Samyra Assad
Psicanalista
Membro da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP)
E-mail: samyra@uai.com.br
O que sustenta a formulação clínica de que uma experiência analítica, levada ao seu termo, apresenta restos inanalisáveis? Essa questão, para ser abordada, nos abriria, a princípio, pelo menos três perspectivas:
Há algo que, inevitavelmente, as palavras não alcançam;
O saber não tem relação direta com a verdade;
O sinthoma.
De algum modo, essas três perspectivas apontam para o que resulta de uma busca da verdade na experiência analítica, através de uma interpretação do texto desconhecido de um sintoma ou sofrimento neurótico. Podemos dizer que elas apontam para uma depreciação da verdade, na medida em que não há verdade que seja toda, há apenas efeitos de verdade, mediante o saber. A verdade varia ao longo de uma experiência analítica. Não a dizer toda traz em si um impossível compatível com a ignorância estrutural que se define pelo próprio recalque, tanto em sua forma mais elaborada no não-saber inerente ao sintoma, quanto no limite insondável entre o estranho e o íntimo no gozo que afeta o corpo. A verdade como impossível, portanto, está do lado do real.
Se Lacan libera a psicanálise de uma crença no verdadeiro, a perspectiva central que conduziria a operação analítica seria o real. Assim, diz-nos Miller (2014, p. 28-29), “do lado da palavra, nos encontramos com o real sob a forma do impossível de dizer […]. Haverá sempre um déficit ligado à verdade, sentido e interpretação em relação a um mais além”. Se verificamos que, numa trajetória analítica, depois de um longo percurso, um ponto de basta na busca do sentido, da verdade, adquire um lugar nessa experiência, pode-se dizer que o mais além estará, então, fora de uma articulação simbólica, ou logicamente anterior a ela.
O final de uma análise demarcará a estrutura de um encontro com o ininterpretável da marca de uma língua no corpo primitivo. Se essa marca da língua no corpo induz ao efeito de gozo ligado aos traços simbólicos que trazem significados para o sintoma, uma análise os separa para nos demonstrar que, antes de ter um sentido, um traço simbólico teve valor de gozo que repercutiu no corpo como eco de um dizer (LEGUIL, 2022).
Assim, “Quando não sabemos que nome dar a esse sujeito que não se relaciona com os significantes, e sim com o corpo, o chamamos de parlêtre” (BRODSKY, 2019, p. 11) – campo da opacidade do gozo, vacuidade que se trata de produzir na experiência analítica. É possível dizer que nisso se coloca um enigma condensado em um resto, ao qual uma experiência analítica em seu fim retorna. Como uma irrupção contingente, notadamente nas imagens dos sonhos de final de análise, tal como nos testemunhos de passe de Deborah Rabinovich e de Clotilde Leguil,[1] permite-se uma leitura da escritura inerente a esse corpo, trazendo, assim, “o resíduo encontrado no fim, de seu começo enigmático” (LAURENT, 2020, p. 171).
Esse momento contingente conduz ao alívio da impotência do drama neurótico pela impossibilidade fixada na estrutura da linguagem (LACAN, 1972/2003, p. 480).[2] É quando o mesmo, que permanece atual, ganha uma nova face, mas contando com um fundo de indeterminação. Reconhece-se aí a parte do semblante que toca o real como impossível, o que possibilita um novo uso das marcas de gozo, do qual um sinthoma se encarrega. É possível, por exemplo, que o nó – ou arranjo – do sinthoma surja da própria experiência analítica, e, por sua ex-sistência, traga o que indica sempre a correlação “a uma saída para fora de” (MILLER, 2022, p. 10), ou seja, que se ultrapassou onde foi preciso ter passado.
Resta apenas “a estranheza do que pode se dizer do amor ao inconsciente tal como ele é lido” (LAURENT , 2022, p. 125), esse traço do exílio da relação sexual. Trata-se de uma leitura após a qual não resta mais nada para ver.