JEAN-DANIEL MATET
Encolerizado
Ficar vermelho, branco ou preto de raiva; cólera quente ou fria. Adjetivos não faltam para dar conta dos signos dessa emoção particular que é a cólera. Eles tentam descrever uma fenomenologia do que afeta o corpo tomado por aquilo que o domina. Paroxística ou permanente, rara ou frequente, a crise de cólera recobre realidades clínicas muito diversas. Alguns homens ou algumas mulheres dizem que apenas a experimentam raramente, enquanto ela se apresenta como sintoma ou traço de caráter em outros.
Manifestações de angústia, uma impulsividade ou uma passagem ao ato podem ser tomadas por cólera, o que, às vezes, são. Todavia, a propensão de alguns criminologistas em interpretar toda passagem ao ato, até o crime (BORTEYROU X., BRUCHON-SCHWEIRZER M., SPIELBERGER C. D., s/d), como a expressão de uma cólera da qual eles fazem uma hipótese que constantemente aparece forçada, em detrimento de uma clínica mais refinada.
A inibição ou sua ausência pode dar conta dessas diferentes modalidades, de desencadeamentos violentos, e se declina de maneiras diferentes no neurótico, no psicótico ou no perverso. O interpretativo, exposto a fenômenos discretos de parasitação linguageira, pode responder, aqui, por aquilo que aparece como uma cólera permanente, na qual seus próximos são as vítimas. A hostilidade persecutória do ambiente, as redes sociais, as informações de rádio e televisão do mundo podem alimentar uma cólera permanentemente envernizada por passagens ao ato. As notícias locais diárias de bebês fustigados ou violências domésticas testemunham isso.
A revolta
Cólera na primeira página! A imprensa nacional faz, com gosto, manchetes sobre a cólera de tal grupo social, tal categoria profissional, tal lobby. Os pesquisadores; os profissionais de saúde, do petróleo; os pais de crianças autistas e até os psiquiatras ou os psicanalistas podem protestar, se manifestar, gritar contra a injustiça ou o assassinato, e é o significante “cólera”, entre desespero, tristeza e revolta, que vai se impor. A cólera está na moda, ao ponto do que se designa não ser necessariamente a experiência autêntica do que a cólera experimentada faz sentir.
Desde sempre, esse afeto é objeto de comentários, de tentativas de precisar seu sentido, de condená-lo ou defendê-lo em nome da moral, da religião ou da ética. É necessário deixar que ela se exprima como liberação salvadora da inibição ou, pelo contrário, refreá-la contra o desastre que ela pode provocar ao redor do “encolerizado”?
Da cólera dos deuses ou do Deus que dominava os homens, a cólera passou ao registro do afeto; aqui ladeiam a tristeza, o ciúme, a alegria, e tentativas de precisá-la e defini-la não faltam. Descartes (1990) fez dela uma paixão entre o ódio e a indignação. Sêneca denunciou sua inutilidade e reclamou seu banimento, de tanto que ela oprime o gênero humano (vício nocivo à alma), opondo-se a Aristóteles (os peripatéticos), que a considerava necessária, aguçando a coragem e dando-lhe fôlego. São Tomás distingue em toda paixão um elemento formal; é o movimento do apetite sensitivo e um elemento material, é a mudança que se opera no corpo decorrente do movimento do apetite. Na cólera, o movimento do apetite sensitivo é de vingança.
Para Spinoza, a cólera é a consequência imediata do ódio, ele mesmo causado por diferentes sentimentos negativos, como a sensação de ser ameaçado, uma ofensa, uma humilhação, etc. E enquanto desejo de causar um mal àquele que, antes, nos fez dele padecer, ela é, por sua vez, causa de violência, de conflito, logo, retornando como ódio e cólera. Ele opõe à cólera a animositas, não a animosidade no sentido de cólera ou da hostilidade durável contra uma pessoa, mas de um “ardor, firmeza, coragem”. Com a generosidade, ele faz da animositas uma das virtudes fundamentais, ou forças da alma (SPINOZA, 1993). Para lutar contra tudo o que pode nos destruir, Spinoza opõe à cólera cega a coragem da animositas, “desejo que leva cada um de nós a fazer um esforço para conservar seu ser na virtude dos mandamentos únicos da razão” (SPINOZA, 1993a).
