2º SEMESTRE 2025
Argumento da Seção Clínica
A relação sexual não existe: implicações clínicas
Maria Wilma S. de Faria
O nosso amor a gente inventa
Pra se distrair
E quando acaba a gente pensa
Que ele nunca existiu
(Cazuza)
O tema do XV Congresso da Associação Mundial de Psicanálise (AMP), a ser realizado em abril de 2026, traz como título o aforismo de Lacan “Não há relação sexual”, que nos instiga e nos coloca a trabalho ao longo deste semestre. A impossibilidade de escrever a relação sexual é marca que singulariza a sexualidade. Exatamente por habitar a linguagem, há, para o falasser, o exílio: a impossibilidade de encontro na relação do homem e da mulher. No Seminário 14, temos, com Lacan,[1] que o inconsciente grita incessantemente que “não existe ato sexual” – e, por mais que se grite, é justamente isso o que cada ser falante não quer saber, nem escutar! Lacan afirma, que a rigor, é porque existe sexualidade que não há ato sexual, ou seja, não há uma adequada relação do sujeito com a sexualidade.
No mundo contemporâneo, vivemos a negação do inconsciente, e podemos indagar se essa negação não vai justamente ao encontro de fazer a relação sexual existir. Nos diversos Núcleos de Pesquisa e Investigação do Instituto, onde poderíamos localizar este ponto? Temos, nos agravos das toxicomanias, nos quadros de bulimias, nas anorexias e nos excessos em geral cada vez mais a afirmação em torno do “eu sou”. Nesse sentido, o recurso às drogas, à comida, ao objeto nada seriam maneiras de lidar com a impossibilidade do gozo sexual e uma tentativa de um encontro pleno com tais objetos?
Para Lacan, “não existe nenhum ato sexual que não leve a marca do que chamamos de cena traumática, em outras palavras, de uma relação referencial fundamental ao casal parental”.[2] Com Miller: “tratar o trauma como um trouma implica não combinar o trauma sexual com a diacronia, mas sim com a sincronia”.[3] E a fórmula sincrônica do trauma é justo o “Não há relação sexual”. O encontro do sujeito com a sexualidade, seja ele adulto ou criança, só pode se dar pelo desencontro, pela falha, pelo que tropeça. Na clínica com crianças, quais seriam os efeitos advindos da inexistência da relação sexual?
Ainda com Miller,[4] temos que o axioma “Não há relação sexual” significa que sempre há trauma, que algo sempre dá errado, e ele deve ser entendido em correlação a este outro: “Sempre há um excesso de sexualidade”. Miller recorre a Freud que, na Carta 46,[5] identifica nesse excesso de sexualidade justamente a causa do recalque, contra o qual o falasser se defende. Assim se configura o drama: “a sexualidade tem a significação da castração e sempre há um excesso de sexualidade”.[6]
De acordo com Lacan, o discurso analítico tem como função se opor às metáforas das “relações do homem com a mulher imaginada”.[7] E, ademais, “dos ditos amorosos antigos, a análise tem a tarefa de fazer a crítica, eis o que resulta da própria ideia do inconsciente como algo que se revela como saber”.[8] E é ainda Lacan que enuncia que o discurso analítico só se sustenta pelo enunciado de que não há, de que é impossível colocar-se a relação sexual. É nisto que se escoram os avanços do discurso analítico, e é por isso aí que ele determina o que é realmente do estatuto de todos os outros discursos.[9]
Tais referências nos permitem, portanto, sustentar uma clínica, continuar as investigações nos inúmeros Núcleos de Pesquisa e Investigação do Instituto, até mesmo questionar o estatuto de outros discursos que ambicionam fazer a relação sexual existir e, ainda, apostar sempre que cada ser falante possa, à sua própria maneira, inventar uma forma de lidar com sua absoluta solidão.