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XVI, 1990b, p. 419-439. (Trabalho original publicado em 1916-17).
FREUD, S. A proton pseudos – a primeira mentira histérica. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Vol. I, 1990c, p. 474-478. (Trabalho original publicado em 1895).
FREUD, S. Fundamentos da clínica psicanalítica. In: Obras Incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
FREUD, S. Além do princípio do prazer. In: Obras Incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. (Trabalho original publicado em 1920).
MILLER, J.-A. Síntoma, saber, sentido y real. Los etcéteras del síntoma. Rev. Folhas, n. 5/6, set. 1997.
MILLER, J.-A. El partenaire-síntoma. In: Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller. Buenos Aires: Paidós, 2008.
MILLER, J.-A. Seminário sobre os caminhos da formação dos sintomas. Opção Lacaniana: Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, n. 60, 2011.
SOLANO-SUAREZ, E. Névrose obsessionnelle et féminitéLa Cause freudienne, n.24, p. 16-19, 1993.
[1] Texto apresentado nas 59ª Lições Introdutórias à Psicanálise do IPSM-MG, em 13 de junho de 2023.



Lembrar, repetir, perlaborar[1]

Lucia Maria de Lima Mello
Psicanalista, Membro da Escola Brasileira de Psicanálise/AMP
delimaebp@gmail.com

Resumo: A autora comenta o texto de Freud “Lembrar, repetir, perlaborar”, de 1914, à luz das modificações apresentadas pelo diálogo com Lacan em 1964 como um suporte para uma releitura a partir do Seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Alguns fragmentos clínicos ilustram aspectos da contribuição lacaniana para a pesquisa. 

Palavras-chave: lembrar; repetir; pulsão; inconsciente; transferência.

REMEMBERING, REPEATING AND WORKING-THROUGH

Abstract: The author comments on Freud’s 1914 text, Remember, repeat, work through, in the light of the modifications presented by the dialogue with Lacan in 1964 as a support for a rereading based on the Seminar The four fundamental concepts of psychoanalysis. Some clinical fragments illustrate aspects of Lacan´s contribution to research.

Keywords: remembering; repeating; drive; unconscious; transfer.

Imagem: Renata Laguardia

Dentre os princípios gerais dos fundamentos da prática psicanalítica, o texto “Lembrar, repetir, perlaborar” (FREUD, 1914/2022) inicia com uma lembrança, uma advertência, sobre as profundas transformações sofridas pela técnica psicanalítica desde seus primórdios, não apenas incidindo sobre os três verbos, mas no contexto mais amplo dos conceitos que constituem a experiência psicanalítica. As transformações alcançam os conceitos fundamentais em 1964, no Seminário 11 de Lacan, e prosseguem até seu último ensino. Elucidadas por Miller nos cursos psicanalíticos, dentre outros, encontra-se orientação precisa para diferenciar leitura em três consistências, Simbólico, Imaginário, Real, outra lógica antecipatória das surpreendentes mudanças operadas pelo mal-estar na civilização.

Contarei com algum desses textos, dentre outros, na expectativa de seguir uma vereda já traçada, mas indicativa da pesquisa contínua orientada por um método renovado através das mudanças clínicas, subjetivas, políticas, sociais, ao mesmo tempo em que extrai consequências da parceria com o estranho, sem sentido, do silêncio das pulsões.

O lembrar, desde o início da descoberta freudiana, incide nas repetições, o recalcado, os sintomas, as fantasias, sonhos, os atos falhos, vivências incompreensíveis. Incidência esta que implica tanto o inconsciente, como linguagem, quanto a dimensão silenciosa da pulsão, as chamadas moções pulsionais, os destinos da vida e morte traços nos corpos resultando atos estranhos em sua vasta extensão.

A ab-reação servira inicialmente para demonstrar a dissimetria entre o afeto e a representação. Freud encontra o desafio de traduzir e recompor um sofrimento histórico de fazer cessar a compulsão para repetir que, contrariamente ao sintoma que se deslocava rebelde sobre um corpo, mostrava sua consistência e coesão. Antes de 1914, anunciara um vasto conjunto de experiências clínicas, que alcançavam a sexualidade, a paranoia, a histeria, a fobia, a obsessão. O relativo fracasso da palavra para preencher as lacunas históricas ou traumáticas exigia “fazer as pazes com o recalcado que surge nos sintomas” (FREUD, 1914/2022, p.157)

Fazer as pazes com o recalcado implica o paciente em uma nova relação com a doença, outra posição subjetiva para além da queixa inicial, o que exige sua demanda e autorização. Por seu turno, a nova relação com a doença dependia do estabelecimento da neurose de transferência mais colaborativa, porque vem em substituição à neurose comum. As substituições conhecidas por Freud na esfera sintomática foram recurso tático no manejo da transferência, com a proposta da neurose de transferência substituindo a neurose comum, durante uma análise, além da expectativa de certa regulagem das “pulsões selvagens” pelo uso da transferência.

Quando lemos Miller (1997) no “Discurso do método psicanalítico”, de 1987, encontramos em outros termos a importância das entrevistas preliminares para a localização subjetiva e as coordenadas da verificação de mudança possível, posição suportada pelo ato ético do psicanalista.

Freud verificou que a simples nomeação das resistências por seu turno não alcançava superação imediaa, porque as moções pulsionais alimentavam as resistências.  O difícil trabalho conjunto de analista e do analisante, portanto, visaria localizar e superar a incidência da pulsão.

A clínica o ensinava e um dos grandes méritos freudianos foi não se deter diante dos obstáculos, prosseguir suas indagações e pesquisas através de vários enigmas e paradoxos. Descobre que o esquecimento podia ser o não reconhecimento de algo vivido, a denegação, marca neurótica em relação ao desejo, assinalando o mecanismo defensivo que indica e nega a responsabilidade do paciente. Que as lembranças encobridoras podem compensar a amnésia infantil, além de surgirem isoladas, sem qualquer conexão. Podem ocorrer conexões a posteriori de afetos precoces e sem sentido. O paciente se lembra de imagem nunca vista ou não se lembra do que ocorreu anteriormente. Os pensamentos podem não retornar como representações, mas como atuações, portanto, o paciente repete sem saber que repete e experimenta a lembrança como alheia ou permutada pelas defesas.

Um fragmento clínico ilustra bem um dos impasses apresentados pelo início do tratamento localizados por Freud nessa época e que se reencontra ainda segundo alguns depoimentos dos psicanalistas nas práticas clínicas atuais:

Uma senhora, de idade mais avançada, repetidas vezes abandonava a casa e o marido, em estados confusionais, fugindo para um lugar qualquer, sem ter consciência do motivo de tal “escapada”. Ela veio ao meu tratamento com uma transferência carinhosa bem formada, aumentando-a de forma espantosamente rápida nos primeiros dias, e, ao fim de uma semana, também “escapou” de mim antes que eu tivesse tempo de lhe dizer algo que pudesse impedi-la de incorrer nessa repetição. (FREUD, 1914/2022, p. 159)

É muito interessante nesse pequeno relato de 1914 Freud situar no significante que reitera, a “escapada” da paciente, considerando a possibilidade de contenção como manobra clínica. Faz lembrar a importante pergunta de Lacan, muitos anos depois: “Mas se o ato está na leitura do ato, isto quer dizer que esta leitura é simplesmente superposta, e que é do ato reduzido a posteriori que ela toma seu valor?” (LACAN, 1967-68, p. 26). O significado não pertence ao mesmo campo do significante. Essa importante questão surge tanto em Freud quanto em Lacan. O ato da leitura a posteriori marca a distância entre a compreensão e a significação vazia de sentido. É preciso considerar um gozo que se imiscui tanto na palavra falada quanto nas atuações e guarda sua deriva e o enigma para o Outro.

Os sintomas na forma de repetições apresentam-se muito variados como que por acaso, um tropeção, uma falha, mas que insistem, vão dos pequenos fisgamentos cotidianos até esquecimentos que levam à morte, como os que resultam em acidentes. O que está fora da palavra mostra sua insistência e requer um trabalho em outro circuito, labor que mereceu, da parte de Freud, o nome de perlaboração, indicando uma travessia, um percurso através de uma experiência, longamente investigada na “Psicopatologia da Vida cotidiana” (FREUD, 1901/1980), que se desdobra, no próprio Freud em 1937, nas construções em análise, que, por analogia à metáfora arqueológica, ressalta a importância do trabalho com os restos. O curioso é que essas repetições, embora reiteradas, não possuem registros, o inconsciente não toma nota, o sujeito traz a notícia de que ocorrem sempre mais uma vez, uma primeira vez.

Freud, a partir dos trabalhos com a pulsão, sobretudo com a libido, a satisfação, leva em conta dois tipos de repetição. Embora fora da linguagem, é possível traduzir num tempo posterior, ou seja, introduzir condições de legibilidade do ato falho que ele citou mais de uma vez, quando o presidente de uma sessão, ao abrir os trabalhos, levanta-se triunfante e diz: “a sessão está encerrada”. Mesmo aparentemente fora da linguagem, a frase está dentro do contexto significante, portanto pode ser traduzida, mas nem sempre compreendida.

A grande surpresa em 1964 foi a retomada por Lacan, no Seminário 11, do que formalizou nessa época como Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise: inconsciente, repetição, transferência e pulsão. O diálogo com Freud se apoiou inicialmente no texto “Lembrar, repetir, perlaborar” para extrair elementos essenciais visando fundamentar outra modalidade da repetição, pesquisa seguidamente renovada conduzida até seu último ensino.

A pergunta de Lacan (1964/1988) situa o inassimilável na forma do trauma que comparece desvelado fora do sonho, não como portador do desejo, mas o trauma mostrando na face despida de semblantes, o impacto do real. Para além do traumatismo das situações de violência, de guerra, que se repetem e buscam o tratamento pelo sentido, há o trauma do real, que acompanha o sujeito para sempre na esfera do fora do sentido.

A repetição não é o retorno dos signos nem a simples reprodução, não é apenas a rememoração agida, não é um comportamento. A descoberta freudiana do inconsciente encontra nos fundamentos da clínica a experiência de uma memória falha, sempre aberta, repleta de contradições.  A pesquisa lacaniana localiza algo mais que uma memória, como programas que se desenvolvem sem que o sujeito saiba, um saber paradoxal que não é um conhecimento, mas localizado inicialmente apenas pelos seus efeitos, acontecimentos imprevistos, que indicam a relação não evidente entre o pensamento e seu limite, fora do conhecimento do sujeito, ou seja, o real inferido através de seus efeitos que foi verificado inicialmente por Lacan, como o que retorna sempre ao mesmo lugar.

Na repetição, portanto, comparecem dois níveis: o primeiro na rede de significantes, atualizada, insistentemente, nas diversas formas de automatismo da repetição, no automaton, das biografias, nas histórias, narrativas; e, no segundo, temos a tiquê, o acontecimento imprevisto, o inassimilável, o trauma, acontecimento que ressoa diretamente sobre um corpo. Esses dois níveis foram revisitados sob nova leitura a partir da clínica freudiana, precisamente no caso do “Homem dos lobos”, numa cena infantil comparando duas realidades sucessivas e antagônicas ocorridas na infância do paciente no terreno da percepção. A realidade de uma cena que pode ser posta em palavras, e a perplexidade, demarcada pela surpresa, por um instante sem palavras, enigma, alheio ao sujeito do inconsciente como linguagem.  Nessa clínica, as particularidades do estatuto desse inconsciente respondem por realidades surgidas através de fenômenos situados em lugares diversos, como rememoração e reminiscência, o que franqueou a elaboração e construção de hipóteses diagnósticas diversas através da minuciosa leitura a posteriori do caso.

