MAGDA H. B. CASAROTTI
De Onde Vêm as Mães?
Os impasses que hoje vivem as mães trazem à tona um não saber fazer com o filho. No serviço de psicologia e direção escolar de uma escola de Educação Infantil, as perguntas mais frequentes são: como devo agir com esta criança? O que devo fazer para educá-la bem? O que eu faço para ser boa mãe? Por que a criança não vem com bula?
1.Maternidade e Sexualidade
A mãe de um menino de 4 anos procurou o serviço de orientação escolar para, em suas palavras, “tirar uma dúvida, bem rápido.” Ela queria saber se deveria ou não retirar a fralda do filho, visto que o mesmo não aceitava usar o vaso sanitário ou mesmo o troninho. A mãe interroga-se sobre o comportamento da criança que apresenta-se tão bem desenvolvido em vários outros aspectos, mas não em relação à retirada da fralda. Ela não sabia como fazer, pois tinha medo de traumatizar o filho. Em função do trabalho do pai, a família morou por 2 anos no exterior, e, de volta ao Brasil, a mãe, diz estar vivenciando muitas dúvidas com relação à criação do filho, visto que não foi orientada, passo a passo, sobre a melhor forma de realizar o desfralde da criança.
Outra mãe procura a psicóloga escolar para perguntar como fazer para que o filho aceitasse a alimentação normal, pois a criança alimentava-se somente com a mamadeira. “Diga-me, você que estudou os problemas das crianças, o que eu devo fazer para que meu filho coma normalmente?”. Com três anos de idade, a criança não aceitava o prato de comida, e a mãe acabava cedendo à solicitação do filho, batendo tudo no liquidificador e oferecendo na mamadeira. Angustiada por não seguir as orientações do pediatra, tampouco regularizar a alimentação do filho, quando interrogada sobre o que achava que poderia fazer, ela responde que tinha muito medo de causar algum trauma no filho, na medida em que o contrariasse.
E, assim, cotidianamente, mães apresentam um não saber fazer com o filho. Na contemporaneidade, a maternidade, enquanto representação da feminilidade, encontra-se destituída do seu valor, pois não é a “mulher-mãe” que é valorizada, mas a mulher sedutora, extremamente erótica, objeto de desejo e de consumo. Se, antes, a função materna era bem delimitada e definida pelas normas sociais, as mães possuíam um saber fazer com o rebento, hoje, impera o não saber fazer com a criança, existem outras condições próprias do feminino que fazem demandas. Há na mulher um desejo erótico e seu narcisismo tem outras fontes de satisfação.
No texto de 1914, Freud comentava as relações entre pais e filhos, explicando o amor e o investimento libidinal dos pais nas crianças, segundo a política dos ideais. “O amor dos pais, tão comovedor e no fundo tão infantil, nada mais é senão o narcisismo dos pais renascido, o qual, transformado em amor objetal, inequivocamente revela sua natureza anterior” (FREUD, 1014/1976, p.108)
A expressão “sua majestade o bebê” que se encontra no texto “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914) constitui uma fórmula freudiana para situar a criança, seu lugar e seu valor na estrutura familiar. A posição da criança, enquanto objeto da subjetividade materna, compensador de seu “a menos” de gozo, somada à demissão paterna, traz para a atualidade a tendência à objetalização do sujeito.
Em “Nota sobre a criança” (1969), ao articular o sintoma com a estrutura familiar, Lacan indica o efeito para a criança da queda do ideal.
“A distância entre a identificação com o ideal do eu e o papel assumido pelo desejo da mãe, quando não tem mediação (aquela que é normalmente assegurada pela função do pai), deixa a criança exposta a todas as capturas fantasísticas. Ela se torna o ‘objeto‘ da mãe e não mais tem outra função senão a de revelar a verdade desse objeto”. (LACAN, 1969/2003, p.369).
A família vela o traumatismo que está em jogo para o ser falante, ou seja, o gozo. É possível averiguar que a própria formação de uma família pode-se pautar no ideal de ser pai e de ser mãe como uma solução para a impossibilidade da relação sexual.
Diante da indagação de algumas mulheres sobre a possibilidade de ser uma boa mãe ou não, é possível pensar que o estatuto da relação mãe-criança, sob o escudo do drama edipiano e da castração, opera uma separação entre o sujeito e o objeto, e não uma pretensa relação harmoniosa entre a mãe e o filho. Não há relação de completude, pois é uma relação estruturada entre um a menos, a falta fálica, e o outro lado da moeda, o excesso, o mais de gozo. Não é possível um encontro harmonioso, sem mal-entendidos ou desencontros, pois nesta relação há o encontro com a falta, com a castração, seja do lado da mãe ou do lado da criança.
Na atualidade, ter um filho-falo não é a única forma de satisfação. Vive-se do corpo e do excesso no corpo espetacular. O corpo constitui uma fonte de prazer, de gozo inesgotável, e, paradoxalmente, de angústia e de sofrimento psíquico.
Freud introduz o desejo de ter um filho na dialética edipiana, ele não cessa de mostrar que há uma ligação entre a maternidade e castração, assim como não deixa de insistir em que a feminilidade é um enigma que resta aberto para a mulher, mesmo com a maternidade. Tal questão parece tomar outro destino para os pós-freudianos, que concebem poder a criança vir a ser o objeto capaz de reparar a falta na mãe, abrindo espaço para pensar numa completude possível, a ser reconstruída na relação mãe-criança.
