FREDERICO FEU
Podemos abordar o tema da passagem ao ato como uma modalidade de resposta do real nas psicoses. Na mesma proporção em que, na neurose, podemos contar com os fenômenos de retorno decorrentes do recalque, a psicose nos confronta com o ato como efeito da foraclusão. Seja nas suas origens, por ocasião do desencadeamento, ou como um ato conclusivo de um argumento delirante, seja como uma maneira de operar a castração no real, ou como uma tentativa de extração de um mal-estar corporal, no “impulso a golpear”, a psicose sempre parece tender, de alguma forma, ao ato.
De um modo geral, a passagem ao ato desvela a estrutura fundamental do ato, em seu sentido mais amplo (MILLER, 2014). O pensamento, na medida em que está dominado pelo recalque, está essencialmente sob impasse. Em sentido amplo, o ato é uma tentativa de sair desse impasse, caracterizando-se por uma ruptura entre ação e pensamento, ao contrário do que a tradição racionalista preconiza, ou seja, que um ato deveria ser a consequência lógica de uma cadeia racional de pensamentos. Nesse sentido, todo ato equivale a uma espécie de suicídio do sujeito, a um rompimento com o Outro, a um divisor de águas, visando a uma mutação subjetiva. Trata-se, como diz Lacan, de extrair da angústia a sua certeza, por oposição à dúvida suscitada pelo pensamento. O mesmo princípio poderia ser estendido à criação artística, à invenção de novos paradigmas no campo da ciência ou mesmo ao atravessamento produzido no campo do pensamento cultural e político por um acontecimento.
Proponho, nos limites deste texto, tratar a noção clínica de passagem ao ato a partir de algumas referências desenvolvidas por Lacan no Seminário, livro 10, “A angústia”, de 1962-1963, especialmente em torno do comentário do quadro que reproduzimos abaixo, em que a passagem ao ato é posta em relação com outros termos e conceitos. Isso nos coloca diante do problema de transpor uma noção clínica cujo movimento de elaboração se dá no enquadre estrutural das neuroses para o campo das psicoses. Além disso, há dificuldades de interpretação desse quadro, na medida em que ele não foi retomado por Lacan, dificuldades que nos parecem tanto maiores quanto mais exigirmos uma correlação formal de todos os seus termos. Devemos tomá-lo, então, de uma forma fragmentária, para um determinado uso, relacionando seus elementos sem fazer um todo e buscando estabelecer alguns parâmetros que nos levem da clínica das neuroses à clínica das psicoses, na qual o tema da passagem ao ato adquire todo seu peso.
Enquadre E Movimento Geral Do Seminário 10
A chave do Seminário 10 é a elaboração do conceito de objeto a, do qual a angústia vem a ser uma espécie de moldura para o neurótico e com o qual o sujeito se articula na cena fantasmática ($ <> a). O objeto a demonstra o efeito regulador da entrada na ordem simbólica: para dar conta do gozo, o sujeito (S) se dirige ao campo do Outro (A); se ele encontra, nesse campo, o significante do nome-do-pai, o efeito é sua divisão ($) entre o significante — que representa o sujeito para outro significante — e o objeto a .
Se definirmos essa operação, a que chamamos castração, como uma negativização do gozo pelo simbólico ou como equivalente a uma extração de gozo do corpo, o objeto a é o que compensa, com o mais de gozar, o menos da castração. Esse objeto, justamente por ser perdido, estabelece para o sujeito o regime de contingência de encontros e desencontros no real, mediando a sua relação com o Outro, na medida em que, para o neurótico, gozo e Outro se separam. Do lado do sujeito, o Outro aparece recoberto por uma barra (Ⱥ) — “o que me constitui como inconsciente, ou seja, o Outro enquanto aquilo que não atinjo” (LACAN, 1962-1963/2005, p.36). Assim, estabelece-se a equivalência entre demanda e circuito pulsional na neurose. Partindo de uma zona erógena, representada pela elipse, a pulsão contorna um objeto — “essa prova e garantia única, afinal, da alteridade do Outro” (LACAN, 1962-1963/2005, p.36) — retornando sobre esse mesmo ponto de partida, obtendo-se, dessa forma, a satisfação.