Quando Lacan indaga insistentemente, por vários anos, sobre o estatuto do inconsciente freudiano, formaliza progressivamente algo além da atualização por substituição dos sonhos, atos falhos, chiste, fantasia, sintoma. Algo que desloca para o primeiro plano a Outra realidade, a outra cena. Essa outra cena, entretanto, foge ao enquadre fornecido pela fantasia, não é uma lacuna a ser preenchida, que retorna a um momento prefixado. É um fenômeno inédito, fugidio, alheio a qualquer interpretação.

O relato seguido do comentário de uma experiência pessoal de Lacan sobre a Outra realidade, a outra cena, é colhida em recorte marcante trazido por ele no campo do sonho, quando foi despertado do curto sono através do qual procurava repouso. Despertado, ele diz, “por alguma coisa que batia à minha porta desde antes que eu não me despertasse” (LACAN, 1964/1988, p. 58), é a partir dessas batidas apressadas que ele iniciava a construção de um sonho, que manifestava conteúdo diverso das batidas, mas em torno delas, e que reconstitui todo um conjunto de representações:

sei que estou ali, a que horas dormi, e o que buscava com aquele sono. Quando o barulho da batida acontece, não ainda para minha percepção, mas para minha consciência, é que minha consciência se reconstitui em torno dessa representação – de que eu sei que estou sob a batida do despertar, que estou knocked, em choque. (LACAN, 1964/1988, p. 51)

Com esse fenômeno, Lacan destaca o barulhinho, o pequeno ruído, e, através do instante experimentado sobre o choque do despertar, aponta a hiância, o estranho, que evidencia a oposição entre realidades diferentes. Algo muito diverso do que pode ocorrer na esfera dos sintomas e das fantasias ainda no circuito das repetições que surpreendem o sujeito.

A amplitude dos fenômenos na repetição entre realidades disjuntas foi evocada em Freud, no jogo do carretel no qual, ao lado da brincadeira da criança, surge o salto sobre o fosso que separa a borda do berço, salto que inscreve a falta no seio da representação simbólica diferenciadora da ausência – presença do Outro e localiza a angústia em outra dimensão. A repetição na brincadeira infantil, como os casos clínicos o demonstram, pode indicar uma lacuna a ser preenchida por uma palavra, mas o acontecimento imprevisto, sem sentido, na cena do sonho evocada por Lacan, tem ação de corte, surpresa, perplexidade, porque sem nome, indicativa do choque com o real.

As mudanças para os fundamentos da clínica decorrentes do “simples” exame do estatuto do inconsciente, a partir da outra modalidade de repetição, repercutem até a atualidade e ampliam a chance de trabalho com os difíceis casos clínicos atuais.

A importância do Seminário 11 de Lacan no diálogo com o texto “Lembrar, repetir, perlaborar” reside em reordenar os fundamentos da clínica psicanalítica a partir de nova perspectiva, considerando o real como experiência do inassimilável, tarefa que prosseguirá até seu último ensino.

Assim, demarca a diferença entre dois tipos de repetição propostas por Freud e Lacan: a que concerne à biografia, à história, ao que pode ser lembrado e associado aos modos diversos de satisfação, desconhecidos, mas passíveis de leitura a posteriori. Já o encontro com o acaso, o imprevisto, ou imprevisível, situará novamente a sessão analítica entre repetição e surpresa, em que o lapso convoca seu uso, e não sua interpretação; o acontecimento imprevisto repete como um raio que atinge um corpo, fora da apreensão pelas palavras. Esse outro tipo de repetição, também de dupla forma, separa o gozo incluído na cadeia de linguagem, como defesa, e o gozo fora da lei significante.

A sutileza de Lacan impressiona porque chama atenção para a radicalidade da repetição em situações cotidianas, aparentemente simples, que foram assinaladas anteriormente por Freud como a dimensão lúdica, ou seja, a repetição demanda o novo, mas a modulação é apenas deslizamento da alienação do seu sentido. O verdadeiro segredo do lúdico “é a diversidade mais radical que constitui a repetição em si mesma” (LACAN, 1964/1988, p. 62).

Um comentário de Zenoni (2022) ilumina essa radicalidade, ao lembrar a frase “o sujeito é sempre feliz”: todo acidente, acaso, reencontro, tudo é bom para a satisfação da pulsão porque ela se repete. O bom para a pulsão se justifica porque o gozo não conhece seu contrário, tal como ocorre com o desejo. A renúncia ao gozo é também um gozo enquanto um desejo realizado, é o oposto de um desejo não realizado. A marca de gozo, sempre a mesma, restará como irredutível, ineliminável. O interessante é o convite ao trabalho que pode tocar um falasser, advindo dos paradoxos da repetição.

Esse convite ao trabalho tem no depoimento de Marcos André Vieira (2019) esclarecimento fundamental sobre os efeitos de uma análise. O psicanalista se expôs ao risco da violência em evento no qual compareceu, acompanhado de seus filhos, à favela da Maré, local onde desenvolveu longo trabalho clínico que resultou em várias publicações de pesquisa. Na entrada foi interrogado, em cena que se repetiu, por dois adolescentes fortemente armados. Da cena, resta a sensação de estranheza. Após intervenção de seu analista, encontra a evidência, na repetição, do desejo inconsciente, que expõe, por seu turno, um gozo ligado ao perigo que carregava, um real acompanhado do afeto: “Quando alguém se depara com a estranheza de sua repetição, o gozo que a alimenta pode se deslocar” (VIEIRA, 2019, p. 32). Trata-se, nesse caso, do inconsciente como efeito de leitura do que se fala.

O trabalho clínico a partir do remanejamento de conceitos fundamentais não corresponde a uma elucubração de saber, mas opera como instrumento para “renovar nossa prática no mundo” (MILLER, 2014, p. 21), considerando a possibilidade de lidar com as contingências que atingem incessantemente um falasser e a responsabilidade implicada na extimidade da prática psicanalítica.


 

Referências 
FREUD, S. Psicopatologia da vida cotidiana. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Vol. VI, 1980. (Trabalho original publicado em 1901).
FREUD, S. Lembrar, repetir, perlaborar. In: Obras Incompletas de Sigmund Freud. Vol. 6. Belo Horizonte: Autêntica, 2022. (Trabalho original publicado em 1914).
LACAN, J.  O Seminário, livro 15: O ato psicanalítico. 1967-68. (Inédito).
LACAN, J. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988. (Trabalho original proferido em 1964)
MILLER, J.-A. O método psicanalítico. In: Lacan Elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997, p. 219-284.
MILLER, J.-A. O real no século XXI. Apresentação do tema do IX Congresso da AMP. In: MACHADO, O.; RIBEIRO, V. A. (Org.). Scilicet: o real no século XXI. Belo Horizonte: Scriptum/Escola Brasileira de Psicanálise, 2014, p. 21-32.
VIEIRA, M. A. Extimidades. Correio Express – Revista Eletrônica da Escola Brasileira de Psicanálise, n. 82, 2019. Disponível em: www.ebp.org.br/correio_express. Acesso em: 27 jun. 2023.
ZENONI, A. La répétition, de Freud a Lacan. Quarto, n. 131, jun. 2022.
[1] Trabalho apresentado nas 59ª Lições Introdutórias à Psicanálise do IPSM-MG, em 30 de maio de 2023.



Uma introdução ao amor transferencia[1] 

Renata Mendonça
Psicanalista, doutoranda (UFMG), membro da Escola Brasileira de Psicanalise/AMP
renatalucindopsi21@gmail.com

Resumo: Este artigo apresenta uma releitura de “Observações sobre o amor transferencial” (1915[1914]) para abordar as indicações de Freud sobre o método psicanalítico, incluindo no debate também alguns autores de nossa época, como Lacan e Miller, mostrando o quanto o texto freudiano é contemporâneo e necessário à clínica psicanalítica. 

Palavras-chave: método psicanalítico; amor transferencial. 

AN INTRODUCTION TO TRANSFERENCE LOVE 

Abstract: The author rereads the Freudian text “Observations on transference love” (1915 [1914]) to present Freud’s indications on the psychoanalytic method, also including in the debate some authors of our time, such as Lacan and Miller, showing how much the text Freudian is contemporary and necessary to the psychoanalytic clinic.

Keywords: psychoanalytic method; transference love.

Imagem: Renata Laguardia

 

O problema do amor nos interessa na medida em que
vai nos permitir compreender o que se passa na transferência
– e, até certo ponto, por causa da transferência.
(LACAN, 1960-61/2010, p. 52)

Quero agradecer à diretoria do Instituto e às coordenadoras da atividade, Lúcia Mello e Luciana Silviano Brandão, pelo convite. É uma boa responsabilidade estar aqui para tentar transmitir algo dos dois textos indicados.

Para iniciarmos a conversa, faço uso da questão feita por Iannini e Tavares (2017, p. 7) na “Apresentação” ao livro Fundamentos da clínica psicanalítica: “O que separa a Psicanálise de outras práticas de cuidado, como o tratamento medicinal, as diversas psicoterapias ou as curas religiosas?”.

Uma pergunta difícil, principalmente nos dias de hoje, em que a certeza desinibida circula e faz laço na contemporaneidade, em que o uso da Psicanálise nos parece indiscriminado nas redes, em que a técnica parece muitas vezes substituir a ética. Uma pergunta que precisa ser reatualizada a cada vez, tanto pela necessidade ética de verificar as práticas psicanalíticas, quanto pelas mudanças que ocorrem na subjetividade de nossa época.

Com isso, podemos afirmar que a escolha da Diretoria em estudar os Fundamentos da clínica psicanalítica é essencial, na atualidade, diante das mudanças nos laços sociais, da constatação da diluição do Outro e de um mundo que precisa ser lido, ou lido de outra maneira, como nos mostra o título da XXVI Jornada da EBP Seção Minas, “Há algo de novo nas psicoses… ainda”, e o tema do XI ENAPOL, “Começar a se analisar”. Temas que são atualizados a partir do que há de novo em nossa época, da verificação da nossa clínica, para que as orientações e construções não se percam, mantendo assim, o rigor transmitido por Freud e Lacan.

Nessa mesma “Apresentação”, Iannini e Tavares (2017, p. 7) afirmam que os textos ali reunidos “constituem o essencial dos escritos freudianos sobre o método e a técnica, em sua constituição, em sua história e em seus desdobramentos”. O que, entretanto, nos interessa especificamente em “Observações sobre o amor transferencial” é que, no trabalho de Freud, e na Psicanálise, o amor está presente, não foi rechaçado ou refutado, mas incluído no tratamento. Um amor lido e provocado pela análise. Uma das belezas de Freud e de seu método.

Observações sobre o amor transferencial 

O texto foi escrito no final de 1914 e publicado em 1915, e Freud achava que esse era um dos artigos fundamentais para a transmissão da técnica psicanalítica. Penso que, provavelmente, mesmo com as notícias da eclosão da guerra, as questões que surgiram nos consultórios de seus “alunos” fizeram com que ele pensasse na publicação independente do momento histórico.

Escutamos em nossos consultórios, seja em análise, seja em supervisão, os jovens praticantes se perguntando diariamente o que fizeram para que o paciente tenha ido embora, faltado à sessão, sumido sem responder, etc. Muitas vezes pensam nessas questões como um erro técnico, algo que sempre retorna invariavelmente, como nos afirmou Jésus Santiago na última conversação do Instituto. Ele nos diz que houve uma época em que a Psicanálise tinha manuais, que diziam o que deveríamos fazer a cada circunstância ou situação, seja relativo a pagamento, às faltas ou sobre quando o analisante estaria de fato em análise ou se tornaria um analista (essa decisão se dava, por exemplo, pelo número de sessões feitas).

O retorno a Freud feito por Lacan e o retorno a Freud nas “Lições Introdutórias” é fundamental, pois ele afirma no início do texto em tela que, apesar dos incômodos dos jovens psicanalistas, “as únicas dificuldades realmente sérias são encontradas no manejo da transferência” (FREUD, 1915[1914]/2017, p. 165).

