Patrícia Ribeiro
Esta edição da Almanaque On-line traz um desdobramento do número anterior, quando o foco da pesquisa do IPSM-MG, em consonância com os temas do XIV Congresso da AMP e da 26ª Jornada da EBP-MG, foi o de explorar o aforismo lacaniano “todo mundo é louco, ou seja, delirante”. Tal loucura se define pela crença em um Outro que, ainda que não exista, protege o ser falante daquilo que é insuportável no real. (Leia mais)
UMA EXPERIÊNCIA DE SORTE – SÉRGIO DE MATTOS
Estou honrado pelo convite de ser o responsável por esta atividade que é a aula inaugural do instituto IPSM-MG. Agradeço em especial à Lilany e à Diretoria pelo convite. Essa atividade inaugura o começo dos nossos trabalhos do segundo semestre deste ano. Inaugurar e começar são praticamente sinônimos. Entretanto, a palavra “começar” nos remete a uma continuidade, por isso falamos de começar a analisar-se, e não em inaugurar uma análise. Inauguro, assim, o começo das atividades do Instituto com o assunto que ocupará nossa atenção no X ENAPOL, cujo título é “Começar a analisar-se”. Esse título foi escolhido com cuidado pela sua importância clínica… (Leia mais)
A CLÍNICA NA ERA DO REAL – ESTHELA SOLANO-SUAREZ
A clínica psicanalítica não é uma clínica do comportamento, nem de seus transtornos. Ela não se confunde com uma visada educativa que se declina segundo os critérios em conformidade com uma “norma”. Ela não se limita a um puro formalismo prático, que quer explicar aquilo que se faz ou que não se faz (LACAN, 1955/1998, p. 326). A clínica psicanalítica não se encontra em nenhum outro lugar a não ser “no que se diz em uma análise” (LACAN, 1977, p. 7, tradução nossa). Não é, portanto, uma clínica do fazer, mas uma clínica na qual o dito se renova não por uma realidade factual, mas por sua relação com o dizer. (Leia mais)
O ATO DE LEITURA EM PSICANÁLISE – RAM MANDIL
O que pode ser o ato analítico na época dos protocolos e das diretrizes terapêuticas, em que a ação ideal consiste em reduzir, ao mínimo, toda possibilidade de imprevisto? Como observa Éric Laurent, trata-se de um ”ideal de ação calculada”, na medida em que um ato é concebido como assimilável ao raciocínio, como a conclusão lógica das suas premissas. Ele nos lembra que vivemos a era da gestão como modelo da ação, como cálculo de proveitos e codificação das escolhas, em nome do bem-estar individual ou coletivo. Nesse sentido, é importante colocar o ato analítico em perspectiva, numa época em que se busca tamponar os encontros, cada vez mais frequentes, com a inconsistência do Outro. Assim, podemos dizer que há uma foraclusão do ato em muitos domínios de nossa cultura que envolvem a tomada de decisões, quando se manifesta uma descontinuidade entre o ato e suas premissas. (Leia mais)
ALMANAQUE ON-LINE 32 ENTREVISTA OSCAR VENTURA
Almanaque On-line: Em seu texto “Quando um sonho desperta Um corpo”, há um ensinamento em que clareza e beleza se combinam em uma transmissão. Cito abaixo a frase em questão, e peço que nos fale como o analista pode chegar a esse ponto de “precisão” que você disse e que marca a fineza de uma clínica lacaniana.. (Leia mais)
CINCO TESES SOBRE AS NÚPCIAS DO DICO E DO NEURO – HERVÉ CASTANET
Uma tese invade hoje a episteme e pretende fazer a separação entre o que é clínico e o que não é. Orientados pela psicanálise, é necessário esfregar os olhos para perceber o que tem sido bombardeado: o cérebro é uma máquina – à maneira sofisticada de Turing – de processar informações. É o órgão no qual reside toda causalidade dita mental.
