Kátia Mariás
Psicanalista, membro da Escola Brasileira de Psicanálise /AMP
katiamariasp@gmail.com
Resumo: O texto aborda as Conferências XVII e XXIII de Freud sobre o sentido dos sintomas e sobre os caminhos da formação dos sintomas. Nessas conferências, ao partir do sentido – Sinn – para a significação, a referência – a Bedeutung –, Freud vai do sentido ao gozo do sintoma.
Palavras-chave: sintoma; gozo; pulsão; sentido; referência; satisfação.
FROM MEANING TO SYMPTOM SATISFACTION
Abstract: The text addresses Freud’s XVII and XXIII Conferences on the meaning of symptoms and on the paths of symptom formation. In these conferences, by starting from the meaning – Sinn – and moving to the signification, the reference – Bedeutung –, Freud goes from the meaning to the jouissance of the symptom.
Keywords: symptom; jouissance; drive; meaning; reference; satisfaction.
O texto que fui encarregada de trabalhar é o único que não está na série de textos sobre os fundamentos da clínica psicanalítica publicados nas Obras Incompletas (FREUD, 2017). Ele compõe a série de conferências proferidas por Freud a um público de não analistas entre os anos 1915 e 1917, chamadas “Conferências Introdutórias sobre Psicanálise”. O que Freud desenvolve ali não deixa de estar referido aos fundamentos da clínica e, inclusive, conversa com eles. De qualquer forma, como sugere Miller, o “perder-se um pouco” tem todo seu valor. Para estar bem orientado em um tema analítico é preciso também desorientar-se, quer dizer, não pensar no tema de forma demasiadamente familiar (MILLER, 2011, p. 11). Selecionei algumas passagens da Conferência XVII, “O sentido dos sintomas” (Der Sinn der Symptom) (FREUD, 1916-17/1990a), para que possamos extrair o que há de essencial nesse texto e o que podemos aprender com ele.
Num primeiro ciclo de conferências, Freud se ocupou dos sonhos e dos atos falhos. A fonte desse primeiro ciclo eram as obras da descoberta: “A interpretação dos sonhos”, a “Psicopatologia da vida cotidiana” e até “O chiste e sua relação com o inconsciente”. O segundo ciclo de conferências, presentes na parte III, dentre as quais está “O sentido dos sintomas”, trata dos sintomas neuróticos, as neuroses de transferência, como ele então as chamava: histeria de angústia, histeria de conversão e neurose obsessiva. A conferência XVII é, então, uma aplicação aos sintomas neuróticos do que havia sido dito sobre os sonhos e atos falhos. É possível constatar que os sintomas são como os sonhos e atos falhos, ou seja, têm um sentido e podem ser interpretados (MILLER, 2011).
Esse texto já anuncia o que Freud vai complementar na Conferência XXIII, intitulada “Os caminhos da formação dos sintomas” (Die Wege der Symptombildung) (FREUD, 1916-17/1990a). O que há entre as duas conferências? De que trata essas conferências que fazem ponte entre a XVII e a XXIII? Freud introduz aí o pulsional, a libido, o sexual e o perverso do sexual.
Vamos ao texto: “os sintomas têm um sentido e se relacionam com as experiências do paciente” (FREUD, 1916-17/1990a, p.305).
Podemos observar que Freud aborda o sujeito em sua singularidade. O sintoma tem um sentido e se relaciona com a experiência do sujeito; não é possível tratar essa experiência como sendo da ordem do universal, do para-todos. O sentido deve ser interpretado no caso a caso, no um a um, no singular: “os sintomas neuróticos têm, portanto, um sentido, como as parapraxias e os sonhos e, como estes, têm uma conexão com a vida de quem os produz” (FREUD, 1916-17/1990a, p. 306).
Mais uma vez, Freud conecta os sintomas à vida de quem os produz e não os liga a uma teoria geral, não universaliza os sintomas. Ele situa o sintoma dentro das formações do inconsciente, a saber, o lapso, o chiste, o ato falho, o sonho e o sintoma.
Para Freud, nesse momento, o sonho tem um “querer dizer”, tem um sentido, mas o sonho é efêmero, ao ser interpretado ele se esvai. O sintoma também tem um “querer dizer”, mas ele não é efêmero, ele não se esvai, ao contrário, ele se repete. O caráter de repetição pode levá-lo ao infinito, daí o termo “os etcéteras do sintoma”, que foi, aliás, título de um seminário que ocorreu nas XIV Jornadas do Campo Freudiano em Madrid, em 1997 (MILLER, 1997).
