HÉLÈNE BONNAUD
Psicanalista. Membro da Escola da Causa Freudiana ECF/AMP
Resumo
A crônica de Hélène Bonnaud explora a relação entre a pandemia do coronavírus e o confinamento dos sujeitos em casa. Consequentemente, a angústia diante da incerteza que acomete a todos irrompe diante desse real. As novas rotinas domésticas e laborais, a convivência aumentada com a família, a aposta midiática na prática de meditação e o aumento de divórcios são alguns efeitos deste momento que são ressaltados e examinados pela autora. Pela evidente amplificação do sentimento de solidão, a autora propõe um paralelo entre isolamento e solidão, levando em conta, contudo, as diferenças entre os dois.Palavras-chave: coronavírus, família, angústia, solidão, isolamento.
Abstract: Hélène Bonnaud’s chronicle explores the relationship between the coronavirus pandemic and subjects’ confinement at home. Consequently, the anguish at the uncertainty that affects everyone breaks out in the face of this reality. The new domestic and work routines, the increased coexistence with the family, the media focus on meditation practice and the increase in divorces are some effects of this moment that are highlighted and examined by the author. Due to the evident amplification of the feeling of loneliness, the author proposes a parallel between isolation and loneliness, taking into account, however, the differences between the two.
Keywords: coronavirus, family, anguish, loneliness, isolation.
Se houvesse apenas uma coisa para comemorar neste período de pandemia e, portanto, de angústia de morte, é que as crianças não sucumbem ao coronavírus. Mesmo sendo portadores, o vírus não causa o dano causado em adultos, especialmente em idosos. Se acreditarmos nos números, o coronavírus mata mais idosos do que jovens. A escala de idade encontra seus direitos. Há uma enorme diferença entre as gerações. Esse é um lembrete útil? Sim e não, já que muitos jovens se sentiram invulneráveis no início do confinamento e o recusaram, pensando que isso não os afetaria.
A juventude sempre esteve inconsciente, dizem. Esse é o seu ponto fraco, ou o seu ponto forte, dependendo do objeto com o qual ela não se importa. No que diz respeito à doença, ela sempre parece distante, e o sentimento de ter um corpo perfeitamente saudável engana a própria ideia de mortalidade. Mas, atualmente, o coronavírus tem mostrado que pode ser bastante virulento com certos jovens e que é necessário proteger-se dele, definitivamente, independentemente da idade. O caso da jovem Julie, 16 anos, infelizmente tornou minha previsão real; ela morreu após a escrita deste texto[3].
A injustiça, que atinge cegamente, é o signo do real sem lei com o qual estamos lidando. Ela se manifesta nessa lógica implacável de que ser jovem não é uma certeza nestes momentos em que a vida e a morte colapsam, e menos ainda uma garantia, mas, isso, já sabíamos. Sem dúvida, poderíamos ler ali o efeito do caput mortuum do significante de que Lacan (1966/1998, p. 55) fala em “Seminário sobre ‘A carta roubada’” e que constitui um furo no simbólico[4].
As restrições do confinamento
Estamos entrando na segunda semana de confinamento na França. A mídia nos inunda com seus conselhos sobre a melhor maneira de o suportar, seja em família, seja em casal, seja sozinhos. De fato, a família deve suportar a convivência a longo prazo; gerenciar as angústias de todos; encontrar soluções para garantir que o horário de trabalho de pais e filhos seja respeitado, sem mencionar a organização necessária para preparar refeições e resolver problemas de espaço compartilhado, etc. Casais com filhos pequenos estão reinventando a “guarda compartilhada” diariamente, cada um se revezando no cuidado com os filhos enquanto o outro trabalha. A vida profissional em casa obriga a redobrar sua concentração, e a vida familiar sem sair de casa pode se transformar em um pesadelo. A perspectiva de uma duração indeterminada do confinamento também causará picos de angústia ou raiva, medo e exaustão.
A sublimação é, sem dúvida, o processo de maior contenção. Muitos o utilizam: cozinhar, pintar, bricolagem, poesia, cantar, dançar, escrever, arrumar a casa e, mais prosaicamente, praticar esportes, “o grande protetor de nossa saúde física e mental”.
E os conselhos da mídia
A mídia nos explica, através de seus especialistas psiquiatras ou psicoterapeutas mais reconhecidos, que estamos diante de uma situação sem precedentes, em que a angústia de contrair a doença se manifesta como um trauma cujo principal sintoma, o atordoamento, penetra a capacidade de pensar, cristalizando o medo, que surge de um evento fora de sentido, fazendo vacilar as certezas sobre as quais cada um constrói seu mundo.
De fato, diante desse real, cuja natureza inesperada e invasiva muda a rotina de nossas vidas, cada sujeito deve encontrar uma solução para lidar com esse novo elemento, objeto invisível e ainda intrusivo, circulando sem o nosso conhecimento, verdadeira figura do contágio em larga escala, infiltrando-se principalmente através dos orifícios respiratórios nariz e boca. O isolamento necessário nos afasta uns do outros e dá consistência aos uns-sozinhos que somos.