Esse manejo nos é caro e implica vários sentimentos dirigidos ao corpo do analista – amor, interesse, raiva. Em minha leitura, nesse texto, Freud (1915[1914]/2017, p. 166), de forma bem “brincalhona”, elege o amor como algo que surge em uma análise e nos relata as várias soluções sobre o amor que não cabem a um psicanalista:

1ª: a união dos dois protagonistas, analista e analisante, médico e paciente, e diz: “uma união duradoura e legítima”;

2ª: a separação do médico e do paciente, encerrando assim o tratamento, “desistindo do trabalho iniciado”;

3ª: a confirmação da relação entre os dois, “o início de relações amorosas ilegítimas e não destinadas à eternidade; mas essa se tornaria impossível devido à moral burguesa e a dignidade médica”.

A segunda saída incluída no texto: a separação do médico e do paciente, com o abandono do tratamento, é desaconselhada por Freud, mas nos ensina como o amor transferencial funciona. Ele afirma que, quando o tratamento com aquele psicanalista é interrompido, suspenso, as questões do paciente continuam, ele já sabia que o paciente seria perturbado pelo seu sofrimento e que o amor não o salvou de suas dificuldades. Ao se dirigir a outro analista, o amor será transferido para esse segundo, em um deslocamento.

Com isso, podemos afirmar:

1. É preciso enfrentar o amor transferencial! Melhor dizendo, nos utilizarmos dele.

2. O paciente não está, de fato, enamorado pela pessoa do psicanalista.

É importante que o psicanalista saiba que o amor não se dirige a ele, enquanto pessoa; estar avisado disso é imprescindível para o tratamento, pois a transferência e o método psicanalítico dão trabalho, e não é viável para o analista, desavisado, dar trabalho também.

Nesse momento do texto, Freud vai nos relatar as várias situações que caberiam a um livro de romance, a relação com a família, a ideia de tirar a paciente do tratamento, etc., sempre nos avisando pontualmente, como mencionei anteriormente, o que não cabe ao tratamento psicanalítico. Depois, ao retomar o caminho das possibilidades relativas ao amor transferencial, traz-nos um ponto essencial a ser lido em uma análise: “tudo aquilo que atrapalha a continuidade do tratamento pode ser uma expressão de resistência. No aparecimento daquela exigência tempestuosa de amor, a resistência indubitavelmente tem grande participação” (FREUD, 1915[1914]/2017, p. 169). Ele ainda completa, dizendo-nos que, provavelmente, é ao nos depararmos com um ponto importante para o tratamento ou algum ponto difícil para o analisante que o amor transferencial age como resistência. Podemos afirmar que vários sentimentos podem surgir nesse momento: o amor transferencial aparece com um xingamento ou com um convite para o seu aniversário. Algo a ser avaliado, lido, a cada vez.

Existe, nesse texto de Freud, uma informação de trabalho indispensável a ser escutada: quando o amor transferencial se torna a mola de trabalho e os sentimentos ao redor do psicanalista ficam presentes no tratamento, esses sentimentos, ou esse enamoramento, não podem ser expulsos. Esses sentimentos, ideias, sensações surgem e não podem ser simplesmente dissolvidos rapidamente, essa é uma das condições para o tratamento psicanalítico.

Ele afirma que quando pretendemos trabalhar com o método psicanalítico invocamos “um espirito do submundo para que venha à superfície” e que não é coerente ao tratamento “mandarmos ele de volta, sem ao menos lhe fazermos uma pergunta” (FREUD, 1915[1914]/2017, p. 171). Podemos concluir também que, tal qual o amor de transferência, que surge no corpo do outro psicanalista, o “espírito do submundo” não vai deixar de aparecer para aquele analisante, de um jeito ou de outro – tal qual ocorre, por exemplo, no filme O Lodo.[2]

Logo depois, Freud conta uma anedota do pastor e do corretor para nos dizer que se cairmos no jogo do analisante estaremos, nesse momento, simplesmente abrindo mão do tratamento. Que nada pode ser feito ao toparmos, cedermos, a esse amor. Isso não quer dizer que devemos “desviar a transferência amorosa, afugentá-la ou estraga-la na paciente; também nos abstermos ferrenhamente de toda correspondência desse amor” (FREUD, 1915[1914]/2017, p. 174).

É necessário darmos espaço para escutarmos o sentimento para além do sofrimento, para além do amor e fazermos uma interrogação sobre esse sentimento. No texto “A metáfora do amor: Fedro”, que está no capitulo “A mola do amor” do Seminário 8, Lacan (1960-61/2010, p. 54) avisa que “nada de melhor podemos fazer, nesse sentido, do que partir de uma interrogação sobre aquilo que o fenômeno da transferência é considerado imitar ao máximo, até mesmo chegando a confundir-se com ele: o amor”. Assim, os sentimentos que surgem em uma análise precisam ser lidos, o analista não pode abstrair deles ou evitá-los, mas interrogá-los.

Lacan avisa que o texto freudiano fica às voltas com o amor, diferenciando-o do amor transferencial, em que há uma “suspensão no problema do amor, uma discórdia interna” (LACAN, 1960-61/2010, p. 55), pois é preciso tentar saber o que se passa numa análise, numa “ação analítica”. Mas, podemos assegurar a partir do texto freudiano, que há um objetivo nesse amor transferencial: é a “descoberta da escolha do objeto infantil e das fantasias que o enredam” (FREUD, 1915[1914]/2017, p. 176). Ele se pergunta se há diferença entre o amor transferencial e outros amores e afirma que os dois têm uma certa autenticidade, mas só a transferência coloca o trabalho psicanalítico da escuta do inconsciente em movimento.

O enamoramento, por sua vez, é composto de “reedições de traços antigos e repete reações infantis”, já que

a natureza e a qualidade das relações da criança com as pessoas do seu próprio sexo ou do sexo oposto, já foi firmada nos primeiros seis anos de vida. Ela pode posteriormente desenvolvê-las e transformá-las em certas direções, mas não pode mais livrar-se delas. (FREUD, 1915[1914]/2017, p. 248).

No amor transferencial existem algumas diferenças, já que este é provocado pela análise, potencializado pela resistência ao tratamento e menos preocupado com as consequências sociais. Ele cabe ao tratamento.

Para Lacan é necessário entender a transferência como uma articulação e implicação ao simbólico, ao imaginário e ao real, é uma condição de leitura da transferência e é “impossível comparar a transferência e o amor, e medir a parte, a dose, do que se deve atribuir a cada um, e reciprocamente, de ilusão ou de verdade” (LACAN, 1960-61/2010, p. 51).

No texto “Uma conversa sobre o amor”, Miller (2010) fala que Freud nos avisa que o vínculo social é um vínculo erótico ou amoroso, que a psicanálise, em Lacan, inventou um novo amor, e que Freud inventou um novo Outro, um tipo de Outro ao qual o analisante possa dirigir o seu amor. Um Outro que possa dar novas respostas ao amor, respostas diferentes e, talvez, mais adequadas àquelas que encontramos cotidianamente. Ler esse texto de Miller, que apresenta uma leitura do que Freud inventou – “Um novo Outro” –, nos faz retornar a “Observações sobre o amor transferencial”, pois todas as recomendações implicam esse novo Outro. Todas as recomendações são para o psicanalista e seu lugar no mundo. No texto, Freud tenta ensinar ao analista a suportar e a usar, a favor do tratamento, o amor dirigido a ele – o que o analisante dirige ao analista e o que é possível que o analista “devolva” ao analisante.

Para finalizar, Freud (1915[1914]/2017) faz observações importantes, equivalendo o psicanalista a um químico e dizendo que não é porque o químico trata de materiais explosivos que ele é proibido de manuseá-los, assim como o psicanalista também fica às voltas e trata de materiais explosivos. Afirma que não precisamos, e nem o mundo precisa, do furor sanandi, ou seja, tentar curar o doente a qualquer custo. Para ele, o material a ser manuseado precisa de tempo e uma certa coragem, ou aposta no inconsciente, e que, principalmente, a ética precisa estar próxima da técnica. Me parece, portanto, que, nesse texto, o que orienta Freud é a ética. Assim, dizer “sim” ao amor transferencial é dizer “sim” ao tratamento e ao inconsciente.

O texto do Miller (1997) “O método psicanalítico” faz laço com o texto de Freud ao dizer que esse método não tem padrões, mas tem princípios. Melhor dizendo, não é orientado pela técnica, mas sim pela ética, e que em “análise não há paciente à revelia de si mesmo” (MILLER, 1997, p. 223). Há uma diferença entre o paciente que está na análise e aquele da psiquiatria que pode ser encaminhado por outros, tal qual a criança que é encaminhada pelos pais: em análise, o paciente precisa querer ser paciente. No texto “Observações ao amor transferencial” Freud (1915[1914]/2017, p. 168) nos avisa inclusive que a família decidir pelo paciente não tem nenhum efeito de tratamento, pode no máximo atrapalhar, e conclui: “O amor dos parentes não consegue curar uma neurose”.

Em relação ao texto de Miller e ao de Freud poderíamos também afirmar que precisamos localizar numa análise sempre o dito e o dizer, o enunciado e a enunciação, e que a declaração de um amor de transferência precisa ser lida desta forma: isso foi dito, mas o que isso quer dizer, a que se refere? Isso para que, de um modo ético, possamos encontrar ou formular uma resposta que tenha lugar para o tratamento ou para o inconsciente, que dê lugar para a “boca maldita”, pois, no amor transferencial, o analisante demanda uma resposta que o inclua na repetição infantil, no mesmo de sempre, colocando em ordem o sintoma que funcionava muito bem até aquele momento.

Isso que Miller traz sobre o dito e o dizer se mostra em seus exemplos pelo enamoramento dirigido a uma análise, mesmo que não seja o amor transferencial estabelecido por Freud – uma paixão –, mas, em todos os aspectos, a palavra precisa ser escutada, dando lugar para o que vem junto dela, acoplado a ela. Miller dá o exemplo de uma mulher que chega aos prantos no seu consultório: ela sabia que ele iria viajar, e ele diz que talvez seja por isso que ela chega dessa forma, dizendo que os filhos sairiam de viagem sem ela. Ele sorri, dizendo que esperava que seu sorriso tenha sido verdadeiro, pois não cabe ao psicanalista “participar emocionalmente das situações afetivas dos pacientes demonstrando sempre que compreende ou sente ternura” (MILLER, 1997, p. 244), e que é preciso avaliar cada caso, tal qual Freud. Isso não significa não acolher, mas fazer um cálculo que possa autorizar o que pode vir a posteriori, que é no dizer, na enunciação.

O que fazer com o amor que surge em análise? 

Ao ler o texto de Freud, lembrei-me de um caso que Oscar Ventura (2020) trouxe na XXIV Jornada da EBP Seção Minas, em uma conferência com o nome “O Amor. Sempre Outro”, que tratava do amor, do amor repetição, do amor em Freud e do amor em Lacan como elaboração de saber, ligado ao Outro. Mas trago aqui o texto intitulado “A mulher pródiga”, que apresenta um caso muito bem trabalhado por Ventura (2003/2005) e que está em La pareja y el amor: Conversações Clínicas com Jacques-Alain Miller em Barcelona.

Nesse texto, Ventura traz o caso de uma psicose ordinária estável por mais ou menos 37 anos, que ele chama, tal qual Miller (1997) em Lacan Elucidado, de pré psicose. Ela estava estabilizada em um casamento em que o marido, por causa dos trabalhos, fazia viagens. Quando esse casal decide ter um pouso e pensar em filhos, surge a instabilidade. Em seguida, surge uma posição delirante em relação a um professor de Yoga e a separação do marido. Nesse momento, ela estava em uma primeira análise. Ao se separar, ela decide vender todas as suas coisas e voltar para a sua cidade, com uma mala e o endereço de um novo analista. Fica errante na cidade por um tempo, entre hotéis, lugares e com seus perseguidores, pois havia um delírio de perseguição ao seu redor.

