Psicanalista. Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise- ELP/AMP |
g.dess.esp@cop.es
Almanaque: Em sua entrevista a Luis Salamone, no mês de abril, você disse que seria precipitado tirar conclusões sobre os atendimentos on-line e suas consequências. Agora, após oito meses, o que você pode dizer de suas percepções?
Gustavo Dessal: Em termos gerais, o resultado de minha própria experiência tem sido bastante satisfatório. Tenho descoberto que se pode manter uma análise empregando os meios telemáticos. Tenho a impressão de que os sujeitos que esperam da análise um benefício terapêutico, que não estão comprometidos com a formação analítica e só procuram um alívio de seus sintomas, se adaptaram muito melhor ao atendimento virtual. Talvez porque eles tenham menos preconceitos que os próprios psicanalistas e não se preocupem em estabelecer comparações. Para eles, é suficiente que esse método alternativo lhes sirva, lhes ajude a resolver seu sofrimento e lhes dê uma saída aos seus sintomas. Isso, sem dúvida, é algo que pode ser feito. Foi muito surpreendente para mim, e aconteceu a muitos colegas com quem conversei, que os analisantes que também são analistas (e que, como todos, têm atendido a seus pacientes on-line ou pelo telefone) sejam os que mais recusaram a possibilidade de continuar as suas análises desse modo. Ou seja, não para eles, mas para seus pacientes, sim! Ainda não tenho uma explicação para isso.
Dito isso, é evidente que uma análise por meios telemáticos não seja algo que possa substituir o encontro real. Não me parece que possam ser consideradas opções equivalentes, mas não acho que as sessões on-line tenham sido apenas um recurso alternativo, um substituto ante a impossibilidade de fazê-lo de outra forma. Foi assim que começamos, sem dúvida, forçados pelas circunstâncias. Mas agora devemos nos perguntar se o que podemos extrair dessa experiência é somente isso, que tem sido “melhor algo que nada”.
Penso que não é assim. Até agora, a psicanálise era uma prática que não havia sido afetada em quase nada pela tecnologia. Era uma espécie de “reserva natural”, em que se realizava uma tarefa que, em seus elementos fundamentais, não havia mudado em um século. O que aconteceu foi um questionamento de nosso dispositivo clássico. Não pudemos encontrar os pacientes pessoalmente. Tivemos que receber nossos honorários por meio de plataformas bancárias. De repente, toda uma série de questões que acreditávamos imutáveis, inquestionáveis e que faziam parte da “essência” da psicanálise, por assim dizer, sofreram modificações, e aconteceu de termos de colocá-las em suspenso e revê-las. Toda a vida, em seu conjunto, não voltará a recompor-se como era antes da pandemia. Foram introduzidas mudanças que, inicialmente, se implementaram como medidas emergenciais, mas, agora, vemos que modificarão de forma duradoura o panorama geral de como se trabalha, se estabelecem relações, se compra, se aprende, se ensina, se oferece atenção médica, etc. Do mesmo modo, a experiência que tivemos como analistas vai produzir mudanças permanentes. Quando o vírus for derrotado, um psicanalista poderá — e estará em todo seu direito — voltar a sua prática tradicional e não aceitar nenhum tipo de solicitação de atendimento on-line. Mas muitos outros o farão, e isso é algo que gradualmente mudará o padrão clássico. Se isso for acompanhado de uma discussão permanente sobre as consequências teóricas e clínicas, parece-me que estaremos perante a possibilidade de nossa prática manter uma conexão mais próxima com o mundo atual. Uma conexão crítica, é claro, uma conexão que não consista simplesmente em aderir à tendência geral que celebra o “tudo on-line”. Claro que não se trata disso. Mas insisto que não podemos reivindicar para nós uma prática que se mantenha fechada na bolha de uma pureza excepcional.
A.: Em relação a essas variáveis, a impossibilidade de escolha de uma outra forma de atendimento e os efeitos subjetivos da pandemia, que se impunham como temas prevalentes nas sessões on-line, como você tem percebido/avaliado a continuidade dos processos de análise após esse período?
