ROSE-PAULE VINCIGUERRA
ROSE – YAYOI KUSAMA
Na relação entre os sexos, os homens sempre representaram o sexo forte em relação ao desejo. Mas não é assim tão simples. Interroguem-se!, pede Lacan. Diante de um corpo de mulher, um homem é “embaraçado”, perturbado, bloqueado. Não que ele não saiba demonstrar, às vezes, brilhantemente, aquilo de que é capaz, mas isso é ao preço de ultrapassar inibição ou angústia; em todo caso “embaraço”, que assinala que uma barra é colocada sobre o sujeito, há um excesso. Resumindo: diante de uma mulher, um homem não saberia, “literalmente”, o que fazer.
De onde poderia vir o mal-estar masculino? O discurso amoroso clama pela unidade dos amantes, unidade perdida que os amantes desejariam reencontrar. Engano! Platão percebeu bem quando criticou, no Banquete, o mito de Aristófanes, do animal com dois troncos, cujas duas metades teriam sido para sempre separadas por Zeus e buscariam se unir novamente. Muthos no lugar onde o logos fracassa! A loucura desse mito nunca mais foi revista, dirá Lacan; o corte irremediável entre o homem e a mulher aconteceu. Mas isso não encerra a questão para Platão e ele resolve o embaraço do dois pelo três, pois é em direção ao Bem que, no amor, os dois tendem.
Freud faz, ele também, referência a esse mito de Aristófanes, mas se ele nomeia Eros a pulsão de vida, é para fazer a hipótese de que a substância viva, de início “explodida em partículas”, foi reagrupada “de maneira cada vez mais abrangente” e assim “mantida” (FREUD, 2005, p. 282). Mas essa é uma hipótese especulativa, e Freud confessa não saber em qual medida crê nisso.
Em contrapartida, quando se trata de homens e mulheres, ele não crê no Um do discurso amoroso; o que não impede que ele o comente. Mas que haja complemento entre eles, que o feminino seja o passivo do qual o homem será o ativo, nada é menos seguro.
Seguramente que um homem fique embaraçado pelo corpo de uma mulher, Freud o sabe. Analisando as perturbações da função sexual masculina, ele chega a dizer que “a impotência psíquica” (FREUD, 1969, p. 61) caracteriza a vida amorosa do homem civilizado atual. A pressão da educação certamente não está aí por acaso, mas Freud considera, nessa questão, sobretudo a insuficiência do interdito edipiano e a incapacidade dos fantasmas de se separar dos objetos sexuais primitivos, mesmo através da substituição. A mãe contamina a mulher, seja como objeto idealizado, respeitado, mas intocável, seja como um objeto rebaixado. De todo modo, a mulher vem sempre em substituição à única, à primeira, e por isso a satisfação não será, jamais, certa. Faltará sempre alguma coisa! Qualquer que seja a condição de desejo exigida no fantasma, ainda que narcísica! Não “estar familiarizado com a representação do incesto com a mãe ou a irmã” (FREUD, 1969, p. 61) permanece no horizonte dos embaraços da castração para um homem, quando se trata de abordar uma mulher. Em certos aspectos, ela permanece como tabu. Sem fusão dos sexos, portanto, mas um ideal: a convergência em uma mulher da corrente afetiva e da corrente sensual pode existir, à condição de que haja castração.
Lacan lê essa questão de modo um pouco diferente. É a partir da falta própria ao sexo feminino que o phallus se torna objeto simbólico, mas o significante fálico como significante do desejo não é de nenhum sexo, é um terceiro na relação dos sexos. Ainda assim, o homem deve, imaginariamente, colocar que ele o tem. Entretanto, ele não pode assumir os atributos de seu sexo senão “através de uma ameaça, ou até mesmo sob o aspecto de uma privação” (LACAN, 1998, p. 692). “Ameaça” do Outro edipiano ou “privação” por um pai real! Há aí uma “antinomia interna”. A solução mais comum aos homens é, então, dividir-se entre duas mulheres: aquela da demanda e aquela do desejo. Mas será que isso faz do homem menos embaraçado para com uma mulher? Apegado que ele é, como Ulysse, ao mastro phallus, ele experimenta o corpo de uma mulher sempre como estrangeiro. Esse corpo, próximo do ponto obscuro da Coisa, não fascina o desejo senão na medida do símbolo fálico que o separa desse gozo impossível da Coisa.
