Renata Mendonça
Psicanalista, doutoranda (UFMG), membro da Escola Brasileira de Psicanalise/AMP
renatalucindopsi21@gmail.com
Resumo: Este artigo apresenta uma releitura de “Observações sobre o amor transferencial” (1915[1914]) para abordar as indicações de Freud sobre o método psicanalítico, incluindo no debate também alguns autores de nossa época, como Lacan e Miller, mostrando o quanto o texto freudiano é contemporâneo e necessário à clínica psicanalítica.
Palavras-chave: método psicanalítico; amor transferencial.
AN INTRODUCTION TO TRANSFERENCE LOVE
Abstract: The author rereads the Freudian text “Observations on transference love” (1915 [1914]) to present Freud’s indications on the psychoanalytic method, also including in the debate some authors of our time, such as Lacan and Miller, showing how much the text Freudian is contemporary and necessary to the psychoanalytic clinic.
Keywords: psychoanalytic method; transference love.
O problema do amor nos interessa na medida em que
vai nos permitir compreender o que se passa na transferência
– e, até certo ponto, por causa da transferência.
(LACAN, 1960-61/2010, p. 52)
Quero agradecer à diretoria do Instituto e às coordenadoras da atividade, Lúcia Mello e Luciana Silviano Brandão, pelo convite. É uma boa responsabilidade estar aqui para tentar transmitir algo dos dois textos indicados.
Para iniciarmos a conversa, faço uso da questão feita por Iannini e Tavares (2017, p. 7) na “Apresentação” ao livro Fundamentos da clínica psicanalítica: “O que separa a Psicanálise de outras práticas de cuidado, como o tratamento medicinal, as diversas psicoterapias ou as curas religiosas?”.
Uma pergunta difícil, principalmente nos dias de hoje, em que a certeza desinibida circula e faz laço na contemporaneidade, em que o uso da Psicanálise nos parece indiscriminado nas redes, em que a técnica parece muitas vezes substituir a ética. Uma pergunta que precisa ser reatualizada a cada vez, tanto pela necessidade ética de verificar as práticas psicanalíticas, quanto pelas mudanças que ocorrem na subjetividade de nossa época.
Com isso, podemos afirmar que a escolha da Diretoria em estudar os Fundamentos da clínica psicanalítica é essencial, na atualidade, diante das mudanças nos laços sociais, da constatação da diluição do Outro e de um mundo que precisa ser lido, ou lido de outra maneira, como nos mostra o título da XXVI Jornada da EBP Seção Minas, “Há algo de novo nas psicoses… ainda”, e o tema do XI ENAPOL, “Começar a se analisar”. Temas que são atualizados a partir do que há de novo em nossa época, da verificação da nossa clínica, para que as orientações e construções não se percam, mantendo assim, o rigor transmitido por Freud e Lacan.
Nessa mesma “Apresentação”, Iannini e Tavares (2017, p. 7) afirmam que os textos ali reunidos “constituem o essencial dos escritos freudianos sobre o método e a técnica, em sua constituição, em sua história e em seus desdobramentos”. O que, entretanto, nos interessa especificamente em “Observações sobre o amor transferencial” é que, no trabalho de Freud, e na Psicanálise, o amor está presente, não foi rechaçado ou refutado, mas incluído no tratamento. Um amor lido e provocado pela análise. Uma das belezas de Freud e de seu método.
Observações sobre o amor transferencial
O texto foi escrito no final de 1914 e publicado em 1915, e Freud achava que esse era um dos artigos fundamentais para a transmissão da técnica psicanalítica. Penso que, provavelmente, mesmo com as notícias da eclosão da guerra, as questões que surgiram nos consultórios de seus “alunos” fizeram com que ele pensasse na publicação independente do momento histórico.
Escutamos em nossos consultórios, seja em análise, seja em supervisão, os jovens praticantes se perguntando diariamente o que fizeram para que o paciente tenha ido embora, faltado à sessão, sumido sem responder, etc. Muitas vezes pensam nessas questões como um erro técnico, algo que sempre retorna invariavelmente, como nos afirmou Jésus Santiago na última conversação do Instituto. Ele nos diz que houve uma época em que a Psicanálise tinha manuais, que diziam o que deveríamos fazer a cada circunstância ou situação, seja relativo a pagamento, às faltas ou sobre quando o analisante estaria de fato em análise ou se tornaria um analista (essa decisão se dava, por exemplo, pelo número de sessões feitas).
