MARGARET PIRES DO COUTO
FREDERICO BANDEIRA
Freud examina a puberdade no último dos Três ensaios, dando ênfase às metamorfoses que ela comporta. É a entrada na puberdade que anuncia o fim da infância, e, nesse contexto, Miller (2015) propõe que pensemos menos numa lógica evolutiva e mais numa topologia do corte. O novo emerge e agita esse corpo, que é desalojado da imagem ideal até então sustentada, exigindo um novo arranjo.
A experiência da psicanálise visa então a investigar esse momento e a permitir ao adolescente encontrar uma solução para esse novo que o agita.
O que seria esse real responsável pela metamorfose da puberdade? Como os jovens têm se arranjado com o novo que os acomete? Como a questão do sexo se inscreve para os jovens hoje diante de uma cultura que propõe não mais falar em diferença sexual? Como esse novo se inscreve e perturba o corpo? Quais arranjos esse falasser encontrará para inscrever esse corpo no discurso e na cultura?
1) O real da puberdade: o encontro com um gozo difícil de nomear
O real em jogo nas transformações do corpo, característico da puberdade, não pode ser reduzido a um real orgânico. O que se chama empuxo hormonal não deve ser entendido como um fenômeno exclusivamente físico, mas como um fenômeno de corpo. Corpo esse tomado por um gozo estrangeiro, não significantizado pela palavra e, por isso, experimentado como um gozo fora do corpo.
A irrupção de gozo constitui a emergência de alguma coisa diante da qual as palavras falham. Na puberdade, o sujeito depara-se com essa parte de desconhecido, em face da qual as palavras desfalecem, a ponto de se chocarem com um impossível de dizer, agitando tanto os corpos como o pensamento e tornando difícil sua tradução em palavras (LACADEÉ, 2011, p. 74).
O surgimento desse novo produz o que Lacan chamou de uma falha de saber no real. O que significa isso? Para os animais, o instinto é um saber no real que faz com que não haja nenhum problema quanto à relação sexual. Para o ser falante, esse saber no real não existe. Macho e fêmea não sabem o que fazer juntos e precisam da intervenção do Outro, da palavra do Outro, do discurso. Privado da solução animal do instinto, mas embaraçado com a pulsão em razão de sua inserção na linguagem, o sujeito, por razões de estrutura, encontra esse buraco, esse vazio na relação entre um homem e uma mulher. Trata-se, portanto, do encontro com a não relação sexual e da inexistência de saber no real quanto ao sexo.
O encontro com esse real, com esse gozo, traz consequências perturbadoras para a relação desse sujeito com o próprio corpo, com a imagem, com a língua, e pode levar tanto ao despertar quanto ao exílio.
O despertar do real da sexualidade, em vez de viabilizar a relação sexual, como se poderia esperar, pode suscitar o gozo das fantasias que afastam tal possibilidade. O despertar dos sonhos que os meninos adolescentes vão ter que enfrentar é malsucedido. No lugar de se relacionar com o Outro, ele se exila ainda mais em sua solidão (LACADÉE, 2011, p. 75).
Esse sentimento do despertar e do exílio do adolescente, que se articula com o encontro sexual, desterritorializa o sujeito de sua infância e antecipa a separação de sua família, de sua casa e de seus pais.
A queda dos semblantes paternos e das identificações fálicas
Freud, em seu texto “Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar” (1914), apresenta a tarefa mais essencial do adolescente: separar-se da autoridade de seus pais como o desligamento de seu primeiro ideal. Freud afirma: “Tudo que há de admirável, e de indesejável na nova geração é determinado por esse desligamento do pai” (1914, p. 288). Desligar-se do pai implica um trabalho de separação simbólica que, por sua vez, não deve ser entendido, como assinala Hugo Freda (1996), como “fazer sem o pai”. Sem pai, não há desligamento. O desligamento desse primeiro ideal permitirá ao adolescente encontrar outros modos de inscrição na cultura.
A identificação constituída como ideal do eu, produzida na saída do Édipo, faz traço e serve de base para que o sujeito se veja digno “de ser amado, e até amável”, permitindo-lhe ter uma ideia de si e orientar sua existência. O ideal do eu é o vetor sobre o qual a identificação constituinte se apoia. O ideal do eu equivale ao ponto de basta que estabiliza o sentimento de vida, que dá ao sujeito seu lugar no Outro (LACADÉE, 2011, p. 22).
Com a chegada do real da puberdade, o sujeito se vê privado da língua de sua infância, que sustentava a identificação constituinte de seu ser e o sentimento de vida. Esse ponto de apoio vacila e o sujeito se confronta com algo que, ao fazer “furo no real”, o reenvia a um vazio. Há, portanto, certo despedaçamento do imaginário com o surgimento desse real. Do lado da identificação simbólica, o sujeito precisará operar uma separação das figuras de seus pais e modular de outra forma seus ideais, de outra forma que não seja a modulação pela simples identificação paterna.
Desse modo, para que o adolescente avance para além da cerca simbólica da família, para que se abra para o mundo e afronte o inédito, ele precisará se servir dos traços e das experiências infantis à sua disposição, que servirão de ferramentas nessa trilha (FOCCHI, 2009).
