Daniela Dinardi
Caros leitores,
Apresentamos a 29ª edição da Almanaque on-line!
Animados pelo desejo de transmissão do trabalho de pesquisa produzido no IPSM-MG e pelos demais colegas da nossa comunidade analítica, nos dedicamos a recolher textos alinhados ao tema de investigação do Instituto neste primeiro semestre de 2022: “Acontecimento de corpo político e a psicanálise hoje” é a bússola que nos orienta.
Instigante, esta pesquisa trouxe para os nossos espaços de discussão a relação que liga o analista à dimensão política e à subjetividade de sua época, nos impulsionando a refletir sobre a prática da psicanálise nos nossos dias face ao discurso do mestre contemporâneo. Se para Freud a política é o inconsciente, Lacan inverte essa lógica afirmando que “o inconsciente é a política”, abrindo assim novas vias de estudo e reflexão.
Abrimos a revista com Trilhamentos, em que, em uma orientação epistêmica, vocês encontrarão textos que percorrem os caminhos traçados por Freud e Lacan relacionados à nossa pesquisa.
Frederico Feu de Carvalho propõe retomar a lição “Do nó como suporte do sujeito”, do Seminário 23 de Lacan, acrescentando a ela algumas reflexões sobre “o acontecimento de corpo político” e o que dele podemos extrair para pensar a prática com as psicoses. Ricardo Seldes, nosso colega da EOL e convidado para a aula inaugural do IPSM-MG, pergunta sobre como ser solidário com o futuro da psicanálise em meio à tendência de homogeneização de nossa época. Philippe La Sagna, em seu texto “O discurso como saída do capitalismo”, indica que, no discurso capitalista, o falasser se vê submetido à condição de consumidor e objeto consumido. O discurso analítico, tal como esse autor localiza, seria a possibilidade de desvendar essa maquinaria do mais-de-gozar e de arejar os seus efeitos. Véronique Voruz, em “Interpretar o material humano”, sublinha um efeito da interpretação que toca na vergonha face ao falasser reduzido a “material humano”, com vistas a restituir sua condição de sujeito barrado. Gustavo Stiglitz, no texto “Psicanálise e política, uma amizade estrutural”, afirma que a psicanálise sempre esteve ligada à política. Articulando inconsciente e política, ele traz elementos para pensar no papel que a psicanálise tem no enfrentamento de uma sociedade previsível, na qual desejo, risco e amor se dissolvem diante do regime do Todo.
Na rubrica Entrevistas, nosso colega Sérgio Laia conversa conosco sobre as possíveis saídas para que o discurso psicanalítico possa se manter como aquele que faz objeção à universalização, ao apagamento do desejo e ao império do mais-de-gozar presente na atualidade. Nosso entrevistado também se refere às mudanças provocadas pelo movimento de globalização do mundo sobre o que chamamos de raça, fraternidade e racismo e nos esclarece sobre como a psicanálise pode intervir na política.
Em Encontros, reservamos para vocês os artigos de Tânia Abreu, Silvia Baudini, Anaëlle Lebovits-Quenehen, Fabián Naparstek e Rodrigo Almeida. As duas primeiras nos brindam com uma leitura aguda do que está em jogo no documentário Pequena garota, trazendo à discussão um tema que tem mobilizado o debate no campo freudiano, refletindo sobre as repercussões das questões trans sobre as crianças. No texto “Psicanálise e Política: quatro modalidades de uma relação”, Anaëlle Lebovits-Quenehen expõe seus pontos de vista sobre a posição do analista em relação ao político e diante da política a partir de diferentes aspectos. Fabián Naparstek discorre sobre “Psicanálise e política” e destaca que a política da psicanálise implica em abrir a via da palavra e da interpretação para que cada sujeito possa produzir sintomas singulares que não caminhe em direção à consistência ideal imaginária das identificações. Em “Discursos de gênero e psicanálise: possíveis interlocutores”, Rodrigo Almeida privilegia alguns pontos dos “discursos de gênero” e de suas teorias, especialmente naquilo que os contrapõem à psicanálise, interrogando sobre de que maneira o debate com as teorias de gênero pode contribuir para a leitura dos psicanalistas sobre a subjetividade de sua época.
Em Incursões, apresentamos textos dos colegas que estão presentes nos espaços de investigação do Instituto. Suzana Faleiro e Sandra Espinha, em seus respectivos textos, discorrem sobre como um analista pode permitir à criança separar-se do lugar de objeto para reinventar sua família em um tempo marcado por uma desordem simbólica e na vigência de discursos de remediação cognitiva e comportamental que não levam em conta o real. Ainda nesse contexto, Maria Rita Guimarães recorta alguns elementos das reflexões de Ian Hacking para subsidiar o debate sobre a biopolítica reinante fundada em protocolos e classificações, para deles extrair as consequências para a clínica psicanalítica, sobretudo, a clínica com crianças e com autistas. Maria Wilma S. de Faria, em “O acontecimento de corpo político e a psicanálise hoje”, indaga sobre o que pode a psicanálise frente à toxicomania que nossa época promove. Ana Maria Lopes e Henrique Torres, em “Corpos anoréxicos e o avesso da biopolítica”, partem de seus estudos sobre a clínica da anorexia para ressaltar a importância de uma aposta nas invenções sintomáticas singulares que cada sujeito inscreve nas marcas de seu corpo, destacando a importância da escuta clínica, hoje tão fragilizada na prática médica. Elaine Maciel, em “O corpo: do clínico ao político”, aborda a noção de corpo em psicanálise articulada à sua dimensão clínica e à dimensão política. No artigo “Psicopatologia do racismo cotidiano: do corpo político ao acontecimento de corpo”, Luís Couto investiga os efeitos sobre os corpos oriundos da história política de segregação racial em nosso país, particularmente, os efeitos singulares das nomeações vindas do campo do Outro e sua relação com o gozo.
No que ressoa como efeito de transmissão para os alunos do Instituto, De uma nova geração, temos os trabalhos de Giulia Campos Lage, com “A neurose na urgência subjetiva”, e de Paulo de Souza Novaes, com “Momentos de virada no ensino de Jacques Lacan: do inconsciente transferencial ao inconsciente real”. Tais trabalhos evidenciam o estatuto ético da psicanálise na relação do sujeito com seu inconsciente e com a sua época.
Por fim, agradecemos aos autores que, generosamente, contribuíram para esta edição; à equipe de publicação, pelo cuidado na pesquisa, tradução e revisão dos trabalhos; à colega e fotógrafa Cecília Velloso Batista, assim como aos fotógrafos Fred Bandeira e Nelson Martins de Almeida, o nosso muito obrigado pela cessão de tão lindas e impactantes imagens! Aos nossos leitores, fica o convite para a apreciação dos textos desta edição, na expectativa de que eles possam contribuir em um debate tão atual e caro a nós psicanalistas e, dessa forma, como conclamou o nosso colega Ricardo Seldes, “solidarizar com o futuro da psicanálise”.
Boa leitura!