Resumo
Este trabalho aborda o manejo do tempo no tratamento psicanalítico, as orientações de Freud sobre a duração das sessões e as elaborações de Lacan sobre o tempo lógico. Também pretende estudar como as modulações do tempo das sessões analíticas permitem entender o inconsciente como efeito de discurso.Palavras-chave: tempo, lógica, inconsciente, escansão.
Abstract
Time and the unconcious
This paper delas with time management in psychoanalytic treatment, Freud’s orientations on session’s time, and Lacan’s elaborations on logical time. It also intends to study how the time modulations of the analytic sessions allow us to understand the unconscious as a discourse effect.Keywords: Time, logic, unconscious, scansion.
Foto do Museu Mineiro
GUILHERME CUNHA RIBEIRO
Psiquiatra e psicanalista, membro da EBP e da AMP
Para começar a falar sobre o tempo e a psicanálise, é importante dizer que não há como definir um standard, um padrão para o tempo no tratamento, seja para o tempo das sessões, seja para a duração do tratamento. As orientações nesse sentido — aquelas ditadas por Freud ou as que partiram do ensino de Lacan — são recomendações para que a direção do tratamento se dê caso a caso. Quando Freud trouxe contribuições a respeito do tempo em psicanálise, o fez como recomendações que não foram tratadas por ele como princípios fundamentais da psicanálise. Lacan aportou suas contribuições ao incluir o tempo dentro de uma lógica do tratamento. Éric Laurent (2007) nos mostrou de maneira muito clara que o único standard da psicanálise é o do caso a caso, o da singularidade. Portanto, o ensino e a prática da psicanálise nos mostram que o manejo do tempo é essencial para seguir em direção do que é singular.
A ausência de standard no tratamento ganha um estatuto de princípio do ato analítico, e uma das justificativas para tanto, em especial no que concerne ao tempo das sessões ou à duração do tratamento, é que a psicanálise reconhece a incidência do tempo nas manifestações do inconsciente. A consequência dessa incidência é que o manejo do tempo é indissociável da política da psicanálise.
É preciso considerar que a psicanálise mudou com o tempo. Miller (2002) faz um percurso da psicanálise no tempo e indica que Freud inventou a psicanálise nos tempos da sociedade disciplinar, que interditava a sexualidade. O que escapava ao interdito e às regras da sociedade foram objeto do trabalho de Freud. Na releitura de Freud feita por Lacan, temos o uso do Nome-do-Pai, do recalque, da castração e dos conceitos de metáfora e metonímia para formalizar o inconsciente. Lacan, mais além dessa releitura da obra de Freud, aponta que é a própria linguagem que opera a interdição: pluraliza o Nome-do-Pai e revela um novo operador, o objeto a, que obtura a falta. Mais ainda, Lacan aponta a inexistência do Outro e indica que o gozo não faz mais oposição ao desejo e passa a ser o operador que indica que, no nível da pulsão, “o sujeito é sempre feliz”. Miller assinala que é esse o campo do inconsciente em nosso tempo, recuperando a máxima lacaniana “o inconsciente é a política”.
Portanto, o inconsciente orienta o tempo no tratamento, seja em suas manifestações sintomáticas, seja nos sonhos, lapsos ou chistes, assim como aponta para o real, como podemos apreender a partir dos avanços que Lacan trouxe no seu último ensino.
Em sua teorização sobre o inconsciente, Freud (1915) propõe que “os processos do sistema Ics são atemporais”, ou seja, não se alteram nem fazem referência ao tempo. Essa referência ao tempo só ocorre no sistema consciente. Os mecanismos de manifestação do inconsciente se dão pela condensação e pelo deslocamento, com ligação aos materiais ideativos no nível consciente. Esse material se manifesta por meio de sintomas, sonhos, chistes e atos falhos, revelando o infantil. Portanto, para Freud, a passagem do tempo não interfere no material inconsciente, que pode estar disponível com a suspensão do recalque.