A família, nesse sentido, é uma entidade particularmente sensível a essa catástrofe sanitária, porque os pais têm o dever de proteger seus filhos que devem, portanto, suportar as novas regras que lhes são impostas, tanto em termos de higiene quanto de convivência. Mas crianças pequenas e adolescentes não apresentam os mesmos problemas. Os primeiros estão sujeitos às ordens dos pais e podem apenas levar em consideração suas novas medidas. Para os adolescentes, a restrição do confinamento é mais difícil de suportar. “Como explicar essas restrições aos adolescentes?”, perguntou Léa Salamé a Serge Hefez[5] durante uma entrevista matinal. E isso para evocar a noção de “sacrifício” que os adolescentes devem consentir para proteger os mais velhos como sendo uma resposta que os ajudará a aceitar seu confinamento. Sacrificar-se pelo Outro, de certa forma.
Salientamos que essa ideia é encontrada em Freud, que associou o sacrifício à renúncia pulsional e, por conseguinte, tornou o sacrifício quase equivalente a uma restrição necessária do princípio do prazer em favor do princípio da realidade. Para estarmos juntos, devemos admitir que todos devem sacrificar algo de seu gozo. Esse princípio permite que a comunidade se organize para transformar sua produção habitual em novos objetos dedicados a salvar os doentes, apoiar os cuidadores e ajudar os mais frágeis. Diante do real, o desejo se coloca a serviço da causa comum pela sobrevivência do grupo. É justo!
A meditação revelada a si mesma
O mediático Christophe André[6] também apoiou a população confinada, defendendo os benefícios da meditação. Certamente, esta tem o mérito de ser uma terapia para esvaziar os pensamentos e oferece um tratamento que se parece muito uma “pausa” da mente. Mas, quando há superexposição, como é o caso atualmente, às angústias da doença e da morte pode-se perguntar como alcançar seu rumo em direção ao zen. E, se nossos pensamentos podem ser suspensos pela meditação, resta, porém, a questão de se saber como fazer quando eles retornarem.
De fato, como bem sabemos enquanto analistas, a compulsão de pensar é uma defesa contra o real e, como todo delírio, permite contornar o buraco do vazio que poderia sugar alguns. É assim que a análise, cuja prática consiste em ir duas ou três vezes por semana ao seu psicanalista, permite um esvaziamento de pensamentos, mas um esvaziamento de sentido orientado pelo desejo de saber, um esvaziamento operando em direção a uma historicização de sua vida psíquica. Essa experiência de palavras produz sua ordenação e elaboração simbólica e, de modo mais profundo, atinge o gozo ao encontrar maneiras de canalizá-lo e de tratar o excesso.
Trata-se de um trabalho que aprendemos com Freud, um esforço para dizer o mais próximo possível o que se passa. Os pensamentos, portanto, não se intrometem mais como fenômenos perturbadores que carregam muita angústia, mas servem para nomear a coisa. Um paciente, que vivia já confinado devido a um luto patológico, pôde me dizer que a frase que teve o efeito de chamá-lo para uma solução fatídica: “Gostaria que a Terra parasse para cair”[7] — extraída de uma canção escrita por Serge Gainsbourg e cantada por Jane Birkin, agora faz limite à sua tristeza porque, de fato, o mundo parou. Ele próprio se encontra aliviado porque não está mais sozinho em confinamento. O mundo do qual ele se defendeu excluindo-se não o ameaça mais. Os uns-sozinhos que são seus amigos juntaram-se a ele. O confinamento não o exclui mais. Ele se juntou ao Outro na privação da liberdade obrigatória.
E previsão de divórcios
Outros nos contam sobre a epidemia de divórcios que se segue ao confinamento na China e prevêem que esse confinamento a dois terá repercussões nesse aspecto. Certamente, estar sujeito à tensão de compartilhar a vida cotidiana 24 horas por dia pode ser a ocasião para fixações no comportamento de um ou de outro. Críticas furiosas, acessos de raiva ultrajantes e insultos guardados do “que estava no coração e o que não foi dito”, a situação pode se tornar explosiva. Os conflitos conjugais — traições passadas ou atuais, discórdia permanente, ameaças de separação, alcoolismo e adições diversas para falar apenas dos sintomas mais visíveis de um ou de outro — reaparecem nestes momentos de questionamento da vida, pois o confinamento leva a atualizar seu passado para pensar em seu futuro. O tempo presente suspenso assume um significado diferente dia após dia.
Há uma desregulação da temporalidade ligada à interrupção da vida “normal”. A própria noção de casal pode aparecer como uma entidade ilusória, pois cada um defende seu território, seu lugar adquirido à custa do outro, seus interesses de gênero e gozo pessoal. Enfim, o casal é um microcosmo a dois que pode ser explosivo, e, a saída pelo divórcio, a solução mais confiável.
Resta a solidão
A solidão está em primeiro plano. A sensação de estar sozinho pode ser acompanhada de uma angústia de abandono ou, pelo contrário, de isolamento forçado pela vontade de um Outro mau. Pensa-se especialmente nos idosos que vivem sozinhos, privados de visitas de seus filhos e netos. Mas existem todas as outras formas de solidão.
O confinamento convoca cada um a encontrar a distância certa de seu sentimento de solidão. Como Philippe La Sagna (2007) diz em seu notável texto “Da solidão ao isolamento”, no qual muitas frases fazem eco ao que estamos passando, a solidão e o isolamento não são do mesmo registro: “Para estar separado, é necessário ter uma fronteira comum. Temos uma fronteira comum com o Outro quando estamos em solidão, enquanto que, no isolamento, não há fronteira. O isolamento é um muro. E estamos na era da construção de isolados, já que cada um não sabe mais onde começam e onde terminam as fronteiras”.
Não sabemos onde começam nem onde terminam as fronteiras. O coronavírus pode mudar esse modelo de globalização. Mas, entre o isolamento e a solidão, há um muro.