Retornando a essa “ficção viril, que poderia mais ou menos traduzir-se assim: ‘a gente é aquele que tem’”, Lacan tem esta fórmula: “Não há nada de mais satisfatório que um tipo que jamais enxergou além da ponta do nariz (…). Essa ficção simplória, devo dizer, está seriamente em via de revisão. Desde algum tempo se percebeu que isso é um pouquinho mais complicado” (LACAN, 1967, p. 319). Como, então, atravessar a ilusão desse ideal de potência?
De fato, a dificuldade de um homem, na sua abordagem no corpo de uma mulher, deve-se à particularidade de seu gozo. Mais precisamente, à detumescência do órgão correlativa ao momento do gozo sexual, que constitui um limite em relação a um gozo infinito, que seria mortífero. Há aí, com efeito, uma perda, uma subtração de gozo que se opera. Diferentemente do que ocorre com uma mulher, que, a ela, “não lhe falta nada”. E contrariamente ao que se poderia pensar até aqui.
Com efeito, não se trata aqui de ameaça de castração, mas de perda, de uma “perda de vida que lhe é própria, por ele ser sexuado” (LACAN, 1998, p. 863). Essa parte perdida do vivo marca a relação da sexualidade com a morte.
O que desaparece assim, para um homem, só o objeto dito a, por Lacan, um objeto de “separtição”, de partição interna do corpo, pode fazer reparação. Esse objeto é exterior ao campo do Outro, mas é ele que é eleito, positivado e deslocado sobre o corpo de uma mulher. Fazendo isso, um homem sempre “satisfaz” uma mulher (LACAN, 2004. p. 210).
Mas, que uma mulher queira gozar dele, e eis aí a angústia: é o seu ser que ela quer, ela quer castrá-lo! (Cf. LACAN, 2004, p. 21).
Assim, também, forjam os homens o fantasma de um masoquismo feminino (Cf. LACAN, 2004, p. 222), qual seja, o de um objeto sempre pronto a gozar de ser objeto de gozo, o que repararia a perda e lhes reasseguraria.
Se um homem não pode gozar senão do gozo do órgão, o orgasmo, enquanto tal, não é, entretanto, sem angústia. Mas esse tempo de angústia não está ausente da constituição do desejo! (Cf. LACAN, 2004, p. 204). Desse gozo fechado, a angústia pode, com efeito, produzir um objeto causa do desejo (Cf. MILLER, 2004). Mas é necessário, ainda, para que um homem experimente esse desejo por uma mulher, que essa angústia seja velada (Cf. MILLER, 2004)! E, aí, é ao amor que é preciso se reportar para fazer “condescender” o gozo a esse desejo.
Essa questão é algo trágico? Ou cômico? Lacan tende para o cômico: “é quando um homem é mulher que ele ama” (LACAN, 1979, p. 9). Comédia do falo, seguramente! O homem avança desprovido de potência, e isso o feminiza. Mas também comédia da psicose! Um homem apaixonado cria e crê em “A Mulher como sendo todas as mulheres” (LACAN, 1975, s/p.). Assim fazendo, “ele aspira por qualquer coisa que é o seu objeto” (LACAN, 1979, p. 9) e crê na relação sexual. Infelizmente, nós não sabemos o que é a mulher, essa “desconhecida dentro da caixa” (LACAN, 1967, p. 319), e, se A mulher não existe, não há significante para estabelecer a relação sexual.
Entretanto, prossegue Lacan, “é na qualidade de homem que ele deseja, ou seja, ele se sustenta de alguma coisa que na verdade é propriamente a ereção” (Idem). É que, através do seu fantasma, ele sonha com perversão, mas, qualquer que seja esse sonho, ele não pode gozar senão de partes do corpo do outro. Nada em seu gozo que lhe dê relação ao Outro sexo e constitua o corpo do Outro.
Assim, o gozo sexual faz barreira à relação sexual, que não existe, ao mesmo tempo em que lhe faz suplência. Há dois sexos. Uma bipartição que escapa certamente, mas sem que haja, entre esses dois sexos, contradição. Isso seria muito simples! E sem que haja, portanto, três! É preciso resolver, no impossível, o dois dos gozos. É assim que eles vivem e se comunicam! E é assim que o mal-entendido continua.
Tradução: Letícia Soares
Revisão: Luciana Andrade