VILMA COCCOZ TURINETTO
FOTO: JOÃO PERDIGÃO
Não Há Adolescente Sem Outro
Definir a adolescência como “a mais delicada das transições” (HUGO, 1971, p. 20) – feliz achado que Philippe Lacadée (2011) nos faz compartilhar – permite conceber essa saída da puberdade numa lógica de discurso, e não simplesmente como etapa do desenvolvimento biológico.
Freud compara a metamorfose da puberdade ao fato de “escava[r] um túnel dos dois lados ao mesmo tempo” (FREUD, 1987a, p. 144): portanto, um furo tendo uma extremidade que fura a autoridade, o saber, a consistência do Outro e a outra que perturba a vivência íntima do corpo. Do modo como Freud formula essa metáfora, deduzimos que construir um túnel é também atravessá-lo; a saída dependerá do contorno e da localização correta do furo que afeta o saber e daquele que concerne o gozo. Se, aplicando-a a esse trajeto particular da vida, mantivermos firmemente esse princípio psicanalítico de que não já sujeito sem Outro, isso toma o valor de um axioma: “Não há adolescente sem Outro”, a saber – além dos pais, professores ou tutores –, a instituição ou o analista. As respostas, a posição dos adultos que virão ou não investir a função do Outro, adquirem uma importância fundamental, decisiva, para a entrada e para a saída do túnel.
Seria mais pertinente falar de adolescências, no plural. De fato, cada adolescência, estando ligada a uma experiência subjetiva e a uma história particular, sua modalidade “crítica” e a forma que tomará sua conclusão, não pode ser generalizada nem padronizada. De um ponto de vista estrutural, o sujeito se encontra nessa passagem da vida, seja numa dialética com o Outro e sua inconsistência seja em ruptura com ele, com um sentimento de errância, de estar abandonado, desamparado, desorientado diante do que lhe é dado viver.
Depois de anos de experiência, podemos afirmar que, na clínica da adolescência, há lugar para operar uma subjetivação da dificuldade estrutural à qual o jovem ou a jovem são confrontados. Mas é preciso admitir também que essa operação requer frequentemente um trabalho de elaboração, uma participação decidida da parte dos adultos de referência. É habitualmente necessário sustentar uma série de entrevistas com a família com o objetivo de dar a palavra ao sujeito. Que ela seja hesitante, atrapalhada, arrogante, reivindicadora, conciliadora ou mentirosa, a palavra, uma vez instalada no dispositivo analítico, toma então valor de enunciação particular levada em conta pelo Outro; fato acompanhado, nos casos de conflitos inflamados, de diálogos rompidos ou impossíveis. Durante as entrevistas com os pais – juntos ou separadamente – e o adolescente, o analista tem a oportunidade de colaborar, em ato, no momento delicado da separação e da diferenciação das diversas subjetividades implicadas. A adolescência de um filho ou de uma filha deve ser subjetivada pelos pais em sua dimensão verdadeira, tal como um luto libidinal que os afeta e os concerne: a satisfação que a criança trazia ao narcisismo de seus pais se esfacela, é preciso que ela se aloje em outro lugar. Esse lugar novo não é concebido antecipadamente, ele se constrói laboriosamente, a partir desses dois furos que se revelaram: aquele relativo ao Outro e aquele relativo ao corpo. O trabalho de educação não está acabado, e essa situação nova requer uma delicada alquimia entre, de um lado, o respeito do território da criança – seus gostos, sua intimidade, seus desejos –, e, de outro lado, a responsabilidade dos atos de um menor que não se trata de abandonar à sua sorte. E tudo isso, mesmo se a criança se obstina nas vias contraditórias ou afastadas das expectativas, dos ideais paternos e apesar dos sentimentos de ambivalência que o sujeito manifesta ou provoca.
O adolescente tropeça no real do discurso, nessa questão essencial do ser falante: como fazer com o gozo? Ora, esse encontro com o limite do discurso é precisamente o que mina a autoridade da palavra do adulto e gera um choque emocional. É por essa razão que aqueles que imaginam erroneamente que basta informar e esclarecer se chocam com o fracasso esmagador da educação sexual, das estratégias de prevenção da gravidez e do consumo de entorpecentes. Diante da inevitável degradação da autoridade, alguns adultos adotam comportamentos extremos – rigidez ou permissividade exageradas – numa tentativa desesperada de recuperar uma influência enfraquecida. Às vezes – em caso de falsa saída de sua própria adolescência – o pai ou a mãe, numa identificação infeliz com seu filho, tentam uma cumplicidade entre “amigos” e trocam confidencias, às vezes obscenas, sobre as dificuldades que eles encontram com seu próprio gozo. É essa espécie de tentativa que justifica o termo de “adulterados”, com o qual Lacan (2008, p. 321) qualificou os adultos.
