Pascale Fari
Psicanalista, Membro da École de la Cause Freudienne/AMP
pfaripsy@gmail.com
Resumo: O significante “loucura” não é mais admissível em psiquiatria. O psiquismo tem sido apagado, o qualificativo “mental” se tornou uma relíquia incômoda e o que permanece é simplesmente “a doença”. Diante do sufixo-mestre atual, neuro, o essencial não é mais o que o paciente tem a dizer, mas sim que ele engula a coisa. O cérebro é o objeto primordial dessa doença, a máquina é seu modelo original. É a psicanálise que, por sustentar a dimensão da subjetividade, constitui o obstáculo maior à redução da loucura a um distúrbio orgânico.
Palavras-chave: loucura; doença mental; delírio.
“FOLITIQUEMENT” INCORRECT
Abstract: The signifier “madness” is no longer admissible in psychiatry. Psychism has been erased, the qualifier “mental” has become an uncomfortable relic and what remains is simply “the disease”. Faced with the current master suffix, neuro, what is essential is no longer what the patient has to say, but that he swallows it. The brain is the primary object of this disease, the machine is its original model. It is psychoanalysis that, by sustaining the dimension of subjectivity, constitutes the greatest obstacle to reducing madness to an organic disturbance.
Keywords: craziness; mental disease; delirium.
Talvez, um dia, se saberá melhor o que pode ser a loucura.
(FOUCAULT, 1964/2002)
Referimo-nos à psiquiatria transformada numa questão para todos.
(LACAN, 1964/2003)
A cena se desenvolve em um setor de psiquiatria adulta na região parisiense. O caso de um paciente esquizofrênico que vai particularmente mal é abordado em reunião. A discussão está animada, rica de vinhetas clínicas trazidas por todos. Durante a conversação, eu digo: “Ele está completamente louco nesse momento”. Silêncio incomodado, todos olham para frente. Após um tempo de pausa, a conversação recomeça sobre outra coisa, como se nada tivesse acontecido. Um colega psiquiatra me explicará: “Não se pode mais falar de loucura, isso não se diz mais”. É verdade.
Investigação sobre um apagamento
Eu já sabia, há muito tempo, que o termo doença mental tinha suplantado o termo loucura; que inúmeros loucos se encontram na rua ou na prisão; etc. Mas eu descobri lá, entretanto, o que é o corolário lógico disso: a loucura não é mais admissível em psiquiatria. O significante ele mesmo se tornou tabu. Silenciosamente obliterado. Politicamente incorreto.
Sempre excluídos, os loucos tinham um lugar no discurso psiquiátrico e no hospício. A exclusão lhes conferia um lugar. Lidaríamos, a partir daí, com a negação – até mesmo a forclusão – da loucura? Estamos nesse desenlaçamento antecipado por Michel Foucault (FOUCAULT, 1964/2002, 1973-74/2006), no qual a loucura e a doença mental terminam por se separar? À força de reduzir a doença mental à uma afecção orgânica chegou-se a “pasteurizar o hospital psiquiátrico” sem mais aí encontrar a loucura?
O silêncio embaraçado de meus colegas testemunha, apesar de tudo essa presença ainda quente de um real que não encontra mais como se nomear? O que é exatamente esse apagamento? O que é que o tornou possível? Quais são as consequências disso?
Engolir a doença (mental)
Não se fundamentando senão por dados quantitativos, o cientificismo estuda sua distribuição “sem referência a nenhum conteúdo significativo ou absoluto” (MILLER, 2004, p. 8). Nessa “ditadura da média”, a ideologia da objetividade das cifras se alimenta da vacuidade de sua significação. Nesse reino de quantificação desenfreada, joga-se uma cumplicidade implacável entre as exigências econômicas da Administração e a psiquiatria organicista, entre o Um gestor e o Um bioquímico ou neuronal.
Uma vez o psiquismo apagado, o qualificativo “mental” se torna uma relíquia incômoda; permanece “a doença”, simplesmente. Assim, se indica ao paciente que a “esquizofrenia é como o diabetes, é uma doença crônica”; detalha-se para ele os sintomas (todos deficitários); único recurso, tomar cuidadosamente todos os seus medicamentos para impedir a inevitável progressão do mal. O essencial não é o que o paciente teria a dizer, mas sim que ele engula a coisa. Às “velhas leis” [do hospital] (FOUCAULT, 1975/2002, p. 288): “Você não se mexerá, não gritará”, acrescentou-se esta: “Você engolirá” (neurolépticos, refeições, cuidados, explicações…). E Foucault (1975/2002, p. 289) conclui: “entre a loucura que não se quer mais e a cura que dificilmente se espera, [o] ‘bom doente’ [é] aquele que come bem”.
