LILANY VIEIRA PACHECO
Analista Praticante. Membro da EBP-MG/AMP. Diretora-adjunta do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais. Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente (Ciências da Saúde) pela UFMG |
lilanypacheco@gmail.com
Resumo: Comentário ao texto de Suzana Barroso na XXIV Conversação Clínica do IPSM-MG.
Palavras-chave: Falasser, ato, jaculação
Abstract: Commentary on the text presented by Suzana Barroso at the XXIV Clinical Conversation of the Institute of Psychoanalysis and Mental Health of Minas Gerais (IPSM-MG)
Keywords: speaking being; act; jaculation.
Agradeço o convite e me sinto muito honrada por participar da XXIV Conversação da Seção Clínica do IPSM-MG, desta vez sob os auspícios do Núcleo de Psicanálise com Crianças. Agradeço também, e principalmente, a possibilidade de conversar com vocês sobre um tema tão candente quanto os efeitos do Real da pandemia sobre os falasseres ao introduzir uma realidade para além da realidade psíquica. A pandemia é ininterpretável, e cabe a nós, enquanto psicanalistas à altura da subjetividade de nossa época, distinguir esse universal das singularidades de cada um, a cada vez, a cada sessão, face às exigências da pandemia e seus efeitos.
Foi partindo dessa perspectiva que colhi do texto de Suzana Barroso a construção que ela faz em torno do caso Paulinho ao demonstrar que algumas demandas feitas aos psicanalistas de atendimento on-line puderam vivificar a psicanálise. Suzana anota, a propósito do caso Paulinho, a importância de se verificar a constituição do lugar do Outro como intérprete do que se passava com a criança, ponto no qual ela interroga se as funções de interpretação e transmissão atribuídas ao Outro parental estariam sendo debilitadas pela intervenção do discurso do mestre contemporâneo. Suzana aponta aí a importância de viabilizar que a criança seja falada por seus pais e que o analista opere promovendo o enlaçamento do infans ao Outro que o constitui. Encontramos aí uma localização precisa do que fizemos quando passamos dos atendimentos presenciais para os atendimentos on-line, não importando a idade cronológica daqueles que se apresentaram como candidatos a essa passagem.
Suzana descreve, assim, as condições de possibilidades para a constituição do lugar do Outro pela operação de mutação do Real em significante, o que requer a tradução do Outro, ponto no qual ele lembra Freud em “O projeto”, quando ele demonstra que a vida psíquica do infans se constitui a partir de uma ação específica do Outro, enquanto ação de linguagem.
Paulinho inaugura, diante da analista vista pelo vídeo, o movimento de ocultação, de ir e vir, o fort-da, que colocou em jogo o objeto olhar.
Interessando-se pelos brinquedos que lhe foram oferecidos, ele vai ensaiar um afastamento do Outro materno para se envolver com os objetos, não sem um chorinho endereçado, que claramente podia ser lido como “pode o Outro me perder?”. Em seguida, Paulinho se volta para a analista com um significante: “neném”. Assim como o neto de Freud, o menino ilustra, com seu fort-da, como a castração impõe a articulação da linguagem e faz com que uma palavra tenha que se articular a outra para produzir sentido, não sem uma perda de seu valor de gozo autoerótico (BARROSO, 2020).
Valendo-se de Lacadée, Suzana pode recortar, em sua articulação do caso Paulinho, o tempo do primeiro exílio do ser falante.
Ao situar-se como falasser na linguagem, o infans deve consentir num primeiro modo de exilio, a saber, a perda da sua simples natureza de um ser vivo. Para se constituir enquanto ser falante, inserido num discurso e num laço social, há que se renunciar ao gozo primitivo do ser em troca da representação pelas palavras do Outro.
(…) O primeiro exílio inerente à entrada na linguagem implica que o Outro primordial, que transmite a língua e com ela a interpretação das necessidades do infans, transmite também um furo, ou um mal-entendido estrutural ligado à própria operação de tradução. (BARROSO, 2021).
Em “A disrupção do gozo nas loucuras sob transferência”, Éric Laurent aponta a distinção que podemos encontrar entre o inconsciente tropeço nos seminários livro 11 e livro 24, L’une bévue. Laurent cita Lacan:
Não há nada mais difícil de captar do que esse traço do une-bévue, que traduzi por l’Unbewust, que significa inconsciente em alemão. Mas traduzido por une-bévue, isso quer dizer uma outra coisa — um obstáculo, um tropeço, um deslizamento de palavra a palavra (LACAN, apud LAURENT, 2018).
Laurent destaca a versão de tropeço isolada por Miller:
(…) Em seu Seminário dos Quatro conceitos [Lacan] define o inconsciente pelo tropeço, isto é, pelo une-bévue. Mas em seu Seminário 24, isso significa outra coisa. Lá, o tropeço ou o deslizamento de palavra em palavra, como fenômeno, se situa em um tempo anterior àquele onde pode aparecer o inconsciente. O inconsciente aparece no une-bévue apenas na medida em que acrescentamos uma finalidade significante, na medida em que acrescentamos uma significação (MILLER apud LAURENT, 2018).
E, como consequência a isso, que se situa antes da cadeia significante, Laurent situará a interpretação como uma jaculação, seja em sua natureza secreta, seja em sua fórmula jubilatória, seja na onomatopeica, assim como se faz do fort-da uma jaculação, a exemplo do que Suzana demonstra com sua intervenção no caso Paulinho e em seu testemunho da clínica on-line com crianças. Constatamos, portanto, que o último ensino de Lacan oferece subsídios para as modalidades de intervenções que os psicanalistas têm sido convocados a fazer, em sua presença on-line, quando se desloca da tríade inconsciente, transferência e interpretação para a tríade falasser, ato e jaculação.