Compreendemos assim a importância da resposta desses últimos, se considerarmos que, nessa época da vida, se reedita no inconsciente a questão inaugural do sujeito quanto ao desejo do Outro: de que desejo eu nasci? Quanto valho para o Outro? Ele pode perder-me? Esse momento ganha uma importância especial aí onde justamente o adolescente é convocado a afrontar a “declaração de seu sexo” (LACAN, 1967): espera-se que ele formule ou que ele defina sua identidade sexual. A ausência de uma resposta acabada e conclusiva sobre o ser sexuado no simbólico o coloca à prova em relação ao real. Isso toma uma dimensão traumática e angustiante, e dá lugar a uma desintrincação pulsional, uma crise do desejo, do gozo da vida, tendo como consequência um crescimento da incidência da pulsão de morte.
Não há manual de instruções que garanta uma saída honrosa do túnel: em sua travessia, o sujeito experimenta intensamente o non-sens da vida, o que desencadeia uma afluência desenfreada de sensações e de afetos tão fortes quanto contraditórios, assim como a tentação da morte, pensada, imaginada ou fantasiada. Uma inclinação por temas escabrosos surpreende seu círculo que percebe uma espécie de júbilo em cultivar pensamentos e interesses sombrios e sinistros. É por essa razão que a eventualidade de comportamentos de risco ou francas tentativas de suicídio são uma constante preocupação na clínica psicanalítica com adolescentes.
O próprio Freud foi chamado a intervir sobre esse tema em 1910, num simpósio onde foi colocada a questão sobre a responsabilidade a ser atribuída aos professores nas passagens ao ato suicidas de seus alunos. Em sua intervenção, Freud manifesta uma visão muito aguçada sobre os responsáveis pela educação diante desse momento da vida. Alguns instantes antes de sua exposição, um professor havia intervindo, tentando inocentar os professores pelo final trágico como o de certos jovens, argumentando que esses atos infelizes tinham igualmente lugar em camadas desfavoráveis (não escolarizadas). “Mas o colégio [responde Freud com ironia e justeza] deve fazer mais do que não pressionar os jovens ao suicídio; ele deve lhes proporcionar o anseio de viver e lhes oferecer sustentação e ponto de apoio numa época de suas vidas em que eles são pressionados, pelas condições de seu desenvolvimento, a afrouxar sua relação com a casa parental e com sua família. […] A escola não deve nunca esquecer que ela trata com indivíduos ainda imaturos, aos quais não pode ser negado o direito de se atrasar em alguns estádios, ainda que incômodos, de desenvolvimento. Ela não deve reivindicar para sua conta a inexorabilidade da vida, ela não deve querer ser mais do que um jogo de vida” (FREUD, 1987b, p. 217-218).
A lucidez da reflexão de Freud nos toca particularmente em nossa época, na qual vemos crescer a cada dia o caráter definitivo de certos julgamentos sobre os jovens, da parte dos professores e dos avaliadores, tomando assim a forma de uma inexorável sentença do destino. Numerosos são esses pequenos jovens que, diante desses julgamentos, abandonam toda tentativa de se recuperar, se declarando “incapazes ou um zero à esquerda” por causa de seus fracassos ou de suas condutas.
Para Maria, felizmente, as consequências nefastas que já surgiam puderam ser evitadas, sua entrada no túnel da puberdade tendo precipitado uma demanda de análise. Tudo começou por um grande acting out: um desmaio com convulsões que a enviou ao serviço de urgência, num susto geral. Depois de terem submetido a criança a todo tipo de teste, concluíram que ela “não tinha nada” e, graças à intervenção de um parente, a psicanálise cruzou sua vida. As crises diminuíram imediatamente e Maria conseguiu inverter o preconceito que já se reforçava quanto a seu comportamento. No tempo das primeiras entrevistas, se destacava de suas afirmações a tensão na qual seu sintoma se articulava ao discurso do mestre. Ela tinha constatado a incidência que podia ter sobre a popularidade de uma jovem de seu colégio uma infelicidade ocorrida na vida pessoal desta. À imagem dessa contaminação histérica de crises de choro num internato que Freud descreveu, e no momento sensível do início da sedução e da formação das alianças e das leaderships, Maria havia detectado que as ausências (devidas a dificuldades na vida familiar) de colegas assim “distinguidas” ganhavam um valor na consideração do Outro encarnado por um professor. O acting-out respondia a uma lógica inconsciente complexa que se elaborou ao longo das sessões, enquanto que o sintoma desaparecia da cena com a descoberta pela criança da trama inconsciente na qual ela estava tomada. Esse avanço não foi feito sem os pais que, passado o estupor inicial, tiveram que admitir uma mudança total da parte de uma criança até então exemplar. Operou-se então uma mudança na maneira deles considerarem sua filha; eles compreenderam que esse momento particular atravessado por Maria exigia, entre outras coisas, “distingui-la” por um tratamento especial em relação a seus irmãos menores. Até então, ela era simplesmente tratada como a mais velha de uma série, sem diferença particular.