A adolescência é, assim, essa delicada transição em que todo sujeito se encontra ao se separar do Outro. É o momento em que se separa do significante mestre ideal, quando é o caso, que até então lhe serviu de sustentação.
Em seu texto “Contribuições para discussão acerca do suicídio (1910)”, também interessante para pensar as questões dos adolescentes, Freud ressalta que esse é o momento da vida em que há o afrouxamento dos laços familiares, e, por isso, trata-se de momento oportuno para atos em que o sujeito se coloca em risco. Freud acusa a escola de não cumprir, nesse momento, uma função que lhe caberia: “não impelir os jovens ao suicídio” (FREUD, 1910, p. 217). A escola, como substituta da família, poderia enlaçar o jovem com a vida por meio da oferta de um saber que fosse transmitido mediante um desejo vivo, ancorado pelos educadores. O adolescente poderia encontrar ancoragens identificatórias no espaço escolar, que lhe serviriam de bússola nesse momento difícil da existência.
Damasia Freda, em El adolescente actual (2015), ressalta que, na ausência do ideal regulador, encontramos como sintoma contemporâneo entre os adolescentes a desorientação. Nesse sentido, é preciso que o tratamento analítico permita ao jovem encontrar algo, algum significante que possa servir de orientador na existência. Em seu livro, a autora cita a pesquisa que ficou conhecida como os “Nem-Nem”, também realizada no Brasil pela Fundação Getúlio Vargas. Em 2013, a referida Fundação divulgou um dado alarmante: o Brasil tem hoje 1,5 milhão de jovens com idade entre 19 e 24 anos sem trabalho e fora da escola. Em face da desorientação promovida pelo declínio do ideal, os jovens aderem, com frequência, a discursos tanto religiosos como políticos de caráter totalitário, sem nenhuma dialética.
A mesma autora, ao citar os trabalhos de Hélène Deltombe, aponta que a adolescência se converte em uma etapa em que cada um busca seus apoios – sobretudo por meio de seus semelhantes – em identificações recíprocas que fundam modos de vida. Os sintomas podem se articular ao laço social e se converter em epidemias, tais como o alcoolismo, a toxicomania e a delinquência, acentuando seu traço de rechaço ao Outro. Trata-se de grupos em que se apaga a alteridade e que, ao permanecerem numa identificação horizontal, ganham uma consistência imaginária, que conduz à segregação.
2) Corpo e sexuação
O encontro com o real da puberdade, com aquilo que faz furo, perturba a vivência íntima do corpo e traz inquietações. O corpo torna-se o lugar onde se atualizam os problemas da identidade e do gozo indizível.
Algo agita o corpo, e, com frequência, o adolescente percebe as modificações de seu corpo como sendo outro corpo. O enlace da imagem do corpo com o corpo pulsional, que até então sustentava o corpo simbólico da criança, se modifica. O corpo tomado como semblante fálico, ou seja, como substituto do que falta à mulher e como equivalente do desejo do Outro, se encontra perturbado pela irrupção do gozo, fazendo com que o adolescente perca o suporte imaginário. Opera-se então uma desconexão entre seu ser de criança e seu ser de homem ou de mulher, que tinha sido constituído a partir do espelho do Outro, do desejo desse Outro. Lacadée (2011) sugere a noção do surgimento de uma mancha negra no campo dessa imagem, mancha essa que muito angustia o sujeito. Podem surgir, nesses momentos, os fenômenos mais diversos, como despersonalização, sensações de falta de limite, errâncias e produções de marcas no corpo, que visam a limitar e a localizar o gozo.
A ausência de uma resposta acabada e conclusiva sobre o seu ser sexuado no simbólico ganha, para o adolescente, valor de colocação à prova em relação ao real. Ele precisará agora subjetivar esse novo modo de ser. Os meninos e as meninas já não sabem o que fazer e vão procurar encontrá-lo no discurso.
A metamorfose que a puberdade produz é, assim, uma nova e radical distinção entre o menino e a menina. Até então, bastava que a distinção entre eles fosse uma distinção significante. Agora se trata de como se diferenciar a partir da relação com o outro sexo. É assim que a diferença menino e menina se extrai da diferença na linguagem e da diferença imaginária igual/não igual para se transformar numa diferença difícil para o sujeito de suportar e de subjetivar. O sexo deixa de ser apenas um fato de semblante, enquanto significante, e encontra o gozo sexual, que se destaca do corpo e se introduz entre os dois sexos. Os dois sexos se diferenciam por sua relação com o gozo sexual. Esse gozo fora do corpo é novo em relação às satisfações sexuais da infância, ligadas ao corpo e aos objetos pulsionais. Durante a infância, os semblantes entre os sexos estão sustentados e regulados pela autoridade dos pais. Mas, na puberdade, o real, esse novo que invade, rompe com essa dimensão do semblante, e o sujeito terá que se virar com isso (ROY, 2009).
