Frederico Feu de Carvalho
Psicanalista
Membro da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP)
e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP)
fredericofeu@uol.com.br
O “único” e o “específico” podem ser tomados como duas maneiras de nos referirmos à singularidade do sujeito na experiência analítica.
Nos acostumamos, desde Freud, a fazer a distinção entre o caso único e o tipo clínico. Trata-se de distinção clínica que expressa a posição ética do psicanalista: o sujeito não se reduz à categoria diagnóstica que especifica o seu tipo clínico e, mesmo que ele possa ser comparado a outros sujeitos do mesmo tipo, orientando a direção do tratamento do seu caso, a resposta subjetiva ao realismo da estrutura é o que condiciona, em última instância, a singularidade da interpretação.
Gostaria de propor, no âmbito de nossa discussão no IPSM-MG, que a distinção entre o “único” e o “específico” não recobre inteiramente aquela entre o caso único e o tipo clínico, especialmente se remetemos o “único” ao “Um”, marca de gozo original do falasser. Nessa acepção, o “Um” converge com a perspectiva do sinthoma no último ensino de Lacan, tomado como unidade clínica fundamental. Como unidade clínica fundamental, o sinthoma supera clivagens precedentes, entre elas a clivagem entre o caso único e o tipo clínico, na medida em que a perspectiva do sinthoma demarca o ponto de inflexão clínico entre a estrutura, entendida como a articulação dos elementos em que se joga a partida entre o caso único e o tipo clínico, e os elementos tomados em si mesmos, fora da articulação e do sentido.
A prática da psicanálise ganha então uma outra ênfase. Trata-se de reconduzir a trama de destino do sujeito da estrutura aos elementos primordiais, fora de articulação, quer dizer, fora do sentido e, porque absolutamente separados, podemos dizê-los absolutos. Trata-se de reconduzir o sujeito aos elementos absolutos de sua existência contingente (MILLER, 2008, p. 57-58)
A unicidade do falasser seria, portanto, um ponto fora da articulação dos elementos. Ela ex-siste em relação ao caso clínico, com o qual não se confunde. Não se refere, portanto, à máxima segundo a qual cada caso é um caso. A distinção lógica entre o específico e o único pode ser então formulada nesses termos: o específico corresponde à resposta ficcional e estruturada dada por um sujeito à sua marca única; seja ao inscrever-se no universal de um tipo clínico, seja ao excetuar-se dele como singularidade, o específico, como o particular de um sujeito, só existe por ser predicável. O Um, por sua vez, traz consigo uma dificuldade de escrita e de interpretação. Sua maneira de existir fora do universal é uma maneira radical, por não ser predicável, permanecendo à distância de qualquer referência linguística. Como, então, pode-se afirmar a existência de algo do qual nada se pode predicar? Se, por outro lado, afirmamos sua existência, a despeito de ser impredicável, o que pode vir a suportar sua escrita? Proponho que a resposta lacaniana a essa questão é o sinthoma: a maneira específica como cada falasser amarrou o seu Um ao real, ao simbólico e ao imaginário para fazer disso um nó.
Referências
MILLER, J.-A. Curso de orientação lacaniana III. Lição V, 2008. (Trabalho inédito).