No entanto, atualmente a forma que toma a cifra quando ocupa o psíquico é o “significante-mestre, o sufixo-mestre, é neuro-” (MILLER, 2018). O cérebro é seu objeto primordial, a máquina é seu modelo original.
O homem-máquina: o “reset” do eletrochoque
O imaginário contemporâneo comporta uma “identificação à máquina”, nós tratamos ou gostamos de “ser tratados como uma máquina”, continua Jacques-Alain Miller. A língua está impregnada disso – acionada, encarnada, “estar no clima” disso ou daquilo…, robotizada, superexcitada, etc.
Eis o que esclarece a volta surpreendente do eletrochoque: “Neurologia: mudança a respeito do eletrochoque”;[3] “Psiquiatria: a incrível revanche dos eletrochoques”;[4] “A sismoterapia é particularmente brilhante contra a depressão severa”.[5]
Rebatizada “sismoterapia” ou “eletroconvulsivoterapia” (ECT), trata-se sempre de uma crise convulsiva provocada pela passagem de uma corrente elétrica no cérebro – entre 50 e 200 V (até 350 V), para uma intensidade de 50 a 800 mA. Mencionemos aqui que o custo dos eletrochoques é elevado, é um ato que “dá lucro”, principalmente às clínicas privadas.
Um novo padrão se impõe (GUELFI, ROUILLON, 2017, p. 660; SZEKELY; POULET, 2012), que promete o ECT como “o tratamento o mais eficaz da depressão severa”. Atualmente é admitido (senão preconizado) recorrer a ele logo de início (ao passo seu uso se limitava anteriormente aos casos resistentes à quimioterapia e que apresentem um risco vital). As indicações não esquecem ninguém (mulheres, grávidas, crianças, terceira idade). Se bem que “não consensuais”, elas se multiplicam em todas as direções, da primeira descompensação esquizofrênica até a adição à internet dos adolescentes…
Incrível, mas verdadeiro, poucos estudos tratam dos danos cerebrais causados pelos eletrochoques; grande parte desses estudos são antigos e insuficientes (SACKEIM et al., 2007). Em 2007, o primeiro estudo de envergadura conclui pela persistência de problemas cognitivos (memória, aprendizagem, pensamento).
Quanto ao mecanismo de ação, mistério… Alguns contam com “camundongos modificados geneticamente” por serem verdadeiramente deprimidos! As hipóteses são abundantes, evocam uma espécie de branle-bas de combat[6] para interromper as principais perturbações induzidas pela descarga elétrica. Sem se confessar explicitamente, o modelo que emerge dessas conjecturas se parece com a função reset de uma máquina.
Um problema, entretanto: a “taxa de recaída […] importante e precoce” após um tratamento de ECT (oito a doze sessões por algumas semanas). Pouco importa, os tratamentos “de manutenção” ou “de controle” são recomendados – ainda o modelo da máquina – para prevenir uma recidiva. Dentro de pouco tempo a adição aos eletrochoques?
… à lier[7]
A exacerbação da violência em psiquiatria ultrapassa a prática dos eletrochoques. Ela se deve precisamente a esse apagamento da loucura em proveito da saúde mental, aquela que “não tem outra definição senão a da ordem pública. Trata-se sempre do uso, do bom uso da força” (MILLER, 1999, p. 14). Negando a subjetividade, em nada querer saber do que os pacientes têm a dizer, nesses “confins onde a palavra se demite começa o âmbito da violência, e que ela já reina ali, mesmo sem que a provoquemos” nos advertia Lacan (LACAN, 1954/1998, p. 376).
Nada surpreendente, portanto, a inflação imoderada das medidas coercitivas (hospitalizações forçadas, isolamento, contenção). Em 2015, aproximadamente um quarto das hospitalizações foram feitas sem o consentimento de 100.000 pacientes concernidos (FAVEREAU, 2017),[8] ou seja, duas vezes mais que há dez anos. Surpreendente contraste com a ambição da Lei de 5 de julho 2011, que esperava limitar o recurso à força e garantir os direitos dos pacientes! O filme de Raymund Depardon, 12 dias, mostra isso de maneira de pungente: os pacientes são convidados a se expressar, mas a entrevista com o juiz encarregado de avaliar a medida, focalizada sobre a legalidade do procedimento, reduz sua palavra a uma casca vazia. Deste mal-entendido absoluto, o não-encontro redobra a alienação.