Esse objeto, que a pulsão irá contornar, é aquilo que há de mais variável na pulsão, embora cada sujeito, tomado em sua particularidade, desenvolva um padrão de repetição, um “modo de gozo” que caracteriza o sujeito e que encontra sua consistência no fantasma. Podemos, então, definir a passagem ao ato na neurose como uma precipitação do sujeito, a partir de um encontro desestabilizador, para fora da cena fantasmática, em que ele ocupa uma posição de resposta ao desejo do Outro, identificando-se ao objeto desse desejo.
Quanto ao sujeito psicótico, ele está mais confrontado ao real e com mais dificuldades em relação à mediação simbólica. Daí sua tendência a operar diretamente sobre o real nos fenômenos de passagem ao ato, em suas tentativas de barrar o Outro (em sua dimensão invasiva e excessiva), na medida em que, nessa estrutura, gozo e Outro não se separam. Assim, podemos falar do gozo não negativizado na psicose, especialmente na esquizofrenia, e da não extração do objeto a. Em lugar de um circuito pulsional que estabelece a possibilidade de encontros e desencontros com o objeto da demanda dirigida ao Outro, temos, na psicose, um curto-circuito da pulsão sobre o próprio corpo:
Construção Do Quadro Da Angústia
Podemos agora voltar ao quadro construído por Lacan no Seminário, livro 10, na tentativa de esclarecer suas inter-relações e localizar, aí, o momento da passagem ao ato. Buscaremos construí-lo passo a passo, supondo uma ordenação lógica.
1 – Observamos, inicialmente, que o quadro se escreve a partir de duas coordenadas, o eixo do movimento e o eixo da dificuldade.
A referência ao movimento está nas origens da elaboração freudiana do aparelho psíquico. Tanto no “Projeto” de 1895, quanto na “Carta 52”, redigida em dezembro de 1896, o aparelho psíquico é concebido levando-se em conta as relações de continuidade e descontinuidade entre pensamento e ação.
Se tomarmos o caminho “progressivo” da excitação no aparelho, a ação é o que decorre de um processo de inibição que caracteriza o trabalho de inscrição, retranscrição e tradução da excitação no aparelho psíquico, como um ponto de conclusão de uma cadeia de representações que dominou a excitação e chegou à consciência ao ligar-se a uma representação verbal. Teríamos, no entanto, que conjugar o eixo do movimento ao caminho “regressivo” que conduz o pensamento de volta à excitação no aparelho psíquico, desfazendo as suas conexões, na medida em que a passagem ao ato está em descontinuidade com a cadeia de pensamentos. A esse respeito, lembramos que o termo “Agieren”, utilizado por Freud (por exemplo, no artigo “A dinâmica da transferência”, de 1912), equivale a uma repetição em ato no limite do trabalho de rememoração, a uma mostração, na medida em que esse caminho regressivo, no curso de uma análise, atualiza a realidade psíquica da fantasia na transferência.
Seguindo o eixo da dificuldade, encontramos, por sua vez, a função da barra, que concerne ao sujeito em sua relação com o gozo. De fato, o sujeito barrado pode ser pensado como um efeito do movimento da excitação, na medida em que o sujeito, em seu desamparo, se dirige ao campo do Outro.
A montagem do quadro da angústia compreende, assim, uma tensão crescente que vai de um mínimo de movimento a um máximo de movimento, passando pelo termo intermediário da emoção, e de uma menor a uma maior dificuldade, de forma que podemos definir a angústia como a resultante de um máximo de movimento com um máximo de dificuldade.
2 – Definidas as coordenadas da angústia, podemos escrever a série colocada por Lacan em diagonal, em ligação com a série freudiana inibição-sintoma-angústia.
Inibição, sintoma e angústia são termos heterogêneos, dirá Lacan, estruturas diferentes. Não há, portanto, passagem ou gradação entre eles. De fato, embora possamos pensar no aparecimento da angústia como um efeito de falência da função estabilizadora do sintoma, estabelecendo assim uma sequência entre eles, podemos encontrar igualmente superposição entre a inibição de uma função e um sintoma, como na impotência masculina ou na anorexia.
Mas, de modo geral, a inibição está associada à detenção de um movimento e, nesse sentido, se opõe à angústia, sendo o sintoma um termo intermediário que faz a mediação entre movimento e dificuldade ou, conforme definição de Freud, uma formação de compromisso entre movimento pulsional e defesa.
3 – Se a inibição é detenção do movimento no nível de uma função, estar impedido é um sintoma. “Estar impedido é um sintoma. Ser inibido é um sintoma posto no museu” (LACAN, 1962-1963/2005, p.19). “Impedicare”, etimologicamente, quer dizer “ser tomado na trama”, o que nos leva da função ao sujeito à medida que caminhamos no eixo da dificuldade.