Para além da cronologia, é preciso o desenrolar de um tempo lógico, com uma conclusão que faça ponto de basta, limite vital, onde a saída do túnel ganhe, no melhor dos casos, a forma de um projeto de vida.
O Percurso Do Túnel
A respeito da incorporação da estrutura, devemos precisar que, nessa encruzilhada da adolescência, observam-se alguns invariantes. É verdade que essas mudanças na relação com o gozo, pela qual nossa civilização é atravessada, atribuem a essa encruzilhada uma notável especificidade; entretanto, observamos – apesar de tingidos pelo discurso contemporâneo – algumas coordenadas comuns a todas as épocas. Sobre essas invariantes, o livro de Robert Musil intitulado O jovem Törless, publicado em 1906, continua tendo um enorme interesse para nós. Esse livro descreve de modo magistral essa travessia do túnel vivida por um jovem, onde os adultos estão implicados, a importância dos pares, dos semelhantes, aparece aí em toda a sua dimensão. Estranha e fundamental experiência de socialização que afeta a sexualidade, com a violência sórdida que pode acompanhar o tormento e as tentações.
A primeira cena do romance se desenvolve numa pequena estação de uma estrada de ferro; pais se despedem de seu filho que parte para uma escola renomada aonde são enviados os filhos das melhores famílias. Apesar de ele próprio ter insistido em conquistar esse nível de sua formação, “essa decisão deve tê-lo feito chorar muito […] as saudades de casa o invadiam, com uma terrível violência” (MUSIL, 2003, p. 8), nem os jogos nem as distrações dos internos o interessavam:
Ele escrevia para sua casa quase cotidianamente, e não vivia senão nessas cartas; todas as suas outras ocupações lhe pareciam incidentes insignificantes, irreais […] O estranho é que essa paixão súbita e devoradora por seus pais era inesperada e bastante desconcertante aos seus próprios olhos […] Houve alguns dias nos quais ele tinha se sentido relativamente bem, depois isso o havia tomado repentinamente, com a violência de uma tempestade. Saudades, nostalgia de casa, se dizia. Na realidade, tratava-se de um sentimento muito mais vago e complexo. […] Assim, Törless não conseguia evocar a imagem daqueles que ele chamava então comumente, para si só, de seus “queridos, queridos pais”. Se ele tentasse fazê-lo, não lhe vinha a imagem, mas o sofrimento sem limites cuja nostalgia o atormentava alimentando-o, porque essas chamas ardentes eram ao mesmo tempo dor e deslumbramento. Também o pensamento de seus pais não foi logo mais para Törless nada além do pretexto para acordar esse sofrimento egoísta que o trancafiava em seu orgulho voluptuoso” (Ibidem, p. 8-9).
Essa passagem ilustra bem o modo subjetivo pelo qual o túnel se escava, até que o menino tome consciência, claramente, que de fato: “elemento positivo, uma força interior, alguma coisa que havia desabrochado nele sob a cobertura do sofrimento” (Ibidem, p. 9). Do outro lado do túnel, o furo relativo ao corpo e ao narcisismo se abria igualmente deixando aflorar uma angustiante sensação de fragilidade: “Assim, ele mesmo se sentiu empobrecido e frustrado, como uma jovem árvore que, depois de ter inutilmente florescido, afronta seu primeiro inverno” (Ibidem, p. 10).