Na análise com Oscar Ventura, ela tira os objetos da mala, os deposita no tapete e começa a falar, e depois que se encerra a sessão, os recolhe novamente. Em um certo momento, passa a deixar seu dinheiro nos lugares, a pagar muito mais que o necessário, a não aceitar troco e, na análise, quer pagar em dobro, o valor do ano todo, com o que o analista não consente. Até o momento em que ela decide entregar a ele os objetos da mala: o analista não aceita, mas consente em guarda-los. Nesse momento, esse lugar vira uma âncora na cidade e o “aumento progressivo do amor começa a ser notado” (VENTURA, 2003/2005, p. 201).

Com as joias guardadas, algo se estabiliza e o mundo é dividido em dois: um, dos perseguidores, e o outro, de pessoas que assumem “o status de deuses, pelos quais vale a pena existir” (VENTURA, 2003/2005, p. 202). Ela começa, assim, a traduzir textos de psicanálise, fazendo o que chama de suas próprias versões; o analista passa a ser o depositário dessas versões e a análise ocupa um lugar fundamental para o seu tratamento e estabilização, um lugar para sua história, e os fenômenos persecutórios ficam mais distantes dela, menos invasivos. Nesse momento, o “analista agora encarna o fiador do psi, é um deus protetor e às vezes basta um simples chamado para organizar os ânimos” (VENTURA, 2003/2005, p. 203).

Em relação ao aumento do amor transferencial, Ventura relata que

a insistência em aumentar a periodicidade das sessões aparece como um obstáculo, ela aspira ser a única paciente, ela se diz analista! […]. Esse sujeito ama o analista e os deuses começam a exigir sacrifícios de amor, o corpo começa a tremer e não há país para onde fuja a menos que outro seja inventado. (VENTURA, 2003/2005, p. 202)

O manejo da transferência no caso da “mulher pródiga” é um instrumento evidentemente fundamental e algo a ser verificado. Até que ponto é possível regular essa erupção de gozo que recaí sobre o corpo do analista, já que a transferência se torna explicitamente erotomaníaca? Ventura descreve todas as artimanhas feitas por essa mulher para ter o objeto amado, tal qual descrito por Freud em “Observações sobre o amor transferencial”:  ela compra roupas, veste-se de modo sedutor, liga para o analista em horários desnecessários para perguntar se pode ser atendida, se pode ir para casa dele, convida-o para jantar e descobre o endereço de sua casa. Manda-lhe presentes pelo correio, que são imediatamente devolvidos.

Acontece aí o choro e o ranger de dentes, o bater de portas, os xingamentos, ela se enfurece… mas volta. Essa, talvez, nesse caso, seja a orientação dada pela analisante. Ela volta. Assim, “são esses momentos em que ela não é o manejo privilegiado da transferência, não se trata do não da rejeição ou do não de uma negação pura e arbitrária, mas um não de um manejo, um não que cumpre” (VENTURA, 2003/2005, p. 203). Ele age e esse manejo da transferência começa a produzir outros efeitos.

Vi nesse caso de Oscar Ventura uma ótima oportunidade de exemplificar as questões sobre o amor transferencial e seu manejo. Após essa intensa posição da analisante, ela passa a acreditar que ele a roubou, e logo que se esvazia esse excesso ela se sente em falta e passa a verificar os objetos, se eles continuam ali guardados. Depois de algum tempo, pede de volta os objetos para depositá-los em um banco, vai espaçando a periodicidade das sessões e o analista vai consentido. Em uma sessão, chega bem, arrumada discretamente, com uma caixa na mão e diz, de forma imperativa, que aquele presente ele precisava aceitar. Ele pede para ver: em uma caixa estava uma escultura do analista, feita por ela. Ela conta como foi feita, o material, etc. E ele o aceita: a escultura é um trabalho que inclui o analista e a história da analisante e seu pai.

Podemos concluir que o amor transferencial, a transferência, da forma que ela vier, está ali em função do método psicanalítico, é preciso escutar como algo a favor do tratamento, a favor do sujeito, pois, como afirmou Miller (1997, p.235), a “primeira incidência clínica da ética da psicanálise é o próprio sujeito”.


 

Referências
FREUD, S. (1915 [1914]). Observações sobre o amor transferencial. In: Obras Incompletas de Sigmund Freud: Fundamentos da clínica psicanalítica. Belo Horizonte: Autêntica, 2017, p. 165-182.
LACAN, J. (1960-61). A mola do amor. In: O Seminário, livro 8: A transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010, p. 31-210.
MILLER, J.-A. O método psicanalítico. In: Lacan Elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997, p. 219-284.
MILLER, J.-A. Uma conversa sobre o amor. Opção Lacaniana On-Line, n. 2, jul. 2010. Disponível em: opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_2. Acesso em: 22 mai. 2023.
VENTURA, O. Uma mulher pródiga. In: La pareja y el amor: Conversações Clínicas com Jaques-Alain Miller em Barcelona. Barcelona: Ed. Paidós, 2003/2005
VENTURA, O. O Amor. Sempre Outro. In: XXIV Jornada da EBP-MG – Mutações do laço social: o novo nas parcerias. 2020. Disponível em:jornadaebpmg.com.br/2020/wp-content/uploads/2020/ Acesso em: 22 mai. 2023.
[1] Texto apresentado nas 59ª Lições Introdutórias à Psicanálise do IPSM-MG, em 25 de abril de 2023.
[2] Filme de Helvécio Ratton, da produtora Quimera, lançado em 13 de abril de 2023.



Inventar a própria maneira de ler[1] 

Márcia Mezêncio
A.P. da Escola Brasileira de Psicanáise/AMP
Mestre em Estudos Psicanalíticos (UFMG)
marciasouzamezencio@gmail.com

Resumo: Este artigo traz a leitura, a contextualização e o comentário acerca do artigo de Freud intitulado “Sobre o início do tratamento”, publicado em 1913 na série que ficou conhecida como Escritos técnicos, e desdobra algumas reflexões sobre a transmissão do saber em psicanálise, remetidas ao momento atual. 

Palavras-chave: início do tratamento; técnica da psicanálise; leitura do inconsciente; desejo de saber. 

INVENTING YOUR OWN WAY OF READING 

Abstract: This article presents a reading, contextualization and commentary on Freud’s article entitled “On the beginning of treatment”, published in 1913 in the series that became known as Technical Writings, and unfolds some reflections on the transmission of knowledge in psychoanalysis, referring to the current moment. 

Keywords: beginning of treatment; psychoanalysis tecnique; reading of the unconscious; desire to know.

Imagem: Renata Laguardia

Agradeço a oportunidade e o convite para estar aqui e para trabalhar com vocês um texto apaixonante, como são para mim os escritos de Freud. Sou de uma geração que se iniciou na psicanálise pela obra de Freud e se fascinou com as aberturas que a leitura feita por Lacan tornou possíveis. O modo de ler de Lacan tornou-a um texto vivo que, como tal, permite que inventemos nossa própria maneira de ler (MILLER, 1997, p. 249). Se digo paixão e fascínio, refiro-me à paixão da ignorância, a paixão colocada em jogo na experiência analítica, implicada na transferência. É pela via do amor e da suposição de saber que tudo começa, e aqui já me insiro no próprio tema desta lição.

As Lições Introdutórias são, para mim, um espaço privilegiado, eu já disse isso em outras ocasiões, por proporcionar retornos sobre textos fundamentais, bem como sobre a nossa própria trajetória, não sem lançar luz sobre o atual e o contemporâneo, abrindo portas a uma nova leitura. Retomamos hoje esses escritos de Freud na perspectiva não mais de um retorno a Freud, já empreendido por Lacan – e quanto a isso é importante assinalar ainda uma vez que a série dos seminários de Lacan, em seu retorno a Freud, se inicia justamente com os “escritos técnicos” –, mas do desafio contemporâneo de fazer valer a existência do inconsciente em nosso tempo e de que as análises comecem.

Para isso, é preciso que uma pergunta se coloque. Mais que uma questão de método, também é condição de existência do inconsciente e de sobrevivência da psicanálise. Nunca é demais reafirmar esse princípio, levando em consideração que é característica desse tempo em que praticamos a psicanálise que existam somente respostas.

Dominique Laurent, discutindo as implicações do ensino com o saber e a Escola, salienta a importância de ensinar os textos fundadores, para manter a transmissão do saber explícito da psicanálise – e aqui considero a função do Instituto em relação a esse ensino. Ela prossegue reafirmando a necessidade de “perseguir a transmissão do saber implícito, aquele saber sob transferência, assim como a dimensão política de sua ação” (LAURENT, 2018, p. 4) No entanto, ela conclui que “o ensino faz obstáculo ao saber, no sentido de Lacan” (LAURENT, 2018, p.5). E defende um saber que não se reduz a uma aprendizagem e que faça oposição à demanda daqueles que se endereçam à Escola, ou ao Instituto, para obter um saber-fazer no mau sentido, ocultando, assim, seu ponto de não saber. Cabe a nós operarmos com o furo no saber e acolher a transferência de trabalho que o desejo de saber coloca em funcionamento.

Com essa orientação, organizei minha apresentação em dois eixos: o comentário do artigo e algumas reflexões sobre a transmissão do saber em psicanálise.

Uma questão de preliminares: no início o mal-entendido 

O texto de Freud que provoca nossa conversa – seja por seu título, “Sobre o início do tratamento”, seja por sua proposta (cito Freud (1913/2017, p. 121): “tentarei reunir algumas dessas regras para o início do tratamento, no intuito de serem utilizadas pelo analista praticante”), ou por seu contexto, a saber, a expansão do movimento psicanalítico e as primeiras dissidências – possibilita inúmeras entradas.

Uma entrada possível ocorreu-me ao considerar o nosso contexto, a série na qual essa nossa conversa acontece: Lições Introdutórias, que também reverbera com a ideia de um início, ou iniciação, introdução, e que haveria algo de mal-entendido contido na própria ideia de transmitir, através desses escritos ou dessas lições, a técnica da psicanálise. Uma primeira recomendação ou advertência se coloca. É mesmo com ela que Freud abre seu artigo: há limitações para transmitir as regras do jogo, seja o do xadrez, seja o da análise. É preciso a experiência, o jogo jogado pelos grandes mestres, no caso do xadrez, ou a de cada um que se coloque o desafio da prática da psicanálise, em nosso campo.

Por outro lado, estamos no nosso elemento, nada como o mal-entendido para começar. Veremos como Miller (1997, p. 246) ressalta a função primordial do mal-entendido e da paixão da ignorância como a paixão analítica: o princípio é não compreender. É por essa entrada, a do não-saber, que se abre a via das questões, das perguntas, princípio de método fundamental em psicanálise. É o que Lacan (1962-63/2004) aponta como necessário no plano da experiência: colocar todas as perguntas. Isso não quer dizer que tudo possa ser dito. É necessário considerar que a ética que orienta a análise, sendo a ética do bem-dizer, remete ao saber inconsciente, em sua radical singularidade a cada sujeito. Freud igualmente valoriza o princípio de começar cada caso como se fosse o primeiro, colocando em suspenso todo saber prévio adquirido através de outros casos.

Dito isso, começo pela nota de edição.