A trama de que se trata é a captura narcísica, isto é, “o limite do que se pode investir no objeto”, como dirá Lacan.
O impedimento ocorrido está ligado e este círculo que faz com que, no mesmo movimento com que o sujeito avança para o gozo, isto é, para o que lhe está mais distante, ele depare com essa fratura íntima, muito próxima, por ter-se deixado apanhar, no caminho, em sua própria imagem, a imagem especular. É essa a armadilha (LACAN, 1962-1963/2005, p.19).
O sujeito que se encontra, no plano sintomático, impedido, se deteve diante da castração, rendendo-se à captura narcísica. Um passo a mais no eixo da dificuldade, e ele se encontrará embaraçado, termo que é correlativo à angústia no eixo vertical. O embaraço é definido como “forma leve da angústia” na dimensão da dificuldade. Etimologicamente, o termo francês “embarras” aponta para o sujeito revestido pela barra, “quando vocês já não sabem o que fazer de si mesmos” (LACAN, 1962-1963/2005, p.19). Em espanhol, estar “embaraçada” quer dizer estar grávida, em gestação, à espera. Embora daí se depreenda um movimento futuro ou algum tipo de desfecho, falta ainda à dimensão do embaraço a precipitação ao ato que encontramos à medida que caminhamos no eixo do movimento.
4 – Prosseguindo em direção ao sintoma, seguindo o eixo do movimento, encontramos a emoção (émotion). A emoção salienta algo de inquietante em comparação com a inibição, evocando, ao mesmo tempo, a ideia de uma exteriorização, no sentido de alguma coisa que se descarrega, que é colocada para fora, muitas vezes, conservando o sentido de reação catastrófica. Trata-se de um termo utilizado por Freud justamente para designar o movimento da catarse, uma vez que teria sido a ausência de reação adequada ao trauma o que estaria na origem do sintoma histérico. A catarse se realiza levando-se em conta essa tríplice condição: a rememoração, a exteriorização da emoção e sua tradução em palavras. Trata-se, portanto, de uma exteriorização simbólica, na medida em que o sujeito, sob transferência, for capaz de se desembaraçar de seu sintoma por meio da palavra.
Finalmente, ainda na linha do movimento, encontramos a efusão (émoi). O termo esmayer deriva do latim popular, exmagare, esmagado, em português, com o sentido de queda, perda de potência. Relaciona-se a um excesso de movimento que parece colocar o sujeito fora de si, na medida em que ele se encontra embaraçado pelo desenvolvimento da angústia. O émoi é “o perturbar-se mais profundo na dimensão do movimento. O embaraço, o máximo de dificuldade atingida” (LACAN, 1962-1963/2005, p.22), preenchendo assim as duas coordenadas da angústia.
5 – É possível agora completar o quadro com as referências ao acting-out e à passagem ao ato. Podemos desde logo observar que, em relação ao eixo da dificuldade, encontramos uma maior proximidade entre sintoma e acting-out, por um lado, e passagem ao ato e angústia, por outro.
De fato, o acting-out se produz a partir de um franqueamento do sintoma, estando logicamente determinado no curso de uma análise no limite do trabalho de interpretação, ali onde se desvela a estrutura da fantasia, destacando-se como fundamental o fato de que o acting-out está direcionado ao Outro. Quanto à passagem ao ato, ela parece se antecipar ao pleno desenvolvimento da angústia, sendo tomada por Lacan como uma precipitação que lança o sujeito em um movimento de queda para fora da cena fantasmática.
É o que se revela na análise feita por Lacan do caso da “Jovem Homossexual” (FREUD, 1920/1976). A passagem ao ato tem relação com o “deixar cair” (Niederkommen). Diante do olhar do pai com quem ela cruza na rua quando caminhava ao lado da dama — a quem a jovem se dedica, a contragosto do pai — se produz o extremo embaraço; e se lhe acrescentamos a emoção como desordem do movimento, o que chega nesse momento preciso ao sujeito é sua “identificação absoluta com esse pequeno a ao que ela se reduz” (LACAN, 1962-1963/2005, p.124), ao mesmo tempo em que ela se sente rechaçada, lançada fora da cena. É o suficiente para que ela se precipite, jogando-se de uma pequena ponte sobre a linha do trem, desde o lugar da cena onde atuava no sentido do acting-out. Ou seja: se a tentativa de suicídio é uma passagem ao ato, toda a aventura com a dama — que é elevada, como no amor cortês, a essa posição de objeto supremo — é um acting-out.
