Didier Velásquez: Luis Darío, conte-nos sobre sua experiência no TyA durante o seu longo percurso de trabalho.
Luis Darío Salamone: O trabalho começou com um convite, antes da criação da EOL — Escola de Orientação Lacaniana — em Buenos Aires. Naquele momento, eu pertencia a uma instituição chamada “Simpósio do Campo Freudiano”, que foi uma das que convergiram na EOL. Maurício Tarrab convidou-me para um grupo, que ele pretendia formar, para trabalhar a questão das adições. Éramos três pessoas e fizemos uma apresentação clínica no Simpósio. Recordo que fui mal interpretado por alguns participantes, naquela noite, que pensavam que não era o caso de ocupar-se dessa questão de modo particular, a partir da psicanálise, que a psicanálise ia além de qualquer especialidade, o que, seguramente, era levado em consideração por nós. Mas a questão não era, precisamente, a de fazer disso uma especialidade, mas compreender a “relação específica que alguém pode chegar a ter com uma substância tóxica”. Em seguida, a Escola foi criada, e a partir dessa aproximação, que trouxe muitos analistas que trabalhavam em diferentes grupos, reunimos aqueles que vinham trabalhando o tema, e ficou decidido o que seria o TyA, a partir de então, vinculado ao Campo Freudiano. Jacques-Alain Miller orientou sua criação, e Éric Laurent foi, por longo tempo, seu assessor.
Adotamos a sigla TyA, com base nas iniciais de Toxicomanias e(y) Alcoolismo. Usamos Toxicomanias porque o termo ‘adições’, na Argentina, estava muito desgastado e transformado em um rótulo. Então, escolhemos um termo velho (toxicomania), que ainda não estava impregnado, e alcoolismo. Pensávamos que a experiência do tóxico e a intoxicação pelo álcool tinham algumas especificidades e trabalhamos, então, ambas as questões, separadamente, e seu entrecruzamento. O grupo se formou em 1992, no mesmo ano da fundação da EOL. Seus primeiros diretores foram Mauricio Tarrab, Ernesto Sinatra e Daniel Silliti. Depois, transformou-se em um departamento que hoje é o Instituto Clínico de Buenos Aires (ICdeBA). Atualmente, os responsáveis somos eu, Darío Galante, Mabel Levato e Fabián Naparstek. Mauricio Tarrab e Ernesto Sinatra continuam trabalhando como assessores.
Didier Velásquez: Quais foram as principais conquistas da Rede TyA? Sabemos que esse trabalho não se realiza somente em Buenos Aires, e isso nos parece muito interessante.
Luis Darío Salamone: Acredito que uma das principais conquistas se relaciona justamente com o fato de que a Rede TyA já não é somente um grupo de trabalho em Buenos Aires, já que existe um grupo, em Córdoba, bem consolidado. Existe um grupo também em Rosario, outro praticamente formado em Santa Fé, e, além disso, existem vários grupos no Brasil, há também gente trabalhando em Madri, Bruxelas e Paris (onde havia um grupo que se chamava GRETA). Os diferentes agrupamentos assumiram a terminologia TyA para o que se configurou o Primeiro Colóquio Internacional de TyA, realizado no marco do último Congresso da AMP e aberto por Judith Miller.
Estamos em expansão, para além da consolidação do grupo, em algumas províncias da Argentina, como Mendonza, existem pessoas interessadas. Assim como em outros lugares da América, como Chile, México e Bolívia, e gostaríamos muito que a Colômbia também participasse desse movimento. Tive a oportunidade, anos atrás, de visitar a Colômbia, a Bolívia e o México, trabalhando esses temas. São países onde realmente deveria haver pessoas da psicanálise refletindo sobre essa problemática, pela abrangência que essas questões têm na atualidade. Há uma recomendação de Lacan: que os analistas devem estar à altura da época em que vivem, e me parece que, na época em que vivemos, a relação dos sujeitos com o consumo é algo de grande relevância, de que não podemos nos furtar.
Didier Velásquez: Depois de 20 anos de trabalho, tive a oportunidade de assistir ao I Colóquio Internacional de TyA, no qual se estabeleceram quatro eixos de trabalho. Você poderia falar brevemente sobre cada um deles? Em primeiro lugar, “a psicanálise é colocada à prova pela adição generalizada”. Particularmente, enfatizo a expressão “adição generalizada”, porque, como sabemos, já não se restringe aos tóxicos e ao álcool.