O autor descreve claramente a posição dos pais do personagem: nem os sofrimentos do primeiro período que sucedeu a separação nem a alegre leveza do segundo os fizeram suportar o penoso caminho interior que o filho deles está vivendo: “eles não reconheceram […] [que] foi a primeira tentativa, aliás, infeliz, do jovem para sozinho desenvolver suas energias interiores” (Idem). Entretanto, o eixo central do drama reside nas paixões que desencadeiam nele suas primeiras experiências de gozo, tanto hetero como homossexuais. É justamente essa problemática do gozo que Lacan (1967) evoca em seu breve, mas substancial comentário da obra, quando ele se alarma com a posição dos professores que desviam o olhar, não querem saber nada da atroz – e espontânea – captura das crianças nos fantasmas de seus colegas.
O caso de Juan é ilustrativo sobre esse ponto. Aluno considerado superdotado, suas capacidades sendo realmente extraordinárias, ele chegou ao colégio sem problemas maiores, apesar de uma falta de “aptidões sociais”. Mas em plena puberdade, começaram a persegui-lo por seu fracasso nas disciplinas esportivas e de educação física, que colocavam em evidência a falta de domínio de seu corpo; seu rendimento intelectual caía na medida em que seu espírito estava ocupado pelos pensamentos obsedantes devido aos atos cotidianos ofensivos e humilhantes que ele suportava com dificuldade. O desprezo da parte das jovens foi a gota que fez transbordar o copo. Ele se tornou vítima do que chamamos em nossos dias de bullying, inclusive da parte das crianças menores; ele se tornou um pestilento, aviltado e bode expiatório de todos. A apatia e a abulia que ele manifestava em casa contrastavam com um estado de hiperatividade na sala, que o impedia de ficar sentado em silêncio. As notas e as punições infligidas pelos professores redobravam, colocando em perigo o destino de gênio que seus pais projetavam para ele e para o qual eles trabalhavam duramente.
Além das sessões com ele, o trabalho de elaboração com os pais foi fundamental, levando-os pouco a pouco a compreender o lugar de exceção no qual seu filho se situava. Eles entenderam que a ausência de eficácia simbólica do significante da lei o empurrava ao desafio e a gozar dos semblantes de autoridade. Pudemos elaborar, juntos, estratégias de sustentação para impedir a segregação de Juan, que parecia inevitável. Em pouco tempo, a situação se estabilizou e o tratamento continuou até que ele se sentisse integrado ao grupo e que o amor de uma jovem o distinguisse.
O Corpo, Sexuado
O caminho evocado aqui é uma trajetória discursiva complexa, ao mesmo tempo movida e interrompida pelas pulsões que, por um empuxo novo, desencadeiam na adolescência emoções e afetos poderosos; a dimensão do corpo aí se encontra, portanto, fortemente engajada. O Outro, solicitando o abandono do discurso infantil para passar a um modo novo e pessoal de habitar a fala, coloca-o em questão, desvalorizando os esforços ou negando seu alcance, e desse jeito contribui para que o adolescente forje sua própria enunciação abrindo um caminho tateando. É por isso que o adolescente passa várias horas em sua toca[1], não por preguiça ou por negligência, mas porque ele efetua um trabalho de elaboração psíquica, de lenta e progressiva subjetivação, de um novo modo de ser com o qual se apresentar ao mundo.
Apesar de intelectuais, seus pais não podiam compreender a mudança de seu filho Jorge, que não era mais aquele ser sociável, com vários interesses, nem esse brilhante colegial que ele havia sido até então. Ele se tornou abúlico, preguiçoso, blasé. A ansiedade de seus pais crescia com as ameaças de castigo ao recusar certas normas e contrapor com formulações inconvenientes as incitações de quem queria encorajá-lo. Diante desse quadro, se acrescentaram faltas por doenças repetitivas das quais ele saia esgotado e ainda mais abatido. Durante o trabalho com seus pais, decidiu-se transferi-lo para uma escola que lhe preparasse para um vestibular em arte, mais apropriado à sensibilidade do menino. Essa escolha foi crucial na resolução do estado preocupante no qual ele afundava perigosamente, devastado por ideias de suicídio.
Entre as respostas sintomáticas apresentadas por esses dois jovens, muitas são de uma ordem regressiva: numerosos casos de toxicomania, de anorexia, de bulimia e de adições se declaram nesse período.
Amélie Nothomb, a escritora belga, descreve muito bem essa ruptura total com o mundo infantil que a havia mergulhado – através de um transitivismo marcante com sua irmã – num estado larvar. Elas passavam horas intermináveis deitadas no divã a se entediar, abúlicas, deprimidas, sozinhas, o que para ela derivou num grave estado de anorexia. A saída desse túnel escuro e mortífero, graças à escrita, tomou a forma de um genial autotratamento pelo qual a autora de La biographie de lafaim resolve a solução falha de um grave sintoma de tipo regressivo. Traduzida em várias línguas, Nothomb se tornou um ícone importante para os adolescentes, pela crueza refinada e irônica com a qual ela relata os avatares de seus jovens anos. Ela lhes fornece um notável efeito de verdade sobre essa experiência do túnel, o de que eles lhe são reconhecidos num momento em que os semblantes do mundo adulto vacilam e se tornam falsos e hipócritas.