Psicose E Passagem Ao Ato
A questão que toca o analista, a cada análise, é justamente saber o quanto de angústia o sujeito pode suportar. Na clínica da neurose, a angústia é um guia, funcionando como sinal, o sinal de angústia. Podemos dizer que o sinal de angústia abre a possibilidade de um manejo, orientando a clínica da neurose em direção ao real, ao impossível de suportar, a partir do suporte da mediação simbólica. Se o ato analítico, esse ponto de viragem de uma análise, visa a extrair da angústia a sua certeza — já que, ao contrário do pensamento, a angústia é o que não engana — a questão é como chegar até aí bordejando, por assim dizer, os campos da passagem ao ato e do acting-out com os quais a angústia faz fronteira, como vemos no quadro.
Ora, o ato analítico é uma aposta que toma seu fundamento, na clínica da neurose, do fato de que o fantasma está emoldurado, enquadrado pelo sinal de angústia. Há um marco referencial em que essa aposta é possível: seu ponto preciso é a questão “que queres?”, que interroga o desejo do Outro. A relação com o objeto a é um modo de responder a essa pergunta, na medida em que o objeto a está, por assim dizer, a meio caminho entre sujeito e Outro, na medida em que o neurótico tende a se dedicar ao preenchimento da falta no Outro. O ato analítico visa a separar o sujeito do objeto ao qual ele identifica a sua demanda.
Na psicose, por sua vez, a angústia está a céu aberto; ela não funciona para o psicótico como um sinal ou um anteparo que se anteciparia ao seu pleno desenvolvimento. Para o psicótico, há impossibilidade formal de responder ao desejo do Outro pela via fantasmática. De fato, se, na neurose, o objeto a, na medida em que é extraído pela castração, vem a ser uma resposta possível a essa questão, na psicose, o sujeito encarna o objeto e, nesse sentido, encarna ele mesmo a resposta. Por conseguinte, falta a moldura que daria à angústia a sua contenção; falta a falta, como dirá Lacan, o contorno significante do objeto. Por isso, o sujeito seria lançado mais facilmente ao ato enquanto a angústia tenderia a aparecer mais do lado do Outro, como testemunhamos a cada vez que nos propomos a tratar um psicótico.
O campo da passagem ao ato apresenta-se, portanto, mais disperso nas psicoses justamente por faltar o traçado do contorno do objeto que a fantasia possibilita para o neurótico. Devido à sua dimensão invasiva, não limitada pela fantasia, o gozo, na psicose, predispõe o sujeito ao ato. Entretanto, talvez seja possível estabelecer algumas distinções que possam nos orientar minimamente na clínica da passagem ao ato. Assim, limitando-nos à fenomenologia dos atos hetero e autoagressivos, podemos distinguir:
a – Os atos impulsivos, aparentemente imotivados e muitas vezes repentinos, para os quais parece faltar a mediação simbólica e por meio dos quais a pulsão se faz ato. Podemos relacioná-los ao impulso a golpear que caracteriza a análise feita por Lacan do Kakon, esse objeto definido como a presença mesma do “mal” que o sujeito visa a atingir, seja extimamente ou no próprio corpo, em suas tentativas de barrar ou extrair o gozo, operando diretamente no real. Aquilo a que se visa é o mal-estar em sua urgência mesma, sendo a passagem ao ato uma tentativa de tratar o real pelo real. Assim, uma paciente é levada a atingir outro usuário de um serviço de saúde mental — que, nessas circunstâncias, poderia ser qualquer um — e, em seguida, tenta se lançar de uma janela sem que pudesse dar razões para isso, a não ser o impulso que acompanha o seu mal-estar e que a coloca, por um instante, fora de si. O que fazer diante de tais ocorrências, a não ser nos antecipando a esse mal-estar na medida do possível, oferecendo as contenções disponíveis na ocasião até que se restabeleçam as condições de mediação simbólica?