Luis Darío Salamone: Foi Ernesto Sinatra que, de alguma forma, assinalou, a partir de uma leitura do seminário ministrado por Miller e Laurent, “O outro que não existe e seus comitês de ética”, que a questão em jogo é a de uma toxicomania generalizada. O termo adição generalizada foi reintroduzido por Judith Miller, que é quem sempre acompanha o trabalho dos diferentes grupos de TyA no mundo. Ela também se interessa pela revista, que também está entre as conquistas, não somente temos vários livros publicados, mas também uma revista internacional, que se chama Pharmakon e que está no número 12. Judith se ocupa, pessoalmente, da montagem da revista, como dos encontros internacionais que temos em cada Congresso ou cada Encontro Americano. Foi ela quem preferiu o termo “adições”, que não tem, ao que parece, o mesmo uso na França e na Argentina e que, talvez, lá não estivesse tão desgastado. Além disso, o termo “toxicomania generalizada” dá conta da relação aos tóxicos, em contrapartida, o termo “adição” permite a entrada de outras questões. Em algum momento, eu havia trabalhado a questão do “consumo generalizado”. O que acontece é que também existe uma forma de pensar essa questão, que é considerar, como defende Mauricio Tarrab, que o “gozo é tóxico”. Assim, o gozo que se põe em jogo no consumo, para além da substância, sempre é tóxico. Isso permite pensar sobre a dimensão de uma toxicomania generalizada.
No Colóquio, o que se fez foi adotar eixos que permitissem considerar essa questão, a partir de um texto de Jacques-Allain Miller, que lhes recomendo para trabalhar: “Uma fantasia”[2]. Nesse texto, ele retoma a tese de Lacan sobre o “objeto a” elevado ao zênite da civilização, para situar as problemáticas que se apresentam a partir do momento em que se põe em jogo o discurso hipermoderno e que levam a essa questão do “consumo generalizado”.
Didier Velásquez: Outro eixo importante foi o que expõe a diferença entre “especialidade e especificidade”. Estamos na época de “especialistas e experts”. Parece-me muito interessante essa oposição delineada dessa forma.
Luis Darío Salamone: Especialidade não existe dentro da psicanálise, o que se pode fazer é trabalhar o que denominamos de “a relação específica que cada sujeito tem com o gozo”. Muitas vezes, isso está mediatizado pelo tema de alguma prática de consumo, pela ingestão de alguma substância, que, no organismo, surte seus efeitos e que se trata de poder conhecer, como eu defendia recentemente, no seminário, essa relação específica: conhecer os efeitos, conhecer qual é a função que uma substância cumpre na “economia psíquica de um sujeito”, e, por outro lado, ver como isso se aborda clinicamente. Essa é a questão, a psicanálise com sujeitos toxicômanos não é diferente de qualquer psicanálise, em todo caso, apresenta alguma questão específica, como ocorre em cada análise.
Didier Velásquez: Em relação ao eixo das “práticas institucionais e o analista na instituição”, penso que há uma proliferação inusitada desse tipo de instituições (particularmente em cidades vizinhas a Medellín), e o analista é convocado nessas ocasiões. Há uma grande dificuldade, nesse encontro com outros discursos, para possibilitar um “lugar para o discurso analítico”, particularmente, nessas instituições. Como você analisa essa situação?
Luis Darío Salamone: Em geral, as instituições não têm uma prática que se relacione com a psicanálise. Estão baseadas, por exemplo, na experiência de comunidades terapêuticas, ou nos Alcoólicos Anônimos, por mais que, em Buenos Aires, a psicanálise esteja muito presente e haja vários psicanalistas nas instituições. A maioria das instituições é herdeira de práticas policiais, nas quais o que está em jogo é o “Discurso do Mestre”, das quais alguns colegas se aproximam para tentar mudá-las e, às vezes, conseguem. A psicanálise está em condições de mostrar outro tratamento do gozo, essa seria a aposta. Eu acredito que se deve ter muito cuidado para que não se perverta a prática da psicanálise, e esse é o grande problema que sempre houve com esse tipo de questão.
Há um preconceito em pensar que um sujeito viciado se cura em uma instituição. A maioria dos integrantes que dirigiram o TyA na Argentina não trabalha em instituições especializadas e, que eu saiba, não trabalhou, nem eu, nem Ernesto Sinatra, nem os colegas Mauricio Tarrab, Daniel Silliti, Claudio Godoy, Fabián Naparstek e Mabel Levato. Já Darío Galante participa de um serviço hospitalar com essas questões, e Silvia Botto dirigia uma instituição que abordava a questão a partir da psicanálise, quando ela era a responsável. Mas os que trabalharam em instituições eram exceções, o mesmo acontecia com os participantes das diferentes atividades.
Sim, supervisionamos e estamos em contato com instituições, mas jamais criamos uma instituição de assistência clínica. Cada um trabalha em seu consultório. No entanto, há alguns anos, o jornal “La Nación” entrevistou um paciente meu que se havia recuperado do consumo de várias coisas, e informaram no jornal que ele havia recorrido à clínica de Luis Salamone. Não tenho, nem jamais tive, nenhuma clínica. Sempre trabalhei em meu consultório e, com isso, quero dizer que existem certos preconceitos que levam a pensar que essas questões se resolvem em uma instituição especializada; se perguntássemos às comunidades terapêuticas qual a porcentagem de sucesso que eles alcançam na recuperação desses tipos de casos, ficaríamos surpresos. Se disserem a verdade, em geral, é menos de 10%. Ao longo de todos esses anos de trabalho, foram poucas as pessoas com as quais tive que recorrer a uma internação. Acredito que foram umas três, a pedido delas mesmas, porque não havia outra forma para que pudessem frear o uso e irem ao consultório. A internação lhes proporciona uma espécie de corte, de separação, mas não a cura. A aposta é que haja outro lugar, nessas clínicas, algo diferente que permita a inserção de analistas, sempre com o cuidado de não terminar rechaçando-se, sem querer, o discurso analítico, pervertendo-o, degradando-o.
