Tereza Facury
Bem-vindos à 26ª edição da revista Almanaque Online, do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais.
Esta edição foi preparada em meio a um cenário mundial de devastação, causada pela pandemia da covid-19, seja do ponto de vista econômico, seja do social, o que afetou sobremaneira os laços sociais das mais variadas formas. As relações entre as pessoas passaram a ser norteadas pelo significante “cuidado” no tocante aos seus corpos, uma vez que o outro se tornou um potencial e arriscado hospedeiro do vírus.
Diante de tal contexto, a saída apresentada foi a realização de atendimentos on-line utilizando os dispositivos que nos são ofertados pela tecnologia. As expressões “atendimento presencial” e “atendimento a distância” se incorporaram ao nosso cotidiano.
Desse modo, variados dispositivos tecnológicos hoje oferecidos tornaram-se cada vez mais importantes e, até mesmo, imprescindíveis em determinados momentos para garantir a continuidade do nosso trabalho.
Frente a tal situação, fomos instigados a pensar sobre essa importante mudança em nossa prática, e o resultado aqui se apresenta nos artigos de colegas que nos trazem seus questionamentos e reflexões — alguns amparados em vinhetas clínicas —, aos quais muito agradecemos pela generosidade e pelo que podem nos orientar em um tempo no qual resta ainda tanta coisa por compreender.
Na rubrica Trilhamentos, Henri Kaufmanner, em seu texto “Psicanálise e esquecimento”, propõe pensar os desafios que a psicanálise nos impõe nestes tempos estranhos. Seu ponto de partida é a pergunta, lançada por Lacan ao final do seminário XI, sobre uma possível impostura da psicanálise e seus desdobramentos, tal como a leitura lacaniana que distingue a religião, a ciência e a psicanálise sob a perspectiva da ideia de esquecimento e as consequências do avanço do discurso da ciência sobre essa distinção.
O texto “Analista essencial”, de Irene Accarini, destaca a importância da voz nos atendimentos on-line, uma voz substancial, cheia de substância gozante, que, mesmo à distância, encontra seu lugar. Dando continuidade a alguns trabalhos já existentes, sua reflexão se detém no vínculo particular que existe entre a voz e a presença do analista com o inconsciente na experiência analítica.
Em “A presença real e a fugacidade do corpo”, Catherine Lacaze-Paule aborda o confinamento dos corpos imposto pela pandemia e seus efeitos nos atendimentos virtuais nos quais eles se encontram ausentes. Sua reflexão levou-a a discorrer sobre a “presença real do analista”, um tema crucial para a teoria lacaniana.
“Transferência e presença do analista” é o título do artigo que nos indica os eixos que Frank Rollier tematiza em seu texto de forma clara e precisa para abordar o uso dos dispositivos eletrônicos pela psicanálise como um recurso em tempos de pandemia. Uma pergunta orienta o seu trabalho articulada aos modos distintos pelos quais se orientam as práticas psicoterápicas e a psicanálise ao se valerem do atendimento remoto.
Em Encontros temos dois textos que tratam do atendimento on-line com crianças. Prerna Kapur, em seu texto “Não é uma brincadeira de criança”, aborda os impactos do confinamento sobre seu trabalho clínico a partir de uma vinheta na qual relata seu “estranho encontro” com o lugar que lhe foi dado por uma criança durante uma sessão por meio de videochamada.
A psicanalista Renata Teixeira escreve sobre como seu trabalho com crianças foi afetado neste tempo de pandemia, levando-a a recorrer, de forma inédita para ela, ao mundo digital, principalmente aos jogos, como uma ferramenta possível para a continuidade do tratamento.
Gustavo Dessal nos traz, em Entrevista, suas percepções e elaborações sobre o que tem extraído de sua experiência e de suas pesquisas sobre o uso dos dispositivos on-line nos atendimentos. Entende ser este um momento de grande desafio para a psicanálise por estarmos diante de uma inflexão no modo de acolhermos as demandas de tratamento no que se refere ao chamado setting de atendimento.
Em Incursões, Suzana Faleiro e Lilany Pacheco nos apresentam os pontos abordados na XXIV Conversação Clínica do IPSM-MG, em novembro de 2020, discutindo o uso dos dispositivos virtuais para sustentar a prática analítica com crianças e adolescentes durante a quarentena. A direção do tratamento, o manejo da transferência e o desejo e a presença do analista são os aspectos privilegiados nessa discussão.
Na rubrica De uma nova Geração, Nayara Paulina Rosa discorre, em “Racismo, corpo e trauma na clínica psicanalítica”, sobre a incidência dos efeitos psíquicos do racismo contra pessoas negras no âmbito da identificação imaginária valendo-se da teoria do estágio do espelho.
Derick Teixeira introduz o tema a ser explorado pelo Instituto de Psicanálise e Saúde Mental neste semestre e, por meio de uma leitura cuidadosa, nos conduz a percorrer alguns pontos de mudança na teoria lacaniana decorrentes de uma promoção do corpo e da escrita no interior da clínica psicanalítica, tornando possível elucidar os efeitos de uma interpretação que não se pauta apenas no sentido, mas também no furo, no vazio semântico, no efeito de sentido real.
Queremos, por fim, agradecer a todos que colaboraram com esta nova edição, autores, equipe editorial e, em especial, ao artista plástico Jayme Reis, que, generosamente, permitiu que nos valêssemos de suas belas imagens para enriquecer nossas páginas. Jayme Reis é mineiro de Itabira, artista plástico autodidata premiado em diversos salões no Brasil e no exterior, que também possui obras em coleções de várias galerias de dentro e fora do país.