Paula Husni
Membro da Escuela de Orientación Lacaniana EOl/AMP |
paulahus@gmail.com
Resumo: A autora faz referência ao encontro de Lilia Mahjoub-Trobas com Lacan e os efeitos de uma intervenção do analista que toca o corpo, ressoa e faz eco perturbando as defesas e inserindo um menos. Com seu corpo, o analista inscreve uma hiância ao se prestar a representar o não simbolizável do gozo. O analista advém no lugar do trauma ao provocar um vazio, o Um a menos que instaura a presença da falha da não relação sexual.
Palavras-chave: corpo, analista traumático, Um a menos, gozo.
What does one, signs
ABSTRACT: The author makes reference to the encounter between Lilia Mahjoub-Trobas and Lacan and the effects of an intervention by the analyst that touches the body, resonates and echoes, disturbing defenses and inserting a minus. With his body, the analyst inscribes a gap, as he lends himself to representing the non-symbolizable of jouissance. The analyst takes the place of trauma by provoking an emptiness, the One less he introduces the presence of the failure of the non-sexual relationship.
Keywords: body, traumatic analyst, One less, jouissance.
“Nada gera mais velocidade que aquilo que detém”
(MILLER, 1998, tradução nossa)
Em uma pequena nota, anterior ao começo do seminário “Los signos del goce” (MILLER, 1998), encontramos um esclarecimento a respeito dos diversos equívocos possíveis em torno do título desse seminário em francês — Ce qui fait insigne. Recorri a esse ponto para o título do meu comentário incluindo uma maiúscula ao Um.
É nesse mesmo seminário que Jacques-Alain Miller assinala que, diferente do hábito que indica sempre o mesmo, o que faz insígnia é o que faz que um não caminhe do parecido ao mesmo e abre o encontro com o que manca.
Penso que a intervenção escolhida do caso de Lilia Mahjoub-Trobas segue essa lógica apresentando um “encontro que pôs fim a uma série” (1995. p. 31) e produzindo um tropeço nesse caminho que ia do parecido ao mesmo. Efetivamente, prévio ao seu encontro com Lacan, relata oito tentativas malsucedidas, que não vão além da primeira entrevista ou de uma ligação telefônica. Todos sob um denominador comum: ninguém a cobra.
O que é que faz, do encontro com Lacan, Um que não faz série senão que a detém, descompletando-a?
Tomarei a intervenção a partir de seus efeitos: existe a experiência de um vazio que descompleta uma série e que persiste depois de ter deixado o analista. Isso verifica que o corpo foi tocado e que isso ressoa e faz eco; presença que perturba, que transtorna.
Proponho pensar que o que permite a operação de esvaziamento é a intervenção do analista no corpo representando o não simbolizável do gozo. É o vazio que instaura essa presença, o que retroativamente marca o Um a menos.
Lacan, no Seminário, livro 19: … ou pior (1971-72/2012), distingue o Um da série, da repetição, do Um que é marcado como tal a partir da inscrição de um vazio.
O Um que se repete faz série, contabiliza, mantém o corpo adormecido em um devir sincopado. A rasteira que subtrai interrompendo a contagem faz tropeçar e transtorna o corpo.
Nesse mesmo Seminário, estabelece que “o primeiro passo da experiência analítica é introduzir nela o Um, como o analista que se é” (LACAN, 1971-72/2012, p. 123).
E acrescenta: “Quando alguém me procura no meu consultório pela primeira vez (…) o importante é a confrontação de corpos. É justamente por isso partir desse encontro de corpos que este não entra mais em questão, a partir do momento em que entramos no discurso analítico” (LACAN, 1971-72/2012, p. 220).
Esse movimento se vislumbra muito bem em uma parábola do caso em três movimentos precisos:
“Não fez comentários quando lhe disse o que havia acontecido com aqueles a quem havia encontrado antes dele. Mas não manifestou nenhuma indiferença. Chegou um pouco mais perto — estava realmente muito perto” (MAHJOUB-TROBAS, 1995, p. 35, tradução nossa), afirma Lilia.
A mão é estendida junto com as frases: “Você me dará algo” e, depois, “Dê-me o que tem”.
No final do relato, situa-se bem esse ponto em que o corpo pode ser subtraído: “Vim ontem, mas você não pôde me receber, estava de cama. Como! — me disse —, claro que eu podia recebê-la!” (MAHJOUB-TROBAS, 1995, p. 35, tradução nossa).
Irei me deter no segundo tempo. Aquele que, junto com essa mão, desse corpo, instaura uma diferença com o resto da série, subtrai em ato, subtração no real. O que faz furo no saco para que haja Um (LACAN, 1971-72/2012).
“Você me dará algo” marca o instante que funda a inscrição de uma cessão de gozo. “Dê-me o que tem” é, por outro lado, uma frase que se presta ao equívoco. Para dar o que não se tem a quem não o é (LACAN, 1960-61/2010) é preciso, primeiro, instaurar uma hiância que produza um menos.
O sentido fica do lado do analisante, está claro. O analista dá um corpo a esse significante que o representa (LACAN, 2011).
A intervenção pode muito bem ser lida sob as coordenadas do analista traumático. Um analista que reduplica o efeito traumático da imersão do sujeito na linguagem já que “comporta, em seu centro, uma não-relação. (…) o analista ocupa o lugar da perda essencial do objeto. (…) ele consegue estar, ele próprio, no lugar do trauma” (LAURENT, 2004, p. 26).
O caso ilustra que, para que o analista advenha no lugar do trauma que descompleta o simbólico, deve se produzir uma hiância trazendo aquilo que não é do mesmo nível que a palavra: o corpo. Com seu ato, faz existir o que não existe (MILLER, 2003, p. 42) para fazer da falha estrutural da não-relação sexual um vazio que permita instalar a transferência a partir do Um a menos.
Tradução: Renata Mendonça
Revisão: Julia Buére