Da mesma maneira, a colocação em quarto de isolamento e a utilização das amarras de contenção vão crescendo, manifestando às vezes uma certa imprecisão entre cuidado e sanção disciplinar; para Geneviève Hazan, responsável pelo controle geral dos locais de privação de liberdade, as causas disso são múltiplas: a redução dos efetivos, a falta de formação das equipes…, mas também a amplificação mediatizada “de acontecimentos dramáticos, mas excepcionais” (CGLPL, 2016, p. 80).
Ora, a periculosidade, a passagem ao ato imprevisível, não é justamente o que resta (ou o que faz retorno) da loucura amarrada, negada, privada de subjetividade, extraída de toda psicopatologia? Do Daech[9] a Trump passando pelos fatos diversos, espelho de aumento disto que ameaça o laço social, a violência bruta, incontrolável, que angustia e fascina. “A loucura só existe em uma sociedade”, indicava Foucault, ela não existe fora das formas que a isolam, a excluem ou a capturam. Assim, o binário razão/não razão que servia para discriminar a loucura parece ter sido substituída por aquele da segurança/violência. “Cada cultura, afinal de contas, tem a loucura que merece” (FOUCAULT, 1961/2002, p. 150).
Eu “psychote”, tu “psychotes”… todo mundo delira
Mas a dissolução do par razão/não razão tem igualmente outros motivos muito sérios: todo mundo delira, e a partir de agora todo mundo sabe disso. Não se surpreende mais que, na rua, todos falem sozinhos – com ou sem telefone –, é uma simples questão de modalidades de aparelhagem com o Outro.
A coisa passou para a língua. É claro, Le vocabulaire pours tous, de Berscherelle, confirma como “tabu” o termo “louco”, substituído pelo intolerável “doente mental”; essa modificação da terminologia médica data do século XX, conforme o Dictionnaire historique de la langue française das Edições Robert. Por outro lado, “delirar” e “delirante” são completamente banalizados. Last but not least, “psychoter” fez sua entrada oficial no Petit Robert em 2013, depois no Larousse em 2015. “Parano”, “schizo”, circulam. Esses novos usos, deslocados, provocadores, irônicos, levam uma parte da carga de real associada a seu emprego original.
Eles atestam, entretanto, também uma perturbação profunda. Com a decadência do Nome-do-Pai, o “todo”, garantia de uma organização estável, não tem mais utilidade ou lugar, mostra J.-A. Miller. Não se crê mais nas classes. As distribuições estanques são totalitárias e ultrapassadas. O DSM aninhou-se assim na crise das classificações que afetavam a nosografia psiquiátrica (MILLER, 2011, 2017).
Da mesma forma, na segunda clínica de Lacan, a perspectiva do sinthoma “é a versão lacaniana de […] fragmentação das entidades clínicas no DSM. Não se trata da mesma fragmentação, mas é o mesmo movimento de desestruturação das entidades”, observa ainda J.-A. Miller. O enunciado Todo mundo é louco, proferido em seu tempo por Lacan, chama uma nova clínica, na qual o “sintoma se torna uma unidade elementar”.
A psicanálise não é um humanismo
Não esqueçamos que o DSM foi concebido não somente para negar a dimensão psíquica, mas também para combater a psicanálise (BERCHERIE, 2010, p. 635-640). Esse combate permanece eminentemente atual. Assim, financiado por dois laboratórios farmacêuticos, uma pesquisa sobre a “imagem da esquizofrenia” (L’ObSoCo, 2015) na imprensa se descobre ser um cavalo de Tróia para incriminar a psicanálise. Os argumentos são misteriosos. Os adeptos da organicidade têm, entretanto, razão sobre um ponto: a psicanálise carrega a dimensão da subjetividade e constitui um obstáculo maior à redução da loucura a um distúrbio orgânico.
Nessa configuração, protestos humanistas e voos literários são vãos. Face ao rolo compressor dos negativistas que se recusam a ouvir aqueles de quem deveriam cuidar, afiemos nossos conceitos e nossa clínica.
Há a loucura do mundo, há aquela que habita nossa abjeção a mais íntima e há a patologia psiquiátrica. Nós não temos saudade das classes perdidas. Mas nós sabemos que apagar ou negar as diferenças redobra a exclusão. Não negar a loucura é também abordar com rigor o real da psicose como tal.
De cada um, nós temos a aprender seu uso incomparável da língua, sua irredutibilidade absoluta, sua estranheza. A nos ligar às variações qualitativas do heterógeno, sem fascinação, sem romantismo, sem complacência.