LAURE NAVEAU
FOTO: ATIVIDADE DE CHRISTINA FORNACIARI, “INVISIBILIDADE SOCIAL”. JOVEM DO PROGRAMA CAPUT.
Costuma-se dizer que a adolescência é uma passagem, um momento de conflito. Freud a nomeou puberdade, e Lacan a evocou em termos de real e de sonho. O poeta a chama de delicada transição, o psicanalista fala de mal-entendido, de despertar, de exílio, tentativas de nomear o que sobressai de um real que escapa às palavras e que pode levar a perder seu caminho. Acontece de um psicanalista ser chamado de passador do real da adolescência, e dessa inscrição em um outro discurso ter consequências.
Há E Não Há
A sexualidade não embaraça apenas os adolescentes, e se as coisas do sexo se tornaram mais acessíveis, se o discurso evoluiu – pela suspensão do recalque, em que a psicanálise tem sua parte –, o encontro com o outro sexo permanece um enigma: nenhuma resposta codificada convém, ele escapa a qualquer norma. O exílio é estrutural. O que se chama sexualidade é o que, para Lacan, faz um “furo no real”, e “como ninguém escapa ileso, as pessoas não se preocupam com o assunto” (LACAN, 2003, p. 558): é uma maneira de dizer que “não há relação sexual”.
Ao incidirmos a ausência de relação sexual sobre o adolescente, colocamos o destaque sobre o tempo de incerteza identificatória que lhe é próprio, tempo em que a separação da criança ideal que ele teria sido está em jogo. O que está em causa é o que se pode dizer, ou não se dizer, do mal-entendido que habita aquele que fala. O semblante do amor é a via que, com maior frequência, torna possível esse acordo entre os sexos. Mas se a sexualidade é causa de embaraço, “o amor é um labirinto de mal-entendidos” (MILLER, 2008). A psicanálise coloca, então, em cena, um paradoxo: Não há relação entre os sexos, por um lado; por outro, há uma relação possível ao corpo, ao falo, ao sintoma, ao gozo. Esse designador da existência revela, entretanto, ao mesmo tempo, um impasse lógico, aquele da solidão. É a tese lacaniana congruente com a primeira: a relação ao gozo isola, o gozo que há sublinha a não relação ao parceiro. A solidão está em jogo.
Jacques Lacan destaca particularmente a solidão como parceira da mulher, sobre o fracasso da união entre homem e mulher, a partir do gozo: “mesmo que se satisfaça a exigência do amor, o gozo que se tem de uma mulher a divide, fazendo-a parceira de sua solidão, enquanto a união permanece na soleira” (LACAN, 2008, p. 467). No Seminário A angústia, “o gozo do homem e o da mulher não se conjugam” (LACAN, 2005, p. 290), e, em Televisão, menção especial é feita sobre a maldição sobre o sexo (LACAN, 2003, p. 531), enunciada por Freud em O mal-estar na civilização.
Não há nenhuma fórmula matemática ou científica para escrever a relação sexual, mas, na língua, fórmulas românticas como “estava escrito” ou “foi fatal” tentam cifrar o que é da ordem da contingência. Lacan dirá mesmo que essas fórmulas acentuam a dimensão de semblante, de mascarada, de parada sexual “uma mulher só tem um testemunho de sua inserção na lei [fálica], […], através do desejo do homem” (LACAN, 2009, p. 65). O artifício do desejo do Outro dá sua inscrição ao sujeito. E, para o encontro, é preciso que uma mulher “caia bem”, diz Lacan, “que ela caia sobre o homem que lhe fala segundo sua fantasia fundamental, própria a ela” (LACAN, 1980, p. 16). Saber como cada um supre essa ausência, com o amor, com a fantasia – pois, esta, pode se escrever em uma fórmula – ou com o sintoma, é um dos pontos que está em jogo em uma análise.