O retorno a Freud feito por Lacan e o retorno a Freud nas “Lições Introdutórias” é fundamental, pois ele afirma no início do texto em tela que, apesar dos incômodos dos jovens psicanalistas, “as únicas dificuldades realmente sérias são encontradas no manejo da transferência” (FREUD, 1915[1914]/2017, p. 165).
Esse manejo nos é caro e implica vários sentimentos dirigidos ao corpo do analista – amor, interesse, raiva. Em minha leitura, nesse texto, Freud (1915[1914]/2017, p. 166), de forma bem “brincalhona”, elege o amor como algo que surge em uma análise e nos relata as várias soluções sobre o amor que não cabem a um psicanalista:
1ª: a união dos dois protagonistas, analista e analisante, médico e paciente, e diz: “uma união duradoura e legítima”;
2ª: a separação do médico e do paciente, encerrando assim o tratamento, “desistindo do trabalho iniciado”;
3ª: a confirmação da relação entre os dois, “o início de relações amorosas ilegítimas e não destinadas à eternidade; mas essa se tornaria impossível devido à moral burguesa e a dignidade médica”.
A segunda saída incluída no texto: a separação do médico e do paciente, com o abandono do tratamento, é desaconselhada por Freud, mas nos ensina como o amor transferencial funciona. Ele afirma que, quando o tratamento com aquele psicanalista é interrompido, suspenso, as questões do paciente continuam, ele já sabia que o paciente seria perturbado pelo seu sofrimento e que o amor não o salvou de suas dificuldades. Ao se dirigir a outro analista, o amor será transferido para esse segundo, em um deslocamento.
Com isso, podemos afirmar:
1. É preciso enfrentar o amor transferencial! Melhor dizendo, nos utilizarmos dele.
2. O paciente não está, de fato, enamorado pela pessoa do psicanalista.
É importante que o psicanalista saiba que o amor não se dirige a ele, enquanto pessoa; estar avisado disso é imprescindível para o tratamento, pois a transferência e o método psicanalítico dão trabalho, e não é viável para o analista, desavisado, dar trabalho também.
Nesse momento do texto, Freud vai nos relatar as várias situações que caberiam a um livro de romance, a relação com a família, a ideia de tirar a paciente do tratamento, etc., sempre nos avisando pontualmente, como mencionei anteriormente, o que não cabe ao tratamento psicanalítico. Depois, ao retomar o caminho das possibilidades relativas ao amor transferencial, traz-nos um ponto essencial a ser lido em uma análise: “tudo aquilo que atrapalha a continuidade do tratamento pode ser uma expressão de resistência. No aparecimento daquela exigência tempestuosa de amor, a resistência indubitavelmente tem grande participação” (FREUD, 1915[1914]/2017, p. 169). Ele ainda completa, dizendo-nos que, provavelmente, é ao nos depararmos com um ponto importante para o tratamento ou algum ponto difícil para o analisante que o amor transferencial age como resistência. Podemos afirmar que vários sentimentos podem surgir nesse momento: o amor transferencial aparece com um xingamento ou com um convite para o seu aniversário. Algo a ser avaliado, lido, a cada vez.
Existe, nesse texto de Freud, uma informação de trabalho indispensável a ser escutada: quando o amor transferencial se torna a mola de trabalho e os sentimentos ao redor do psicanalista ficam presentes no tratamento, esses sentimentos, ou esse enamoramento, não podem ser expulsos. Esses sentimentos, ideias, sensações surgem e não podem ser simplesmente dissolvidos rapidamente, essa é uma das condições para o tratamento psicanalítico.