Vale lembrar que a palavra central do título (Einleitung) tem o sentido de início, mas que o verbo einleiten tem também o sentido de “colocar em movimento numa determinada direção”, o que é precisamente uma das principais questões de Freud no texto. (IANNINI; TAVARES, 2017, p. 148)

Ainda na nota de edição, lemos que esse texto funciona como báscula no conjunto dos chamados “escritos técnicos” de Freud, ao mesmo tempo fechando uma série e abrindo outra – o que se observa na Edição Standard, na qual ao título se segue um subtítulo, reproduzido da edição original: “Novas recomendações sobre técnica da Psicanálise I”, sendo o artigo que o antecede justamente chamado “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise”, lido aqui na lição anterior; na oportunidade, Cristiana Pittella abordou a nuance na diferença de tradução do título entre as edições, referente ao plural no destinatário, bem como a justificativa do endereçamento das recomendações ao “médico” e não, ainda, ao psicanalista, como se consolidará no prosseguimento da obra de Freud.

Seguindo na leitura da nota, somos informados também de que esse artigo permanece como a principal referência acerca do início do tratamento, encontrando enorme repercussão no movimento psicanalítico. Tal asserção parece confirmada no eixo dessas Lições Introdutórias – “Sobre o início da experiência analítica” – e no tema do ENAPOL que elas antecipam – “Começar a se analisar”. É destacado ainda o interesse de Lacan no que se refere às entrevistas preliminares, apresentadas longamente no texto em questão, do qual constituem, a meu ver, o tema central.

O contexto em que Freud escreveu esses artigos é o das primeiras dissidências e, então, ele via em risco os princípios sobre os quais havia criado sua técnica. Ao longo dessa série de artigos, bem como ao longo de toda a sua obra, ele deixa claro que não é a técnica que define a psicanálise, podendo esta ser variável segundo a “preferência pessoal” do analista, desde que os princípios analíticos — que ele chama as “pedras angulares” da psicanálise — sejam tomados em consideração. Esses fundamentos, ou princípios, dos quais Freud fará sempre uma defesa intransigente, são a teoria do inconsciente, do conflito psíquico e do recalque, o reconhecimento da importância etiológica da sexualidade e do complexo de Édipo. Ênfase particular será dada ao reconhecimento da causalidade psíquica e sobre o sentido dos sintomas e à sua característica de satisfação substitutiva. Especificamente no artigo em questão hoje, Freud (1913/2017) é assertivo: Se o tratamento opera pelo manejo da transferência, com o objetivo de vencimento das resistências, está em causa um tratamento analítico.

É o que está em jogo nesse esforço de detalhar a técnica: esclarecer seus fundamentos éticos e clínicos, sem os quais ela não existe ou se justifica. Foi nesse mesmo contexto da defesa da existência da psicanálise que se deu a criação da Associação Internacional de Psicanálise (IPA), em 1911. Outro marco no esforço de esclarecer esse ponto foi a publicação, em 1914, da “História do movimento psicanalítico”, texto que sucede os escritos técnicos, no qual Freud valoriza nas primeiras dissensões (Adler e Jung) o abandono dos pilares, dos conceitos necessários à fundamentação de qualquer técnica da psicanálise. Trabalhei essas questões detalhadamente em minha Dissertação de Mestrado, na qual insisto que Freud estava longe de ser ortodoxo e que desenvolveu uma investigação exaustiva no sentido de adequar a técnica analítica às mudanças da clínica que se apresentavam, já vislumbrando a singularidade, isto é, não somente a técnica se deveria à preferência pessoal do analista, como deveria responder às necessidades de cada paciente, estendendo-se a quadros clínicos diversos dos casos de neurose para os quais a técnica havia sido inicialmente construída.

Vocês puderam ler, ao longo deste artigo, a preocupação de Freud com a sobrevivência da psicanálise e um esforço de diálogo com os bem-intencionados (sempre é prudente desconfiar) inovadores: a existência e o modo de funcionar do inconsciente exigem que a psicanálise responda à altura. Em nosso tempo, a psicanálise também corre o risco de deixar de existir e esse é um motivo suficiente para nos debruçarmos sobre as questões fundamentais que esses textos nos apresentam e que continuam válidas, mesmo que devam ser atualizadas ao nosso contexto. De toda forma, não farei uma leitura linha a linha, vou partir da premissa de que vocês leram o texto e vou fazer alguns recortes pontuais para conversarmos e remetermos às questões de atualidade na clínica.

Retomo a nota de edição, que nos informa que o texto foi publicado originalmente em duas partes e que teria três seções: Sobre o início do tratamento (primeira parte), A questão das primeiras comunicações e A dinâmica da cura (segunda parte). A edição que conhecemos não está dividida em partes ou seções. Mas essa informação pode ser útil para nossa leitura.

A tentativa de considerar que a primeira seção parece abordar principalmente questões práticas, estabelecendo as condições para o início do tratamento, e que as duas seguintes tratariam de questões clínicas, privilegiando as intervenções do psicanalista na direção do tratamento, mostra que é impossível obter essa divisão, mesmo para fins “didáticos”. Pois o que vemos se desdobrarem em questões aparentemente objetivas é sua implicação ética no que delas se espera. Assim, as entrevistas preliminares, ou tratamento de ensaio, as determinações referentes a tempo e dinheiro, o uso do divã, referido como o “cerimonial da situação na qual é conduzido o tratamento”, se mostram condições decisivas para o engajamento do paciente em um trabalho com o inconsciente, que ultrapassam suas justificativas objetivas, que as colocariam no nível de condições de um contrato. Vejamos.

As entrevistas preliminares, cuja função é a seleção e o diagnóstico dos pacientes, são justificadas pelas razões objetivas de protegê-los de dispêndio inútil e proteger a psicanálise do risco de um fracasso se o caso não for indicado à intervenção analítica. No entanto, devem ser conduzidas nas mesmas premissas do tratamento propriamente dito, sendo decisivas para sua “direção”, lhe sendo prévias, mas fazendo parte dele, e sendo sua função a de cuidar da instalação e consolidação da transferência.

As questões de tempo e dinheiro não se reduzem à garantia da ocupação, remuneração e sobrevivência do profissional, mas estão implicadas na economia psíquica do paciente.

Relativa ao tempo, a questão da duração do tratamento envolve, segundo Freud, o desconhecimento da etiologia das neuroses e o esquecimento da proporcionalidade necessária entre tempo, trabalho e sucesso, o que gera expectativas exageradas em relação à análise. O que impediria o encurtamento do tempo de tratamento é “a atemporalidade dos processos inconscientes e o vagar com que as transformações psíquicas profundas ocorrem” (FREUD, 1913/2017, p. 130). Esse processo segue seu próprio caminho, e o analista não tem o poder de impor direção ou sequência.

Não irei abordar aqui, por razões de tempo e escolha, a discussão sobre a duração do tratamento nos dias atuais e outras variáveis no manejo do tempo, sejam aquelas introduzidas por Lacan em relação ao tempo lógico, sejam as incidências das mudanças tecnológicas sobre a vivência contemporânea do tempo, que se torna acelerado ou mesmo instantâneo, como a experiência dos atendimentos on-line têm demonstrado. No que se refere ao tempo de entrada em análise, indico a leitura do argumento de Jorge Assef, no site do ENAPOL.

Quanto ao dinheiro, Freud lembra de que há poderosos fatores sexuais envolvidos, sendo um assunto tratado na vida cotidiana com dubiedade, pudicidade e hipocrisia. O analista, segundo ele, deve exercer vigorosa oposição sobre tal modo de tratamento e enfrentar abertamente essa questão, levando em consideração a desvalorização do tratamento advinda de se cobrar pouco pela consulta, os inconvenientes do tratamento gratuito, o lucro secundário da doença, entre outros fatores que impactam o sucesso do tratamento. Sobre o aparente investimento excessivo no tratamento, ele é taxativo: “não há nada mais caro na vida do que a doença e – a estupidez” (FREUD, 1913/2017, p. 134). Considerações que seguem válidas e devem ser levadas em conta nos formatos e lugares onde se pratica e aplica a psicanálise atualmente, bem como nas novas formas de circulação do dinheiro, que também se tornam cada vez mais virtuais.

Sobre o uso do divã, apresentado como resquício do tratamento hipnótico, seria motivado por uma questão pessoal, a saber: o incômodo de ser observado por horas por outra pessoa revela-se, na verdade, muito mais uma justificativa de ordem clínica – evitar que, através de expressões faciais que a postura de entregar-se à atenção equiflutuante poderia produzir no analista, se forneça material ao paciente para que interprete e se influencie em suas comunicações, impondo-lhe, ainda, a privação do objeto olhar, o que remete à questão da opacidade do analista.

Em entrevista recentemente publicada em português, Miller (2022) reflete sobre as perspectivas atuais e futuras do divã. Em uma frase que ressoa a Freud, ele diz que não é o divã (onde Freud colocava a técnica) que define a psicanálise e aponta como, em seu manejo, é crucial levar em conta as singularidades de cada paciente, e que o divã pode ser um objeto importante e emblemático das relações que se estabelecem entre paciente e analista, incidindo sobre as fantasias do primeiro. Reflexões semelhantes estão presentes nesse artigo de Freud, que apresenta exemplos de situações e resistências dos pacientes à submissão ao divã.

A entrevista de Miller avança questões sobre o momento atual, atribuindo ao divã uma incidência sobre a banalização da presença virtual. A permanência do divã se justifica largamente por encarnar a impossibilidade da relação sexual e o paradoxo de efetivar a presença do corpo e ao mesmo tempo seu despojamento: “Deitar-se no divã é tornar-se puro falante, fazendo ao mesmo tempo a experiência de si como corpo parasitado pela fala, pobre corpo doente da doença dos falantes” (MILLER, 2022, p. 44). O real da presença dos corpos faz-se assim necessário para que o paradoxo permaneça e o objeto encarnado pelo psicanalista permita que a experiência como sujeito se dê: “como falante, sem saber o que quer, nem o que diz, nem mesmo a quem” (MILLER, 2022, p. 43).

No começo, a associação livre

Definidas essas questões práticas, mas nem tanto, por onde começar? Em que ponto e com que material? Verei-o amanhã’” (KARDINER, 1979, s/p).

Freud diz que é indiferente, o paciente escolhe o tema que gostaria de trabalhar. Mas, só que não, como se diz hoje em dia, pois aqui se impõe a regra fundamental: o paciente deve comunicar aquilo que lhe ocorrer, sem omitir, com o compromisso de sinceridade plena. Sem escolher, no fim das contas: eis aí o mal-entendido da regra da associação livre. Por isso, desencoraja-se a preparação prévia do material da sessão, que estaria a serviço da resistência e não facultaria o engajamento do sujeito na dinâmica do tratamento, impedindo o acesso ao inconsciente.

Exemplo disso encontramos em uma intervenção irônica de Freud, relatada por um de seus pacientes, candidato a analista, destacada no site do ENAPOL, na seção “Citações”, como um chamado aos praticantes: começar a se analisar e esclarecer a própria relação com o inconsciente: “Freud me parou aqui e disse: ‘Você preparou este relato?’. ‘Não’, respondi, ‘mas porque você me pergunta?’. ‘Porque foi uma apresentação perfeita. Quero dizer que foi, como dizemos em alemão, druckfertig (“pronto para imprimir”). Verei-o amanhã’”. (KARDINER, 1979, s/p)

Outro exemplo corriqueiro, com o qual nos deparamos frequentemente em nossa clínica. O paciente começa a sessão dizendo: “Tive vontade de não vir, pois não pensei em nada durante a semana para falar hoje”. Ao que respondo: “Que bom que veio, assim podemos conversar sem preparação prévia”. Ele começa a falar do dia no trabalho e várias questões surgem. Quando corto a sessão, ao sair ele diz: “Achei que não sairia nada, mas acabou que deu para ‘conversar’ muito hoje”.

Outra paciente começa a sessão dizendo que iria ler o que escreveu, para não se perder e não esquecer o que gostaria de trabalhar naquele dia. Inicia a leitura e, já nas primeiras linhas, o relato escrito é deixado de lado, provocado por uma pergunta da analista, que desvia o curso para a associação, livre, nesse caso, do roteiro preestabelecido.