Freud vai tentar tornar a sua descoberta mais compreensível escolhendo exemplos de casos não de histeria, mas “de uma outra neurose muito mais extraordinária”, a neurose obsessiva.
A neurose obsessiva manifesta-se no fato de o paciente se ocupar de pensamentos em que realmente não está interessado, de estar cônscio de impulsos dentro de si mesmo que lhe parecem muito estranhos, e de ser compelido a ações cuja realização não lhe dá satisfação alguma, mas lhe é totalmente impossível omitir. Os pensamentos (obsessões) podem ser, em si, carentes de significação, ou simplesmente assunto sem importância para o paciente. (FREUD, 1916-17/1990a, p. 306).
Esses sintomas, geralmente, estão desprovidos de sentido, um sentido que não está dado de maneira imediata; ele tem que ser extraído. O sintoma aparece como um sentido recalcado, ele aparece como um enigma. O sintoma manifesta-se suportado por um significante cujo significado está recalcado, quer dizer, que não foi comunicado ao Outro ou por ele aceito.
Ao afirmar que a realização da ação obsessiva não lhe dá satisfação, é possível intuir algo que Freud só vai concluir na Conferência XXIII. Esse ciclo de conferências vai, portanto, do sentido ao gozo. Se o Sentido dos sintomas trata do sentido, O caminho da formação dos sintomas (FREUD, 1916-17/1990b, trata da libido, da satisfação, do gozo. Entre as conferências XVII e XXIII, trata-se exatamente do caminho que vai do sentido ao gozo do sintoma. É interessante destacar isso, porque vemos que já existia uma teoria da satisfação libidinal, do gozo, antes mesmo de “Além do princípio do prazer” (FREUD, 1920/2020).
Certamente, esta é uma doença louca. A imaginação psiquiátrica mais extravagante não teria conseguido construir nada semelhante […] O que é posto em ação, em uma neurose obsessiva, é sustentado por uma energia com a qual provavelmente não encontramos nada comparável na vida mental normal. […] A possibilidade de deslocar qualquer sintoma para algo muito distante de sua conformação original é uma das principais características desta doença. (FREUD, 1916-17/1990a, p. 307)
Nada mais atual para nós do Campo Freudiano: “Todo mundo é louco, ou seja, delirante”. O obsessivo não percebe o sofrimento de seu sintoma, ele o incorpora tão bem à sua personalidade que é motivo de prazer. Os sintomas obsessivos são prazerosos. O sujeito sofre como um condenado, mas não se queixa.
Toda a teoria freudiana dos sintomas, tal como está desenvolvida nas conferências, supõe que uma satisfação pode ser substituída por outra, supõe a possibilidade de substituição de satisfações. É o caráter metafórico do sintoma. Freud chama de Ersatz, uma satisfação nova, ou substitutiva, e isso faz pensar que o substituto não tem o mesmo valor que o original. Mas não é bem assim. A satisfação substitutiva é tão boa quanto a satisfação original. Não importa o objeto, a finalidade libidinal obtém-se custe o que custar e ela é sempre a mesma. A pulsão não conhece o semblante de gozar; a satisfação pulsional é um real.
O primeiro caso apresentado na Conferência XVII refere-se a uma mulher com uma ação compulsiva de proteger o marido impotente. O segundo consiste em um cerimonial de dormir que indica uma encenação da não-relação sexual, sustentada por um vínculo libidinal com o pai. A escolha desses casos talvez se deva ao fato de que Freud se dirigia a uma audiência de não praticantes e eram sintomas muito claros, que têm um sentido evidentemente sexual e se explicam por uma Bedeutung – termo difícil de traduzir por indicar, ao mesmo tempo, “significação” e “referência” –, pela referência a uma experiência anterior. A primeira mulher monta sua cena como repetição e correção de um evento anterior, traumático para ela. Através desses exemplos, Freud vincula o sentido e o libidinal. A Bedeutung é uma vivência anterior.