O Feminino E O Tabu
O encontro de que se trata, no momento da adolescência, concerne o feminino na medida em que é a falta que está em jogo no feminino, o confronto ao que falta, para cada um dos dois sexos: o encontro amoroso não completa, mas descompleta, ele introduz a falta. Nessa perspectiva, é do lugar que um psicanalista poderá vir a ocupar em relação à falta que dependerá a possibilidade de ele se tornar ou não um parceiro que valha para um adolescente.
No texto de Freud sobre o “Tabu da virgindade” (FREUD, 1987, p. 175-192), é a mulher, inteiramente, que é tabu para o homem. Originalmente, escreveu Freud, o tabu foi colocado pelo homem primitivo que teme um perigo. A mulher, outra ao homem, estrangeira, incompreensível, é percebida por ele como inimiga. O homem teme ser enfraquecido pela mulher, contaminado pela feminilidade, e tem medo de se mostrar incapaz. O tabu é uma potência que se opõe ao amor pela mulher e que provoca um exílio entre os sexos.
A psicanálise intuiu, diz Freud, que
“a atitude de rejeição narcísica, misturada de desprezo, do homem em relação à mulher, deve ser atribuído ao complexo de castração e a influência deste complexo no julgamento feito sobre a mulher” (FREUD, 1987).
A tese permanece válida ainda hoje, quando assistimos, no mundo inteiro, a um ódio real, religioso ou não, dirigido às mulheres. A outra face do tabu é a tendência da mulher de se defender de uma ferida narcísica que lhe seria infligida pela defloração.
Ferida ou desprezo, a questão se situa por isso, entre valorização e desvalorização, entre agalma e palea, ou seja, do ponto de vista do valor. Lacan dirá também que a mulher, visto que se quer falar dela, “on la dit-femme” (LACAN, 1983, p. 114), fazendo equivocar o dizer sobre a mulher com a difamação.
Na fase fálica da infância, descrita por Freud, existe apenas um órgão sexual válido: o falo. A novidade de Lacan é radical: o falo não é tanto um órgão anatômico real, mas, sim, um significante; o significante fálico que introduz uma função simbólica e lógica no inconsciente. O significante recoloca o véu do pudor sobre o órgão fálico desvelado por Freud, Aufhebung. O pudor é o afeto próprio à operação de simbolização, uma posição subjetiva em relação à função do falo que faz com que um homem e uma mulher não demandem e não desejem da mesma maneira.
Apenas passando pelos desfiladeiros do significante, nos diz Lacan, a sexualidade se constitui. A questão é então deslocada: não se trata mais de ter ou não ter o falo, mas de ser ou não investido, falicizado, pelo Outro materno.
No desenvolvimento ulterior da lógica lacaniana, se a captura do sujeito na linguagem implica que o sujeito apenas habita seu corpo se a linguagem lhe atribuir um, logo, o osso do embaraço sexual se situa na própria lalíngua, nisso que, da linguagem não pode se dizer, nisso que, “da sexualidade, faz furo”. É desse estofo que é tecida “a infernal mordaça sobre a boca” da Princesa de Clèves, tecido desse gozo que só pode ser dito entre as palavras e que deixa cada um em exílio. “Aceitação de sua ferida”, dizia Freud, “de seu exílio próprio à linguagem” prossegue Lacan, reinventando o falasser, o que, com efeito, estará implicado em uma análise.
Elise, A Ferida E O Exílio
Há quinze anos, recebi uma menina de quatro anos que acabara de perder seu pai e que demandava “ter” um psicanalista. Ela tinha escutado falar bem da psicanálise em sua família e, por isso, o acesso lhe foi facilitado. A análise transcorreu em três ocasiões, durante sua tenra infância, até uma primeira solução do luto. Ela a retoma em sua adolescência.
Colocada precocemente no trabalho do inconsciente, Elise soube localizar, tal como uma etnóloga, o lugar de esperança que fora colocada por seus pais, bem antes de seu nascimento, e também da desaparição de seu pai, na sequência de um drama vivido pelo casal. Ela ainda ocupava esse lugar de esperança, e de uma maneira redobrada para sua mãe, que ficou sozinha após a morte de seu marido e teve muita dificuldade em suportar isso. Ela pode ver, então, que faltava algo à sua mãe em função da desaparição de seu marido: ela não ficou preenchida por seus filhos e desejava outra coisa, para além deles.