Ele afirma que quando pretendemos trabalhar com o método psicanalítico invocamos “um espirito do submundo para que venha à superfície” e que não é coerente ao tratamento “mandarmos ele de volta, sem ao menos lhe fazermos uma pergunta” (FREUD, 1915[1914]/2017, p. 171). Podemos concluir também que, tal qual o amor de transferência, que surge no corpo do outro psicanalista, o “espírito do submundo” não vai deixar de aparecer para aquele analisante, de um jeito ou de outro – tal qual ocorre, por exemplo, no filme O Lodo.[2]
Logo depois, Freud conta uma anedota do pastor e do corretor para nos dizer que se cairmos no jogo do analisante estaremos, nesse momento, simplesmente abrindo mão do tratamento. Que nada pode ser feito ao toparmos, cedermos, a esse amor. Isso não quer dizer que devemos “desviar a transferência amorosa, afugentá-la ou estraga-la na paciente; também nos abstermos ferrenhamente de toda correspondência desse amor” (FREUD, 1915[1914]/2017, p. 174).
É necessário darmos espaço para escutarmos o sentimento para além do sofrimento, para além do amor e fazermos uma interrogação sobre esse sentimento. No texto “A metáfora do amor: Fedro”, que está no capitulo “A mola do amor” do Seminário 8, Lacan (1960-61/2010, p. 54) avisa que “nada de melhor podemos fazer, nesse sentido, do que partir de uma interrogação sobre aquilo que o fenômeno da transferência é considerado imitar ao máximo, até mesmo chegando a confundir-se com ele: o amor”. Assim, os sentimentos que surgem em uma análise precisam ser lidos, o analista não pode abstrair deles ou evitá-los, mas interrogá-los.
Lacan avisa que o texto freudiano fica às voltas com o amor, diferenciando-o do amor transferencial, em que há uma “suspensão no problema do amor, uma discórdia interna” (LACAN, 1960-61/2010, p. 55), pois é preciso tentar saber o que se passa numa análise, numa “ação analítica”. Mas, podemos assegurar a partir do texto freudiano, que há um objetivo nesse amor transferencial: é a “descoberta da escolha do objeto infantil e das fantasias que o enredam” (FREUD, 1915[1914]/2017, p. 176). Ele se pergunta se há diferença entre o amor transferencial e outros amores e afirma que os dois têm uma certa autenticidade, mas só a transferência coloca o trabalho psicanalítico da escuta do inconsciente em movimento.
O enamoramento, por sua vez, é composto de “reedições de traços antigos e repete reações infantis”, já que
a natureza e a qualidade das relações da criança com as pessoas do seu próprio sexo ou do sexo oposto, já foi firmada nos primeiros seis anos de vida. Ela pode posteriormente desenvolvê-las e transformá-las em certas direções, mas não pode mais livrar-se delas. (FREUD, 1915[1914]/2017, p. 248).
No amor transferencial existem algumas diferenças, já que este é provocado pela análise, potencializado pela resistência ao tratamento e menos preocupado com as consequências sociais. Ele cabe ao tratamento.
Para Lacan é necessário entender a transferência como uma articulação e implicação ao simbólico, ao imaginário e ao real, é uma condição de leitura da transferência e é “impossível comparar a transferência e o amor, e medir a parte, a dose, do que se deve atribuir a cada um, e reciprocamente, de ilusão ou de verdade” (LACAN, 1960-61/2010, p. 51).
No texto “Uma conversa sobre o amor”, Miller (2010) fala que Freud nos avisa que o vínculo social é um vínculo erótico ou amoroso, que a psicanálise, em Lacan, inventou um novo amor, e que Freud inventou um novo Outro, um tipo de Outro ao qual o analisante possa dirigir o seu amor. Um Outro que possa dar novas respostas ao amor, respostas diferentes e, talvez, mais adequadas àquelas que encontramos cotidianamente. Ler esse texto de Miller, que apresenta uma leitura do que Freud inventou – “Um novo Outro” –, nos faz retornar a “Observações sobre o amor transferencial”, pois todas as recomendações implicam esse novo Outro. Todas as recomendações são para o psicanalista e seu lugar no mundo. No texto, Freud tenta ensinar ao analista a suportar e a usar, a favor do tratamento, o amor dirigido a ele – o que o analisante dirige ao analista e o que é possível que o analista “devolva” ao analisante.