G.D: Suponho que cada analista tenha uma visão diferente do que aconteceu na sua prática. A maioria dos meus pacientes, após um período inicial, em que a pandemia e o confinamento foram o tema principal, retomaram suas preocupações habituais. Para muitos, o assunto covid não foi motivo para distraí-los dos sintomas e fantasias que constituem o fundamental de seu trabalho analítico. Em certos casos, o confinamento ou o medo de adoecer desencadearam mal-estares latentes que, sob a nova situação, vieram à tona. Relacionamentos que foram afetados porque a convivência permanente revelou questões que já estavam em jogo. Algo semelhante ao que aconteceu no mundo. A pandemia mostrou a face oculta de cada sociedade, e o que vimos não foi muito agradável, podemos dizer…
Na Espanha, em particular, pude voltar ao meu consultório em junho do ano passado. A maioria das pessoas retomaram as suas sessões presenciais, mas mantêm-se on-line ou por telefone os que não moram em Madrid ou estão fora da Espanha. Esses analisantes costumavam vir mensalmente e tinham várias sessões em um ou dois dias. Agora, com as restrições dos voos e meios de transportes, somado à insegurança de viajar, continuam on-line. Mas mesmo nas análises que voltaram presencialmente, o recurso do telefone ou videochamada não desapareceu completamente. Durante a semana, sempre tem alguém que me solicita fazer a sessão virtualmente porque surgiu um imprevisto. Antes, isso significava que a sessão era cancelada e você tinha que procurar outro horário. Agora, essa possibilidade tem feito com que as ausências diminuam de forma notável. Esse é um ponto delicado, que deve ser avaliado um a um. O problema é que a opção telemática pode se tornar uma resistência para vir ao consultório, e que, como toda resistência, sempre pode haver um motivo aparente para passar do presencial ao virtual.
A.: Como tem sido o desafio de fazer existir a presença e o ato do analista nos atendimentos virtuais? Como o imprevisto, a contingência se presentifica nas sessões on-line? Há que se apostar mais na voz? Que lugar a tela passa a ocupar no setting analítico?
G.D: A presença do analista. Tenho insistido muito nisso, que não se confunda com a ideia ingênua da presença física no consultório. Um analista pode estar fisicamente presente, mas isso não garante que sua função esteja. A presença do analista tem uma relação direta com o conceito de “desejo do analista”. Não acredito que o desejo do analista vá desaparecer porque a sessão é feita por telefone, por exemplo. Freud fazia supervisões por correspondência. A contingência tampouco desaparece. Por que haveria de desaparecer? Acontecem coisas curiosas. Desde o paciente que não encontra seu telefone, ou a conexão da internet que cai, até a entrada de uma pessoa que mora com o paciente e interrompe a sessão, sem querer. Os efeitos de surpresa na fala do sujeito também ocorrem na tela. Há aqueles que preferem usar o telefone, sem a imagem, e outros que se sentem melhor ao ver o analista na tela. Da mesma forma que nas sessões clássicas, ofereço a alguns pacientes o uso do divã, mas não o imponho de forma alguma, deixo que cada um escolha o método de comunicação que deseja.
A.: A onipresença da tecnologia digital provocou, especialmente entre os mais jovens, uma adesão incondicional às relações sociais virtuais como uma nova forma de adição. Para tais sujeitos, viver no mundo virtual se tornou uma forma de suportar “as inclemências da vida”. Como um novo sintoma que vemos se estabelecer, você vê a possibilidade de que, para alguns desses sujeitos, uma psicanálise só seja viável virtualmente? Quais são as implicações dessa mudança em nossa práxis?