Michaux (1963, p. 131) e Artaud (1976, p. 47-46) a quiseram poética – Podemos escrever em estado de cólera? –, debruçando-se sobre as relações entre a cólera e a literatura. Mas é possível ser um artista missionário da cólera coletiva? Uma versão romanesca da cólera é levada à incandescência por Musil e Nizan (BOYER-WEINMANN, s/d).
Erguendo-se contra uma neurofisiopatologia nascente da cólera, que inscreve hoje as emoções em um sistema límbico e demonstra que a estimulação hipotalâmica desencadeia a cólera, Jean-Paul Sartre dota a cólera de uma eficácia pragmática, e mesmo criadora, ao fazer dela uma emoção mutante relacionada com o medo (SARTRE, 2000). Roland Barthes, que se dizia pouco sujeito à cólera, descreveu em seu Seminário sobre o Neutro – “o Neutro definido como aquilo que contraria o paradigma… O paradigma sendo a oposição de dois termos virtuais dos quais atualizo um, para falar, para produzir sentido” (BARTHES, 1977-1978, p. 31) – a cólera como o antineutro. Ele nos dá três versões: a cólera como fuga (recusa de uma situação de espera, de uma situação transferencial – médicos, dentistas, bancos, aeroportos); a cólera como higiene ou como utilidade (teatralizar sua cólera para controlar o não-controle); e a cólera como fogo (que remete a um ardor, a um desejo, como a cólera do ciumento, ou a uma ira, como a cólera de Deus).
A cólera justa
Algumas cóleras parecem justas, como as de Freud, ao enfrentar fisicamente os antissemitas que insultaram sua família (LÉVY, 2008, p. 135-154). A cena é relatada por Martin Freud. Depois de um primeiro aviso, que permitiu a Freud dizer a seus filhos que aquela situação ameaçadora se repetiria, o grupo antissemita foi para cima deles, e Freud se lançou, bengala em punho, para os dispersar, o que conseguiu fazer. Como não evocar aqui a lembrança do pequeno Sigmund, vendo seu pai humilhado por um ato antissemita? A cólera que se apossa dele é equivalente à passagem ao ato daquele que não se deixa aviltar e coloca a covardia do lado do agressor. A cólera reclama um castigo que parece muito frequentemente como justo, e, por essa mecânica, cultivada até a ambiguidade, a cólera social se exprime por colocar a justiça e a legitimidade do seu lado.
Uma exposição recente no Instituto Húngaro em Paris sobre O tempo dos asilos me lembrou a reação de Freud, interpretando o atraso para responder a Istvan Hollos, que lhe enviara um exemplar do seu Recordações da Casa Amarela. O antissemitismo o havia expulsado desse lugar original de responsabilidade pela loucura, em que a produção sintomática, artística dos psicóticos, era valorizada. A cólera de Freud na carta a I. Hollos (FREUD, 1984, p. 23-28), apresentada na Ornicar? em 1985 e retomada por Jacques-Alain Miller em seu curso em 2008[1], é objeto de uma sessão de autoanálise:
Mesmo apreciando seu tom caloroso (…), encontrei-me, contudo, numa espécie de oposição que não era fácil de compreender. Tive finalmente de confessar que a razão era que eu não gostava desses doentes; de fato, eles me deixam encolerizado, eu me irrito por senti-los tão distantes de mim e de tudo o que é humano. Uma intolerância surpreendente, que faz de mim um mau psiquiatra.
J-A. Miller nota que, por meio dessa carta de Freud, é o recalque que é visado nele, seu não-quero-saber-nada-disso acerca da psicose. Freud é surpreendido por um afeto, cuja mola não compreende. A confidência de J.-A. Miller, nessa ocasião, sobre a função dos encontros semanais do curso, sobre seu combate a sua resistência em admitir – a cólera, por vezes –, faz parte desse não-quero-saber-nada-disso.
A cólera-sintoma
As crises de cólera das crianças pequenas aparecem como manifestações de afirmação, de oposição à frustração, daquilo que exige delas sua perda de autonomia em relação aos pais. Elas podem tomar configurações diversas, endereçar-se à voz grossa paterna, ao corpo a corpo materno ou, ao contrário, ter força de apelo dessa voz ou dessa proximidade perdida ou jamais encontrada. A cólera pode aparecer como uma passagem inevitável num processo de individuação e de separação ou para arrancar-se da Hilfslosigkeit freudiana, da imbecillitas descrita por Santo Agostinho e retomada por Lacan várias vezes. O fort-da é uma resposta a essa cólera da impotência da criança pequena que mostra, assim, sua capacidade de mobilizar o simbólico para fazer face a ela.