Ao falar sobre o início do tratamento, Freud (1913) propõe como recomendação um princípio pessoal: que o tratamento tenha um início considerado provisório, “por um período de uma ou duas semanas”, para que se possa avaliar as condições e a pertinência de tratar ou não o paciente. Esse tempo seria aquele necessário para uma avaliação diagnóstica da possibilidade do tratamento. Lacan nomeou como preliminar o momento do tratamento que visa a estabelecer se há um sofrimento articulado a uma posição de gozo, sendo a localização desse gozo o trabalho nesse tempo. Cabe ao analista saber transmitir ao candidato à análise uma questão sobre esse gozo, o que dá ao tratamento a direção para o inconsciente. Essa localização de gozo indica que o tratamento deixou o tempo preliminar para abrir-se à possibilidade do que é atemporal, o material inconsciente, e passar a ser contado no tempo.
Sobre a prática da psicanálise propriamente dita, Freud (1913) revelou como manejava o tempo no tratamento. Ele dedicava, a cada um de seus pacientes, uma hora de sessão, abrindo espaço para uma variação do tempo quando alguns pacientes “gastam a maior parte dessa hora para se extroverter e tornar-se comunicativos”. Ele considerou que o tempo que o psicanalista dispõe para cada paciente é de responsabilidade do paciente, que deve estar presente e pagar por sua presença ou ausência, não importando a razão de sua falta. Freud não vacila mesmo com doenças que possam ocorrer. Ele abre exceções quando a doença impede a presença, mas, nesse caso, o tratamento só é retomado com a total disponibilidade do paciente. Freud atendia, diariamente, de seis a oito pacientes, seis vezes por semana, permitindo uma redução para três atendimentos semanais em “casos leves ou continuações de tratamentos bastante avançados”.
Quanto à provável duração do tratamento, Freud expressou que essa questão “praticamente não pode ser respondida”, mas o que ele assevera é que, na psicanálise, “trata-se sempre de longos períodos, semestres ou anos inteiros”. Como vemos, desde o início, a duração do tratamento sempre foi prolongada. Freud costumava limitar os tratamentos em meses ou poucos anos. Hoje em dia, a duração é ainda maior, podendo ser contada em décadas. As experiências relatadas pelos analistas que puderam testemunhar sobre o término de sua análise nos revelam que é sempre assim. De qualquer forma, tanto a entrada quanto a saída estão a cargo do paciente; ele é o senhor da decisão de terminar uma análise, assim como foi dele a decisão de entrar. Cabe ao analista se posicionar em relação ao final, de acordo com cada um.
Em certa ocasião, Freud encontrou uma razão para modificar suas orientações em relação ao tempo de tratamento. No caso do Homem dos Lobos, ao constatar que o paciente se mantinha em uma apatia, sem avançar, sem conseguir abordar seus sintomas, Freud fixou um momento para encerrar a análise. Ele informou ao paciente que a análise terminaria em uma determinada data, não importando o quanto houvesse progredido. Essa proposta executada por Freud foi a forma encontrada para que o sujeito pudesse achar uma saída para o que parecia ser infinito, o gozo pulsional experimentado pelo paciente. Essa experiência vai ser repetida e sistematizada por Lacan ao teorizar sobre o tempo lógico nas sessões de análise.
A elaboração de Lacan (1945) sobre o tempo lógico orientou sua teoria sobre a duração das sessões no tratamento analítico. Destaco que, além dos tempos lógicos — instante de olhar, tempo de elaborar e momento de concluir —, Lacan expressa a presença de acontecimentos que fazem parte dessa lógica. A lógica que orienta o tempo das sessões é extraída a partir da análise de um sofisma que já é bem conhecido: três prisioneiros são informados pelo diretor da prisão que um deles poderá ser liberado diante da apresentação da solução de uma questão. Os três presos em uma sala receberão um disco cada um, branco ou preto, de um total de cinco discos, sendo três brancos e dois pretos. Cada um deles poderá ver os discos dos outros e poderá sair da prisão quando concluir e explicar logicamente qual é a cor do seu disco. No desenvolvimento do sofisma, todos os três detentos recebem discos brancos e, após algumas escansões temporais, todos saem ao mesmo tempo.