Renée, quatorze anos, atravessou um período similar, apesar de seus recursos não terem tido a eficácia daqueles de Nothomb. Identificada com o sintoma de uma irmã mais velha, ela começou a induzir seu próprio vômito e se distanciar dos interesses intelectuais que, até então, cativavam-na. Revelou-se uma obsessão por seu corpo que ela queria tornar perfeito por meio de exercícios e de uma disciplina de controle. A grave anorexia para onde essa dependência a levou necessitou de uma hospitalização. Seus pais tiveram então a veleidade de recorrer a uma psicanálise. Mas eles se chocaram com uma sugestão antianalítica do hospital, desaconselhando essa via a eles, o que fez eco a uma demanda inconsciente de rejeitar a implicação subjetiva no sintoma; eles então engajaram sua filha nos trilhos normativos da medicina e da terapia cognitivo-comportamental. Nesse caso, a influência dos pais demonstrou sua eficácia, mas no sentido contrário ao sujeito do inconsciente.
O sujeito e seus próximos estão frequentemente longe de suspeitar que a esses sintomas encontram-se subjacentes incitações à mortificação ou tentativas mais ou menos graves de suicídio ou de se colocar em situações de perigo. A clínica psicanalítica nos ensina que o essencial, para uma saída mais ou menos bem sucedida do túnel, está na disponibilidade dos recursos simbólicos e imaginários para tratar um real do sexo que desvela a inconsistência do Outro. Com efeito, o real, em sua definição lacaniana, escapa à fala e ao sentido, o que Lacan formulou como sendo o grande segredo desvelado pela psicanálise: é impossível escrever a relação entre os sexos. Ou seja, não se pode escrever a lei de atração dos corpos sexuados como se escreveu a lei da gravidade, a lei da atração dos planetas. Mas essa dificuldade estrutural é em parte atenuada se a problemática do gozo ganha uma orientação propícia ao significante fálico, regulador da castração. Mesmo nos casos em que o significante fálico não opera no inconsciente como regulador de gozo, constata-se os benefícios de sua incidência imaginária como artifício, o que permite a diferença entre os sexos operando uma falta sobre o Outro materno.
A mãe de Oscar, jovem adolescente, alarmada pelo machismo de seu filho que, a seus olhos de feminista e militante de esquerda, parecia sinistro, pôde subjetivar sua responsabilidade sobre a causa do comportamento de seu filho. Exagerando sua ternura materna – ela não tinha vida de casal – ela impunha a seu filho uma proximidade física que lhe era dificilmente suportável; dispondo da função que regula a diferença dos sexos no inconsciente e funda a barreira do incesto, ele reagia com uma violência e uma agressividade excessivas ao encontro do sexo feminino. Nessa ocasião, entrevistas separadas com os pais divorciados desembocaram numa compreensão sem precedentes. A consequência foi a intervenção pacificadora do pai, consentida pela mãe, que se mostrou crucial para Oscar, para a retificação de uma identificação viril que lhe permitiu uma aproximação mais cavalheira das meninas.
E O Túnel No Século XXI?
Vemos que essa encruzilhada e seu alcance subjetivo respondem a alguns elementos estruturais que podemos considerar como invariantes, aos quais cada época dá seu colorido. Entretanto, é bom se interrogar sobre os efeitos que podem ocasionar essas mudanças que conhecemos hoje na relação com o gozo. A esse respeito, o artigo de Serge Cottet (2006) avança uma tese original a respeito das razões singulares do mal-estar que, de uma maneira ou de outra, afeta o gozo dos seres falantes, no atual estado de capitalismo avançado, incessante produtor de objetos de gozo. Decorre disso que às invariantes estruturais vieram se acrescentar as consequências de um empuxo a gozar devido à atual permissividade e ao relaxamento dos diques que freavam ou desviavam esse gozo egoísta e cruel próprio às pulsões parciais. Cottet se refere a Lacan que, a propósito da complexa articulação entre a lei e o gozo, exprimiu o que a experiência analítica lhe ensinou: “O que é permitido se tornou obrigatório” (LACAN, 1995, p. 286). As consequências de abulia, de tédio e de saciedade das quais se queixam os saciados do gozo, fazem Lacan (2003) dizer que se as ficções de interdição não existissem, seria necessário inventá-las, e ele alerta contra as consequências nefastas de um desejo levando a um acesso fácil ao gozo. Disso Cottet nota que em nossa época, na qual se desvanecem os papeis sexuais, são os sentimentos e não o sexo que são agora considerados como indecentes: por falta de destinatários e na ausência de receptores, aquele que exprime sentimentos cai no ridículo.