Outras recomendações são detalhadas, como discrição sobre o tratamento (para evitar resistências externas e escoamento dos temas a serem trazidos para a sessão). Do lado do analista: encaminhamento das intercorrências a outro profissional, atenção aos sinais de resistência, como o silêncio (manifestação da transferência), aos primeiros sintomas ou atos casuais e à inclusão no tratamento do material dito nas franjas da sessão, fora do divã. E, principalmente, o tema da transferência deve ficar intocado até que ela tenha se transformado em resistência.

Essas recomendações enquadram o desenrolar das entrevistas preliminares, dirigindo-as ao ponto em que, instalada a transferência produtiva, sejam feitas as “primeiras comunicações” e se coloque em funcionamento a dinâmica da cura e se mobilize o jogo de forças capaz de levantar o recalque e vencer a resistência. Miller (1994) traduz essas recomendações: uma análise começa pela espera do analista, até ser investido pela transferência e situar-se em uma posição de domínio para interpretar. Lacan (1958/1998) aponta que Freud reconheceu que aí estava o princípio de seu poder, mas que se arranjava bem com isso, renunciando a fazer uso dele.

Para se começar, então, é preciso a transferência. Miller assevera que esse princípio é um consenso entre as várias escolas de psicanálise e de que “Até Lacan havia uma doutrina bastante precisa em relação a isto. Primeiro esperar a emergência da transferência para depois interpretar” (MILLER, 1994, p. 6).

Miller aponta também a demanda como uma forma de entrada em análise, considerando que se há demanda há transferência. Ele indica que Lacan faz uma torção ao dizer que a transferência é a interpretação, na medida em que dá uma significação de inconsciente a esse significante: “Sem dúvida, para ir até um analista, é preciso já ter interpretado seu próprio sintoma, atribuindo a ele uma significação inconsciente, ou seja: Não sei ler isto sozinho” (MILLER, 1994, p. 11).

Na prática das entrevistas preliminares está em jogo o ato analítico e a ética da psicanálise. Técnica em psicanálise é, lembremos, questão de ética, pois “não há clínica sem ética” e “há ética onde há escolha” (MILLER, 1996, p. 113). Nessas “entrevistas ditas preliminares, duas coisas são essenciais – assegurar-se que se está lidando com sintomas do tipo analítico e com um sujeito capaz de produzir leituras do inconsciente”. (MILLER, 1994, p. 5). É dessa forma que se selecionam, nas palavras de Miller (1996), casos éticos, analisáveis.

As entrevistas preliminares servem, então, para a avaliação clínica ou diagnóstico, essencial para a direção do tratamento. Isso também segue sendo válido, mas não sem mal-entendidos. Miller já relatava o desconforto dos contemporâneos, e mesmo de alguns alunos de Lacan, com sua prática do diagnóstico e da apresentação de pacientes, que consideravam segregativa. Atualmente, ainda que a prática do diagnóstico se ocupe mais de esclarecer a relação do sujeito com o Outro e o real, é igualmente acusada de segregativa pelos militantes da despatologização generalizada.

Miller (1994, p. 4) detalha que “Um critério de analisabilidade é a capacidade de associação livre. O sujeito é capaz de estabelecer uma nova relação com seu próprio dizer? Para ser analisável, é preciso poder dizer sem assumir por conta própria o que se diz”. Diz ainda que “É preciso assegurar-se de uma segunda coisa – que o candidato à psicanálise é capaz de fornecer o texto a ler, a interpretar, e mesmo de o ler de diversas maneiras. É isto que chamamos de ‘entregar-se à associação-livre’” (MILLER, 1994, p. 4).

A associação livre, nos termos de Freud, é uma expressão pela qual tentamos cernir o modo de dizer próprio ao sujeito em análise. É muito difícil cernir o que é este modo de dizer, o modo de dizer analisante. De certo modo, não tomo por minha conta o que digo como analisante – posso mencionar raivas, desejos, temores, pensamentos em que não me reconheço, os quais eu rejeito. Não tenho nada a ver com isto, sou inocente em relação a isto, não sou eu. (MILLER, 1994, p. 4)

Também servem à localização subjetiva, que equivale à subjetivação, responsabilidade pelo dizer, pelo gozo e pelo desejo. Onde está o sujeito? Quem fala? Para essa localização, “o essencial é o que o sujeito diz”. Ao valorizar a fala, um primeiro movimento é acionado, trata-se de separar-se da dimensão do fato, dos acontecimentos, para entrar na questão do dito; o que prepara um segundo passo: a partir dos ditos localizar o dizer do sujeito, a enunciação, quer dizer, questionar a posição de quem fala (modalização do dito). “Trata-se de distinguir entre o dito e a posição frente a ele, que é o próprio sujeito” (MILLER, 1997, p. 238). O sujeito é a caixa vazia onde se inscrevem as modalizações do dito, lugar da sua ignorância.

Por isso, as entrevistas preliminares e a função essencial do mal-entendido que a regra da associação livre possibilita servem para que o sujeito minta e assim perceba alguma antinomia na lógica de seus ditos. Tal antinomia entre o dito e o dizer, se traduziria como: “Eu (o paciente) não sei o que digo” (MILLER, 1997, p. 247). O lugar da enunciação é então o próprio lugar do inconsciente.

O bem-dizer, para Lacan, é a chave da ética da psicanálise, a ética do dito e do dizer, antes de um acordo ideal entre o dito e o dizer, trata-se de encontrar uma maneira de dizer que leve em conta a diferença entre o dito e o dizer, e que também leve em conta a possibilidade de modificar a posição subjetiva a respeito do dito. (MILLER, 1997, p. 249)

Nos dias atuais, na fórmula “eu sou o que digo que sou”, há uma identidade entre o dito e o ser, ou não há um querer dizer por trás do dito. Não há lugar para o mal-entendido ou para um questionamento ou interpretação. Dessa forma, o discurso analítico não encontra seu lugar de incidência: introduzir o sujeito no inconsciente através da localização e retificação subjetiva. Já em 2002, nas “Intuições milanesas”, Miller (2011) alertava que o ato do psicanalista está sob ameaça. Por esse motivo, a pergunta sobre como começam as análises é decisiva para o futuro do ato analítico.

Silvia Salman (2022, p. 6), repercutindo essa reflexão de Miller, mais atual do que nunca, sobre a degradação da posição do analista, avalia que “o sentimento de desvalorização da psicanálise surge do fato de não ser captada a partir de um desejo de verdade, mas de uma demanda de atenção pessoal”. E se pergunta como fazer frente à degradação do discurso analítico e “fazer surgir o desejo de verdade ali onde só se espera atenção personalizada que faz prevalecer o narcisismo social e a primazia do eu, em detrimento do mistério do corpo que fala” (SALMAN, 2022, p. 6). Sugere o interesse de se examinar e formalizar os inícios de análise, pois “Fazer prevalecer o analítico a cada encontro é não cessar de fazer emergir um você disse algo ‘que é diferente do que queria dizer’” (SALMAN, 2022, p. 6).

E quanto ao ensino? O que afinal se transmite?

No curso da preparação do texto para minha apresentação hoje, encontrei ressonâncias com o que eu pretendia abordar aqui, para concluir, condensadas no comentário sobre a aula inaugural no ICP-RJ, feito pelos alunos Diogo Pereira de Sousa e Samantha de Moura Ribeiro, que vou ler para vocês:

A aula inaugural se propôs a introduzir o tema da entrada em análise, estabelecendo uma conversa com o XI ENAPOL que acontecerá em setembro/2023. Como circunscrever o momento em que uma análise se inicia, aquele que marcaria o início do trabalho pelo analisante? Seria esse um ato do analista? Seria ato do analisante? Talvez a resposta venha, como de praxe, a posteriori e in casu, quando olhando para trás é possível pinçar o momento em que um não-saber surgiu, através da manifestação do inconsciente. Como nos lembra Laurent, há algo da incidência de uma verdade que passa a implicar o analisante em sua mensagem e o situa de outra forma em relação à sua demanda. Com isso em mente, gostaríamos de lançar uma provocação: haveria um ponto de encontro (ou desencontro) entre a entrada em análise e a entrada numa escola de psicanálise? Em uma análise, cabe ao analista escutar e fazer ressoar, seguir o analisante “destacando os significantes que pesam”. Contudo, para que as pontuações tenham efeito, produzindo quedas e aberturas, é necessário um consentimento do analisante, um deixar-se ir, que também é dar de si. Seria esse consentimento a transferência, seria ele precedente a ela ou viria dela? E na entrada em uma escola do que se trata? (SOUSA; RIBEIRO, 2023, s/p)

E é por estar também em torno dessas questões da transmissão, da Escola e da transferência de trabalho, que me é impossível conversar sobre esse texto, sem me colocar essas e outras perguntas.

Como ensinar algo sobre a psicanálise e sua técnica?

Em suas observações sobre o ensino da psicanálise nas universidades, Freud (1919[1918]/1976, p. 219) se refere à impossibilidade de sua transmissão integral em aulas teóricas, invocando a necessidade “para finalidades de pesquisa” de acesso ao material clínico, por meio de ambulatório ou hospital.

Mais que as recomendações, indicações, pretensamente pragmáticas, sabemos estar diante de um impossível. Se Freud assinalava o impossível de psicanalisar, incluindo a psicanálise entre as profissões impossíveis ao lado das de educar e governar, Lacan afirmava o impossível do ensino da psicanálise e apostava em sua transmissão.

Uma pergunta puxa outra, e outra… esse é mesmo o método da psicanálise, que coloca em jogo o que Miller indicava como paixão da ignorância, não há saber todo, não há transmissão toda. Talvez o que se transmita, afinal, seja mesmo uma questão, na melhor das hipóteses, um desejo de saber.

É pela transferência de trabalho que se entra na Escola e é ela que faculta a transmissão, a “inventar a própria maneira de ler”.

Em relação ao texto do inconsciente trata-se de “produzir uma certa distância de si para ler-se de outro modo” (SALMAN, 2022, p. 6).

Concluo, com Miller (1994, p. 3), que

Este enunciado indizível, causa do sintoma, é a partir de então assimilável a um enunciado escrito no sujeito e que ele não poderia lê-lo como se deve. Isto que Freud chamou de inconsciente, é estritamente equivalente a um texto escrito indecifrável, subsistindo como os hieróglifos antes que Champollion viesse a lê-los e – para usar os termos que Lacan tomou emprestados de Saussure, mas que não eram ignorados pelos estoicos – subsistindo como significantes sem significados. Nesse sentido, Lacan pôde dizer que o inconsciente é acima de tudo algo que se lê.


 

Referências
FREUD, S. Sobre o ensino da psicanálise nas universidades. In: Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XVII, 1976. (Trabalho original publicado em 1919[1918]).
FREUD, S. Sobre o início do tratamento. In: Obras Incompletas de Sigmund Freud: Fundamentos da clínica psicanalítica. Vol. 6. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. (Trabalho original publicado em 1913).
IANNINI, G.; TAVARES, P. H. Nota de Edição. In: Obras Incompletas de Sigmund Freud: Fundamentos da clínica psicanalítica. Vol. 6. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
KARDINER, A. Mi análisis con Freud. México: Ed. Joaquín Mortiz, 1979. Disponível em: https://enapol.com/xi/pt/ bibliografia-2/primeira-parte/citacoes/. Acesso em: 10 abr. 2023.
LACAN, J. A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. (Texto original publicado em 1958).
LACAN, J. O Seminário, livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. (Trabalho original proferido em 1962-63).
LAURENT, D. A psicanálise e seu ensino explícito. Opção Lacaniana, n. 79, p. 3-5, 2018.
MILLER, J.-A. Não há clínica sem ética. In: Matemas I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.
MILLER, J.-A. O método psicanalítico. In: Lacan Elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
MILLER, J.-A. Intuições milanesas. Opção Lacaniana Online nova série, ano 2, n. 5, nov. 2011. Disponível em: www.opcaolacaniana.com.br. Acesso em: 21 jun. 2023.
MILLER, J.-A. O divã. Século XXI. Amanhã, a mundialização dos divãs? Em direção ao corpo portátil. Opção Lacaniana, n. 84, p. 43-44, 2022.
MILLER, J.-A. Come iniziano le analisi?. 1994. Disponível em: enapol.com/xi/wp-content/uploads/2023Acesso em: 10 abr. 2023.
SALMAN, S. A crescente decomposição do discurso analítico. Opção Lacaniana, n. 85, p. 5-7, 2022.
SOUSA, D. P.; RIBEIRO, S. M. Sobre a aula inauguralBoletim Eletrônico da EBP Rio e ICP-RJ, n.  2, abr. 2023.
[1] O presente artigo foi apresentado em 11/04/2023, no contexto das 59ª Lições Introdutórias do IPSM-MG. Agradeço às coordenadoras Lucia Mello e Luciana Silviano Brandão pelo convite.