Para finalizar, Freud (1915[1914]/2017) faz observações importantes, equivalendo o psicanalista a um químico e dizendo que não é porque o químico trata de materiais explosivos que ele é proibido de manuseá-los, assim como o psicanalista também fica às voltas e trata de materiais explosivos. Afirma que não precisamos, e nem o mundo precisa, do furor sanandi, ou seja, tentar curar o doente a qualquer custo. Para ele, o material a ser manuseado precisa de tempo e uma certa coragem, ou aposta no inconsciente, e que, principalmente, a ética precisa estar próxima da técnica. Me parece, portanto, que, nesse texto, o que orienta Freud é a ética. Assim, dizer “sim” ao amor transferencial é dizer “sim” ao tratamento e ao inconsciente.
O texto do Miller (1997) “O método psicanalítico” faz laço com o texto de Freud ao dizer que esse método não tem padrões, mas tem princípios. Melhor dizendo, não é orientado pela técnica, mas sim pela ética, e que em “análise não há paciente à revelia de si mesmo” (MILLER, 1997, p. 223). Há uma diferença entre o paciente que está na análise e aquele da psiquiatria que pode ser encaminhado por outros, tal qual a criança que é encaminhada pelos pais: em análise, o paciente precisa querer ser paciente. No texto “Observações ao amor transferencial” Freud (1915[1914]/2017, p. 168) nos avisa inclusive que a família decidir pelo paciente não tem nenhum efeito de tratamento, pode no máximo atrapalhar, e conclui: “O amor dos parentes não consegue curar uma neurose”.
Em relação ao texto de Miller e ao de Freud poderíamos também afirmar que precisamos localizar numa análise sempre o dito e o dizer, o enunciado e a enunciação, e que a declaração de um amor de transferência precisa ser lida desta forma: isso foi dito, mas o que isso quer dizer, a que se refere? Isso para que, de um modo ético, possamos encontrar ou formular uma resposta que tenha lugar para o tratamento ou para o inconsciente, que dê lugar para a “boca maldita”, pois, no amor transferencial, o analisante demanda uma resposta que o inclua na repetição infantil, no mesmo de sempre, colocando em ordem o sintoma que funcionava muito bem até aquele momento.
Isso que Miller traz sobre o dito e o dizer se mostra em seus exemplos pelo enamoramento dirigido a uma análise, mesmo que não seja o amor transferencial estabelecido por Freud – uma paixão –, mas, em todos os aspectos, a palavra precisa ser escutada, dando lugar para o que vem junto dela, acoplado a ela. Miller dá o exemplo de uma mulher que chega aos prantos no seu consultório: ela sabia que ele iria viajar, e ele diz que talvez seja por isso que ela chega dessa forma, dizendo que os filhos sairiam de viagem sem ela. Ele sorri, dizendo que esperava que seu sorriso tenha sido verdadeiro, pois não cabe ao psicanalista “participar emocionalmente das situações afetivas dos pacientes demonstrando sempre que compreende ou sente ternura” (MILLER, 1997, p. 244), e que é preciso avaliar cada caso, tal qual Freud. Isso não significa não acolher, mas fazer um cálculo que possa autorizar o que pode vir a posteriori, que é no dizer, na enunciação.
O que fazer com o amor que surge em análise?
Ao ler o texto de Freud, lembrei-me de um caso que Oscar Ventura (2020) trouxe na XXIV Jornada da EBP Seção Minas, em uma conferência com o nome “O Amor. Sempre Outro”, que tratava do amor, do amor repetição, do amor em Freud e do amor em Lacan como elaboração de saber, ligado ao Outro. Mas trago aqui o texto intitulado “A mulher pródiga”, que apresenta um caso muito bem trabalhado por Ventura (2003/2005) e que está em La pareja y el amor: Conversações Clínicas com Jacques-Alain Miller em Barcelona.
Nesse texto, Ventura traz o caso de uma psicose ordinária estável por mais ou menos 37 anos, que ele chama, tal qual Miller (1997) em Lacan Elucidado, de pré psicose. Ela estava estabilizada em um casamento em que o marido, por causa dos trabalhos, fazia viagens. Quando esse casal decide ter um pouso e pensar em filhos, surge a instabilidade. Em seguida, surge uma posição delirante em relação a um professor de Yoga e a separação do marido. Nesse momento, ela estava em uma primeira análise. Ao se separar, ela decide vender todas as suas coisas e voltar para a sua cidade, com uma mala e o endereço de um novo analista. Fica errante na cidade por um tempo, entre hotéis, lugares e com seus perseguidores, pois havia um delírio de perseguição ao seu redor.
