MÔNICA CAMPOS SILVA
ROSE-PAULE – MICHEL TRPAK
Em 27 de junho de 1994, Miller apresenta, em seu seminário Lacan e o saber do século, uma aula sob o título “Kojève, a sabedoria do século”. A ideia de Miller era combinar o anseio de falar de Kojève e de seu artigo “O último mundo novo”, articulando-o ao Seminário IV de Lacan, “A relação de objeto”.
Nessa lição, Miller parte de um problema apreendido por Kojève, ou seja, o mundo novo é, com e pós Napoleão, um mundo do saber absoluto, chamado por ele de “verdadeiro mundo novo”. Kojève vê, nas novelas de Françoise Sagan[1], entre elas Bom dia, tristeza, o que são as consequências do saber absoluto na relação sexual.
Assim, Miller inicia sua articulação apontando que, em “O último novo mundo”, Kojève inscreve três nomes do pai, estando, na origem desses, Napoleão na batalha de Jena[2]. O primeiro nome seria Hegel, o filósofo. O segundo seria Sade, que, segundo Kojève, tem esse lugar pois é a partir de sua libertação que se compreendeu que, no novo mundo livre, tudo deveria acontecer no privado. Sade é, então, o herói do privado, um dos faróis deste novo mundo. Sob o terceiro, Miller deixa, naquele momento, em aberto.
O leitor acompanhará, nessa lição, o percurso de Miller quando retoma essa discussão para destacar o contraponto que Lacan estabelece, no Seminário 4[3], ao final de sua análise sobre o pequeno Hans, entre legalidade e legitimidade, esclarecendo que Hans está na legalidade por se interessar pelas meninas, mas que isso acontece de uma forma passiva, não tendo nada de viril em sua posição. Segundo Miller, Lacan faz do pequeno Hans um paradigma da relação sexual da geração de 1945. Segundo Lacan, esses jovens esperam que a iniciativa venha do outro lado, que venha das damas, colocando como exceção Dom Juan, como o que não deixava para o outro sexo tomar a iniciativa. Entretanto, para Lacan, esse personagem, ao buscar o falo feminino – e sem encontrá-lo –, se depara, ao final, com o pai.
Miller nos mostra como as novelas de Françoise Sagan situam para Kojève a figura contemporânea das relações sexuais, ou seja, a época do saber absoluto como correlata do declínio do viril ou, como ele diz, “encontramo-nos em um mundo sem homens”, restando apenas um “certo sorriso”.
Em “Bonjour, sagesse”, a tese de Miller em que o declínio e o desaparecimento do viril não são possíveis de serem pensados sem o declínio do pai é problematizada com a pergunta sobre o que é a desaparição do viril. Para o autor, é o que fica da fórmula da sexuação masculina ao anularmos a parte esquerda da fórmula, restando simplesmente o “todos juntos”, fórmula da igualdade, o todo da democracia. Como consequência, o dano causado à função paterna e, portanto, o declínio do pai, explica o sentimento de desaparição do viril. Miller lembra Lacan em 1938, em Os complexos familiares, quando este sinaliza o declínio da imago paterna como provocador de uma crise psicológica que faz surgir a psicanálise.
Diante das questões levantadas, Miller nos anuncia o terceiro nome do pai pós-Napoleão. Seria Brumell[4], que se junta a Hegel e Sade no nascimento do novo mundo. O que dá esse lugar a Brumell? Para Miller, o que se admira em Brumell é a aventura de um homem só, capaz de produzir um império com sua opinião, fazendo-se único. Como figura excepcional, Brumell teria sido a inspiração para a construção do personagem de Dom Juan, sendo comparado a Napoleão principalmente no fascínio que provocava, pelas maneiras e elegância e pelo domínio da compostura.
Miller propõe verificar a relação entre Brumell e o aparecimento do dandismo. Segundo ele, antes havia o belo e, com Brumell, surge o dandismo, apontando que a diferença entre eles é que, no belo há a intenção de agradar; no dandismo, a finalidade reside mais em assombrar, surpreender, do que em agradar, ou seja, desagradando, se fascina ainda mais. Por essa via, Miller utiliza-se de Baudelaire em sua descrição do dandismo como o último flash de heroísmo em decadência, para marcar a resistência heroica do dândi diante do discurso moderno, como uma forma de sabedoria moderna para resistir ao mal-estar na civilização.
A partir da literatura francesa da época, Miller revela a presença de uma recusa do heroísmo, ou seja, sob a continuidade aparente do gênero trágico, observa-se uma verdadeira revolução dos costumes, uma revolução cultural. Miller constata que a desvirilização está aí desde o século XVI, antes de Napoleão.
Ao estabelecer uma sequência – o cavaleiro, o cortês e o dândi -, Miller inclui a figura do analista, assinalando que este tem algo a ver com o dândi, pois, em seu discurso, ocupa o lugar de causa. O analista seria o semblante que faz tremer os semblantes.