Sejamos conscientes do risco da insistência da parte dos psicólogos em apresentar a conquista da identidade como modelo de saída da crise da adolescência, pois hoje se divagou muito a partir da confusão que se estendeu a todo o planeta, entre o ser e o corpo. Os adolescentes são uma presa fácil para o mercado da confusão mediática que promove o imperativo “ser sexy”, slogan no qual eles caem, acreditando resolver assim esse desarranjo do corpo que faz tremerem as identificações.
Os Adolescentes No Campo Freudiano
Se levarmos em conta os avanços da clínica de orientação lacaniana promovida por Jacques-Alain Miller, o que chamamos de saída do túnel equivale ao achado de uma solução sinthomática coordenada à conquista de um semblante ligando o sujeito a um parceiro sexuado. Tal como vimos, tanto a entrada quanto a saída do túnel está estreitamente ligada às respostas que os adultos de referência podem oferecer ao sujeito em dificuldade. Porque, finalmente, trata-se de um trabalho de separação que possa despertar ou facilitar o interesse dos jovens por sua existência no “grande mundo”.
Quando Freud se lembra de seus próprios anos de túnel, que ele situava entre seus dez e dezoito anos, “com seus pressentimentos e suas errâncias, suas transformações dolorosas e seus sucessos benéficos” (FREUD, 1987c, p. 285), ele declara que esse grande mundo simbólico se torna para ele “um consolo sem igual nos combates da vida” (Idem). Foi nessa época que Freud viu nascer o pressentimento de uma tarefa, que não se esboçava, a princípio, senão em voz baixa até que eu não pudesse em minha dissertação de final de estudos vesti-la de palavras sonoras: eu queria em minha vida trazer uma contribuição ao nosso saber humano (Idem).
Lidas na perspectiva de “Sobre a psicologia escolar”, as cartas de juventude de Freud ganham um grande interesse; retroativamente, sentenças apaixonadas e confidências profundas endereçadas a amigos íntimos ganham, então, sentido. Tomemos a carta a Emil Fluss de 28 de setembro de 1872. O futuro psicanalista declara se encontrar no caso de um sábio que vocês questionariam sobre o passado da terra. […] Eu singro de velas abertas em direção ao futuro; que eu pude abordar aqui um dia, me refrescar aí, eis o que se apaga bem rápido da memória quando se tem apenas o objetivo diante dos olhos (FREUD, 1990, p. 231).
O editor espanhol (FREUD, 1973) dessas cartas nota muito justamente que nessa fase pode-se ler uma antecipação de que o valor subjetivo da lembrança depende da presença do afeto. Ele mostra igualmente que a preocupação de Freud não se refere tanto a sua identidade como argumento da questão do “quem sou?” quanto à questão sobre o que ele sabe e o que ele pode ou não chegar a saber. Freud termina sua carta pedindo a seu amigo notícias de sua mãe, pois, como ele explica, “me agrada explorar a densa rede dos fios que nos ligam, fios que o acaso e o destino teceram em torno de todos nós” (FREUD, 1990, p. 231).
Fazemos nossas essas lindas fórmulas para nos orientar nas condições atuais da adolescência. É urgente colaborar com a difusão de estratégias institucionais orientadas pelo ensino de Lacan, tais como o Courtil ou os dispositivos do Cien, a fim de proteger todos esses jovens que, renunciando a uma verdadeira realização subjetiva, se perdem na busca de autossacrifícios que eles oferecem, sem o saberem, a “deuses obscuros”, o que os condenam a permanecer na obscuridade do túnel. As boas saídas, as saídas em direção a “o grande mundo” e ao gozo da vida, se decidem numa “equação pessoal” tecida com o fio do acaso e do destino. Dito de outra forma, num entrelaçamento de inconsciente e de encontros contingentes cuja forma não estava ainda inscrita na experiência, para ser aquela de cada um, resultado de uma invenção singular que não pode, no entanto, se aventurar no mundo sem que o Outro diga “sim”.