Cecília Batista
Sejam bem-vindas e bem-vindos! É um prazer recebê-los na 27ª edição da Almanaque Online. Nesta edição tivemos como tema, em consonância com o trabalho desenvolvido pelo IPSM-MG no primeiro semestre de 2021, “Interpretação: da escuta do sentido à leitura do fora de sentido”. Para acompanhá-los neste percurso, do sentido ao fora de sentido, alguns textos foram cuidadosamente selecionados pela equipe de publicação da revista.
Comecemos nossa caminhada pela rubrica Trilhamentos, na qual vocês encontrarão a conferência “Da escuta do sentido à leitura do fora do sentido: nossa santa interpretação”, proferida por Silvia Baudini. A autora perpassa o tema da interpretação, desde a “tradição semântica” à leitura e escrita, em uma construção enlaçada por ricos fragmentos clínicos. Sérgio Laia, por sua vez, em seu texto “Interpretação herética e acontecimento de corpo nas psicoses”, traz um interessante percurso, apoiado nas formulações de Lacan e Miller, sobre uma interpretação que opera na contratendência do trabalho interpretativo infinito do inconsciente, podendo, então, tocar algo do gozo, e não do sentido. Reflete ainda sobre como essa escolha herética pode indicar uma direção no tratamento das psicoses. Em “A interpretação e além”, de Sophie Maleval, trabalha-se a noção da prática analítica situada entre a leitura e a escrita, de uma interpretação regulada pelo corte no qual a palavra encontra seu limite. Finalmente, Bernard Seynhaeve nos coloca a pensar, ainda mais, sobre a presença dos corpos na experiência analítica — tema importante em tempos de análise online — e sustenta que a psicanálise lacaniana exige a presença dos corpos, tendo em vista que a interpretação pretende uma perturbação que ressoe no corpo.
Em Entrevista somos agraciados pelas palavras de Jacyntho Lins Brandão, professor emérito de Língua e Literatura Grega da Universidade Federal de Minas Gerais, que responde às perguntas sobre a interpretação, gentilmente elaboradas por Gilson Iannini. Para provocar a leitura, deixo aqui um trecho dessa entrevista: “o que os textos antigos nos ensinam sobre ‘a ciência e a arte da interpretação’ é a dificuldade. Pelo simples fato de serem antigos, mas de um modo mais agudo ainda quando se trata de nossos antigos, como são os gregos. (…) Se o outro representa uma dificuldade, o outro que é nosso impõe dificuldades maiores”.
Seguimos, então, para Encontros. O artigo de Jorge Assef parte de uma citação de Éric Laurent sobre sua análise com Lacan, através da qual trabalha as vertentes do meio-dizer, a saber, o equívoco, o enigma e os efeitos de estilo. Marisa Moretto faz a sua leitura sobre o termo “jaculatória” e considera que a interpretação nesse sentido é aquela que tem efeito de ressonância no corpo e no gozo. Ao operar um limite à decifração eterna, a experiência não mais se traduz, mas resta o impacto. “O que faz Um, marca” é o título do texto de Paula Husni, que trabalha a noção do analista traumático, ou seja, o que produz um intervalo fazendo existir o que não existe. A intervenção, nesse sentido, pode ter um efeito de experiência de vazio, o que a autora observa tomando como referência o encontro de Lilia Mahjoub-Trobas com Lacan. Ainda em Encontros será possível fazer a leitura do texto de María de los Ángeles Córdoba, que utiliza o testemunho de Hilda Doolittle sobre sua análise com Freud, mais especificamente de uma intervenção feita por ele, para dizer de uma interpretação que ocupa o lugar de uma intervenção de exceção.
Partimos, em seguida, para a rubrica Incursões, na qual estão os textos trabalhados por nossos colegas nos espaços de investigação do IPSM-MG. Mauricio Tarrab retoma e comenta outro texto de sua autoria, “A psicose e a máquina de interpretar”, afirmando que o real, fora do sentido, coloca em funcionamento uma máquina de produzir ficções, mas que, com o ensino de Lacan, é possível ir além do campo ficcional — e é esse além que o autor desdobra em seu texto. Márcia Mezêncio examina, através do filme Inocência Roubada, os efeitos, para o sujeito, de uma interpretação feita pelo discurso jurídico. Margaret Couto, em “Porque as mães de hoje não interpretam?”, coloca em questão, a partir de sua clínica, a dificuldade dos pais em traduzir o mal-estar de seus filhos, dificuldade a qual ela trabalha sob a perspectiva da inexistência do Outro. Tereza Facury discute, a partir do texto de Miller “Ler um sintoma”, o lugar do qual a psicanálise opera, um lugar “entre”, entre a escuta e a leitura. No texto “O que cabe ao analista na interpretação hoje?”, Aparecida Rosângela Silveira trabalha a interpretação no último ensino de Lacan abordando os deslocamentos teóricos-clínicos produzidos na prática da interpretação.
Chegamos a De uma nova geração. Aqui vocês encontrarão dois textos produzidos pelos alunos do IPSM-MG. Bernardo Maranhão, através de um trecho de “Televisão”, em que Lacan menciona o saber alegre dos trovadores, interroga se esse saber pode ser tomado como um referencial para a interpretação analítica. Já Marcela Greco investiga como as apresentações sintomáticas da neurose obsessiva podem ser comparadas à fenomenologia dos novos sintomas que se apresentam frente ao declínio do simbólico.
Sua leitura será ainda permeada pela beleza das imagens dos trabalhos do artista plástico/visual Mário Azevedo[1], a quem agradecemos enormemente por nos concedê-las. Agradecemos também aos autores e à equipe de publicação desta revista.
Partimos à leitura, bon voyage!