Retomemos o caso: uma mulher de 30 anos de idade, que sofria de graves sintomas obsessivos, realizava, várias vezes por dia, a seguinte ação obsessiva: corria do seu quarto até um outro cômodo, se colocava numa determinada posição ao lado de uma mesa no meio do aposento, soava a campainha chamando a empregada, lhe dava uma ordem qualquer ou a dispensava sem maiores explicações e, depois, corria de volta para seu quarto. Freud perguntava: “Por que faz isso? Qual o sentido disto?”. Ela respondia: “Não sei”. Certa vez, depois de Freud ter invalidado uma dúvida importante, fundamental, ela subitamente soube a resposta e lhe contou o que estava em conexão com o ato obsessivo. Freud realiza a seguinte leitura, a partir dos elementos fornecidos pela paciente: há 10 anos, na noite de núpcias, o marido, que era bem mais velho, se mostrou impotente e passou a noite correndo do seu quarto para o quarto da mulher, para renovar sua tentativa, mas sempre sem êxito. Na manhã seguinte, envergonhado perante a empregada que arrumaria seu quarto, pegou um frasco de tinta vermelha e derramou sobre o lençol, mas não no exato lugar em que uma mancha viria a calhar. A paciente leva Freud até uma mesa no segundo quarto e mostra-lhe uma grande mancha na toalha. Explicou-lhe que assumia sua posição em relação à mesa de maneira tal que a empregada, ao ser dispensada de sua presença, não podia deixar de ver a mancha.
A explicação de Freud estabelece uma íntima conexão entre a cena de sua noite de núpcias e o ato obsessivo atual. Em primeiro lugar, fica claro que a paciente se identificava com seu marido; ela estava executando o papel dele, imitando suas corridas de um quarto a outro. Além disso, cama e lençol foram substituídos pela mesa e pela toalha. Mesa e cama, juntas, representam o casamento e, assim, podem facilmente tomar o lugar da outra.
O ato obsessivo tinha um sentido: uma representação, uma repetição daquela cena importante. Repetindo a cena, corrigia a falha do homem. Servia ao propósito de fazer seu marido superar a desventura passada. Separada há anos, debatia-se com a ideia de divorciar-se legalmente. Contudo, não havia como livrar-se dele. Era forçada a permanecer fiel; retirou-se do mundo para não ser tentada. Em sua imaginação, desculpava-o e engrandecia suas qualidades. O segredo de sua doença consistia em que, através da doença, protegia seu marido de comentários maldosos. Através do sintoma, a mulher faz o homem e, deste lugar, o protege e o sustenta na plena possessão de seus atributos. A leitura freudiana dessa ação obsessiva se limita a negar ou desmentir a impotência do marido.
A mulher se encontra, desde então, submetida à obrigação de chamar a empregada para corrigir a cena, convocando o olhar dessa mulher a se colocar sobre uma mancha na toalha da mesa e, assim, mostrando que não haveria de ter vergonha. Toda a cena é montada para corrigir a penosa impotência do marido.
Aqui, a interpretação do sintoma foi descoberta pela própria paciente, sem qualquer influência ou interpretação do analista, e resultou de uma conexão com um acontecimento que não pertencia a um período esquecido da infância, mas que ocorre na vida adulta da paciente e permaneceu vivo em sua memória.
A pergunta que Freud faz ao seu público, nessa conferência é: foi por acaso e sem maior significação que chegamos justamente à intimidade da vida sexual?
O primeiro caso apresentado por Freud na Conferência XVII foi comentado por Esthela Solano (1993) e por Elisa Alvarenga (2019).
Cito Elisa Alvarenga (2019, p. 37), a propósito do comentário de Esthela Solano sobre essa cena que esconde algo, tanto quanto revela:
A mulher, colocando-se no lugar do marido, faz Um com ele, e a partir dessa solidariedade fálica, chama a empregada. A que lugar ela é convocada? Esta mulher obsessiva recorre a uma Outra mulher, não para interrogar nela o mistério da feminilidade, segundo a estratégia da histérica, mas para tomá-la como testemunha, como Outro diante do qual a mancha pode ser tomada como um semblante que faz valer seu poder de evocação do falo.
A mancha vela o recuo do marido diante do Outro sexo, tomando um valor de quase fetiche, que restitui ao marido seu ter para que ela possa assegurar, do seu lado o ser. Ela adivinha a posição do parceiro e a corrige através do seu sintoma.
Podemos concordar que esses dois casos de mulheres que Freud classifica como obsessão são, na verdade, fragmentos de casos de histeria e é o caráter de obrigação dos seus atos, Zwang, presentes nos dois casos descritos, o que o leva a caracterizar tais sintomas como obsessivos. O sentido do ato obsessivo escapa ao sujeito que se encontra, sempre, obrigado a executá-lo.
O sentido dos sintomas é sempre desconhecido para o doente: “É necessário que esse sentido seja inconsciente para que o sintoma possa surgir”. Ou seja, não se formam sintomas a partir dos processos conscientes. É a condição inconsciente do sintoma. “A construção de um sintoma é o substituto de alguma outra coisa diferente que está interceptada” (MILLER, 2011, p. 21).
Somente o sintoma nos introduz no mais íntimo da vida sexual. Os sintomas servem à mesma intenção: a satisfação de desejos sexuais. Para Freud, o uso do sintoma é sempre o mesmo – a satisfação sexual ou servir de substituto à satisfação que falta na vida.
