Florencia F. C. Shanahan
Psicanalista, A.P. da NLS/AMP
florenciashanahan@gmail.com
Resumo: A autora levanta algumas questões, a partir de sua própria experiência, sobre os modos de presença em uma análise, apontando o lugar fundamental que o atendimento virtual teve para ela. No entanto, questiona se haveria um final de análise caso assim permanecesse.
Palavras-chave: presença; analista; fim de análise; virtual.
MODES OF PRESENCE
Abstract: In this essay the author questions, through her own experience, the modes of presence in an analysis, while recognizing that the online sessions were very important for her. However, she questions if there would’ve been an end of analysis had it continued to be virtual.
Keywords: presence; analyst; end of analysis; virtual.
Penso que a análise não é um quebra-cabeça, mas um mosaico, feito não de peças preexistentes para as quais haveria um lugar predeterminado e cuja disposição daria uma forma toda bem-feita, mas de peças, tesselas que vão cortando, encontrando, descartando ou tirando do outro na transferência, compondo um quadro que não se completa, mesmo que esteja acabado.
Vou tentar dizer algumas coisas. Podem às vezes ser contraditórias. Não respondem a nenhuma pergunta geral. Tampouco, creio eu, se prestam a qualquer dedução. São pequenos fragmentos que emergem no tempo de elaboração em que me encontro. Eles encontrarão um lugar no mosaico que continua a ser criado após o passe.
Meu primeiro analista nunca teve meus dados: nem endereço postal, nem número de telefone. Muitas vezes fantasiei que desaparecia e que ele não poderia me contatar, não saberia onde me procurar, se perguntaria se eu havia morrido. Por quase oito anos assisti religiosamente às sessões de tempo fixo. A três quarteirões de onde morava. Quarenta e cinco minutos. Um enquadramento ritualizado que alimentava meu já excessivo supereu e que mortificava meu corpo. O silêncio e a quietude do analista muitas vezes me deixavam à mercê do mutismo pulsional do qual me tornei parceira. Aprendi ali que o sentido não se engorda apenas com palavras.
O analista que me permitiu sair disso — e encontrar um fim lógico para a experiência do inconsciente do qual sou sujeito — se mexia muito. Ele também falava muito pouco, mas movia seu corpo constantemente. Cortava pedaços de papel freneticamente ou digitava forte no teclado. Ele atendia ligações durante as sessões, às vezes resmungava coisas. Ali aprendi que o silêncio não era do Outro.
Eu poderia ter continuado a seguir a vida se ele não tivesse me atendido por telefone todos os dias quando minha mãe e meu irmão morreram inesperadamente? Não sei.
Poderia ter ido ao encontro do bom furo se ele não tivesse me atendido por Skype, sustentando o olhar na tela, diariamente, por mais de um mês, durante a travessia pela angústia mais radical no tempo da destituição subjetiva que deu passagem ao final? Não acredito.
No entanto, acredito que minha análise não poderia ter concluído se tivesse sido “virtual”. Especialmente porque o impulso de sair surgiu, como relatei em meu primeiro testemunho, a partir do momento em que deixei meu isqueiro no divã. Sem dúvida, isso não poderia ter acontecido em uma sessão telefônica ou por chamada de vídeo. Aquele pequeno objeto que fica para trás imprime a urgência que me faz pegar um avião para voltar; e abre a porta da última sessão. A voz como objeto, como entrou em jogo em minha análise — em sua extração e incorporação — não é de forma alguma a voz da comunicação. Sobre isso tentarei avançar em meu próximo escrito.
Sem dúvida, a prática on-line ou por telefone existe. É um fato. Que estatuto tem? As questões que derivam disso dizem respeito à psicanálise como tal, e não apenas a que circunstâncias atuais elas nos confrontam.
Acho que se trata, sobretudo, de encontrar posições na enunciação que vão na direção do que Lacan chamou de bem-dizer e contra as posições que a neurose está sempre pronta a alimentar: buscar explicações para o que se faz ou deixa de fazer; tentar obter do Outro a validação do que se faz ou não; forçar os pinos a entrar nos buraquinhos para acomodar o real à realidade…
Trata-se de não se preparar muito rápido para dizer o que é psicanálise e o que não é, ignorando a implicação de um desejo singular na base de cada ato que, como tal, não tem garantia. Trata-se de não se sustentar, na tradição, os significantes congelados na boca da autoridade ou o saber morto do que já foi dito, com a ilusão de proteger a psicanálise de sua degradação fantasiada.
Obviamente, quando se trata de justificar a prática em si como meio de subsistência2, ou sua permanência no mercado como mais um dos objetos oferecidos para consumo, aí o problema é outro. E diz respeito à formação do analista.
Tradução: Rodrigo Almeida
Revisão: Cecília Batista
1. Texto originalmente publicado em: https://zadigespana.com/2020/04/11/coronavirus-modos-de-la-presencia/.