As crises de cólera podem se sistematizar em função do peso que têm na economia familiar, e reencontramos aqui a conjuntura descrita por Lacan na sua “Nota sobre a criança” (LACAN, 2001, p. 373). A dimensão agressiva ou passiva da pulsão é colocada em jogo no exercício da cólera infantil e modela sua expressão sádica ou masoquista na fantasia em germe. Passaremos ao largo de uma parte nada negligenciável da questão ao não evocar as consequências das cóleras parentais, da sua ausência ou seu excesso. Indicação de um limite transposto pela exigência todo-poderosa da criança ou confissão de impotência parental que a cólera pode tentar apagar.
Hans
O jovem Hans sabia algo sobre isso e o testemunhou junto a Freud, por intermédio de seu pai, pela manobra para provocá-lo e para tentar ativar o agente da castração. Hans diz a seu pai que ele fica encolerizado, o que este refuta. Hans insiste. Hans, longe de seguir as afirmações, quer de Freud, quer de seu pai, traça sua via. O próprio Freud sublinha: “Hans segue seu próprio caminho e não chega a lugar nenhum quando queremos desviá-lo”. Trata-se de “deixar o garotinho exprimir seus próprios pensamentos”. A sequência da análise mostrará que Hans, longe de ter medo do pai, o chama, ao contrário, para estar presente e o convoca em sua cólera: “Por que você fica encolerizado?” pergunta ele a seu pai, ao que este responde: “Mas não é verdade”, e Hans lhe lança este apelo: “Sim, é verdade, tu ficas encolerizado, eu sei disso. Isso deve ser verdade” (FREUD, 2003, p. 351). Como nota Lacan, “é a chave da observação […]. Trata-se de que o pequeno Hans encontra uma suplência para este pai que se obstina em não querer castrá-lo” (LACAN, 1994, p. 365). Se, num primeiro tempo, a suplência é a fobia, Hans, na sequência da sessão de 30 de março, graças a Freud, mas também apesar de Freud, prossegue na sua elucidação da fobia e procura diferentes soluções para suprir a carência do pai e fazer entrar a mãe no sistema significante, para fazer dela um elemento equivalente aos outros, suscetível ele também de entrar na dialética significante.
Élise
Desde sempre, Élise se dizia sujeita a arrebatamentos passionais. Encontrar um analista foi para ela a tentativa de limitar sua aspiração a essa forma de vida que a fazia sofrer. Ela oscilava entre uma vida de razão, sem paixão, que era sem sabor, e as paixões, que a torturavam. A visão de uma satisfação autoerótica de seu parceiro tinha exacerbado a sua divisão sob o golpe de cólera que ela não sabia como apaziguar. O fio de suas associações a conduziu a evocar os berros que acompanhavam seu furor de vencer os combates esportivos que encarava e dos quais fizera sua profissão. Era como uma segunda natureza, que mal se distinguia de seu desejo de lutar com um parceiro que ela procurava sem parar. A trama de um cenário fantasmático veio à luz por meio de um sonho, repetido da infância, de castração das zonas erógenas de um parceiro que a fazia evocar um irmão. A visão do pênis ereto a colocara numa cólera que alimentava, reconstituía seu cenário fantasmático.
Essa cólera de menina indicava sua reação completamente freudiana ao constar o pênis no menino. Penisneid sem dúvida, mas também questionamento sobre essa emoção específica que as qualidades características do pai não puderam apaziguar. O nascimento dos filhos também não havia estabilizado a oscilação, e a cólera se transmutara em traço de caráter que obscurecia seu cotidiano familiar.
Mais do que uma emoção ou um afeto diante da impotência de sustentar um desejo, a cólera, em seu caráter repetitivo, à flor da pele, pode se tornar um estilo, um modo de reação à confrontação do Outro e, nessa medida, um sintoma.