Didier Velásquez: Nas publicações que tive a oportunidade de ler, em particular a Pharmakon, suas elaborações concentraram-se, desde muito tempo, no problema da “relação entre toxicomania e psicose”. Qual é a atualidade dessa discussão, dado que é um tema de interesse, a partir da psicose ordinária e da recorrência de sujeitos consumidores inscritos sob esse diagnóstico?
Luis Darío Salamone: Uma das problemáticas que se discute com relação às internações é que, no princípio de tudo, está a abstinência. Existem sujeitos aos quais se dá alguma medicação para substituir a droga, mas o que se descobriu é que existiam pessoas que eram psicóticas e encontravam uma estabilização no tóxico e que, ao tentarem manter a abstinência, elas se desestabilizavam. Então, tentava-se alguma cura substituindo-se a droga por outra substância, e isso pode cumprir sua tarefa ou não, deve ser verificado se se alcança uma estabilização mais satisfatória do que aquela que se consegue com a droga. O que se deve considerar, em cada sujeito, é a função que o tóxico cumpre. No caso da psicose, pode ser a de estabilizar o sujeito. Isso leva, no trabalho de uma análise, à necessidade de se pesquisar outros modos de estabilização, porque é certo que a substância que o sujeito usava para estabilizar-se não só o equilibrava como também complicava sua vida.
Defendo algo básico, como, por exemplo, alguém poder estabilizar-se com o álcool, mas também matar-se com ele. Trata-se de trabalhar para que se conquiste outro tipo de ancoragem, também pode ocorrer, por que não, que se busque um psiquiatra que prescreva alguma medicação, se é o que se faz necessário, mas não apostando unicamente nisso, e sim no trabalho analítico do sujeito.
Didier Velásquez: Acabamos de conhecer seu último livro Álcool, tabaco e outros vícios. Que outros aspectos você desenvolve atualmente em seu trabalho?
Luis Darío Salamone: O título responde simplesmente aos muitos trabalhos que tenho produzido ao longo desses anos, na TyA, e, quando fui organizar o livro, havia material para dois ou três! Nesse primeiro, decidi incluir alguns trabalhos sobre generalidades das toxicomanias e alcoolismo e, fundamentalmente, os que se referem à questão do álcool, do tabaco e também de outros vícios, entre os quais há textos sobre o jogo e outro sobre uma adição às cirurgias.
No próximo livro, estarão reunidos textos que se relacionam com outras substâncias tóxicas, mais ligados ao tema das toxicomanias, possivelmente, receberá o título O silêncio das drogas, que é também o título de uma conferência que ministrei no México. Nele, estarão agrupados outros textos sobre outros tipos de consumo. Mas um dos eixos centrais de meu trabalho é o que apresentei hoje, no seminário, quase sempre, se não é a clínica, é o que podem ensinar-me escritores que consomem, músicos ou qualquer pessoa que esteja disposta a dar um testemunho de sua particular relação com a substância, é isso que me interessa trabalhar. Assim se produz um ensinamento.
Didier Velásquez: O que implicaria a ampliação da Rede TyA em outras sedes e, em particular, em nosso caso, na NEL Medellín?
Luis Darío Salamone: Parece-me que isso não ocorre por outra via que não seja a do desejo dos analistas, como nós fizemos, dando forma, agrupando-se e tentando trabalhar essa problemática. O que se espera, pelo menos, sob a lógica que sempre foi própria ao Campo Freudiano, é que se ponham a trabalhar; uma vez que se esteja trabalhando, vejam a forma de articular-se com outros. Ou seja, se você me pergunta, concretamente, sobre como começar, parece-me que se deve iniciar reunindo-se, trabalhando o tema, quando já houver certa questão para transmitir, organizando os espaços de transmissão (seminários, jornadas) e, uma vez que isso esteja funcionando, então dizer: queremos fazer parte da Rede. Seguramente, serão bem-vindos, porque o trabalho o justifica, como acontece sempre.
Didier Velásquez: Finalmente, queria fazer uma pergunta relativa ao título do seminário que você realizou em Cali e do qual surgiu o texto “Quando a droga falha”. Você mencionava, agora, no seminário, que todos os consumidores de substâncias desejam uma “substância perfeita”, mas ela sempre falha. O que falha? É a substância? Ou é algo da estrutura subjetiva?
Luis Darío Salamone: Parece-me que uma coisa está ligada à outra. O sujeito acredita que encontra, na droga, uma solução, que, em um momento, mostra seu ponto de falha, e o demonstra, precisamente, porque a falha subjetiva não se soluciona escondendo-a. O que precisa ser feito é um trabalho de elaboração, um trabalho de análise, para poder relacionar-se de outra maneira com isso, senão, as coisas escapam das mãos. Mas você se expressou de uma maneira mais exata, apontando para um retorno disso que sempre falha.