SIMONE SOUTO
FOTO:FREDERICO BANDEIRAF
Localizo três aspectos que me pareceram importantes no relatório apresentado por Ludmilla Feres, por ocasião do VII ENAPOL, e que hoje, nesta Conversação do IPSM-MG, temos a oportunidade, mais uma vez, de discutir.
1) O texto parte da hipótese de que os adolescentes, hoje, recorrem às imagens dos meios digitais e aos objetos oferecidos pela técnica como um recurso para lidar com a inexistência da relação sexual e com as dificuldades relativas ao encontro com o Outro sexo. Como nos esclarece Ludmilla, através de uma citação de Miller, constatamos, na atualidade, um enfraquecimento do nome-do-pai e das instâncias que tinham a incumbência de transmitir “o que convém ser e fazer para ser um homem e para ser uma mulher”[i]. Assim, os adolescentes de hoje buscam na tecnologia não exatamente uma resposta pela via do sentido, mas o que, a meu ver, poderíamos chamar de certo “aparelhamento” para o gozo e, também, para lidar com o desencontro fundamental entre os sexos, que, na adolescência, é colocado em evidência de uma forma inédita.
Se, como nos diz Lacan no Seminário 20 (1985, p. 75.), “a realidade é abordada com os aparelhos do gozo”, vemos que, atualmente, essa abordagem da realidade se faz muito mais pela via do objeto que pela via do falo e suas significações, ou seja, são dos objetos criados pela tecnologia que o sujeito espera uma resposta com a qual ele possa fazer frente ao real do sexo. Por exemplo, no relatório da NEL (Nueva Escuela Lacaniana) apresentado no último ENAPOL (Encontro Americano da Psicanálise de Orientação Lacaniana), em um caso clínico relatado, um adolescente faz o seguinte comentário: “Por que não inventaram um aplicativo de um aparelhinho que diga como conquistar uma garota?” Ora, o recurso ao objeto como tentativa de fazer existir a relação sexual, nós o encontramos na fantasia através dos objetos que são demandados e ou oferecidos ao Outro: seio, fezes, olhar e voz. Mas o que muda quando esse objeto é um aparelhinho ao qual se pode ter acesso “por um clique”[ii], sem necessariamente passar pelo Outro? Quais as consequências disso com relação ao saber, à concepção que se tem do corpo, à relação com o parceiro? Parece-me que, facilitando ou dificultando os laços sociais, temos aí, na introdução dos meios digitais, algo que modifica completamente a forma de abordagem da realidade. Essa transformação no aparelhamento do gozo para lidar com a realidade é o primeiro aspecto que eu gostaria de salientar.
2) O segundo aspecto diz respeito à adição que os adolescentes têm hoje com os meios digitais, assim como ao apelo crescente à pornografia, problema abordado no texto apresentado por Feres, que faz referência a uma conversação na qual os adolescentes dizem que “esparram imagens pornográficas”[iii]. Podemos situar esse problema não exatamente como uma tentativa de fazer a relação sexual existir (pois, isso incluiria uma tentativa de abordagem do Outro), mas, ao contrário, como uma maneira de – diante da evidência da inexistência da relação sexual em nossos dias – tentar fazer o todo pela via do mais gozar, prescindindo-se do Outro como parceiro. Essa posição, a meu ver, poderia ser descrita mais ou menos assim: a relação sexual não existe, mas o gozo sim; então, é preciso que o gozo não pare. Essa solução se sustenta no apelo a um gozo que tende a ser mantido no registro do necessário, ou seja, do que não para de se escrever.
Nesse sentido, parece-me que existe, por parte dos adolescentes de hoje, uma constatação da inexistência da relação sexual, ocasionando, em muitos casos, uma descrença numa relação possível entre os sexos. Serge Cottet (2011) nos diz, em seu texto “O sexo fraco dos adolescentes…”, que presenciamos, hoje em dia, “uma forma moderna de não-relação”. Lacan, no Seminário 7, situa o amor cortês, na Idade Média, como uma forma elegante de não-relação, pois manter a dama em um lugar inacessível seria uma forma de não ter que se haver com a real impossibilidade da relação sexual, fazendo parecer que somos nós que colocamos a barreira que torna A Mulher inatingível. A elegância dessa solução provém do lugar de alteridade no qual a dama é colocada. Podemos aproximar essa forma de não-relação que encontramos nos dias de hoje (no apelo à pornografia e na adição aos objetos tecnológicos) dessa solução medieval, mas em uma versão, diríamos, bem menos elegante. Na forma atual de não-relação, é justamente a alteridade do parceiro que se encontra abolida, tendo sido substituída pelo gozo solitário, o gozo do Um-sozinho, que provém da relação direta com o objeto, um objeto que se encontra à mão e não depende, necessariamente, de uma relação com o Outro.
3) O terceiro aspecto importante diz respeito ao campo da linguagem. Não podemos desconhecer que um novo uso da linguagem é inaugurado a partir dos meios digitais: ela aparece de forma “abreviada, imperativa, na qual se misturam imagens, palavras, sinais sonoros, ícones”[iv]. Uma linguagem escrita, caracterizada pela exclusão da materialidade de um corpo a corpo entre os que nela estão envolvidos.
Diante disso, que efeitos podemos extrair da introdução da palavra falada e da presença dos corpos como, por exemplo, acontece em uma Conversação como a relatada por Ludmilla Feres? Penso que essa experiência da Conversação com os adolescentes mostra-nos que a introdução dos corpos e da fala acaba por revelar algo que, paradoxalmente, estava velado pela mostração das imagens pornográficas: a divisão diante do olhar do Outro – a divisão da sala (entre os estudiosos na frente e os bagunceiros do fundo), a divisão entre os sexos (entre meninos e meninas), a diferença entre os próprios meninos (os que “esparram” e os que “não esparram”), a diferença entre as meninas (as que mostram tudo e as que não mostram). Ou seja, a conversação introduz um furo na imagem, tanto do lado da escola como do lado dos alunos, fazendo aparecer a divisão e, ao mesmo tempo, localizando os diferentes modos de gozo. Além disso, podemos nos perguntar se a tendência dos alunos de tudo mostrar não seria uma resposta à posição da Escola, que, segundo eles, ocupa o lugar de uma câmera que tudo vê.