Do mesmo modo que o afeto depressivo assume aspectos diferentes em relação à estrutura do sujeito – melancolia – ansiedade-depressão – fadiga – desmoronamento – abandonar-se –, a cólera se manifesta de diferentes maneiras: não está presente num bom número de passagens ao ato? O crime das irmãs Papin dá um exemplo disso. É uma forma de mau humor, cólera permanente a mínima, que toca no real, nos diz Lacan, enquanto aquilo que não convém (LACAN, 2001a, p. 527).
Melancolia
Em alguns casos clínicos, Freud constata que a autodepreciação não tem nenhuma relação com a situação real, e resulta disso que a autocrítica do melancólico não é marcada pela vergonha; o sujeito busca cobrir-se de vergonha, mas não a sente. Além do mais, ele não esconde sua desestima, exprime-a para todas as pessoas a seu redor – e às vezes numa ladainha incessante.
Suas autocríticas são, na verdade, destinadas a outrem, quer dizer, a um objeto perdido, mas por um mecanismo de identificação de queixas que caem sobre o eu do sujeito. Eis porque quando o sujeito busca rebelar-se contra o objeto, gritando-lhe sua cólera quando o insulta, ele se insulta e se desvaloriza a si mesmo. “A sombra do objeto tombou assim sobre o Eu” (FREUD, 1968, p. 156). Essas pessoas estão em rebelião e é por isso que quebram as pernas daqueles a seu redor.
Cavilhas e furos
As definições da cólera dadas por Lacan pertencem à primeira parte de seu ensino. Em outras palavras, a cólera testemunha aquilo que do real se coloca em oposição aos empreendimentos do desejo. Recentemente, uma colega me liga para mencionar que está dando continuidade a uma atividade que começamos juntos, mas que, sendo ela a responsável, mudou tudo para chegar à situação em que precederá de minha intervenção. Um afeto de cólera me submergiu, ocasionando algumas dificuldades para manter a calma que geralmente acompanha nossas relações de trabalho. Reconheci nela o caráter das raras cóleras que me afetam. A tradução física desse afeto o distingue radicalmente daquilo que dá irritação, da reação revoltada ou da indignação frente a uma situação que parece injusta ou contrária à sua opinião.
Uma primeira definição é dada por Lacan no Seminário VI, O desejo e sua interpretação (LACAN, 2013, p. 172): um afeto fundamental como a cólera não é nada além disso; o real que chega no momento em que fizemos uma belíssima trama simbólica, em que tudo vai muitíssimo bem, a ordem, a lei, nosso mérito e nosso bem querer. Percebemos de repente que as cavilhas não entram nos furinhos. É esse o reino do afeto da cólera, retomado em A ética da psicanálise: “como uma reação do sujeito a uma decepção, ao fracasso de uma correlação esperada entre uma ordem simbólica e a resposta do real. Em outras palavras (…) – é quando as pequenas cavilhas não cabem nos furinhos” (LACAN, 1986, p. 123).
Que o afeto seja do corpo, Lacan o retoma de Freud, corpo como lugar do Outro. O corpo é o “lugar do Outro” (LACAN, 2001b, p. 409), é o lugar onde o simbólico toma corpo para ali se incorporar, mas esse lugar tem por propriedade o gozo. A estrutura é o efeito de linguagem sobre o gozo. E o efeito primeiro é de perda: “de afeto, há apenas um, e é o objeto a” (LACAN, 2001a). Único afeto que não engana, a angústia: “Na angústia, (…) o sujeito é afetado pelo desejo do Outro. Ele é afetado por isso de uma maneira que devemos chamar de imediata, não dialetizável. É aí que a angústia está, no afeto do sujeito, o que não engana” (LACAN, 2005, p. 70).
Os diferentes exemplos expostos, pela diversidade de sua ocorrência e de seu desencadeamento, mostram que a cólera, no caso do semblante, se desdobra sobre um fundo de eu-não-quero-saber-nada-disso e não evita o logro, a menos que encontre a angústia no “encolerizado” ou no seu parceiro, dando-lhe, assim, sua bússola.
Se o mistério do falasser é que ele fala sem saber o que diz, como foi recordado quando do último congresso da AMP, fazendo do inconsciente freudiano o mistério desse corpo falante, é bem o nó da linguagem, do corpo e do inconsciente que a cólera sublinha ao lhe dar suas diferentes cores.
Tradução: Ana Helena Souza
Revisão: Letícia Soares