Elise constrói, então, o mito de uma vida que se tornou complicada em função da ausência de um pai amado, ferida inaugural da criança que o pai abandona. Mas ela aprendeu a dispensar isso e a se servir do que ele lhe havia transmitido – seu amor – bem como um uso inventivo e artístico do lápis, que ela pôde constituir como um ideal para atenuar os efeitos do abandono. Ela pode também, por algum tempo, mobilizar seu avô para acompanha-la às suas sessões após a escola, tornar-se a melhor aluna de sua sala e conseguir queixar-se de suas colegas, com propósitos que revigoravam cruelmente a perda paterna e, ao mesmo tempo, lhe davam um estatuto de exceção.
Uma nova etapa iniciou-se em seguida para a criança transformada em jovem, e ela pediu para rever-me, por ocasião de sua entrada na adolescência, mais uma vez apoiada por sua mãe, que fazia análise e tinha encontrado um outro homem que contava para ela. A adolescência, logicamente, confrontava Elise ao encontro amoroso e a seu cortejo de mal-entendidos, assim como à rivalidade com as outras meninas. Em função da perda precoce de seu pai, que a levava sempre a “não ter confiança em si mesma”, ela procurava, nas sessões, o suporte fálico que lhe faltava, e a fazia perder o norte e hesitar em suas escolhas.
Então, ela retoma a palavra para expor as dificuldades nas quais mergulhava em situações diversas de sua existência, que podemos resumir em três pontos:
– Junto à família de seu pai, que lhe lembrava sem cessar, e sem consideração, a perda do pai falecido, Elise não sabe como manter a distância necessária sem receio de feri-los.
– Junto a seus amigos, que, a seu ver, parecem mais leves e mais à vontade do que ela própria com os semblantes na relação entre os sexos, ela descobre que sua relação precoce com a falta, que parecia fragilizá-la, lhe deu um pequeno “mais”: essa vontade de analisar e compreender as coisas de seu inconsciente.
– Junto a seu namorado, enfim, ela descobre que mantém uma relação fundada mais sobre a fraternidade que sobre a sexualidade, o que contribuía para criar um hiato entre eles. Ela decide se separar dele.
Mais uma vez, então, Elise escolheu encontrar as palavras para tentar fazer de seu sintoma, de sua “falta de confiança”, algo que a ajudaria a crescer. Para se separar da expectativa e do olhar muito opressivo de seu entorno – o de sua mãe, que continuava a contar com ela para reparar sua perda narcísica – e para encontrar seu lugar no discurso, ela se empenhou a reencontrar o ponto onde as palavras haviam falhado em nomear a coisa nova à qual ela se encontrava confrontada, do lado do sexual. Decidindo conversar com seu namorado para retificar a relação que lhe pesava, na qual ela experimentava às vezes tédio e apreensão, Elise alivia o peso de sua angústia de decepcionar o outro, uma angústia persistente que ela reconhece como um traço de sua infância. Sua relação ao bem-dizer lhe permite suportar o olhar carregado de censura que ela percebia nesse namorado, em função de seu distanciamento dele.
Pelo poder que ela dá ao fato de não ceder de seu desejo em sua enunciação, ela sai do luto e do medo do abandono do outro. Ela encontra sua língua, eu poderia dizer, e sua inibição em fazer ouvir sua voz baixinha para nomear o mal-entendido ao qual ela estava confrontada desaparece.
Mas se ainda lhe é difícil separar-se da relação ideal que mantém com sua mãe, Elise está decidida a entrar para uma Escola de Artes aplicadas. Assim, ela espera tirar proveito de seus dons artísticos e de sua criatividade, heranças de seu pai, que lhe foram tardiamente reveladas, ao mesmo tempo em que garantia sua relação ao bem-dizer. O nome do pai é, assim, reestabelecido.
Tradução: Cristina Drumond
Revisão: Ana Lydia Santiago