G.D: Não estou tão seguro de que a adição às redes sociais tenha aumentado tanto. Durante os meses de confinamento, foi um recurso indubitavelmente muito mais utilizado que o habitual, mas as adições aos videogames, chats, etc. já existiam. É possível que alguns jovens tenham se tornado adictos nessa época, mas não tenho dados que demonstrem que o número de “cyber-adictos” tenha aumentado acentuadamente. Percebi, pelo contrário, que o isolamento foi mais mal tolerado pelos jovens e que, assim que se pôde sair, organizaram encontros, muitas vezes violando as normas e restrições sanitárias. Acredito que os adolescentes e os jovens continuem preferindo as experiências “reais”, encontros, contato físico, à vida on-line. É verdade que há quem se refugie no mundo virtual para evitar ou, pelo menos, atenuar as contingências do mundo real. Nesse sentido, a internet é um instrumento indispensável para não se abandonar à solidão e, ao mesmo tempo, se proteger dos riscos que, para alguns, supõe o encontro com o Outro que pode existir em qualquer outro. Como em qualquer adição, a aderência ao uso dos dispositivos cumpre uma determinada função, que costuma ser necessária, vital, um ponto de capitón, ou um modo de tentar uma reparação no ajuste do Real, Simbólico e Imaginário. No meu livro Inconsciente 3.0 abordei esse tema e acredito que, entre os psicanalistas, exista um certo preconceito a respeito dos instrumentos tecnológicos que foram incorporados ao nosso cotidiano. Uma tendência a considerar que há algo como um perigo iminente. Por que nos parece a coisa mais normal do mundo mergulhar um dia inteiro na leitura dos seminários de Lacan e consideramos um sinal patológico que um adolescente fique horas diante de um computador? Durante o confinamento, as telas serviram para que muitas crianças pudessem suportar o isolamento e elaborar a angústia. Isso provocou um aumento muito grande no uso, mas quando as restrições foram suspensas, a maioria deles estava feliz de voltar à escola e encontrar outras crianças. Em todo caso, a adição às telas não é uma causa, mas antes um efeito de algo que é preciso analisar.
Existem alguns casos, particularmente certas formas de psicose, nos quais a virtualidade torna mais tolerável o encontro analítico, suaviza o sentimento persecutório e alivia o peso superegoico da transferência. Introduz uma distância, uma regulação das oscilações do gozo favorável à transferência. Ao contrário, em outros sujeitos, as sessões virtuais intensificam a dimensão da voz e do olhar, até o limite do insuportável. Mais uma vez, devemos dar uma resposta singular e implementar o modo que melhor se adapte às características do sujeito em questão.
A.: É possível vislumbrarmos uma mudança na concepção do corpo a partir do uso das tecnologias?
G.D: Acredito que, mais que uma mudança na concepção do corpo em psicanálise, as novas tecnologias nos permitem entender melhor os conceitos que já temos, fazer uma nova leitura do que Freud e Lacan pensaram sobre o corpo, especialmente o segundo, que, a partir da introdução dos quatro discursos, colocou uma ênfase especial no tema do corpo. Lacan não foi contemporâneo da revolução da internet, mas mesmo assim teve uma verdadeira clarividência do que estava por vir. Sua ideia sobre a aletosfera é um sinal de que tinha compreendido até que ponto a vida humana e o próprio conceito de sujeito estavam entrando em uma segunda desnaturalização. Se a primeira é a que a linguagem introduz, a segunda é a que resulta do fato de que o ser falante participa da mesma realidade em que se aloja o objeto técnico. O parlêtre é uma lathouse entre as outras, ele o é cada vez mais, de uma forma imparável. O delírio que nos últimos tempos tem circulado, o de que, com a vacinação contra a covid, vão nos inocular um chip 5G, tem o mesmo núcleo de verdade que qualquer outro delírio. Nosso corpo está atravessado por um discurso que exerce diversos efeitos sobre ele. Por sua vez, a presença do corpo nas tecnologias de comunicação, por exemplo, é absolutamente indiscutível. É incompreensível para mim que alguns analistas sustentem que o corpo está ausente nas telas. Suponho que não estão cientes das coisas que os sujeitos fazem com seus corpos através da internet e das modalidades de gozo que podem extrair nesse uso. O sexo virtual tornou-se uma possibilidade a mais no polimorfismo perverso do desejo.
Portanto, considero que o futuro do mundo nos exige uma mudança de posição, como a que tivemos que tomar, por exemplo, frente à transexualidade. Nós mudamos sobre isso. Compreendemos que, em muitos casos, trata-se de acompanhar o sujeito nesse trânsito, e não de lhe sugerir que reconsidere seu projeto. Algo semelhante tem que acontecer no que diz respeito ao uso das novas tecnologias e ao que pode ser válido para a experiência analítica.