Na análise com Oscar Ventura, ela tira os objetos da mala, os deposita no tapete e começa a falar, e depois que se encerra a sessão, os recolhe novamente. Em um certo momento, passa a deixar seu dinheiro nos lugares, a pagar muito mais que o necessário, a não aceitar troco e, na análise, quer pagar em dobro, o valor do ano todo, com o que o analista não consente. Até o momento em que ela decide entregar a ele os objetos da mala: o analista não aceita, mas consente em guarda-los. Nesse momento, esse lugar vira uma âncora na cidade e o “aumento progressivo do amor começa a ser notado” (VENTURA, 2003/2005, p. 201).
Com as joias guardadas, algo se estabiliza e o mundo é dividido em dois: um, dos perseguidores, e o outro, de pessoas que assumem “o status de deuses, pelos quais vale a pena existir” (VENTURA, 2003/2005, p. 202). Ela começa, assim, a traduzir textos de psicanálise, fazendo o que chama de suas próprias versões; o analista passa a ser o depositário dessas versões e a análise ocupa um lugar fundamental para o seu tratamento e estabilização, um lugar para sua história, e os fenômenos persecutórios ficam mais distantes dela, menos invasivos. Nesse momento, o “analista agora encarna o fiador do psi, é um deus protetor e às vezes basta um simples chamado para organizar os ânimos” (VENTURA, 2003/2005, p. 203).
Em relação ao aumento do amor transferencial, Ventura relata que
a insistência em aumentar a periodicidade das sessões aparece como um obstáculo, ela aspira ser a única paciente, ela se diz analista! […]. Esse sujeito ama o analista e os deuses começam a exigir sacrifícios de amor, o corpo começa a tremer e não há país para onde fuja a menos que outro seja inventado. (VENTURA, 2003/2005, p. 202)
O manejo da transferência no caso da “mulher pródiga” é um instrumento evidentemente fundamental e algo a ser verificado. Até que ponto é possível regular essa erupção de gozo que recaí sobre o corpo do analista, já que a transferência se torna explicitamente erotomaníaca? Ventura descreve todas as artimanhas feitas por essa mulher para ter o objeto amado, tal qual descrito por Freud em “Observações sobre o amor transferencial”: ela compra roupas, veste-se de modo sedutor, liga para o analista em horários desnecessários para perguntar se pode ser atendida, se pode ir para casa dele, convida-o para jantar e descobre o endereço de sua casa. Manda-lhe presentes pelo correio, que são imediatamente devolvidos.
Acontece aí o choro e o ranger de dentes, o bater de portas, os xingamentos, ela se enfurece… mas volta. Essa, talvez, nesse caso, seja a orientação dada pela analisante. Ela volta. Assim, “são esses momentos em que ela não é o manejo privilegiado da transferência, não se trata do não da rejeição ou do não de uma negação pura e arbitrária, mas um não de um manejo, um não que cumpre” (VENTURA, 2003/2005, p. 203). Ele age e esse manejo da transferência começa a produzir outros efeitos.
Vi nesse caso de Oscar Ventura uma ótima oportunidade de exemplificar as questões sobre o amor transferencial e seu manejo. Após essa intensa posição da analisante, ela passa a acreditar que ele a roubou, e logo que se esvazia esse excesso ela se sente em falta e passa a verificar os objetos, se eles continuam ali guardados. Depois de algum tempo, pede de volta os objetos para depositá-los em um banco, vai espaçando a periodicidade das sessões e o analista vai consentido. Em uma sessão, chega bem, arrumada discretamente, com uma caixa na mão e diz, de forma imperativa, que aquele presente ele precisava aceitar. Ele pede para ver: em uma caixa estava uma escultura do analista, feita por ela. Ela conta como foi feita, o material, etc. E ele o aceita: a escultura é um trabalho que inclui o analista e a história da analisante e seu pai.
Podemos concluir que o amor transferencial, a transferência, da forma que ela vier, está ali em função do método psicanalítico, é preciso escutar como algo a favor do tratamento, a favor do sujeito, pois, como afirmou Miller (1997, p.235), a “primeira incidência clínica da ética da psicanálise é o próprio sujeito”.