Uma leitura do texto freudiano “Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico”[1] 

Cristiana Pittella
Psicanalista, membro da Escola Brasileira de Psicanálise/AMP
cristianapittella@yahoo.com.br

Resumo: A partir de uma leitura de orientação lacaniana do texto em que Freud procura transmitir o método psicanalítico, depreende-se a importância da formação do psicanalista para aqueles que querem se lançar na prática da psicanálise.

Palavras-chave: método psicanalítico; formação do psicanalista.

A READING OF FREUD’S TEXT “RECOMMENDATIONS TO THE PHYSICIAN FOR PSYCHOANALYTIC TREATMENT” 

Abstract: Based on a lacanian reading of the text in which Freud seeks to convey the psychoanalytic method, one can infer the importance of psychoanalyst training for those who want to embark on the practice of psychoanalysis. 

Keywords: psychoanalytic method; psychoanalyst training.

Imagem: Renata Laguardia

O poder da palavra

Lacan, em seu Seminário 1, Os escritos técnicos de Freud, ressalta que Freud dedicou-se de 1904 a 1919 a apresentar o seu método psicanalítico e que esses escritos têm um interesse particular para aqueles que querem se lançar na prática da psicanálise. Neles, podemos ler as noções freudianas fundamentais gradualmente e compreender o modo de ação da terapêutica analítica (LACAN, 1953-54/1986). Lacan afirma que Freud jamais cessou de falar da técnica analítica, como no tardio texto Análise terminável e Interminável de 1934, segundo ele, um dos artigos mais importantes quanto à técnica.

Os escritos de Freud reunidos pela Editora Autêntica no volume Fundamentos da Clínica Psicanalítica, que nos orienta nestas Lições Introdutórias, são de um frescor e vivacidade, de uma simplicidade e franqueza do tom que, por si só, são uma espécie de lição.

Lacan retoma esses escritos de Freud para reorientar a psicanálise e colocá-la no eixo. Ele propõe um retorno à Freud, ao campo freudiano, ao que há de subversivo e ético na psicanálise freudiana. A partir do inconsciente, o inconsciente estruturado como uma linguagem, ele procura responder à questão do que fazemos quando fazemos análise.

Assim, passo a passo, ele critica os rumos e desvios que a prática freudiana tomou com os pós-freudianos, como, por exemplo, a Psicologia do Eu e a análise das resistências. Ele vai minuciosamente demonstrar como foi em torno da concepção do ego que girou o desenvolvimento do que se dizia a técnica analítica, cuja análise e intervenções são concebidas a partir da importância da contratransferência. O analista, como se fosse uma placa sensível, intervém a partir dos sentimentos e reações produzidas nele. Nessa inter-reação imaginária entre o analisado e o analista, as interpretações de “ego para ego” (LACAN, 1953-54/1986, p. 44) visam uma ortopedia, um reforço do ego, e o final de análise é concebido pela identificação ao analista.

Lacan vai progressivamente avançando da tópica do imaginário à ordem simbólica para demonstrar que a experiência analítica não se baseia numa relação dual, intersubjetiva. Se a linguagem é tomada como ela deve ser, Lacan formula, a experiência analítica se passa então numa relação a três – a palavra faz mediação entre o sujeito e o eu.

Assim, o analista não fala do lugar de sujeito. Interpretar é técnica de enunciação, orienta J.-A. Miller (1997) no texto “O método psicanalítico”, referência para estas Lições Introdutórias.  As questões técnicas são éticas, pois o analista se dirige ao sujeito.

A interpretação é um significante enigmático que se oferece à interpretação do analisante e possibilita uma mudança na modalidade subjetiva. Ela abre à questão do desejo: o que isso quer dizer? O que ele quer?

Esse não saber, enunciado indizível (recalque), causa do sintoma, é assimilável a um enunciado escrito no sujeito e que não se poderia ler, ele se equivale, nos diz J.-A. Miller (1994/2023) em “Como começam as análises”, a um texto escrito indecifrável.

Numa experiência analítica tratar-se-ia menos de lembrar e reviver do que reescrever a história. O mais importante é a leitura e a escrita, como orienta Lacan (1953-54/1986) em sua leitura de Freud: o que conta é o que o sujeito reconstrói.

Passamos dos fatos aos ditos, ao uso da palavra. E, por mais estreita que seja a porta, ela pode fazer passar um elefante.

Palavras não-toda

O texto freudiano acerca dos fundamentos da clínica psicanalítica, cuja leitura fazemos aqui, é o “Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico”, que data de 1912. É um dos textos mais pragmáticos na obra de Freud.

Sua atualidade reside no chamado que ele faz tanto ao modos operandis da psicanálise, quanto à importância e responsabilidade de se cuidar da formação do psicanalista e de sua transmissão. Desse modo, evidencia-se a diferença da Psicanálise em relação à medicina e às ambições da educação e da psicoterapia.

Freud já havia nessa ocasião publicado Dora, O Homem dos Ratos e O pequeno Hans, casos clássicos de Histeria, Obsessão e Fobia. Embora não houvesse ainda uma sistematização das diretrizes da técnica analítica, é desses casos tomados em sua singularidade – entre outras experiências clínicas – que Freud retira o material para tentar sistematizar a sua experiência clínica nessas recomendações. Ele tenta responder à questão de como nos transformamos em analistas (FREUD, 1912/2017).

Ainda que Freud desejasse formalizar esse material nessas recomendações – nomear algo do real de sua clínica para a transmissão da psicanálise –, ele hesitou muito em publicá-las com receio de que elas pudessem ser tomadas como regras rígidas, como um saber dogmático, que mais faria consistir um ideal e instaurar uma relação que engessa o praticante.

Freud nos alerta sobre o quanto as regras standards, inflexíveis, servem muito mais para defender o praticante do real que a matéria da psicanálise coloca em jogo, a saber, a palavra (o significante) e as pulsões (o gozo), que Lacan nomeou em seu último ensino com o neologismo moterialité (palavra e matéria).

Em uma ocasião, comentamos no Núcleo de Pesquisa em Psicanálise e Psicose do IPSM-MG, quando este acontecia no CERSAM Noroeste nos primeiros anos do Instituto, uma vinheta clínica apresentada por uma colega com experiência clínica na saúde mental e formação na psicanálise de orientação lacaniana. Uma paciente psicótica havia recebido alta do tratamento, já que ela fora acolhida na urgência quando em crise e agora encontrava-se estável. Esse sujeito não tinha construído outros laços nem lugar no Outro, apenas com essa técnica e com esse espaço. Não conseguindo separar-se, a paciente solicita continuar o tratamento ali, ao ponto de não sair da frente da instituição. Para além dos significantes mestres (S1) que orientam a instituição – urgência e crise –, a técnica, preocupada com a transferência maciça estabelecida pelo sujeito, e ancorada no saber clínico da importância de se manter um laço frouxo e uma pluralização da transferência numa clínica com vários, decide não acolher o sujeito. A jovem, para encontrar um lugar nesse Outro, faz um acting-out, ao escarificar no braço a palavra “crise”.

Na oportunidade, verificamos o quanto o saber, face ao real em jogo, estava servindo de resistência ao desejo do analista e às invenções que ele nos convoca na clínica, impedindo-a de acolher o sujeito. É nesse sentido que Lacan afirma que a resistência é do analista.

Por conseguinte, no texto que lemos, Freud pretende transmitir recomendações não-toda, lógica que dá lugar às invenções e à singularidade do modo de satisfação (gozo) daquele que nos procura em sofrimento, num encontro que acontece a cada vez, em cada sessão e sempre único.

Mesmo que o saber clínico nos oriente e nos permita fazer uma avaliação clínica, as mutações do Outro e as respostas do real nos colocam em conversação permanente. No Campo Freudiano temos a prática das Conversações Clínicas, nas quais as questões e impasses são colhidos, debatidos, e algo do real em jogo pode vir a ser nomeado. Essa série de invenções em torno dos casos clínicos apresentados e publicados orientam e auxiliam na avaliação clínica, na estratégia e na condução de uma análise nos tempos atuais – temos a noção de pluralização da transferência (o trabalho com vários), os novos sintomas, a psicose ordinária.

A quem se destina

A Psicanálise é oriunda do campo da medicina e em seus primórdios apenas os médicos a exerciam. Freud endereça suas recomendações ao médico, no singular. E, quinze anos após, mais precisamente em 1927, Freud escreve “A questão da análise leiga. Conversa com uma pessoa imparcial”.

Na ocasião, seu aluno não médico Dr. Theodor Reik era acusado de charlatanismo e, nesse texto, Freud transmite não só o método psicanalítico – o que a psicanálise faz, suas indicações e contraindicações, a importância do período de preparação para uma análise (as entrevistas preliminares), quando e como uma análise opera, como uma análise se difere da confissão na religião –, mas, sobretudo, ele a distingue da medicina, para afirmar que não há nenhuma razão para que o exercício da psicanálise fique restrito aos médicos. Para tanto, Freud vai diferenciar o organismo do aparelho psíquico, o cérebro, com seus estímulos sensoriais, do significado e interpretação dos sonhos para o sujeito, o tratamento do sintoma na medicina e o sentido do sintoma para a psicanálise – cuja causa é um enunciado que subsiste no sujeito sem que possa ser por ele formulado (MILLER, 1994/2023) –, para afirmar que “a análise não dispõe de nenhum outro material além dos processos anímicos” (FREUD, 1927/2017, p. 276).

Esses processos anímicos é o que Freud nomeará de inconsciente, texto indecifrável, escrito que marca e ressoa no corpo (o sintoma como acontecimento de corpo) e que o analisando aprende com o analista a ler. E essa leitura implica a decifração (Sujeito Suposto ao Saber), mas, também, nos dizeres de Miller (1994/2023), o analista, ao guiar o paciente, esse intérprete, não é indiferente ao sujeito, o analista é um objeto de uma vinculação especial para ele, que atrai libido, aquela em jogo para o sujeito e seu Outro primordial.

Freud ressalta, assim, em suas recomendações, que, para um praticante de psicanálise, o mais importante não é, portanto, a formação acadêmica, se ele é médico ou não, mas, sim, uma formação permanente em psicanálise, que implica fundamentalmente a própria análise do praticante.

É uma experiência analítica que permitirá ao analista praticante que a leitura do sintoma de um falasser não fique contaminada pelas lentes dos seus preconceitos e preceitos, nem pelo texto, nem pela letra de gozo de seu próprio inconsciente, ou seja, pelo modo como ele enquadra e enlaça a sua realidade.

Freud destaca também mais dois pilares na formação do analista: o estudo teórico e a supervisão dos casos clínicos. Ele criará a Associação Psicanalítica Internacional em 1910, pois já se preocupava à época com a sua existência sempre ameaçada e com a sua popularização. Ele alerta para a importância de uma transmissão da psicanálise que a distinga de outras práticas, como a psicoterapia e a sugestão.