O significante fálico é aquele que poderá operar no inconsciente como regulador do gozo, distribuindo o gozo de acordo com a diferença dos sexos. Falar de sexuação é, de alguma maneira, assumir inscrever-se de acordo com o significante fálico. A sexuação dependerá do encontro do corpo com o significante fálico que opera a significantização tanto da diferença sexual como do gozo, que o parasita e o agita (BRODSKY, 2003).
Quando esse significante fálico está ausente ou opera de forma muito precária, quais são as consequências para o campo da sexuação? De que tipo de artifício o sujeito poderá lançar mão na construção das identidades sexuais? Qual é o efeito hoje do apagamento da exceção e da diferença – presente na máxima do “todos iguais”, inclusive dentro da política de igualdade gêneros – para a sexuação?
Algumas respostas contemporâneas dos adolescentes ao real da puberdade
A adolescência é um dos momentos em que mais do que nunca a não relação sexual reaparece para o sujeito. Ao encontrar-se com a inexistência do Outro, o adolescente produzirá sua resposta sintomática. Trata-se, por conseguinte, de um arranjo particular com o qual ele organizará sua existência, sua relação com o mundo e sua relação com o gozo.
Stevens (2013) enumera uma série de possíveis respostas, por ele nomeadas intomáticas, que os adolescentes podem construir diante do real da puberdade. São respostas com o saber: quando eles se tornam apaixonados pela pesquisa e esse saber sobre o mundo torna-se um substituto da falta de saber sobre o sexual. Respostas em relação às identificações: os sujeitos inventam identificações imaginárias ou simbólicas, fundamento dos grupos de adolescentes. E uma terceira série de respostas em relação à fantasia que falha: os atos, sejam as passagens ao ato, sejam os acting-out. Quando falha o sintoma e surge o real sem borda, temos os atos como resposta.
Em todas essas respostas está em jogo o Outro, são respostas que jogam com o Outro. Na contemporaneidade, temos outra lógica: dispensar o Outro, sem dele se servir. Não se trata, como afirma Stevens (2013), do pai como sintoma, mas, cada vez mais, da dificuldade de responder com o pai, na medida em que há um declínio da função paterna. Quais seriam os efeitos disso sobre a adolescência?
Para Miller (2015), é sobre os adolescentes que se fazem sentir, com maior intensidade, os efeitos da ordem simbólica em mutação. A principal mutação diz respeito ao declínio da função paterna, que se degradou. Os registros tradicionais que ensinavam como ser um homem ou uma mulher não existem mais. A transmissão do saber e as maneiras de fazer escapam à voz do pai.
Outro efeito dessa mutação simbólica destacado por Miller se dá em relação ao saber. Miller o nomeia autoerótica do saber. Segundo ele, a incidência do mundo virtual faz com que o saber, antes depositado nos adultos, ou seja, no Outro, esteja agora no bolso, facilmente disponível, dispensando a mediação desse Outro. Antes, o saber era um objeto que se precisava buscar no Outro, era preciso extraí-lo do Outro, o que necessitava uma relação com o desejo desse Outro.
Na relação com o corpo, também encontramos soluções que revelam a presença do opaco e do indizível, presenças que resistem à subordinação da palavra e são portadoras de um tumulto pulsional, que pode conduzir ao pior. Por meio do pôr-se em risco, algo do gozo do corpo pede para ser limitado e regulado por uma marca simbólica, uma vez que a ordem da castração não opera. Por não receber essa marca do Outro simbólico, o adolescente a providencia sozinho.
Como ensina Lacadée (2011), o jovem trata e esfola seu corpo, cuida dele e o maltrata, ama-o e odeia-o com intensidade variável, ligada à sua história pessoal e à capacidade de seu entorno de lhe oferecer os limites necessários para refrear o gozo. Quando os limites não comparecem, o jovem os busca na superfície desse corpo. Ele testa os limites físicos, colocá-los em jogo para senti-los e apreendê-los, a fim de que possam conter o sentimento de identidade. Produz “marcas” corporais, criando uma espécie de nova pele, por meio das tatuagens e piercings, por exemplo, mas que podem chegar a ferimentos corporais deliberados: incisões, escarificações, etc. Outros podem fazer dos objetos mais diversos, inclusive os tecnológicos, uma extensão do próprio corpo e utilizá-los como modos de amarração.
Os adolescentes contemporâneos se apresentam frequentemente sob o signo do excesso. A demanda do Outro é recebida como um imperativo tirânico, e, por outro lado, os produtos de consumo encontram-se na lógica da adição (ROY, 2009). Eles ficam submetidos a uma ordem de ferro e são levados a escolher um modo de gozo que evite a questão sexual, um gozo-fora-do-sexo. A toxicomonia e também a anorexia-bulimia jogam com o consumo, com o vazio e com o pleno, mas ambas envolvem um gozo autista, ou seja, que pode ser obtido sozinho, sem o Outro.
Finalizo com uma indicação que extraio do texto de Hugo Freda (1996): se a passagem da infância à adolescência desaloja o sujeito de sua língua e de seu corpo infantil, é preciso então que ele possa encontrar novos modos de inscrição no mundo e de re-constituição de seu Outro.