O mental aí se reduz ao neuronal, e o inconsciente, que nada tem a ver com aquele de Freud e de Lacan, pode ser aceito com a condição de que seja provido de córtex. Querer enlaçar traço sináptico e traço psíquico, ainda que se referindo ao primeiro Freud, participa desse mesmo empreendimento de naturalização: o inconsciente, sim, mas não sem o neocórtex. (Leia mais)
Adeline, uma garotinha reservada – Jacqueline Dhéret
A garotinha de sete anos e meio, que recebi durante dois anos e revi novamente quando esteve em Lyon, me contou suas preocupações. Ela “não sabe como fazer” com seu pai. Ela veio acompanhada pela mãe, que explica a situação insustentável que vem enfrentando há vários anos. O juiz de família encarregado do divórcio dos pais planeja encaminhar o caso ao juiz da infância, porque o pai de Adeline, que se afirma transexual,vive um relacionamento com um companheiro. O juiz esteve com os pais e está reticente em permitir que a criança frequente a casa do pai, que está disposto a continuar a ver sua filha. A criança circula entre pai e mãe e permanece calada. (Leia mais)
Neurose e psicose: um início de compreensão – Luciana Silviano Brandão
No pequeno texto “Neurose e psicose”, escrito e publicado por Freud em 1924, há, pela primeira vez, a ocorrência do termo “psicose” em um título. Vê-se também a separação entre duas entidades clínicas: neurose e psicose. Vale lembrar que as concepções tratadas aqui são fruto dos avanços do psicanalista em sua elaboração da segunda tópica e, especialmente, depois de “O eu e o isso”, publicado no ano anterior. (Leia mais)
Manuscrito H – Elisa Alvarenga
Começo com uma pergunta: a psicose é para Freud uma estrutura, no sentido lacaniano do termo? Abordada inicialmente no quadro das “Neuropsicoses de defesa”, a psicose é vista como uma maneira específica de defesa, e como tal distinta da neurose. Freud se interessa num primeiro momento pelas psicoses, no plural, pois ele distingue diversas maneiras de enfrentar realidades penosas, no sentido de representações inconciliáveis com o eu. O mecanismo do recalque já está então no centro do problema. (Leia mais)
Constituição e perda do campo da realidade – Kátia Mariás
Para Freud, a condição para que a realidade seja constituída é que algo seja subtraído ao sujeito, funcionando como índice de uma realidade externa. É esse vazio subjetivo que organiza e corrige o mundo interno.
O campo da realidade não é dado a priori, precisa ser construído, pois não depende da percepção do objeto, não diz respeito a nenhuma realidade exterior, mas refere-se ao objeto perdido. (Leia mais)
Comunicação de um caso de paranoia que contradiz a teoria psicanalítica – Lucia Mello
Comentar o ensaio clínico de 1915 intitulado “Comunicação de um caso de paranoia que contradiz a teoria psicanalítica” provoca surpresa desde seu título, acarreta indagações diversas sobre o tema da paranoia, conduz às conexões, releituras com outros textos e tanto amplia quanto demonstra o trabalho de Freud seguindo as implicações do sujeito como categoria operatória na trama dos elementos que constituem sua história. (Leia mais)
Diferentes usos da droga – Marcelo Quintão
O conceito de toxicomania é uma criação recente e sua importância, seu lugar e seu papel estão em constante evolução, na medida em que se modificam as configurações da subjetividade contemporânea, a cada tempo. Trabalhamos aqui o caso de um paciente atendido na rede pública de BH à luz do trabalho de Fabián Naparstek (2015, 2018) no qual ele nos apresenta, numa articulação com outros conceitos, um percurso histórico e teórico a respeito da presença das drogas em nossa civilização. (Leia mais)
O historiador do detalhe: articulações entre sonho e acontecimento de corpo – Ana Sanders
Em 1936, o filósofo judeu alemão Walter Benjamin (1936/1987), ao localizar o silêncio sintomático dos combatentes que retornaram do campo de batalha da Primeira Guerra Mundial, elabora sua célebre formulação, em seu ensaio “Experiência e Pobreza”, afirmando que a arte de narrar histórias e de compartilhar experiências estaria em declínio. Diante do excesso vivenciado nas trincheiras, os combatentes voltavam mudos e empobrecidos na capacidade de transmitir, através da fala, algo dessa experiência. Tal experiência já havia sido apontada por Freud ao escrever sobre as neuroses de guerra, em 1918, as quais, diferentemente da lógica da neurose de transferência, corresponderiam a uma neurose traumática. Assim, o excesso de uma vivência pulsional não seria sem consequências para os processos psíquicos, apontando, dessa forma, o fundamento dessa neurose na fixação no acontecimento traumático. (Leia mais)
Elucidações sobre acontecimento de corpo e o sonho do “Historiador do Detalhe”, de Carolina Koretzky – Paula Pimenta
O caso do “historiador do detalhe”, apresentado por Carolina Koretzky, é precioso para revelar a função do sonho na psicose, ao que se acrescenta o modo como irrompe o chamado “acontecimento de corpo”. Em seu texto “O historiador do detalhe: articulações entre sonho e acontecimento de corpo”, Ana Sanders especifica sobre a montagem do sonho, para Freud e para Lacan, e descreve o sonho do pequeno Matéo, de oito anos, que lhe serve para “seguir dormindo, com os olhos bem abertos”. (Leia mais)
Será que o racismo mata? – Mônica Campos
Queria começar com o título proposto: será que o racismo mata? Sim, mata! Vemos todos os dias. Mas sugiro aqui dizer que, subjetivamente, há a mortificação do sujeito por práticas racistas.