A solução para esse sofisma é a seguinte: toma-se o prisioneiro A como o sujeito real e os prisioneiros B e C como sujeitos refletidos, pois todos eles estão com discos brancos. Quando A vê o disco branco em B e em C, ele pensa que tem duas soluções possíveis, dois brancos e um preto ou três brancos. No momento inicial, a única solução que traria uma resposta imediata é “diante de dois pretos, sabe-se que se é branco”. Fora disso, o problema é insolúvel se não se considerar uma modulação do tempo, abrindo-se um tempo para compreender. Aqui tem que se levar em conta a inércia do outro, quando B e C não saem assim que veem os discos dos semelhantes, o que um deles faria se estivesse diante de dois pretos. A inércia do outro, ou seja, uma modulação do tempo, é um acontecimento que se traduz na forma de escansões temporais atreladas à procrastinação. Após as escansões temporais, o sujeito A se apressa em sair para se afirmar branco. Junto com ele saem os sujeitos refletidos B e C.
O primeiro acontecimento é a escansão do tempo quando, no instante do olhar, se conclui que o problema é inicialmente insolúvel, pois a proposição necessária para a conclusão imediata está ausente. Essa escansão fornece um fato contingente: o de ser preciso compreender como cada um dos sujeitos refletidos irão agir; o tempo para compreender. O segundo acontecimento é a dúvida apresentada pelos três sujeitos quando caminham em direção à saída para dizer qual é a sua cor, no momento de concluir, não sem antes verificar que os outros dois também pararam.
Os acontecimentos do sofisma indicam o manejo do tempo na sessão analítica. Temos a escansão no tempo e o corte. Na escansão do tempo, a elaboração significante remete o sujeito a um sentido, S2, que interpreta o discurso do inconsciente, S1. Já o corte da sessão pelo analista produz uma interrupção na elaboração significante, tomada como procrastinação do saber, com o corte indicando para a posição de objeto. A função do corte visa a apressar essa elaboração de saber.
O sofisma apresentado nos mostra que, para a compreensão do tempo pela psicanálise, é preciso levar em conta que se trata de uma questão de lógica. Mas, além disso, ele contribui para Lacan progredir na definição de inconsciente em seu último ensino. Em “Televisão” (LACAN, 1973), Miller indaga Lacan sobre o inconsciente ao dizer: “Inconsciente — que palavra esquisita!”. A resposta de Lacan é que Freud não encontrou outra melhor. Mas, se no inconsciente freudiano trata-se de suspender o recalque para retirar o sujeito da atemporalidade, o inconsciente lacaniano se revela na escansão do tempo. No entanto, Lacan (1976) continua a avançar e diz que “quando o esp de um laps — ou seja, visto que só escrevo em francês, o espaço de um lapso — já não tem nenhum impacto de sentido (ou interpretação), só então temos a certeza de estar no inconsciente”.
Lacan ultrapassa o inconsciente freudiano, sustentado pelo recalque instituído pelo Nome-do-Pai, para falar de um inconsciente como sua razão no “espaço de um lapso”. Aqui, o inconsciente não mais se sustenta na atemporalidade, numa eternização que só é suspensa quando o recalque é desvelado pela interpretação. O inconsciente surge no lapso de tempo, no intervalo do discurso, entre os significantes, fora do sentido e fora da interpretação. O inconsciente só se verifica por estar em um discurso, e a modulação do tempo decorre do efeito da estrutura significante.
À guisa de conclusão, volto à estrutura do tempo lógico, que está enlaçada com o conceito de inconsciente. Além dos tempos lógicos, nomeados como instante de olhar, tempo para compreender e momento de concluir, o sofisma apresenta a modulação do tempo em dois momentos: na espera pela elaboração significante e na urgência em concluir. Essas modulações são efeitos de linguagem, são efeitos da estrutura significante. Jésus Santiago (2004) aponta que é a estrutura significante que determina a posição subjetiva da espera, essencial na erótica da sessão analítica. Além disso, do lado do analista, a estrutura significante exige a modulação temporal da urgência. Essa exigência se impõe para que o analisante não se mantenha eternamente em uma elaboração, para que ele não se mantenha na procrastinação, na evitação, na demora em saber sobre sua posição de gozo. A urgência em concluir trabalha contra essa procrastinação e aponta para o objeto a, abrindo a possibilidade de um saber sobre sua posição de objeto. Santiago reforça que “para um analista lacaniano importa mais a suspensão do que a duração da sessão”. Portanto, se, no momento em que Miller o indaga sobre o nome “inconsciente”, Lacan vacila em encontrar um novo nome, posteriormente, o lapso é um significante que ele encontra para dizer de um inconsciente que não leva em conta a significação, um inconsciente articulado com o real.