O caráter de formação de compromisso do sintoma revela a íntima conexão entre gozo e defesa. No sintoma, trata-se de obter satisfação e de defender-se dessa satisfação. Essa conexão leva Lacan a deduzir que há algo excessivo no gozo que obriga o sujeito sempre a defender-se do gozo que busca (MILLER, 2011).
O sintoma encontra sua significação (Sinn) e sua referência (Bedeutung) em seu a posteriori – Nachträglichkeit.
Um exemplo que nos ajuda a entender melhor essa temporalidade, considerando as duas indicações de Freud – o Sinn e a Bedeutung –, é o fragmento clínico que ele descreve como próton pseudos, a primeira mentira histérica (FREUD, 1895/1990c). O sintoma apresentado pela paciente Emma consistia na evitação de entrar sozinha nas lojas por temer os risos que sua roupa poderia suscitar. A agorafobia eclodiu a partir de uma primeira cena relatada pela jovem como motivo de seu adoecimento, na qual ela, então com doze anos, fugiu de uma loja ao perceber que dois vendedores riam de sua roupa. Um deles havia atraído Emma sexualmente. A análise com Freud promoveu o franqueamento das ideias recalcadas, possibilitando uma rearticulação dos enlaces associativos. A primeira cena evocou a lembrança de uma segunda cena, mais longínqua, datada de seus oito anos de idade, quando Emma havia sido molestada pelo dono de uma confeitaria. O riso dos vendedores atualizava o sorriso do proprietário da confeitaria que agarrou sua região genital através de seu vestido. Freud enfatiza a temporalidade Nachträglich estruturante das neuroses. Apenas mediante o estabelecimento de um elo entre a cena 1 e a cena 2, portanto só depois, o acontecimento primeiro adquire seu potencial traumático.
A angústia que leva Emma a erigir um sintoma fóbico não é experimentada na cena em que é assediada pelo dono da loja. A significação desse evento como traumático ocorre a posteriori. Apenas com a entrada na puberdade, no intervalo entre as duas cenas, a jovem se confronta com novas formas de satisfação a partir do despertar da sexualidade, se deparando com seu desejo, com o real da puberdade, o que acabou por ressignificar suas experiências anteriores.
Sem pretender fechar as inúmeras questões trazidas pela leitura das Conferências freudianas, podemos concluir que o estatuto do sintoma é problemático, ou melhor, há o que Lacan chamou de “o segredo do sintoma”, na medida em que se trata de um fenômeno articulado no significante e que tem um sentido. O valor metafórico de satisfação da pulsão encarna e eterniza sua exigência de satisfação (MILLER, 2008). É a vocação para mover-se, de ser errante, de mudar o objeto para permutá-lo por outro, para o deslocamento, para a substituição da libido que pode levá-la, inclusive, para a obra de arte. A libido pode, portanto, ser sublimada ou sintomatizada.
O trabalho de Elisa Alvarenga nos esclarece que, uma vez que a histérica não vai sem o Outro, na medida em que esse Outro muda no decorrer dos tempos, as manifestações da histeria também mudam. A neurose obsessiva feminina seria, portanto, uma resposta sintomática ou fantasmática, desencadeada por situações específicas relativas às experiências do sujeito, tal como Freud já havia postulado na Conferência XVII – resposta essa que encobre uma posição histérica.
Em 1978, Lacan manifestava sua incerteza quanto à existência da neurose histérica, mas afirmava a existência da neurose obsessiva, que teria sido descrita por Freud como um dialeto da histeria e seria, sim, a neurose contemporânea por excelência.
Diante do declínio da função paterna enquanto autoridade e de um Outro que se apresenta inconsistente, os sujeitos se identificam e se coletivizam sob certos S1 que nomeiam modos de gozo sob os quais sujeitos histéricos, divididos, se alojam, identificando-se a um traço que tampa sua divisão subjetiva e lhes impõe diversas formas de compulsão; amorosa, toxicômana, alimentar, para comprar, endividar-se, etc. O imperativo de gozo leva a novas formas sintomáticas que podem ser pensadas como novas roupagens para a neurose. (ALVARENGA, 2019, p. 26-27)
Enfim, são sujeitos que, devido à maior dificuldade de subjetivação da castração, apresentam, por sua vez, dificuldade também de dar sentido aos seus sintomas, o que nos leva a pensar a clínica a partir do uso que o sujeito faz dos sintomas, como cada sujeito amarra seu gozo ou, ainda, seria uma clínica dos modos de gozo.