Não ser racista é algo importante, para que não se reproduza indefinidamente a domesticação da qual se provém. Osvald de Andrade (2009, p. 282), ao falar sobre o preconceito, dispara: “os otários se reeducam”. Neste sentido, nos valemos ainda de Neusa Santos Souza (2021), que indica que, no discurso analítico, cada negro em particular vai elaborar suas questões “que lhe dê feições próprias” (Souza, 2021). Me parece que é fundamental essa colocação de Neusa, de cada um… isso não retira os efeitos mortíferos, nefastos do racismo, mas, de saída, não elimina o que há de singular e a possível mudança de posição. (Leia mais)
O microfone mudo e o psicanalista de chinelo: intervenção no Ateliê de Pesquisa em Psicanálise e Segregação – Lilany Pacheco
Agradeço o convite para estar aqui, hoje, nesta atividade do Ateliê de Pesquisa em Psicanálise e Segregação, neste momento de concluir os trabalhos sobre o tema Racismo e sistema de justiça: como a Psicanálise contribui nesse debate? e, quem sabe, abrir perspectivas para investigações futuras.
Na atividade de abertura das atividades do Ateliê em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Psicanálise e Direito – que girou em torno da seguinte pergunta: “Ser vítima ou réu, na sua relação com o sistema de justiça, faz diferença na forma de tratamento destinada a esses sujeitos?” –, dois aspectos me chamaram a atenção, além daquele já destacado durante o semestre: a fala de Jésus Santiago, de que é preciso furar o discurso do mestre, e duas pontuações do convidado Felipe Mata Machado, procurador do Distrito Federal, uma sobre o não dito e, outra, quando ele se refere às vestes dos juízes, indicando que, em um julgamento, os juízes não podem estar de chinelo. Me recordo de ter pensado: então eles não acreditam no semblante? Em conversas posteriores, Jésus Santiago lembrou que, no escrito sobre a criminologia, Lacan ressalta exatamente o contrário: os profissionais do Direito são ciosos do semblante, levam à sério demais o parecer ser. E eu pensei: o analista pode estar de chinelo! (Leia mais)
Eutanásia: entre demanda e desejo – Araceli Teixidó
Este texto realiza-se a partir de minhas próprias elaborações, mas não seria possível sem as elaborações de outros que pesquisaram comigo, especialmente psicanalistas da ELP e da AMP, mas também médicos e outros profissionais da área da saúde que caminham conosco neste terreno incerto que é a fronteira entre a psicanálise e a medicina.
A ciência alcançou avanços que levam a vida mais além do que seria desejável. Para vidas que podem não ser desejáveis. Isso abre para a decisão de ter que frear a deriva, parar o processo terapêutico, para não chegar a esses extremos em que prolongar a vida não faz sentido. Isto tem sido trabalhado pelo Estado espanhol há anos e algumas fórmulas foram alcançadas para limitar a violência terapêutica. Essas vias eram legais, porque a morte era causada pela doença, mesmo quando ocorria por recusa do paciente em receber a medicação eficaz. Tanto a eutanásia, quanto o suicídio assistido, eram puníveis. Os casos que foram regulamentados com a nova lei são aqueles em que é solicitada a intervenção de um profissional para poder morrer, sem que o paciente se encontre em estado agonizante ou terminal. (Leia mais)
O lugar do analista na interpretação – Ana Menezes
Na atualidade, somos confrontados de forma massiva com terapias que se alinham a noções como as de um “eu consciente de si”, de “controle de emoções” e de outros ideais que se centram na pretensão da reeducação de comportamentos. Esses imperativos, aliados ao discurso capitalista, lançam sobre a relação “terapeuta-cliente”, como é nomeada, lógicas que se remetem à intersubjetividade e à dialogicidade, sustentadas pela crença em uma comunicação inequívoca: ao ensinar, se aprende; ao escutar, se entende. (Leia mais)
Corpos (des) amarrados – Sílvia Coutinho
Circulando em um shopping center, notei a instalação de uma clínica de estética. Na entrada, observo a seguinte pergunta: “o que te incomoda hoje?” – uma interrogação que convida as pessoas a se depararem com seus incômodos no corpo e se dirigirem a esse local que faz a oferta das supostas soluções. Dessa forma, esse estabelecimento, estruturado para a venda de bens materiais ou serviços como cinema, atrações de lazer, agência de viagem e loja de câmbio, amplia a oferta em relação ao corpo, para além das vestimentas. As academias já são vistas, há muitos anos, como local de prática de exercícios e espaço de saúde. Agora, as portas são abertas para essas clínicas de estética, que instigam o olhar do sujeito para sua imagem, sua adequação em relação ao império da beleza e ofertam seus serviços enquanto as pessoas circulam nesse ambiente, já que, na lógica do mercado de consumo, não há espaço para pensar, refletir, fazer escolhas, prescindir. (Leia mais)