Segundo Lacadée (1996, p. 74), os pós-freudianos, orientados pela relação de objeto, pela relação primária mãe-criança e pelo narcisismo primário, consideram que a relação mãe-criança é essencialmente dual. A criança é vista, por esses teóricos, como um ser em via de desenvolvimento, um objeto parcial, pronto para a satisfação com o objeto “adequado e harmonioso” que a mãe deve ser, ao aprender a interagir com a onipotência da criança.
Uma das versões que Lacan dá para a mãe é a de que ela é insaciável e ameaçadora por seu poder sem lei. Esta insaciabilidade refere-se ao modo próprio de a mulher tentar tamponar a falta, substituindo o falo pelo filho, operação que vai fracassar, pois vai sempre haver um resto irredutível de insatisfação.
É na relação com a mãe que a criança é experienciada como o que falta à mãe, ou seja, o falo. Se a mãe deseja o falo, a criança quer ser esse para satisfazê-la, colocando-se no lugar de objeto de desejo dessa mãe. É o desejo dessa que condiciona, estando o filho capturado no lugar de significante primordial do desejo (falo) permitindo à mulher sustentar o lugar de mãe.
A psicanálise nos orienta que, ao discutir a relação de uma mulher com a maternidade, deve-se considerar o caráter traumático do encontro do ser vivente com a linguagem, que vai desnaturalizar o ser mãe e transformar toda mãe em uma mãe “desnaturada”(Brousse, 1993). Desnaturada pela linguagem, pela sua divisão constitutiva, pelo seu inconsciente.
De acordo com Miller (2003), um dos efeitos da linguagem é o de separar sujeito e corpo, e esse efeito de cisão, de separação entre sujeito e corpo, só é possível pela intervenção da linguagem: é preciso fazer-se o corpo, não se nasce com um corpo. É no corpo mesmo que se faz presente o furo do sexo para as mulheres. Enquanto a mulher freudiana é situável a partir da carência fálica e de tudo o que vem compensá-la, por exemplo, a maternidade; na mulher lacaniana se enfatiza antes o que nela existe de suplemento como gozo: estar habitada por um gozo a mais. Esse gozo suplementar tem duas faces: o gozo do corpo, gozo que transborda o gozo localizado do órgão fálico, e o gozo da fala, que é o gozo que está no significante, sendo para ele exatamente o gozo erotomaníaco, um gozo sem limite, pois esse necessita que seu objeto fale.
A Mãe e a Metáfora Paterna
A mãe, na metáfora paterna, é reduzida ao desejo, que significa sua função de falta e de perda, é aquela que vai e que vem. Na medida em que a criança simboliza, depara-se com o par ausência-presença, ou seja, defronta-se com uma mãe que deseja alhures. Há um algo a mais, diz Lacan, a existência de uma simbolização primordial da mãe que vai e vem, o que permite algum acesso ao objeto do seu desejo, o falo. De acordo com o relato de Santiago 2001, o ponto nodal da “metáfora paterna” é:
“O processo de substituição do significante do desejo da mãe por um significante paterno, que faz do falo a encarnação da lei do desejo. “É do pai que depende a possessão, ou não, pelo sujeito materno, desse falo”, Essa é a condição da transmissão da lei da castração no plano simbólico: a mãe funda o pai como mediador de seu produto e diz “não” ao gozo, furtando-se a tomar seu objeto – criança – unicamente por seu valor de usufruto: “tu não reintegrarás teu produto” é a lei edípica, que se faz, então, valer.” (Santiago 2001, p.98)
A metáfora paterna tem, portanto, a função de dividir o desejo materno, ou seja, fazer com que a criança não seja tudo para a mãe. Esta metáfora será bem sucedida se for preservado o não-todo do desejo feminino, quando o ser da criança não recobre o desejo da mulher. O desejo da mãe deve se dirigir e ser atraído para um homem, o que exige que o pai seja, também, um homem (Miller, 1996).
Naveau (2001) afirma que a criança interroga sobre a sua mãe, uma mãe que ela divide, é no pensamento, no fantasma. Por outro lado, ela é sua mãe, mas não é a mulher do pai, pois, segundo Freud, na imaginação da criança, a mãe tem um amante e é considerada para o filho como essencialmente uma mulher infiel.
Laurent (1999) argumenta que, em geral, ao se pensar na relação mãe-criança, geralmente se fala da maternagem e não da sexualidade feminina. Entretanto, ele alerta, seria preciso pensar nos avatares da relação de uma mãe com seu filho e deslocar o acento da mãe para a mulher. Enquanto os homens falam das suas amantes, as mulheres se queixam dos seus rebentos. A criança parece ocupar o lugar da sexualidade das mulheres.
Concluindo
O lugar que o filho ocupará para a mãe vai depender do lugar que o inconsciente materno dará ao objeto surgido no real. Para a mãe, o desejo, que sustenta o fantasma e o gozo, tem a ver com o impossível de dizer e só é acessível pela interpretação que a criança fará do discurso, no qual está envolvida.
Miller (1998) aponta que transformar-se em mãe é uma solução pelo lado do ter. Ser mãe de seus filhos pode significar para uma mulher existir como A mulher, enquanto aquela que tem, a mulher rica.
As queixas apresentadas pelas mães na escola do filho apontam para diversos percursos trilhados por essas mulheres em busca da feminilidade, para a verdade singular de cada mãe/mulher.