Maria Rita Guimarães – EBP/AMP
Caro leitor,
O número 35 da revista Almanaque On-line inscreve-se na atualidade do trabalho de pesquisa proporcionado pela temática do XII Enapol, “Falar com a criança”. Em razão dessa convocatória, a Seção Clínica do IPSM-MG, com entusiasmo, consagrou-se ao tema no 1º semestre de 2025.
Se, em 2012, Jacques Alain-Miller formula a pergunta “o que é uma criança? Não é tarde demais para colocar a questão”, Lacan, em 1960-1961, orientava aos analistas a impedirem que o sujeito analisante respondesse à pergunta “o que sou?” com “eu sou uma criança”.
Tomar essa advertência de Lacan importa muito à clínica, pois desloca a ideia de desenvolvimento, que permitiria ter a cronologia como critério pelo qual os termos “criança” e “adulto” (este último pouco empregado no ensino de Lacan) excluiriam o sujeito analisante.
O que sairá da boca de uma criança, em uma análise, não será uma verdade que creditamos a uma certa “espontaneidade” provavelmente herdeira de nosso imaginário saudosista acerca da inocência de seu mundo. Tal como da boca de um adulto – para conservar os termos –, se algo vai se aproximar de uma verdade, advirá de outro território, fora do sujeito, ali onde há um buraco fora de representação.
Rosine Lefort, analista leitora fiel de Freud e de Lacan, reafirmou em diversos textos que infantil é a estrutura, isto é, o efeito do significante na constituição do sujeito do inconsciente, valorizando que a psicanálise é apenas uma. A leitura da obra de Freud do ponto de vista do infantil ensina o que se pode distinguir entre “criança” e “infantil”, dissociando infantil da teoria do desenvolvimento.
Dedicamos este número de Almanaque On-line, quase em sua totalidade, à abordagem do infantil. A rubrica Trilhamentos se inicia por um texto de Daniel Roy – a quem novamente apresentamos nossos agradecimentos pela generosa permissão para essa publicação –, no qual ele nos oferece um novo nome para criança, vindo de Lacan. Cito-o:
Tiramos proveito do último ensino de Lacan para liberar a criança dos ideais da infância e, para marcar essa ruptura, podemos nos aproveitar de um nome – P’titom – que vem sob a pena de Lacan, durante sua conferência sobre Joyce de junho de 1975, e que nos permite correlacionar a criança e suas ficções não mais ao verde paraíso dos amores infantis, mas ao sintoma.
Sim, P’titom ressoa com sintoma, uma maneira de cada um de nós lidar com a percussão da linguagem no corpo, o encontro caótico entre o significante e o gozo, como pura contingência.
São esclarecimentos que reavivam a importância da fórmula “Falar com a criança” evidenciada nesse texto: escutar o mundo próprio do sujeito, sempre original, tal como em Hans e em Alice no País das Maravilhas. Ao analista, cabe ler a marca singular da resposta do P’titom.
Falar do texto de Hélène Bonnaud inclui, primeiramente, expressar nossos agradecimentos pela amabilidade de nos conceder a autorização para sua publicação. Seu título? “O infantil”. Trata-se de uma escrita de inestimável clareza, em cuja transmissão oferece-nos uma passagem do conceito infantil vinda da clínica de Freud:
O que dizer, por exemplo, do sintoma de Dora de chupar o dedo, que marca a fixação em um gozo oral que decorre do autoerotismo (sugar o polegar), mas que também envolvia a ação de puxar a orelha de seu irmão, sentado tranquilamente ao seu lado? Freud […] observa que “trata-se de um modo completo de satisfação de si mesmo através da sucção”. O polegar, por um lado, e a orelha do irmão, por outro, constituem um gozo oral cuja manifestação é ilustrada em seu sintoma de afonia e posteriormente no de tosse. Lacan […] identifica essa cena como “a matriz imaginária em que vieram desaguar todas as situações que Dora desenvolveu em sua vida” – no que diz respeito às relações entre homem e mulher.
Falar de infantil é falar da clínica, tal como Almanaque 35 o comprova. Gilson Iannini, a quem agradecemos pelo texto tão original e surpreendente, percorre, à luz do texto “Transitoriedade”, de Freud, o conceito infantil através de dois excertos clínicos. Ensina-nos, via os exemplos, o que chamamos comumente de “neurose infantil”, em sua manifestação do que não cessa de se inscrever, modalidade do sintoma. A articulação entre tempo, iteração e gozo permite-lhe definir o infantil como “não é o que passou, mas o que insiste”.
Ludmilla Féres, a quem igualmente endereçamos nossos agradecimentos, joga luz ao tema pela via da perspectiva “sob transferência”, trazendo-nos as palavras de Rosine Lefort na condição de analisante de Lacan. Dois sonhos vão conformando sua passagem do lugar de dejeto para o lugar de objeto causa. Ler esse texto permite-nos uma chance rara de apreciação – através das palavras da analisante Rosine Lefort – do Lacan analista.
Encontros é um encontro… com a Seção Clínica. Sérgio de Campos, futuro diretor do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais, traz-nos um esclarecedor texto dedicado “aos jovens analistas”, como nos diz, desenvolvendo a história e a finalidade da criação da Seção Clínica, por Jacques Lacan. Para todos os leitores de Almanaque, uma leitura imprescindível.
Maria Wilma de Faria, diretora da Seção Clínica do Instituto, é a entrevistada de Almanaque 35. Assunto? Justamente, a Seção Clínica! Uma conversa que se inicia com a célebre pergunta de Lacan em seu texto de 1976 intitulado “Abertura da Seção Clínica”: “O que é a clínica psicanalítica?”. Na entrevista você encontra a resposta que Lacan mesmo se dá e, a partir dela, a formulação de Maria Wilma.
Vamos ler Almanaque On-line 35?
Baixe-o e leve-o com você!