E que o laço de trabalho numa instituição permita que o analista praticante esteja constantemente em conversação com os colegas nos dispositivos institucionais, nos espaços de supervisão e formalização de sua clínica para que, agora com Lacan (1953/1998), o analista esteja à altura das questões em sua prática e alcance em seu horizonte a subjetividade da época.  Para tanto, esses lugares zelam pela ética e pela formação do psicanalista.

O que é um psicanalista?

As recomendações freudianas nos transmitem que essa é a questão central para a psicanálise e para a formação de um psicanalista: o que é um psicanalista?

No título da tradução que lemos aqui das Obras Incompletas de Sigmund Freud, a singularidade referente ao praticante, ao médico (“Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico”), encontra nela a sua razão (diferentemente da tradução da Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud: “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise”).

Lacan (1956/1998) afirma que a psicanálise é o tratamento que que se espera de um psicanalista e define um psicanalista como o que resulta de uma análise. Cada um pode dar a sua resposta singular, se desejar, no dispositivo do passe inventado por Lacan, já que não há um universal: O Analista não existe.

Evoco um fragmento do passe de Sérgio de Mattos (membro Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise) que foi recentemente nomeado Analista da Escola (AE), tendo testemunhado como se tornou um psicanalista de sua própria experiência analítica.

Ao apresentar o tema para o próximo XI Enapol, Começar a se analisar, com o seu texto “A boa sorte de analisar-se”, e também em seu 1º testemunho intitulado “Nada melhor do que o vazio”, Sérgio de Mattos (2023) conta que, ao chegar em sua análise – já tendo tido outras experiências analíticas –, o analista pergunta-lhe o que ele pôde saber de seu inconsciente. Ele responde ao analista que havia conseguido saber qual era o desejo da mãe. O analista intervém dizendo-lhe, então, que a psicanálise não podia fazer nada por ele. Corta a sessão e marca outra para ele voltar. Esse ato do analista, ético, introduz o mal-entendido e faz uma cisão entre o dito e o dizer. O sujeito é levado a um questionamento de seu desejo e do que diz quando fala. Esse primeiro encontro com o analista “faz voar em pedaços”, segundo ele, o saber constituído, a resposta que ele havia elaborado ao que o Outro quer dele (MATTOS, 2023).

O analista, ao separar o enunciado e a enunciação, questiona a posição do sujeito, e essa localização subjetiva introduz o inconsciente (MILLER, 1997), um “não saber o que se diz”. Ele é levado a se questionar e a se situar concernente ao que ele fazia e desejava tão longe de sua casa (MATTOS, 2022).

O analista, ao colocar entre parênteses o que o sujeito diz, faz com que ele perceba que pode tomar diferentes posições modalizadas para com o seu dito (MILLER, 1997, p. 247). Localizar o sujeito, é demarcar onde se inscreve as variações da posição subjetiva.

Entreabre-se a porta e a pergunta sobre o desejo do Outro.

Sérgio sai da 1ª sessão e tem um sonho com a morte de sua mãe, que é velada na garagem da casa da família. Recorda-se de uma cena traumática vivida aos 5 anos. Após uma briga dos pais, a mãe se tranca no quarto dizendo que se mataria. Frente à porta trancada, o filho grita e bate desesperado. Nenhuma resposta. O pai, perturbado, tenta arrombá-la. A criança, de joelhos, suplica para que o pai faça alguma coisa. Em seguida, um buraco negro, desfalecimento. Vai recuperar o sentido e a memória quando o médico sai do quarto e diz que a mãe estava dormindo.

Nessa cena, ele pôde ler sua identificação com o objeto de gozo do Outro. Chave de sua neurose infantil, experimentada com angústias intensas, terrores noturnos, nervosismo, doenças e dificuldade de encontrar seu lugar. Repertório que se repetiu sintomaticamente na sua vida nas ocasiões de separação e conflitos, nomeado pelo analista de patologia do fort-da.

Ele nos ensina, como nos diz J.-A.-Miller (1994/2023), que o candidato à psicanálise deve ser capaz de fornecer o texto a ler, a interpretar, e, mesmo, de o ler de diversas maneiras. É o que Freud chama de regra fundamental, a associação livre, que são as cadeias de significantes que o sujeito não controla, significantes sem mestre. A associação livre vai levar o sujeito a se dissociar da causa inventada que justifica a sua existência e que lhe tampa o vazio em que consiste (MATTOS, 2022).

Abre-se ao trabalho, à transferência, tanto na vertente do saber (Sujeito-Suposto-Saber) e do gozo (libidinal).

Ao final de sua análise, ao escutar uma intervenção do analista – “me chama” –, se escreve para ele uma nova relação com o Outro, que implica em não ter que responder fantasmaticamente, salvar a mulher, colocando em jogo um programa de gozo, de destruição, de desaparecimento e dano ao outro.

Parece-nos que o “me chama”, vociferado pelo analista ao final de sua análise, se articula com a abertura do enigma do desejo materno colocado à entrada de sua análise. Onde havia uma porta que não se abria, a análise faz passar por ela, entreabre-se ao desejo do analista que o possibilita a engajar-se na via do desejo, quando o gozo transborda no cotidiano da vida.

Lugares e laços

É só a partir de uma experiência analítica, da análise de seus próprios sonhos, nos diz Freud, que o praticante alcança e se orienta por um saber não-saber (douta ignorância), função do desejo do analista. Assim a análise se molda, sublinha Freud (1927/2017), a partir de sua matéria, daquilo que o paciente traz.

Recentemente, num dos espaços do IPSM-MG, o Atelier de Pesquisa em Psicanálise e Segregação, uma ótima conversa e discussão coloca em jogo esse tema. Um caso de uma criança, apresentado pela psicanalista Inês Seabra, membro da EBP/AMP – que também foi trabalhado anteriormente em outro espaço do IPSM-MG, o Núcleo de Pesquisa e Psicanálise com Crianças –, nos presentifica com sua transmissão a função do desejo do analista, que acompanha as respostas do sujeito e a temporalidade do trabalho de elaboração analítico dessa criança.

O analista não se precipita nem insere significantes, que fazem parte do Outro simbólico ao qual a menina pertence – ser preta, menina, racismo, exclusão. O analista também não insere na análise da criança a interpretação materna de racismo, em relação a uma experiência que a menina viveu na escola.  O analista acolhe o tempo do sujeito e a questão que o analisando trazia – “de onde vêm os bebês?” –, colocada pelo real do nascimento de um irmão.

As recomendações de Freud acentuam a importância de que muitas coisas que ouvimos, sua importância só se revelará a posteriori (nachtraglich). Que os analistas sejam pacientes. E, se ele não recomenda fazermos anotações para suprir a falta de evidências e comprovações para fins científicos, é porque passamos dos fatos para o dizer, das evidências para a construção.

Fundamento da regra  

A técnica simples que Freud destaca para o psicanalista nessas recomendações é a que chamamos durante anos de “atenção flutuante” e, na tradução que lemos, optou-se pelo neologismo “atenção equiflutuante”, justificado pelo termo em alemão utilizado por Freud, que contém a atenção continuada, flutuante e equitativa.

Em uma nota, os editores das Obras Incompletas de Sigmund Freud referem-se à tradução proposta por Paul-Laurent Assoun (2009) – “equiflutuante” –, pois o seu sentido abarca um para além da mera flutuação e designa as pequenas batidas de asas suficientes para que um pássaro possa planar.

Esse batimento de asas evoca a linguagem com o seu batimento, aquele da articulação dos significantes, assim como as ressonâncias e ocorrências da língua que produzem algo novo, que tanto surpreende o analista e o analisando na leitura e na escrita do inconsciente.

Esse modo de atenção, a sua importância, enfatiza a não seleção prévia, que o psicanalista não se fie em seus valores ou teorias pré-concebidas. No dizer de Freud (1912/2017, p. 94): “se seguimos as nossas inclinações e expectativas, corremos o risco de nunca encontrarmos algo diferente do que sabemos”. O sujeito é suposto ao saber inconsciente que se desprende das cadeias, das associações do analisando, e é a partir do que lhe é dito que o analista interpreta.

A contrapartida para a “atenção equiflutuante” é exigirmos, nos dizeres de Freud, que o analisando conte tudo o que lhe ocorre, sem crítica ou seleção. Trata-se da regra psicanalítica fundamental da psicanálise, que já comentamos aqui, a “associação livre”.

O lugar do analista

Para finalizarmos, voltamos ao início de nossa leitura.

Freud (1912/2017, p. 102) adverte para que o psicanalista não ambicione a cura e o bem para seu analisando, assim como não tenha compaixão e empatia: “o médico precisa ser opaco para o analisando”, ele recomenda.

É o lugar e a função do analista que ele procura nesse texto formalizar, retirando-o do eixo imaginário, especular, e do campo da sugestão. Assim, trata-se de desvalorizar a transferência sentimental e empalidecer a transferência imaginária, nos diz Miller (1994/2023), pois elas não favorecem o desenvolvimento da cadeia significante nem possibilitam ao sujeito responsabilizar-se pelo próprio gozo.

O valor disso que ele destaca é o que chamamos de segunda regra da análise, a regra da abstinência, que completaria a primeira regra, a da associação livre. O que está em jogo é não se satisfazer com uma satisfação de ordem sexual com o analista.

O lugar do analista no discurso do analista enquanto objeto a, invólucro do nada da significação inconsciente. Lacan (1973/2003, p. 518) situará o analista em “Televisão” pelo que antigamente se chamava “ser santo”. O santo não faz caridade; antes, presta-se a bancar o dejeto: ele faz descaridade, o que permite ao sujeito tomá-lo como objeto causa de seu desejo.


 

Referências
ASSOUN, P.-L. Dictionnaire des oeuvres psychanalytiques. Paris: PUF, 2009.
FREUD, S. Recomendações ao médico para o tratamento psicanalíticoIn: Obras Incompletas de Sigmund Freud: Fundamentos da clínica psicanalítica. Vol. 6. Belo Horizonte: Autêntica, 2017, p. 93-104. (Trabalho original publicado em 1912).
FREUD, S. A questão da análise leiga. Conversas com uma pessoa imparcialIn: Obras Incompletas de Sigmund Freud: Fundamentos da clínica psicanalítica. Vol. 6. Belo Horizonte: Autêntica, 2017, p. 93-104. (Trabalho original publicado em 1927).
LACAN, J. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. (Trabalho original publicado em 1953).
LACAN, J. O Seminário, livro 1: Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986. (Texto original proferido em 1953-54).
LACAN, J. Situação da psicanálise em 1956. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. (Texto original proferido em 1956).
LACAN, J. Televisão. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. (Trabalho original publicado em 1973).
LACAN, J. (1956). Situação da psicanálise em 1956. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
LACAN, J. (1973). Televisão. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. 
MATTOS, S. de. Rien comme un vide. Revue La Cause du Désir, n. 111, jun, 2022.
MATTOS, S. de. A boa sorte de analisar-se. In: XI ENAPOL: Textos de Orientação. 2023. Disponível em: <http://enapol.com/xi/wp-content/uploads/2023/04/ENAPOL-Sergio-de-Mattos-PT-2.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2023.
MILLER, J.-A. O método psicanalítico. In: Lacan Elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
MILLER, J.-A. Como começam as análises. In: XI ENAPOL: Textos de Orientação. 2023. Disponível em: http://enapol.com/xi/wp-content/uploads/ 2023/04/ENAPOL-Jacques-Alain-Miller-PT.pdf. Acesso em: 25 mai. 2023. Trabalho original publicado em 1994).

.

[1] Texto apresentado nas 59ª. Lições introdutórias à Psicanálise em 28 de março de 2023.