b – Os atos derradeiros, conclusivos, que pressupõe uma cadeia de pensamentos. Algumas vezes associamos a esses atos seu aspecto resolutivo e estabilizador para o psicótico, como acentuado por Lacan em sua tese de 1936. Um exemplo são os crimes hipermotivados na paranoia. A passagem ao ato pressupõe, às vezes, um longo período de preparação, embora nem sempre isso se faça anunciar. O importante a salientar é o aspecto lógico-dedutivo, nem sempre detectável, que acompanha tais atos, mesmo na esquizofrenia. Cita-se como exemplo uma paciente que veio a cometer uma tentativa de suicídio alguns dias após escutar de sua mãe uma frase que contestava sua interpretação delirante. A paciente vinha argumentando, em resposta ao seu mal-estar, que não tinha estômago, o que a deixava com uma sensação de vazio interior. A mãe acrescenta a essa formulação uma premissa universal: “todo ser vivo tem estômago”. É o suficiente para precipitar a conclusão: “logo, estou morta”. Podemos escrever logicamente essa dedução: (~q) (p q) : (~q ~p). Ou seja: “se eu não tenho estômago” (~q) e “se todo ser vivo tem estômago” (p q), conclui-se que, “se eu não tenho estômago” (~q), “eu não posso estar viva” (~p). Observamos que a certeza delirante, que incide sobre o particular, não é negada pela premissa universal. No entanto, em função da temporalidade própria às cadeias de pensamentos, resta-nos a chance de abrir a possibilidade de uma realização assintótica dessas deduções, bloqueando em alguns pontos o desenvolvimento da certeza delirante mediante a introdução daquilo que Lacan chamou de “o benefício da dúvida”.
c – Os atos de mutilação em série que incidem sobre o próprio corpo. À diferença do impulso a golpear que caracteriza o Kakon, essas mutilações e agressões ao corpo se distinguem por seu aspecto repetitivo e mesmo monótono e por seus efeitos de apaziguamento e esvaziamento. Muitas vezes, são atos silenciosos e solitários; outras vezes, inseridos em uma espécie de identificação grupal, como se observa em sites. Mas podem, igualmente, adquirir um valor de mostração e transferência de angústia. Cita-se como exemplo um sujeito que, repetidas vezes, insere objetos em seu corpo, condenando-se, assim, a uma série de intervenções cirúrgicas, e que fala disso sem mostrar sofrimento. Tais sujeitos dão, às vezes, a impressão de operar uma transferência do mal-estar para o Outro e de produzir neste um sentimento de impotência em lugar do impossível a suportar que concerne à relação de todo sujeito com o real.
d – Distinguimos os atos mostrativos, mais próximos do acting-out, das passagens ao ato, em função de parecerem mais destinados a provocar um efeito sobre o Outro, analista ou instituição, seja nas neuroses ou nas psicoses, e que revelam algum aspecto que não encontrou recursos simbólicos de expressão. Tais atos supõem, dessa forma, a existência de um cenário como campo de atuação e podem ser tomados, muitas vezes, na perspectiva do “tratamento do Outro”, exigindo uma interpretação e reorientando a posição do analista ou da instituição em relação ao paciente. Nisso também o acting-out se diferencia das passagens ao ato, em que o Outro é visado em sua dimensão intrusiva e excessiva para o sujeito, como Outro gozador, de quem o sujeito busca desvencilhar-se. Reconhecemos, assim, nos fenômenos de acting-out, a dimensão da transferência e um laço social mínimo. Um exemplo de acting-out pode ser recolhido no relato do “Caso Daví” (CARVALHO, 2000). Enquanto quebra os vidros do carro da gerente do serviço com uma pedra, o paciente se certifica de que o olham da janela. Esse e outros episódios podem ser referidos à frase “quero mostrar a eles que tenho valor”, que define a demanda de reconhecimento do sujeito frente ao Outro.
e – Por fim, teríamos os atos agressivos, que pressupõem o outro como semelhante, e a hipertrofia do imaginário. Aparecem, muitas vezes, justificados pela “raiva” ou pelo “ódio”, ou seja: a passagem ao ato é, nesses casos, dominada por um sentimento intenso e incontrolável que coloca o sujeito em posição de rivalidade em relação ao semelhante. Operam em uma vertente mais voltada à descarga da pulsão imaginariamente endereçada ao outro, em contraste com a tentativa de extração do mal-estar relacionado à presença do objeto Kakon. O outro é visado enquanto supostamente goza de algo que falta ao sujeito. Na medida em que o sujeito aparece aqui mais confrontado à castração, esses atos agressivos tendem a estar mais referidos à estrutura neurótica e à irrupção da violência, que decorre dos embaraços narcísicos do sujeito e de sua vontade de gozo.